segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Uma crítica aos adeptos da arte nonsense

Quando a dita arte influenciada por uma proposta nonsense escreve “nada com nada”, não significa dizer que essa arte tenda a considerar o vazio como um vazio em si mesmo. Quando a arte nonsense mostra que o mundo é permeado de não-sentidos, não significa afirmar que essa manifestação estética admita que inexista qualquer vinculo com uma dada realidade palpável. Quando essa forma de arte diz que não há por que concebermos a legitimidade de uma verdade, não necessariamente ela clama pela impossibilidade de que paire em nossas vidas, a total ausência de verdade.

Em relação ao último ponto, gostaria de lembrar que para o nonsense, a verdade está constantemente em modificações bruscas e provisórias. No que diz respeito ao nada com nada, o que as manifestações amantes do desconexo querem mostrar, é que justamente essas nossas verdades não passam de futuras re-definições que vamos fazer dessas próprias verdades, e que por isso mesmo, as re-definições dessas verdades não passam de presentes lógicas que amanhã podem se tornar tão carentes de evidências quanto as maiores mentiras. Já em se tratando dos não-sentidos, o que os admiradores do nonsense muitas vezes insistem em observar é que por nossa verdade gerar inúmeras outras verdades em um tempo volátil e rápido, uma vez que essas verdades podem ser re-questionadas enquanto o seu estatuto de verdade a todo instante, o não-sentido pertence à vida e por isso mesmo, não deve ser desprezado.

O grande problema da arte nonsense é quando essa arte acha que consegue ser revolucionária trazendo simplesmente o vazio pelo vazio, ou quando os adeptos dessa forma de manifestação colam etiquetas para definir o nonsense em um campo fechado. Ora, na proposta nonsense não encontramos aceitação no que se refere a hierarquizações e classificações. Tudo vale, mas tudo vale porque o que é dito inútil, na verdade, tem sua beleza e sua utilidade. Qualquer leitura que o observador fizer sobre determinada obra é válida, assim como qualquer reação que esse mesmo observador venha a ter com essa arte, seja ela de aprovação ou de repulsa, é válida também. O inferior e o superior, o belo e o feio se horizontalizam e exercitam uma simbiose constante entre eles.

Acontece que os artistazinhos de cabeça de espertezas caralhudas fazem da proposta nonsense algo intelectualóide o bastante para ser atingido por outro público que eles consideram careta e raso, criando classificações e hierarquizações que o próprio nonsense condena. Não basta dizer que gostamos do nonsense meramente como forma de tentarmos consolidar distinções deixando essa forma de arte pertencer unicamente aos seres dotados de especializações acadêmicas. Para esclarecer o nonsense, faz-se necessário ter espírito aberto e não carimbos de adeptos do nonsense.

Entender a arte nonsense pede uma clareza aos olhos daqueles que não compactuam com essa forma de arte muitas vezes por não entenderem a sua proposta. Mas que fique claro que essa clareza não sugere uma espécie de mestria, de catequização ou de nojentos paternalismos. Para tornar a arte nonsense mais compreensível, cabe trazermos a intromissão do absurdo dentro da aparente verdade das coisas, ou seja, mostrar a possibilidade do surgimento do erro no que é convencionalmente estipulado como certo, e mostrar que o que é dito fora da realidade também pertence ao funcionamento da ordem. Enfim, trazer questões do tipo: quantas vezes a justiça não decide de forma tão justa assim? Quantas vezes acertamos sem querer acertar, e quantas vezes planejamos fazer o melhor e terminamos provocando um resultado totalmente contrário ao que estávamos desejando? Quem é que acerta? Quem é que erra?

Nonsense admira a aparente doidice, mas não é meramente doidice. Enfim, o que essa forma de arte busca é fazer com que nos sintamos conscientes das inúmeras conseqüências que podemos dar em nossas vidas diante dos inúmeros contextos nos quais estamos inseridos.

( Este texto foi publicado no dia 02 de fevereiro de 2009 no site do Cinform Online www.cinform.com.br/vinatorto )

11 comentários:

  1. olá vina,

    seu texto me fez lembrar a um epsódio q vivi ainda no ginásio. Uma colega de classe tinha questionado a professora q diabos era a merda escrita de Drummond: "havia uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho havia uma pedra". Logo em seguida disse: "até eu escreveria uma coisas dessas" E o professora inteligentemente respondeu " e verdade". Para variar, proveniente de uma escola particular, um ambiente, creio eu q n desberta, pelo menos n despertou a mim, nenhum senso crítico ou qualquer capacidade de pensar além da realidade dos meus olhos. Enfim, não foi somente esse comentário do nível qnto a arte foram dos parâmetros q estamos acostumados a ver.
    O non-sense me lembra ao dadaísmo, um movimento q propõe o "dada" infantil, o abusurdo do inconsciente, o impensavel, a ofensa ao racionalismo moderno. Diante dos excessos de normatização, ordem e funcionamento da máquina pulsante e a globalização efervescente nada melhor q expôr em tom feroz o humano nesse contexto. Parece q ele não respira e nem vive suas intensidades. E como se vivesse literalmente o vazio, desconhecendo esse vácuo sem limites, terreno ou alicerce cimentado.O homem q destorce a sua "realidade", digamos q pulsional, para viver uma realidade orgânica para um todo atomizado.
    A arte é isso. é para pensar, se não, viver, experimentar sentidos, significados. abrir o leque de significantes desconhecido.

    é isso ai!

    beijão

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  2. Meu caro Vinatorto,
    Sua dissertação sobre o nonsense foi muito esclarecedora para mim. Na verdade eu ainda tinha algumas idéias um tanto equivocadas sobre esse tipo de arte, e me incluo entre esses artistas também, eu acho. Pois muitas vezes tenho vontade de dizer o que parece sem nenhum sentido, contudo só faz sentido. Mas o que me chama mesmo a atenção na sua análise é sua visão bem mais ampla de um dado fenômeno, o torto procura muitas variáveis para sustentar seu julgamento. A epistemologia torta inevitavelmente caminhará nessa trilha de indagações multiplas bem ao estilo de Morin (uma cabeça bem feita)para fazer um julgamento lúcido sobre as coisas. Um bom texto brucutu. hahahaa

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  3. Estar equivocado é diferente de produzir equívocos... Mas aí retornamos ao Daniel outra vez.

    De outro modo, para dizer "sem-noção", precisa-se circunscrever "noção". Já aí temos duas classificações; por sinal, bastante escorregadias. Quem se julgar apto a definir o que é ou não um critério válido, atire a primeira pedra. Temos sempre os senhores da verdade que atiram pedra no viado e não no preto, achando-se mais certos do que os que atiram pedra no preto e não no viado - quando na verdade deveria-se atirar pedras nos políticos e nos pombos, que sujam as praças. E cá estou eu já me enveredando ao nonsense! =P

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  4. Para mim, o nonsense é um caminho muito interessante para desvendarmos a aparente certeza das convenções, que por sinal, querem que a gente aceite de forma cega. Questões como certo, errado, justo, injusto, belo, feio, trminam sendo requestionados dentro do turbilhão nonsense.

    No entanto, o que eu vejo é que a arte nonsense geralmente ainda se concentra entre os individuos provenientes dos meios acadêmicos e esses individuos ao invés de entenderem-na como uma manifestação predisposta a produzir importantes efeitos sociais como conscientizações, novas formas de leituras da realidade, limitam-se ou a entender o nonsense como algo que não se preocupa com questões de cunho social ou faz do nonsense algo caracterizado por uma prolixidade muitas vezes inatingivel para uma maioria sobrevivente de um pais marcado por sua natureza iletrada de tradições orais.

    Contudo eu acho que o nonsense é um caminho mais sensato para se adaptar a essa carga de velocidade incessante dos ritmos do tempo e das novas configurações efemeras do espaço do nosso contexto atual. Só acho que deveríamos deixar de lado a nossa velha necessidade de nos autoafirmar através do inatingivel e fazer o nonsense descer para o chão e se adentrar no detergente da cozinha, no papel higiênico do banheiro, enfim, nas coisas mais visiveis às menos perceptiveis do nosso cotidiano.

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  5. Lou

    "quando na verdade deveria-se atirar pedras nos políticos e nos pombos, que sujam as praças".

    Na verdade, deveria se jogar pedra em tudo, pois tudo está na vida e a vida é uma pedreira existencial. Uma pedra que quebra nossa arcada dentária, uma pedra de crack sendo fumada, uma pedra no rim, uma pedra, duas pedras, três pedras, infinitas pedras...

    Dizer que alguma coisa merece mais pedrada que outra é verticalizar as representações como se no final das contas alguma representação pudesse ser confirmada como plenamente verdadeira em si mesma ao invés de ser mera conveniência. Ai entra o nonsense.

    Sujar praças? Nossas mentiras sujam aos outros, sujam nossas imagens. Ao cagarmos, nós sujamos o reguelento, nós sujamos o papel higiênico, temos o olho sujo de remela e muita meleca no nariz pra ser esfregada nas paredes. Quem merece menos pedrada? os Olhos? os narizes? os cus?

    Quanto a Daniel Peixoto, a proposta dele para mim tá muito longe do nonsense. Ele apenas reforça a idiotice autoafirmativa de uma juventude que se vê diante das faltas de referências e por não terem mais sonhos integros e solidos com a maioria de suas escolhas, tende a encontrar legitimidade em seu grupinho de gente desnorteada com a afirmação do discurso da porra louquice, pois é uma das pouquissimas maneiras de se fazerem vistos e atuantes em um mundo marcado por frios numeros do IBGE e por uma realidade excessivamente morta em sua viva vulnerabilidade de valores.

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  6. "Para tornar a arte nonsense mais compreensível, cabe trazermos a intromissão do absurdo dentro da aparente
    verdade das coisas, ou seja, mostrar a possibilidade do surgimento do erro no que é convencionalmente estipulado
    como certo, e mostrar que o que é dito fora da realidade também pertence ao funcionamento da ordem. "


    Importante. Uma forma de interpertar o mundo nos dias atuais, o não sentido pode ser sentido.
    Pegando como exemplo a quantidade de informações que nos bonbardeiam sem todo aquela legitimação estatetica reinante, a arte "nonsense" seria uma forma de relacionar essas informações por mais que pareça "desordem", a "ordem" multiplicada das coisas está diretamente relacionada assim como as possibilidades de interpretação e requestionamento. Até num sentido ético e fluido, entendo esse "nonsense" como um campo que mistura
    esse conjunto que muitas vezes nos embaralham como uma caixa de arquivos que não consegue dar conta de todas as informações, A critica, o sentimento, a informação, o trabalho, as outras artes. Como vc colocar horizontamento a etica "noseense" é um campo estendido a ser tratado hibridamente. Um "nada com nada" que pode se um "tudo de tudo" um pouco do tudo e um tudo do nada?????

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  7. Essa arte "nosense" vc conseguiu classificar (em um sentido de entender melhor) o os aspectos de muitos textos trazidos no torto, inclusive meus, me enquadro tbm nesse bolo. xD

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  8. Bom, se Daniel não é nonsense, teremos de entrar em acordo quanto ao que estamos chamando de nonsense...

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  9. Lou,

    Eu acho o seguinte: uma coisa é você prezar pela falta de bom senso legitimando a porra louquice como no caso de Daniel. Outra coisa é você misturar o que é convencionalmente considerado bom senso com o intuito de requestionar a própria verdade desse bom senso. Como você disse, "Estar equivocado é diferente de produzir equívocos".

    Daniel fica na falta de sentido sem o intuito de requestionar até que ponto a sua falta de bom senso é capaz de requestionar as verdades consensuais. Não é por acaso que eu admiti minha falha a respeito do primeiro texto no qual eu reconheci que eu havia feito uma leitura em cima do clipe de Daniel como se o meu olhar de fato representasse a verdadeira pretensão desse artista.

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  10. Até onde sei, "nonsense" e "falta de sentido" são o mesmo em idiomas distintos.

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  11. Lou

    Bom, o que eu acho é que nós devemos pensar o que consideramos nonsense sob outro viés. Como eu ja disse, não é por que uma dada manifestação aparentemente não expresse códigos convencionados como aceitáveis para a cultura que necessariamente não possa haver algum sentido nessa manifestação. A falta de precisão permeia o que chamamos de ralidade, assim como a ordem possui um pezinho também no território da desordem, se não possuisse não seria requestionada. Como eu disse em meus textos acerca de Daniel Peixoto, mesmo que alguns ouvintes considerem aquilo ali como o cumulo da futilidade, não significa dizer que não possamos encontrar um material interessante para construirmos uma análise acerca do trabalho do cara. Para mim é dessa forma que devemos encarar o nonsense, ou seja, como uma possibilidade de esclarecer as pessoas que o absurdo comunga com a normalidade e a normalidade comunga com a desordem também.

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