sexta-feira, 29 de julho de 2011

quinta-feira, 28 de julho de 2011

DIALOGISMO: Freire, Vygotsky e Bakhtin

“Escrever e ler como diálogo”

Por Roosevelt Vieira leite


Resumo

A escrita e a fala possuem naturezas diferentes. A primeira é artificial, a segunda ocorre naturalmente. Ensinar a escrita e a leitura deve considerar essa diferença. As teorias de Freire, Vygotsky e Bakhtin nos dão suporte para crermos que o ensino da escrita e da leitura deve ter como base uma teoria Dialogista. Os temas geradores de Paulo Freire dão suporte ao ensino da escrita que trabalha a palavra do povo, ou seja, aquela inserida em um contexto dialógico. Ademias, os conceitos de interação de Vygotsky e de polifonia de Bakhtin nos remetem ao que o teórico brasileiro chama de dialogismo. Escrever e ler para dialogar com as camadas sociais em busca de melhoras concretas e libertadoras como diria Paulo Freire. Essa concepção denuncia o sem-sentido de nossa prática pedagógica no que diz respeito à alfabetização de jovens e de adultos.

Palavras-Chave: Dialogismo, Escrever, Ler, Polifonia.

INTRODUÇÃO

Esse breve artigo pretende mostrar a importância das teorias Dialogistas no ensino da Escrita e da Leitura. O texto apresenta o dialogismo freiriano, vygotskyano e bakhtiano de forma muito sucinta, pois, sua intenção não foi uma análise profunda dessas teorias. O artigo coloca os temas geradores de Paulo Freire como um caminho legítimo e eficaz para a alfabetização e desenvolvimento de uma mente critica capaz de se situar em seu locus e na história. Os autores entendem que por meio da alfabetização dialógica o ser humano pode tornar-se um leitor crítico e um ser escrevente com habilidades para dialogar com o mundo. Ao mesmo tempo, é feita uma pequena crítica ao nosso sistema de ensino que, infelizmente, insiste em impor ao educando o seu discurso. E, inevitavelmente, faz do mesmo um oprimido pela sua alienação. Não temos dúvida que as teorias abaixo comentadas trarão uma centelha de luz para todos que estejam de alguma forma ligados a Educação.

O CAMINHO DO DIÁLOGO

A escrita é um fenômeno humano que depende da aprendizagem. Não é natural. Não existem em nós órgãos criados unicamente para a escrita. Fazemos uso de ferramentas fisiológicas que durante muitos milênios tiveram suas funções naturais exploradas sem a aprendizagem formal. O homem rompeu seu cordão umbilical com a natureza e tornou-se entre outras coisas, um ser escrevente. O ser escrevente é sobre tudo um ser falante. A escrita é a reprodução opaca da fala. Tentar reproduzir o que dizemos de forma escrita não é um algo fácil. Portanto, é necessário o conhecimento de uma boa parte do léxico, um razoável domínio do código e das estruturas morfossintáticas.

A inexistência de um código tornaria a escrita impossível. Assim, os homens de forma escrita não se entenderiam. O mesmo ocorre com a fala. Esta é de forma inconsciente internalizada nos primeiros anos de vida de uma pessoa. O uso da fala é o uso das estruturas lingüísticas interiorizadas num processo dialógico, por isso, sinaliza para a existência de um código. No cotidiano, o falante amplia seu corpus lexical permitindo-lhe um perfeito entrosamento semântico e com ele um imergir no fluído lingüístico social. A língua mãe de uma pessoa é usada pelo falante de forma natural não necessitando da educação formal para isso. Suas estruturas formam a base do pensamento humano e o falante não precisa de aprendizado para dizer o que quer. A Fala culta, a acadêmica, a religiosa, a jurídica, a política, é que precisa de um aprendizado formal. O conhecimento da Fala Culta é, por essa causa, uma necessidade social (VYGOTSKY, 1991).

O conhecimento da escrita, e em particular, a escrita culta é também uma premente necessidade social. O indivíduo que não possui habilidades para tanto, está em tese, à margem das grandes descobertas da humanidade. A escrita nos puxa para outro fenômeno de valor inverso. O termo “valor” serve apenas para mostrar a relação codificação/decodificação. Enquanto aquele que escreve codifica, o que ler decodifica. A codificação é o processo inverso da decodificação e ambos necessitam de uma pré - leitura e uma pós - leitura do mundo. Assim como escrever é uma forma de ler o mundo; ler alguma coisa é uma releitura da mesma. Portanto, ler e escrever são fenômenos de uma mesma categoria (FREITAS, 1994).

Podemos colocar a leitura e a escrita como partes integrantes da dimensão social do homem. Não apenas isso; elas estão postas de forma inseparável. Não se escreve sem ler, não se ler sem se escrever. Isso nos faz questionar os métodos de alfabetização nos países em que as crianças aprendem a ler e a escrever na escola. Mas, esse não é o objeto primaz desse artigo. Seu objeto é apresentar um fragmento do dialogismo como um caminho para uma melhor aquisição dessas competências.

Ler e escrever são formas de organizar as estruturas do pensamento. Ler somente, ou escrever somente, se fosse possível, não nos daria a organização do pensamento que a sociedade culta exige do cidadão. Logo, não alcançar essas competências significa exclusão social. Assim nos deparamos com o conceito marxista de classes sociais e dos conflitos entre elas. O domínio da leitura e da escrita é, então, uma condição para o diálogo com as outras categorias sociais. Sem a leitura e a escrita, o homem não produz discurso político, o que reforçaria sua condição de alienado dos fatos de sua história. A relação entre escrita, leitura, e discurso se materializa no pensamento humano. O pensamento na concepção de Vygotsky (1991) é resultado do discurso. O sujeito pensante Vygotskiano tem uma mente social. Uma mente construída por uma relação dialógica, por isso, uma relação intersubjetiva e interdiscursiva. O aluno e o mestre, o aluno e seu colega mais velho, ou de mesma idade, o aluno e todos os códigos presentes no tecido social. Uma mente que produz discursos oriundos dos discursos sociais. É bom enfatizar que o termo discurso em Vygotsky não se limita apenas ao texto oral ou escrito. A linguagem como um todo, para o pensador russo, constitui-se em múltiplas formas de discursos (VYGOTSKY, 1991).

Desta forma, aprender a ler e a escrever não é objeto apenas de interesse da pedagogia, mas, de outros ramos do conhecimento: Psicologia, lingüística, sociologia, etc. Muito mais do que isso, a maneira como alguém aprende a ler e a escrever determina, a priori, que tipo de homem e cidadão construímos no mundo, sendo assim, vemos plasmado nas pedagogias de escrita e leitura, o discurso político de uma dada sociedade. A última colocação nos remete inevitavelmente a teoria de Paulo Freire que aqui chamaremos de Dialogismo (FREIRE, 1987).

A educação em Freire (1987) entende que o homem é um ser histórico, portanto, um ser que possui uma história coletiva e pessoal. A história das pessoas não está separada de uma totalidade histórica. A totalidade histórica deixa suas impressões na vida cotidiana das pessoas. Assim, as pessoas nem sabem, muitas vezes, o que lhes ocorre e qual a causa disso. A situação natural do homem é de alienação. Para o educador brasileiro a educação deve partir do concreto, da realidade das pessoas; a educação, então, não deve estar separada da história das pessoas. Freire (1987) entende que enquanto ser simbólico, o homem diferentemente dos animais, consegue separar-se da natureza e ter consciência de seu mundo, ter consciência de si; um sujeito no mundo, um eu-tu. O homem, por esta causa, é um ser situacional; ele está no mundo, na história. Ele historicamente está em uma situação. Esta possui ligações com uma situação histórica maior que a sua, e ele, na maioria das vezes, está perdido nos meandros do real.

O homem como ser em situação tem situações limites. São elas que dizem que é o momento de propor mudanças, renovações. A realidade, na visão de Freire (1987), é de conflito. O simples fato de se não ver as nossas situações limites, é prova que essa é uma situação limite. O terceiro mundo pode ser reconhecido por seu grau de apatia a realidade social. As pessoas por essa ou aquela razão não percebem as situações limites presentes em sua realidade. A situação limite uma vez levantada provoca o dialogo.

A “situação-limite” do subdesenvolvimento, ao qual está ligado o problema da dependência, é a fundamental característica do “terceiro mundo”. a tarefa de superar tal situação, que é uma totalidade, por outra, a do desenvolvimento, é, por sua vez, o imperativo básico do Terceiro Mundo. (FREIRE, 1987, p. 54)

As situações limites estão presentes em um mundo histórico cultural, um mundo simbólico por ser o lócus de nossas tematizações, nossos signos, por vezes desconhecidos pela maioria das pessoas. O homem histórico posto por Freire (1987), é um homem capaz de se aperceber dos fatos, de detectar temas que se referem ao seu real, ao seu cotidiano; são temas que falam sobre a sua situação no mundo. Esses temas que estão presentes nas situações limites, são geradores de problematização. As situações limites estão presentes em todas as épocas, em todas as áreas, em todas as camadas sociais, pois somos seres em situação, temos uma situacionalidade. Por esta causa, os temas geradores de problematizações estão aqui e lá. Eles, na visão de Freire, devem provocar o diálogo em sala de aula por que despertam nas pessoas o estranhamento ou a afinidade; eles são o foco de nossa dinâmica como educadores engajados na luta “revolucionária”. Está na discussão sobre o real, o caminho para a libertação na visão de Freire.


Enquanto na prática “bancária” da educação, antialógica por essência, por isto, não comunicativa, o educador deposita no educando o conteúdo programático da educação, que ele mesmo elabora ou elaboram para ele, na prática problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é “depositado”, se organiza e se constitui na visão de mundo dos educandos, em que se encontram seus “temas geradores”. (FREIRE, 1987, p.58)



A investigação dos temas geradores deve partir do contexto existencial do educando. De sua vida em sua sociedade. Em seu lócus histórico-cultural. A investigação busca detectar temas que ligue o educando ao seu real, e partindo daí continuar o processo caracterizado pelo ir e vir da dialética freireana. Do particular para o geral, do geral para o particular. A concepção freireana de educação entende que um determinado tema gerador está ligado a outros temas numa grande malha de temáticas que constituem a existência humana. Os temas se arranjam em círculos concêntricos, os mais próximos do centro são os mais particulares e os mais periféricos se referem ao macro sistema, ao sócio-cultural, às relações sócio-econômicas, à história.

Educação e investigação temática, na concepção problematizadora da educação, se tornam momentos de um mesmo processo. (FREIRE, 1987, p.58)


A investigação perpassa o contato pessoal com as pessoas envolvidas no processo estendendo-se até as famílias e a sociedade em torno da escola. A investigação busca no povo o seu tema significativo ou tema gerador. No processo de investigação o educador não pode sugerir um tema. Isto pode prejudicar todo o processo. O tema surge da visão de mundo das pessoas envolvidas no processo pedagógico. Desta maneira a pedagogia de Freire pode ser chamada de dialógica por excelência.

É muito difícil vermos, mesmo, em uma escola de periferia de uma grande cidade ou em uma escola da zona rural a presença de temas cotidianos como temas geradores de discussão. Essa observação não se limita apenas ao que chamamos de cotidiano, mas, a todas as manifestações populares. O curioso é que isto acontece também nas escolas públicas o que não deveria acontecer, pois, enquanto públicas deveriam estar mais engajadas com a diversidade de nossa terra. Este fato nos mostra a natureza antidialógica de nossa educação, a que Freire (1987) rotula como “Educação bancária”. A educação sem diálogo com as partes envolvidas. Aprender a ler e a escrever fora do contexto do diálogo é atomizar a realidade, ou seja, reduzi-la ao máximo, o que torna a palavra sem sentido, pois, ela só o tem no diálogo. Não é por acaso que produzimos gerações de analfabetos funcionais.

A palavra existe por causa do “tu”. A palavra existe por causa do outro. Ela só funciona no ambiente social. Bakhtin (2006) entende que o outro está aqui e falamos ou nos comunicamos por causa do outro. O outro constrói minha subjetividade. Em um dado momento sou o outro daquele que vejo como outro. E o outro é sujeito no mundo comigo. Estando em constante diálogo com o outro, os homens podem usar o verbo para dominar ou libertar-se da dominação. A palavra ou a fala é ideológica, portanto, nenhuma ação humana está fora de um contexto político, logo, educar em Bakhtin também é uma ação política. Por isso podemos dizer que ensinar a ler e a escrever é um ato político.

Tanto Freire (1987) como Bakhtin (2006) enxergam o educar como um diálogo com os homens. Um diálogo não é somente político, mas um diálogo que perpassa todas as dimensões humanas. Poderia dizer que perpassa toda a fenomenologia do homem. No caso do método de Freire, o diálogo se estende do micro para o macro, por toda a sua realidade. Iniciando a análise de seu lócus histórico, de seus temas peculiares, até uma discussão de mundo. Bakhtin (2006), por sua vez, nos apresenta a realidade polifônica. A multiplicidade de discursos que se misturam e se orquestram harmonicamente sem perder a sua natureza diversa, formando o que consideramos realidade. Educar, e no nosso caso, ensinar a ler e a escrever sem considerar este fato, é apresentar a criança um código lingüístico sem a sua maior e verdadeira função: Dialogar com o mundo. Para ele o mundo está em constante diálogo. Toda leitura e todo texto escrito nos faz dialogar de alguma forma.

A criança precisa ser exposta a todas as formas de discursos para que seu aprendizado da escrita e leitura lhe ofereça uma quantidade maior de possibilidades de entendimento do real. A palavra como unidade ideológica discursiva deve ser apresentada ao aluno no âmbito das interações sociais. Pois, é com o adulto que ele inicia sua caminhada para a construção de uma mente crítica.

Os temas geradores de Freire apresentam palavras de nossa realidade cotidiana, portanto, a soma deles, nos fala de nossa existência, de nosso lócus, e isso faz a criança ver, desde cedo, que representamos o mundo com palavras e elas, ao contrário do postulado sausseriano, não estão no discurso de forma aleatória, pelo contrário, eles existem por alguma razão, e esta é dialógica.

Pensando assim, aprender a ler e a escrever deixará de ser um processo mecânico e alienador. Pois, o educando entende que nas palavras estão os diversos sentidos que formam tanto sua subjetividade como o mundo objetivo das relações sociais. Vendo-se no mundo, surge a necessidade de ampliação do corpus lexical, pois, surge a necessidade de novas palavras. Esse processo cessa apenas na morte. Não podemos falar de leitura ou escrita no singular. Existem leituras e escritas. Estas constituem o âmago da análise lógica e consistente da realidade o que para Freire é a libertação do oprimido, para Vygotsky (1991) a formação da mente social, e para Bakhtin (1991), a percepção do mundo enquanto realidade simbólica e ser capaz de produzir uma contra-fala, ou seja, uma problematização.

É muito comum, em salas de aulas, vermos alunos que após lerem um dado texto dirigido para sua faixa etária, não terem sucesso na interpretação do mesmo. Por quê? A resposta está no que Freire coloca como ensino bancário, termo já citado neste artigo. A criança é submetida a uma didática que visa o aprendizado do discurso dominante e não tem acesso a sua fala. Como conseqüência, mesmo, inconsciente, ele não erotiza o aprender, e este se torna um fardo em sua vida.

CONCLUSÃO

Diante do que foi posto por este breve artigo, urge perguntarmos: Como ensinar a ler e a escrever? Desnaturalizar o que é natural é, pelo menos, uma tolice. A fala deve ter a primazia no ensino da escrita e da leitura. A palavra dessa fala, que para Freire é a fala do povo, que por vezes está hospedada nele como a fala do outro que o domina deve ter a primazia, pois, sem dúvida a fala é natural. Nossa educação prioriza os cânones, prioriza a diretrizes impostas de forma vertical e divide o povo; uma velha estratégia do dominador: Dividir para tornar mais fácil a alienação. O presente artigo não apresenta metodologias de ensino da leitura e escrita; sua intenção foi apenas mostrar o diálogo como um caminho, um novo e maravilhoso caminho que pode fazer do ensino da escrita e da leitura algo saboroso e despertador de curiosidades, o primeiro passo para a mente científica e filosófica.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Bakhtin, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. HUCITEC, 12ª Ed, 2006.

Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17ª Ed., 1987.

Freitas, Maria Teresa de Assunção. Vygotsky e Bakhtin – Psicologia e educação: Um intertexto. São Paulo: Ática, 1994.

Vygotsky, Lev Semenovitch. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 4ª Ed., 1991.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Percepção e Comportamento Social como Ferramenta

Estive refletindo algo acerca da capacidade de liderança das pessoas, me perguntando o que de fato seria o alicerce deste atributo. Num reflexo de análise, vieram então à minha cabeça, principalmente, as grandes personalidades da história que mobilizaram grandes multidões em suas respectivas épocas. Para ilustrar isto posso citar Hitler, Jesus, Gandhi, Mussolini... e o principal critério que me levou à analise destes foi o comportamento social dos mesmos, que talvez alguém com um conhecimento mais aprofundado sobre ciências sociais possa contribuir com este ponto de vista.

Meu grande dilema então, diante do comportamento social, era: “qual a dificuldade das pessoas em perceberem quem os lidera, a forma com a qual se é liderado, e qual a dificuldade em liderar?”

Reconheço que o detentor do poder social possui engrenagens diversas que manipulam de tal forma a macro percepção das pessoas a ponto de tornar-las literalmente cegas perante fatos extravagantes, porém, no que tange a situação atual mundial, temos oportunidade de viver numa época da história onde o conhecimento é posto às prateleiras para ser selecionado por quem o busca, e isso me faz crer, de certo modo, que as pessoas são conduzidas, no fundo, por ser esta uma situação mais cômoda.

Dando então continuidade à reflexão, fustigava-me se cotidianamente não o fazemos isso em escalas menores e, se não o fazemos, por que não o fazer? Não o teriam feito as grandes personalidades da história (entenda-se aqui uma colocação imparcial), intencionalmente ou não, para conduzir as massas?

Preguiça

Hoje estou num daqueles dias em que há a devida preguiça para tudo. Para o uníssono dos anjos, para a polifonia dos demônios, para a Luz tanto quanto para as trevas. Sono? Isto, sono!

Para as longas tanto quanto para as mais breves narrativas. Preguiça até mesmo de permanecer a estátua de um só estado. Quero liquefazer-me, ir-me junto à urina. Descer descarga e encanação abaixo. Diluir-me e evaporar-me - mas sem feder, para não incomodar.

Melhor ser breve, pois o breve se esvai assim... Plaft; Pluft! E é mais provável que o que sobrar desta súbita aparição surja a olhos e ouvidos multitudinários. O mais breve amor é o amor mais amado.

Encostar por um pequeno momento insular a dura missão de doar sentido...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Falcão não é brega

Apesar de eu reconhecer a dificuldade de se delimitar com clareza o que venha a ser brega, eu não nego algumas características que de certa forma geram uma definição, mesmo que não consensual, do que seja esse estilo de ser. Falo isso, pois é muito comum ouvirmos as pessoas dizerem que o cantor cearense Falcão é brega, mas para mim ele não é. Para isso eu vou trazer algumas diferenças que eu noto entre o brega e o que se classifica como kitsch.

O kitsch surge em meio a sociedade de consumo na Europa. Porém, essa sociedade, apesar das distinções de classe, possuía um público com melhor poder aquisitivo. Já o brega surge também na sociedade de consumo mas em uma conjuntura subdesenvolvida onde não haviam consumidores com poderes aquisitivos suficientes para a compra. Enquanto o kitsch é a tentativa dos setores médios copiar a elite; o brega é a tentativa dos setores periféricos copiar a elite.

Pelo fato do kitsch ser a cópia produzida pelos setores médios, esses setores por terem mais prestígio social pelo seu capital cultural e escolar, tendem a fazer da cópia uma forma de criticar a própria elite. É por causa dessa necessidade de ironizar que eu acredito que o riso no kitsch vem de forma proposital.

Já o brega é o risível sem intenção, visto que a sua conduta provoca risos pela própria condição social de seu público, não por que ele procura provocar esse riso. Por não ter capital escolar devido à própria precariedade de vida e a falta de uma educação de qualidade, muitas vezes esse público não possui o interesse da crítica como o kitsch, e sim, simplesmente o sonho de atingir o prestigio da elite.

O kitsch, apesar de repercutir no sonho do consumo, por ter sido apropriado por indivíduos com acesso à educação de qualidade, terminou por se tornar uma expressão estética marcada projetos e por elaborações filosóficas. O kitsch assumiu uma postura tão crítica que ao expor uma estética marcada por excessos de objetos, quis representar o excesso das futilidades dos objetos na sociedade do consumo, por exemplo. Já o brega se apropriou do excesso em suas vestimentas e comportamentos por mero reflexo de grandeza estimulada pelo consumo.

É por isso que eu acho que Falcão não pode ser classificado como um representante do brega. Em se tratando da vestimenta, é notório que o interesse de Falcão é querer criar uma marca. Ele está muito ciente de que aquele tipo de roupa não é uma roupa comumente usada nas ruas. A forma como ele se veste representa uma brincadeira com o excesso, com a grandeza, com os objetos colocados arbitrariamente em um lugar, com a quantidade, com o excesso de imagens tão adorados pela sociedade de consumo.

Se observarmos a vestimenta dos artistas classificados como bregas, por exemplo, veremos que muitas vezes suas roupas condizem com o seu estilo de ser. É um tipo de roupa que não beira uma fantasia. Se essas roupas provocam o riso, é devido a uma combinação que nós podemos achar de péssimo gosto, não por que houve um interesse de provocar o riso nas pessoas. Diferente das combinações nas vestimentas de Falcão, essas roupas muitas vezes não buscam provocar o riso proposital.

Outro ponto que eu percebo claramente o lado não-brega de Falcão é a sua relação com o seu discurso. Quem já assistiu a uma entrevista sua, nota claramente o seu excesso de conhecimento. Diferente da maioria dos artistas bregas, ele possui um capital escolar e cultural. Nota-se que os argumentos de Falcão possuem uma linguagem nem sempre convencional. Sua forma de ver as coisas se apresenta de forma mais teórica assim como a forma de ver o mundo do kitsch.

Se observarmos as entrevistas de outros artistas classificados como bregas, veremos que os seus discursos possuem claramente uma linguagem simples, muitas vezes carentes de grandes elaborações, sem palavras incomuns ao nosso repertório vocabular, etc. Isso se deve ao fato do brega ser espontaneamente proveniente dos setores periféricos, setores carentes de maiores acessos à educação de qualidade, de um maior acesso a informação mais formativa.

É nítido que o interesse de Falcão está em trazer temas que consideramos bregas, no entanto, ele tem o intuito de ironizar o próprio brega, buscando achar palavras que pareçam soar ridículas e não apresentar aos nossos olhos um discurso naturalmente brega. Para mim, apesar de ser polêmico qualquer tipo de classificação, ser brega é se postar de forma que não implica em mostrar que é brega; ser kitsch é uma forma de brincar com o ser brega, e é isso que para mim Falcão faz.

Noticias

Extra, Extra!
Assaltos assombram as principais avenidas das metropoles!
Os carros congestionam as ruas e ninguem consegue trabalhar!

EXTRA, EXTRA!
Um homem espiona o vizinho e perde os dentes por isso.
A moradora ao lado apanha tres vezes ao dia do marido.

Extra, Extra!
Ha indicio de espaco-naves no ceu.
Os homens resolveram congelar os corpos para viverem milhares de anos.

Extra, Extra!
Mulher vende seus ovulos pela internet.
Criancas sao postas no anuncio para serem vendidas.

Extra, EXTRA!
Cantor morre de overdose.
Cientistas anunciam que cerveja pode ate matar rato.

Extra, Extra!
O Cebolinha engravidou a Monica,
e o Cascao resolveu tomar banho.

Extra, Extra!
Um androide se apaixona por uma mulher.
Uma mulher resolveu implantar um penis.

Extra, EXTRA!
Elvis nao morreu.
Deus e o Diabo esta na terra do sol.

EXTRA, Extra!
Os calos nao doem mais nos pes,
e as maos ja nao sofrem mais de calos.

EXTRA, EXTRA!!!!!!
EXTRA, Extra!!!!!!
extra, extra!!!!!!
extra!!


EX...

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Para um coração gelado

Se eu lhe encontrasse de novo parada, encerrando no rosto os matizes fosforescentes da noite, cerraria talvez os olhos, abrindo a boca timidamente para um outro sorriso. Desejaria que entre os seus dedos estivesse em brasas o mesmo cigarro, aquele que da outra vez disputara espaço com uma pequena lata de cerveja nas suas mãos. Queria ainda os seus cabelos suados, com cada fio conservado na mesma dispersão, retesando neles a essência morna da dança que lhe extenuara o corpo, a qual persiste em se impor muito viva sobre a minha memória, projetando-se como uma ruína antiga e bela frente aos momentos contemplativos em que na minha face se contornam traços distantes. Mas enquanto não concebe ao seu pobre lacaio sequer os ossos da existência por que lhe adoram tantos, e enquanto por entre as suas carnes esconder como uma cuba o coração que lhe mantém as pernas firmes, a dor que torna destemperados os meus dias foscos será ainda carne, e prosseguirá a franzir esse rosto onde se revelam os infortúnios de todos os infelizes, pois estar apaixonado arde...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A Postura Agregante de Caetano Veloso: Estratégia ou Espontaneidade?

Agradecendo de antemão a contribuição do colega Lou, trago minha concepção sobre esta interessante questão, numa compilação de minhas respostas ao texto anterior.

Minha conclusão inicial é a de que, apesar desta mente receptiva de Caetano, vejo muito pouco oportunismo nisto. Aliás, a postura segregadora foi o que impediu os intelectualmente prestigiados de não enxergarem quem sustentava suas gravações requintadas e caprichosas na época da Odeon - os segregados artistas do Brega.

Caetano sempre esteve na contramão disto tudo, compôs sem tensões com Odair José e escandalizou a elite cultural. Sim, ver isto como uma estratégia de mercado me parece tão subjetivo quanto afirmar que isto lhe é uma postura natural, em que eu dou, aliás, muitos mais pontos a esta última assertiva, devido aos vários acontecimentos em que Caetano esteve envolvido que me vieram ao conhecimento.

Caetano foi preso na época da ditadura, exilado, causou estranheza a ponto de estar às margens do prestígio social.

Acho que o problema de se trabalhar com formas puras é a generalização. Hibridiza, logo é um estrategista de mercado. Acho que um melhor conhecimento das posturas assumidas pelo artista ao longo de sua carreira ajudasse a afastar a crítica mais fácil de todas - a preconceituosa.
Caetano não é filho de Sérgio Buarque de Hollanda,pelo contrário, teve a vivência com o popular desde que nasceu. Fala tão naturalmente do que acredita que acaba sendo algumas vezes mal interpretado, como no caso “Lula é analfabeto falando", que foi o mais recente.

Gravou Michael Jackson numa época em que o superestimado ufânico Ariano Suassuna clamava por uma purificação na cultura. Quando ferozmente criticado por este, respondeu-lhe elegantemente, reconhecendo-lhe inclusive a genialidade.

Aliás, por este grande depurador da cultura, nem o respeitado mangue beat teria existido. Justamente por apresentar características tão HÍBRIDAS. Chico Science vendeu bastante, não renegou o mercado em hipótese alguma, mas é tão festejado nos simpósios dos que criticam por criticar para afirmarem pra si mesmos que têm algo de críticos.

Mas ainda assim, há de se pensar o fato de que hibridizar para vender não seria condenável, seria-o, ao contrário, se se tratasse de mascarar tensões sociais. Esta é a faceta da hibridização que me parece altamente problemática e que certamente não é o caso de Caetano, dado seu engajamento em várias letras de sua autoria, bem como sua postura política quase sempre publicada.

Afinal, Mozart fazia música por encomenda, Villa-Lobos usava pseudônimo para vender músicas populares e Chico Buarque não doa seu imenso lucro por completo a instituições de caridade.
Por fim, tenho de forma segura que, apesar de o que Caetano está disposto a incorporar também coincida com o que se chama "comercial", creio que o faça de maneira espontânea.

Por todos os argumentos apresentados, por conhecimento dos primórdios de sua biografia, em que ele ficava vislumbrado com Caubi Peixoto, Luiz Gonzaga entre outros. E tudo isto somado ao fato de que, apesar de não possuir dados estatísticos, o que vi no olhômetro em seu último show foi muito de indiferença, muito de reação negativa e bem pouco de positiva ao fato de ele ter aberto o show com uma música de Psirico. Dançou no momento desta música (inclusive o Kuduro), divertiu-se nítida e intensamente no que me pareceu um êxtase sincero de sua sensibilidade.

Ainda que ele esteja agregando maior público por causa disto, não acho que seja estratégico. Aliás, compartilho um bocadinho desta biografia, pois no meu caso, em particular, dos meus 23 anos de idade, dez deles estão amalgamados com o envolvimento direto com a música clássica, chegando, inclusive, aos 14 a incorporar o coro que cantou trechos de ópera na inauguração do Teatro Tobias Barreto. Ainda assim, tenho em minha biografia recente a regularidade em ouvir Leandro e Leonardo, em pagar para ir a um show de Calcinha Preta e Calypso, a ter descoberto recentemente o Zouk e fazer dele até mesmo inspiração para composições, não obstante suas letras água com açúcar etc. Tudo isto me faz lembrar momentos de minha formação enquanto criança, faz-me ter momentos altamente nostálgicos da vivência com familiares etc.

Ademais, penso que um artista já consagrado até mesmo internacionalmente, há muito tempo já regravado por artistas popularíssimos, na figura-mor de Roberto Carlos, tenha muito pouco motivo para fingir ser o que não é pra ver se ganha mais espaço na mídia.

Se correr, o bicho pega. Se ficar, o bicho come.

Simples e objetivo. Assim funciona a vida, meu caro, para os que não nasceram em berços esplêndidos. Para esses resta o piso da pirâmide, restam as estatísticas. Resta viver, as vezes, de forma desconexa da razão, por estarem aprisionados em algemas sociais da escravidão intelectual.

As pessoas são como as peças negras de um jogo de xadrez sobre um tabuleiro, onde quem está jogando com as peças brancas não só joga com diversas rainhas, mas como também segura o tabuleiro com as duas mãos e o chacoalha com fúria quando quer, mediante a sua vontade.

De posse da ciência suficiente, é preciso mais que crítica. É preciso mais que análise. É chegada a hora necessária da ação inteligente para mudar certos paradigmas sociais que são socados nas nossas mentes como dilemas.

Sem mais me prolongar.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Em meu cantinho

Se existe algum objetivo nessa vida, para mim, esse objetivo é o de criticar. Se eu não reclamar enquanto eu respiro, eu tenho a sensação de que eu estou evitando encarar uma fantasia criada por mim que me parece ser a mais verdadeira aos meus olhos. Estou dizendo isso, pois eu às vezes recebo criticas de muitos leitores que me soam irritadas, e por isso mesmo muitas vezes eu sinto que os leitores me atiram pedras com o intuito de apenas detonar por detonar.

Contudo caros leitores, eu sou orgulhoso pra caralho e não me rendo, apesar de reconhecer que vez ou outra, talvez devido ao meu cansaço, às minhas infindáveis fraquezas, eu me deixe ficar por um breve momento um tanto baqueado, mas o que me alimenta e me gera forças para eu sair dessas condições deploráveis é quando eu me lembro que grandes personalidades da história sofreram com argumentações e críticas doentias de ódios.

Será Vina um cara prepotente? Queridos leitores, não precisam tentar responder a tal questão. Eu respondo a vocês: sim, sou prepotente. Será Vina um cara humilde? Sim, também sou de uma humildade muito grande. É isso meus lindos e minhas lindas: sou uma pessoa que por temer sua própria pequeneza, utiliza-se de um escudo revestido da arrogância; sou uma pessoa que por saber de sua grandeza, utiliza-se de posições gentis para com os outros.

O que eu gostaria de chamar atenção para os que se chateiam comigo é que não se chateiem. A vida já nos reserva um universo de infindáveis de chateações independentes das nossas vontades. Reservem suas descargas para jorrar em situações talvez mais necessárias (se é que existe um parâmetro para o que seja necessário), mas enfim, não levem a sério o que muitas vezes eu afirmo em meus discursos. É carência mesmo. É capricho, é vontade de chamar atenção.

Mas entendam: não significa dizer que eu não possa ser levado a sério, pois se eu disser que é para vocês não levarem nada a sério, seria de fato um grande exagero de minha parte, até por que sei que o que exponho é fruto das minhas indagações e visões de mundo. O que eu quero dizer é que levem “de boas” pois eu sou apenas um cara chateado com a vida e que sinto o maior prazer do mundo em ver os outros se chatearem também com ela, pois só assim eu não me sinto só nessa chatice toda.

Estava eu conversando com meu grandíssimo amigo torto Josué Maia acerca de minhas opiniões sobre as coisas e em meio a nossa interessantíssima conversa, eu cheguei a seguinte conclusão: não tenho uma corrente de opinião definida em meus discursos, nem um ponto de vista permanente sobre as coisas. Acredito e desacredito nas coisas de acordo com as circunstâncias de cada momento. Se eu tiver feliz, acharei caminhos serenos, se estiver triste, acharei percalços.

Se eu sou anarquista, neoliberal, kantiano, cubano ou qualquer coisa? Não, quem tenta me definir assim são pessoas que julgam que a complexidade dos pensamentos cabe em uma forma. Já disse: sou o que minha opinião quiser no momento e mesmo que eu olhe para trás e veja que meu argumento se encontra totalmente contraditório com o que eu pensei anteriormente, evito ter insônias por isso, até por que eu acredito que ser torto é encarar a contradição como a lógica da vida.

É isso: vim ao mundo pra pôr a boca no trombone nem que para isso eu perca de meu convívio os tipinhos alegres que queiram apertar minhas mãos, mas não fico triste por perdê-los, afinal, não faço questão de muita gente ao meu lado, pois sei que eu sou sozinho mesmo e não tem quem me prove o contrário. Se eu for para o inferno, tenham certeza de que criarei um jornal oposicionista à política do diabo; se eu for pro céu, serei a oposição do mundo celestial; se me restar o purgatório, encontrarei rapidamente mil maneiras de mostrar o porquê o purgatório é uma merda do caralho.

Bom meus lindos fãs e inimigos, o que eu tenho a dizer é muita coisa, mas só quero que se lembrem que Vina é um cara legal e do mal e Vina é um cara do mal e legal. É isso aí. Sou um cachorrinho que late para o estranho quando ele se encontra do outro lado do portão, mas no momento em que o estranho passa para o outro lado, continuo a rosnar só pra não perder a pose, mas não faço nada.

Portanto pessoas queridas, não me levem a sério de forma tão intensa, apenas me deixem no meu cantinho. Beijos!

sem ritmo

os martelos enfervescidos
salpicam os saltos tacones
in-serido na madeira opaca

sem o frescor das tintas amareladas
nao ha documento
e nem sentido
para o trecho sem sentido

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Poema reflexivo a Alberto Caeiro

As nuvens e o sol, que legam ao poeta inspiração para centenas de estrofes sem sentido, acumularam nas alturas a verdade mais diversa e intrínseca aos mesmos, silenciando para as coisas situadas abaixo deles a menor palavra que pudesse revelar fiapos que sejam da sua importância; assim, além da cor e das propriedades que lhes são externas, além da distância e das sensações que causam, foram subtraídos do meu poema estes dois objetos do alto, porque o mistério que lhes envolve a matéria os tornara fecundos demais para serem traduzidos em palavras. Subtraí também deles, naturalmente, as estrelas, e a inexpressão do brilho por que as chamam belas, e ainda a lua em razão da qual os nostálgicos admiram a noite. Excisei dos meus poemas, portanto, as coisas que não compreendo, cujas substâncias não as posso distinguir pelo tato e pelo cheiro, e cujas verdades serão a mim sempre indistinguíveis. Arranquei dele a tessitura da rosa mencionada ao descrever a pele lânguida da mulher por quem eu me apaixonara, remoendo nos nervos horas puramente satânicas, ansioso pelo logro estético – uma por uma, a exemplo de um jovem que brincasse de malmequer, cortei-lhe todas as pétalas coloradas, o perfume doce por vezes citado, a humanidade em si inexistente, e conservei-a unicamente flor, sobrando na página dos versos apenas mãos, sêmen, suor, cabelos, corpo,... os cebídeos atavios. Não expus meus sentimentos acerca do lírico que me impressionara afirmando serem as palavras dele possuidoras de sabor distinto e acurado; elogiei-lhe o estilo valorizando a perfeita musicalidade de suas frases sem alma, arranjadas sem exceção num corpo métrico desordenado, lembrando o que falam os homens obsessos a respeito da liberdade. Olhei sensivelmente as ruas duras e movimentadas da cidade, gozei do asco impregnado nos cantos de suas paredes maltratadas e sombrias; compreendendo as cores diversificadas dos carros, o número variável de pessoas a trafegar pelas calçadas, escusei o atrevimento de meditar o conteúdo subjetivo de seus donos e o espírito incólume dos passantes, respectivamente. Semelhantes empresas das quais, segundo dizem, podem-se extrair grandes virtudes, não cabem mais no meu poema, nas avaliações francas do meu verso, pois são, estando situadas à mesma distância dos astros, realizadas em si mesmas, indiferentes às razões... – objetos de que não se pode apreender nenhum sentido prático. Interessa-me somente, então, o adágio pavoroso dos ruídos manifestados de todos os lados nos horários de ida e volta, os lábios blasfêmicos que confluem as forças nos instantes soturnos, as retinas trêmulas dos velhos observando o presente em paralaxe com o passado, o corpo nu e branco da mulher vitimada pelos sonhos.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O Meu Coração é o Sol, Pai de Toda Cor

“E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão”

(Caetano Veloso, O quereres)

Nos grossos emaranhados de velo do Veloso Caetano parece haver espaço para o céu e para o chão ( desde que estes não criem problemas com a amplidão, ratifique-se).

Eis a realidade complexa de um artista que não se limita a ser arauto da contracultura, pelo contrário, abraça-a e não a toma em detrimento final do que está canonizado ou desprestigiado.

Poderia se tratar de um estilo “mãezona” ou paternalista, mas Caetano parece estar pouco preocupado em tomar as dores dos segregados e incompreendidos, antes, sim, parece ter já sobrepujado esta coisa de hierarquias, de modo que soa tão espontâneo o baiano de Santo Amaro, admirado por legitimados da estirpe de Wisnik, Luiz Tatit, Almodóvar, Torquato Neto e inúmeras figuras congêneres, chamar o líder de uma banda tão desprestigiada pela elite cultural (Márcio Victor, Psirico) de “gênio da música”.

Sim, é bem verdade que sua postura já canonizada na História recente do Brasil (um dos cabeças da Tropicália) parece a priori advogar a ruptura com os padrões socialmente legitimados de então. Mas fato é que a imensa obra deste polêmico artista mostra que a ruptura teria de vir, antes de tudo, para que o outro fosse “também” aceito e não “O” aceito. Trata-se, pois, de uma postura que antes agrega que enterra. Que antes mete no bolo, sem ultrapassar.

Estamos falando de um artista que sincretiza discursos. De alguém que assume uma postura artística híbrida. De um brasileiro preocupado com o movimento da História, prezando pelo que afeta, mas assumindo, concomitantemente, seu “saudosismo”.

Exemplo disto, aliás, esteve para quem pode ver nos shows de sua última turnê “Zii e Zie” em que Caetano nos traz a proposta do transamba, algo como uma mudança rítmica e melódica nas células consolidadas do samba. A guitarra tem mais responsabilidade, ainda que se fale de samba, que o violão, porém este ainda está lá, fraco, mas intacto. Aliás, interessante o fato de que o show desta turnê, aqui em Aracaju e em algumas outras cidades, foi aberto com Psirico e teve em seu desenrolar uma música do hiperconsagrado João Bosco, e algumas da fase tropicalista, por exemplo.

O desprestigiado, o consagrado, o incompreendido. Afetar sem apagar. Encontrar a “liberdade na amplidão”.

Em breve muitas outras considerações do gênero....

Filosofia (do grego Φιλοσοφία, literalmente "amor à sabedoria")

A filosofia tem por finalidade não a resposta final do questionamento, mas sim mostrar ao homem o caminho mais lúcido pelo qual esta pode ser encontrada. Ciência primeira da história está sendo praticamente banida das grades curriculares do nosso país.
Ao contrário das ciências exatas que se debruçam sobre a matéria propriamente dita, a filosofia tem por objeto de estudo o observador que aplica o conhecimento científico sobre esta matéria, buscando meios pelos quais possamos entender de alguma forma os processos que envolvem o homem no qual está apreendido o conhecimento científico que está sendo posto em prática. Daí o conceito de anterioridade às ciências. Logo, como poderíamos estudar as demais ciências antes de ao menos tangenciar conhecimentos filosóficos que despertem a fagulha do interesse pelo mundo material?
A necessidade do estudo acadêmico desta disciplina é uma questão tão grave, que posso comparar às necessidades de satisfações fisiológicas de uma pessoa. Disciplina formadora da moral do ser humano funciona como ferramenta de auxílio nas relações sociais através do olhar analítico que faz predominar sobre o olhar crítico, este último natural a nós.
Traz como parâmetro básico a sabedoria amparada pela lucidez: sobre o mundo externo; sobre si; sobre a própria ignorância.
a) A lucidez sobre o mundo externo se dá, por exemplo, pelo fato de não considerarmos acontecimentos geográficos como conseqüências de ações divinas. Pois, desde as raízes da nossa história, existe uma tendência natural do ser humano a explicar fenômenos naturais através de mitos.
b) A lucidez sobre si reside no autoconhecimento. No conhecimento do “eu” enquanto ser biológico e material e no conhecimento das próprias ações; no conhecimento da própria psique. Por exemplo, uma consciência que não reconhece os próprios reflexos muito provavelmente se sentirá pouco à vontade em meio a um grupo de outras consciências.
c) A lucidez sobre a própria ignorância está no fato onde podemos a cada dia descobrir que menos sabemos diante de um conhecimento universal - incompreensível à razão - fazendo assim com que qualquer um não conheça absolutamente tudo sobre algo. Diria então Sócrates: “só sei que nada sei.”

A filosofia moderna traz ainda, o que não poderia deixar de ser mencionada, a sugestão de um caráter: de movimento no sentido de ser, também, agente modificador de realidades sociais; catalisador de acontecimentos a favor da vontade do ser humano. Ambos através das ciências. Deixando de ser, como fora por muito tempo na antiguidade apenas observadora de acontecimentos.
E sim: sugeriria que fosse uma disciplina presente em todos os cursos, de todos os níveis acadêmicos, do nosso país.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Amor, incógnita de embaraço (Por Reuel Machado e Elaine Mesoli)

O jogo do homem com a mulher é jogo de meia palavra. Isentar parte de nossa violência simbólica não nos é, por vezes, pertinente (não que não seja coerente), afinal tudo se arrefece, pois a mulher nos quer seguros, homens de músculos e sentimentos fortes. Acaba-se com a psique da mulher, por isso a anarquia do homem frágil é desrespeitada pela mãezinha que acolhe e embala nossos sonhos.

Mulher, figura irresistível, castro tua animalidade, me castra a fraqueza. O bem dito amor, apesar de proclamado por alguns como o mais sem razão dos afetos, me parece que tem que ser posto no plano cartesiano, programado na maioria das vezes pelos homens, mesmo que sem bombons, shopping center e cinema. Tem que ser isento a priori de qualquer norte tortuoso, melhor, vamos sistematizá-lo:

- Uma frase inteligente (do ponto de vista relativo do que pode ser chamado de “inteligência”). E aquele velho beija pra depois perguntar.

- A idealização: retiramos aqui qualquer fragilidade ou menção de dor futura que possamos exalar para o ser desejado (principalmente pelo homem).

- O tal do estar, mas nem tanto: somos pessoas com muita informação e pouca segurança, portanto queremos seres apegados/desapegados, assim você quer beijar, mas nem tanto, quer amar, mas nem tanto, está apaixonado, mas nem tanto. É solido, porém nem tanto. O ideal é mostrar que se importa com o outro, ligar e mandar mensagens afetuosas.

- Momento de intimidade: agora tudo se resolveu e a aquelas necessidades estão passando. Então se ama, mas... Ela é linda e maravilhosa, mas tem aquela coisinha que não se atura. E essas coisas devem ser ditas, pois isso dá um ar de intimidade, afinal ela tem que saber que você a conhece de alguma forma.

Pois é, meus caros e minhas caras, o problema do amor, em qualquer um de seus infinitos graus, é quando tudo isso se descontrola e você acaba tecendo fios segundo a sua infinita inconsciência, até deixar tudo uma doce loucura, e virar um estúpido rapaz de fato, no êxtase, na histeria, na obsessão, na loucura. O melhor é deixar tudo arrefecer e descansar o peito enquanto tudo explode, desaguando e tratando o medo e o sofrimento com ternura.

Cessada essa viajem, gostaria de falar agora que, em nossos dias as mulheres de alguma forma estão superando o papel de sexo passivo nas relações. Alguns avanços como mais espaço no mercado de trabalho e a construção social da auto-afirmação feminina, têm modificado a relação da mulher com o homem. Um empecilho voraz que acomete a mulher é que, quando ela toma a iniciativa na paquera, ainda que em nossos dias, se torna estigmatizada, e um acaba dizendo pro outro: “– Brother, aquela mulher é muito atirada! Só serve pra pegar mesmo”. Coisas desse gênero que, como Elaine Mesoli falou, acabam soando na mente do homem como uma divisão das mulheres entre “para casar” e as para o “lanchinho”.

Já foi o tempo onde a mulher tinha por necessidade, além da coerção social que era gritante, de castrar o sexo por conta da ausência de métodos anticonceptivos eficazes, pois se ela se deitasse com vários homens, não poderia saber nem quem era o pai de seu filho. Hoje, nós temos artefatos que suprimem essa necessidade de anulação da própria libido, desde as pílulas até a camisinha. Para conhecermos o pai do bebê existem os exames de DNA e há até mesmo a possibilidade de engravidar sem transar com um homem com as inseminações artificiais. Tudo isso, somado à independência financeira, transferiu poder para a mulher, inclusive com relação à maneira como e com quem faz sexo. O problema é que o avanço material não acompanhou o simbólico. Afinal, em conflitos de poder há sempre resistência e tensão. Não estou dizendo que as coisas não mudaram. Entretanto, é uma mudança ainda insipiente, por isso quis chamar a atenção para o retrógrado modo de ver nossas irresistíveis mulheres, que ainda perdura e, não obstante, ainda as massacram. Inclusive aos homens também, pois como há resistência e tensão de ambos os lados, o dominado muitas das vezes sente prazer por estar em sua condição e o dominador, em alguns casos pode sofrer quando o mesmo tenciona a relação de dominação. É o caso dos homens frágeis ou tímidos.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Música e excesso de metáforas II

Esta semana uma leitora fez uma crítica ao meu texto “Música e excessos de metáforas”. Para essa leitora, o texto trouxe algo de forçado, uma vez que para ela, os pontos que eu propus discutir não estavam fazendo ligações com minhas argumentações. Acredito que isso possa ser verdade, até por que eu tenho que confirmar que minhas idéias acerca desse tema ainda estão embrionárias. Entretanto, nesta semana eu vou ver se consigo esclarecer meu pensamento.

Antes eu faço questão de reiterar acerca de minha definição do que seja o setor médio. Para mim, é o setor que não detém grandes capitais econômicos, mas também não sofre de forma extrema as exclusões sociais, assim como sofrem os setores periféricos da sociedade. Enfim, é um setor que vive transitando entre um lado e outro, uma vez que, se por um lado ele não faz parte da elite, também não é pobre, e por outro, se não é marginalizado como os pobres, também não é rico.

Recebi uma observação acerca da heterogeneidade dos setores médios universitários. Porém, não é minha intenção questionar se outras músicas são consumidas pelo setor médio, e sim o porquê da MPB ter esse setor como o seu principal consumidor, afinal, apesar de haver uma heterogeneidade, a MPB ainda se faz presente nele. A diferença é que novos artistas da MPB passaram a ser consumidos como Paulinho Moska, Lenine, Ceumar, dentre outros.

Preciso dizer que para mim, apesar da heterogeneidade, não há como desvincularmos a música do contexto social de seu público. A forma como determinado grupo social se comunica com seus membros, como se relaciona com o mundo, a forma de falar, de traduzir sua realidade, são fatores importantes para a relação de identidade que esse grupo estabelece com determinada música e é a forma como ele vai se ver assemelhado a determinadas canções.

Como a música reflete o contexto de seu consumidor, para mim, a MPB é a ambigüidade do setor médio refletida nas canções, visto que a MPB geralmente não se expressa de forma fácil de ser traduzida. Isso reflete a condição do setor médio, uma vez que, por se encontrar na posição intermediária da pirâmide, esse setor se expressa de forma indireta para não prejudicar os seus interesses, nem os interesses antagônicos que ele tem que integrar no seu jogo político.

Só para confirmar que a MPB reflete essa condição ambígua dos setores médios, o discurso que costumamos ouvir de seus artistas e consumidores é que a MPB é uma música preocupada com a realidade social, ou seja, uma música em defesa dos setores periféricos da sociedade; mas por outro lado a MPB é valorizada pelo seu requinte vocabular e melódico, ou seja, uma música que se distancia do povão e se aproxima da estética elitista da sociedade.

É por isso que para mim, essa forma de expressão ambígua da MPB e do seu consumidor ao se referir a MPB nada mais é do que a forma como geralmente o setor médio tenta se expressar e negociar com os demais setores. Ou seja, um setor que faz aliança com o setor periférico porque igual a ele, não possui a riqueza material, mas faz aliança com a elite, pois, por não ser um setor tão marginalizado como o setor periférico, usufrui-se do prestígio social.

Portanto, a MPB é a música que traz aquilo que a elite classificou de requintado, mas pelo setor médio também se aproximar do povão, esse tipo de música só é legitimado por ele por trazer questões que falam da violência e da exclusão vivenciadas pelos excluídos, os quais ironicamente ouvem em seus cotidianos as músicas classificadas pelos seus companheiros dos setores médios de ridículas, de chulas, de mau gosto, dentre outras palavrinhas a mais de amor.

Severinos

O sol brilha sobre as nossas cabecas,
ardem em nossas costas,
que nem podemos mais sentir
o peso da enxada,
quantos de nos?
quantos de nos, severinos?

severinos de vida severa,
severinos, de muitas cabecas multicoloridas
e disformes,
tracos marcados pela dor do tempo.

Tempo espacados, longos,
engolidos pela garganta do diabo.

quantos de nos severinos,
ja nao tem vida curta pelo mando de uma voz aspera,
e nem tao longa pelo sofrimento.

severinos avermelhados, amarelados,
negros esbranquicados e remelados
severinos expressamente inexpressivos,
rosto,
bocas, olhos e narizes
coletivamente personificados,

severinos somos nos,
coletivamente individualizados,
dentro de uma multidao exasperada.




* Caros amigos leitores e tortos,

Desculpas pela postagem fora de hora. Fiquei impossibilitada na segunda- feira a tarde.
Um abraco a todos.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Flanar

Sublinho, com passos e tons parecidos, a estrada cotidiana, por onde me endereço ao futuro, depois ter almoçado ao meio-dia. É estarrecedora, ainda hoje, a visão do começo triste da tarde, quando o sol parece despejar calor mais acurado sobre as coisas situadas abaixo de si. Já ao portão, após abrir a boca que reclama às obrigações do dia o direito à preguiça do corpo e da alma, cruzo com um navegante confuso, vindo de uma distância ficcional, e ele, embora espreitado, não desvia para outro canto os olhos que miram, talvez sem reflexão, as botas de couro gastas. Os rostos sardentos de ontem, do mesmo modo tristes e suados, atentam-se aos veículos que dobram a curva de onde vêm todos os ônibus. Quando os que esperam são muitos, geralmente todos os coletivos param, e de dentro de cada um, impelidas umas às outras por força da necessidade, as pessoas nos observam, tentando sorver, através de nossa imagem exterior, alguma dedução que se apagará no próximo ponto. E a vida delas são espelhos nos quais vemos refletidas as nossas próprias faces, com as agudezas dos nossos traços como que transplantadas, de maneira perfeita, para a mera reprodução destituída de qualidades que lhe sejam próprias. Entretanto, desordenados, lastimamos a particularidade perdida estáticos, ocorrendo de nossa parte, assim, a aceitação da homogeneidade e das velas acesas em menção da morte do sujeito. Pensamento contínuo, de uma forma ou de outra, a contingência, não abordada como sucessão de interesses externos aos indivíduos, foi superada porque as vontades, no fundo, convergem, e é com os mesmos trejeitos que todos nós lidamos com a realidade. Não obstante, degustamos de igual modo o conhecimento. E é divagando no espírito da utopia que, depois do caos urbano recrudescido por um calor agreste, alcanço as portas da universidade, encontrando, semelhante à ontem, os mesmos vigias, os mesmos corredores gélidos e os amigos fumantes a discutir os grandes temas da filosofia e das artes. No compasso do tédio insere-se vasto número de pitadas no cachimbo e as estratégias empresariais que finalmente tirarão os pés apressados da lama onde se encontram atolados. Por aí por dentro passo horas, para depois, assim como no ponto em que tudo se inicia, pegar o ônibus que me conduzirá, dessa vez, até minha casa. O que distingue uma cena da outra é a violência da subida, motivada pelo interesse geral de deslocar-se, nesse caminho de volta, sentado num dos bancos. Embora superiores – tipos de peito aristocraticamente estufado –, matam e morrem pelo simplório, pelo frívolo e trivial, omitindo a eles mesmos, num cinismo imoderado, as advertências lhes faz a razão. Mas o tempo absorve tudo e, pelas onze e meia da noite, estou eu, já esquecido do que transcorrera durante o dia, a tomar café acompanhado de uma mixórdia de pensamentos que comporão inutilidades como essa que agora acaba de ser escrita.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

UM BEIJO

Eu quero te possuir.
Quero que sejas minha.
Neste ponto sou um egoísta inveterado.
Sem negociação.
Nem propina.
Para ti minha alma se inclina.
Pende; se entorta.
É como uma penca de fruta puxada pela gravidade.
Seriedade, nosso amor.
Quero te colocar nos braços e te cuidar como criança.
Em teus cabelos fazer tranças.
Tranças como estradas infinitas marcadas pela imaginação.
Te adoro moça!
Ainda não te conheço o bastante.
Parece que esse fato é um espelho distante.
Mirá-lo é impossível.
Não é incrível!
Te amar sem o conhecimento pleno da causa.
Existe amor diferente?
Ele é coisa de gente.
Coisa que gente sente.
Entende?
Quero ser teu.
Quero viver contigo.
Ser na chuva um abrigo.
Ser teu eterno amigo.
Devaneio meu.
Sonho acordado na esperança de logo te ver.
Devaneio nosso.
Um beijo.
Guerreiro meu, soldado do amor.
Heroicamente te conquistou.
Um beijo.
Te amo...

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Ratificando uma Postura Perante a Música

Ratificando as ideias do texto intitulado “De ler Kant a ter nádegas a declarar” que postei neste blog em 2010, ainda penso que a música deva ser apreciada à base do “tempo pra tudo”.
O motivo desta postagem, confesso, é levantar possíveis questões contrárias ao meu posicionamento, para que eu possa me situar, talvez, mais coerentemente em relação a minhas opiniões acerca de algo tão presente em minha vida - a música.

Em primeiro lugar, não nego que em minha cabeça não haja classificações entre o bom e o ruim. No entanto, além de tal classificação estar em um feliz processo de mitigação, consigo me emocionar sinceramente com músicas de vários estilos, dos mais aos menos prestigiados socialmente. A coisa tem se deslocado, portanto, do plano do gênero musical, para o de cada música tomada em particular.

Mas voltando à ponte com o texto supracitado, um argumento que não esteve presente neste é o de que a arte deve necessariamente ter uma função revolucionária. Isto é muito difundido por alguns higienistas partidários. A minha resposta a priori a esta ideia é simples: se Fernando Pessoa a levasse a sério, sua obra provavelmente não existiria, e centenas de milhares de pessoas não teriam a sensibilidade contemplada e se obstaria até mesmo inúmeros processos de sublimação.

Lógico que se formos considerar a revolução como um deslocamento profundo em relação a um determinado sistema. Pois se, ao contrário, tomarmos tal termo de forma geral, temos que qualquer música pode instigar uma revolução ou outra. Ao ouvir uma letra da banda Harmonia do Samba, deixando, por exemplo, de enxergar a sexualidade para os que são mais afetados pela obra de tal banda com os meus olhos e passando a encarar tal realidade com os daqueles, aconteceu uma revolução no meu olhar. Talvez exemplos a mais, neste sentido, não se façam por ora necessários.
Atendo-me ainda à questão da função social da arte como libertária, revolucionária etc., encontramos mais outro problema que diz respeito a quando o artista se utiliza de sua imagem pública para interferir na realidade social. Afinal, é bem verdade que nas letras de Xanddy, vocalista da já citada Harmonia do Samba, não encontramos nenhuma crítica ao capitalismo. Contudo, seu envolvimento efetivo com o Grupo de Apoio às Crianças com Câncer já salvou a dignidade de muitos infelizes. Aqui é bem fácil para qualquer cretino dizer “é só fachada”, sobretudo quando não se esteve esperando por cirurgias urgentes ou economicamente inviáveis que só se fizeram possível porque alguém ouve Harmonia do Samba, dando a Xanddy o prestígio necessário para que este capte os recursos e devolva a dignidade a muitas crianças acometidas. Estas, aliás, talvez não viverão até que o “sistema mude”.

Enquanto isto muitos representantes da “alta cultura” estão produzindo do alto de seus gabinetes para uma audiência voraz em determinar o que é válido ou não culturalmente.
Um país que gosto muito de tomar por exemplo é a França, por motivos de ligações já diretamente efetivas com este. O país em que vi uma criança de mais ou menos cinco ou seis anos identificar elementos como perspectiva num quadro de Van Gogh é grande consumidor de músicas carentes de alto teor de politização. Deixo como exemplo o gigantesco sucesso há algumas décadas de Mirelle Mathieu. Nem por isto a nação deixa de apresentar um alto grau de politização, um IDH elevado, casas de óperas de séculos atrás sempre cheias, patrimônio cultural valorizado etc.

Porém, gostaria de ratificar mais uma vez o que propus no final do texto citado no primeiro parágrafo deste. Quando falo em tolerância, estou direcionando aos vários extremos da realidade. Dos que estão só preocupados com o molejo aos que estão só preocupados em discutir o sistema. Afinal, eu arriscaria afirmar que se abrisse o porta-malas do meu carro e jogasse Rage Against the Machine num bar em que há semanalmente um arrocha ao vivo, certamente seria hostilizado.

Raros 5 minutos...

Convido-te a um desafio: você consegue enxergar além da mascara que te foi imposta? Consegue vislumbrar a verdadeira essência do ser humano?

Algumas vezes sou remetido ao pensamento de que as personalidades “boas” da história tenham vivido apenas com intuito de serem diferentes da maioria, com único objetivo de simplesmente não serem iguais aos outros.

Busco incessantemente argumentos que sustentem o alicerce da bondade no ser humano. Pois, como uma avalanche contínua furiosa, nos são mostradas provas a cada dia do quão malévolo pode ser o homem (não deixando de me incluir neste aspecto). Mesmo não sendo por propósito, acabam por atingir, ou ao menos fustigar, os que estão a sua volta com suas atitudes egoístas, olhando sempre para dentro de si, erroneamente baseados em conceitos de individualidade, como se fossem parte independente da unidade primária na qual estão inseridos e não dependessem dela; agem ora cegos por instintos, ora cegos por razões.

O único animal que tem a opção de viver em harmonia nos meio-ambientes em que vive, ainda opta por atritos que tem gênese no seu próprio ser, produzidos única e exclusivamente por sua psique que, muitas vezes, transformar-se-ão em imensos infernos astrais autodestrutivos.

Apresento-lhes então a nossa fabulosa natureza dualista:

Entretanto, existe em nós um grande potencial, assim como a semente é a arvore e assim como o presente é o futuro, que devemos relacionar às nossas virtudes. Pois sem considerar cautelosamente esta “característica”, somos apenas mais uma raça de animais, com mais uma defesa biológica, que pretensiosamente chamamos de “consciência racional”, e a julgamos como fator de superioridade quando nos comparamos a outros seres vivos.

Potencial primo, que eleva Taj Mahal e Pietá, sinfonias e orquestras, prosas e sonetos.

Trago ainda, então, para figurar, versos de Olavo:

“Vives ansiando em maldições e preces
Como se a arder no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano”

Uma lei inexorável dos princípios universais.

Convido-te, leitor, à reflexão.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Serra de Fogo

Em uma noite não tão comum havia uma mulher de cabelos brancos de pele escura, seus olhos brilhantes estavam pregados à fogueira que ardia a descontento da noite, suas duas filhas mais novas, se perguntavam por que a mãe não saía daquele lugar. A senhora à beira da fogueira quase não movia suas mãos cravadas entre as pernas, seu corpo prostrado em direção à fogueira.

São Sebastião era o nome da localidade, de poucas casinhas e vegetação expeça. Acordava dona Josefa sempre com pensamentos obsessivos a respeito da serra, a mesma ficava logo à frente da sua casa. A serra é chamada de Serra do Fogo, porque uma velha historia contava que antigos índios acendiam grandes fogueiras nesta serra para dançar, e em muitas noites escuras a serra se alumiava de tal forma que a serra parecia estar em chamas.

A senhora me contava às vezes que não encontrava as coisas dentro de sua casa, e acusava sempre as duas filhas – Carmo fia da pé, você pegou meu anel cão!? Carmo respondia que não, sem entender sua mãe, pois a mesma não tinha pegado nada. Contou-me Josefa outra vez que entrara no rio que ficava abaixo de uma grota às margens de sua propriedade, ela se encantara, pois por instantes via seu anel acima de uma rocha escura, ameaçou pegá-lo, mas o mesmo se esfumaçou.

Em uma tarde clara, dois homens de pele vermelha vestidos de bermuda e camisas estranhas e largas. Chegaram à porta de sua casa e entregaram um pedaço de pano com alguma coisa dentro que não era para ser aberta naquele momento, bem como olhando para a senhora afirmaram – O que tem de mais valido são as coisas que se põem na alma, a matéria mesmo densa em brasa viva se desintegra.

Seguindo o mesmo ritual à frente da fogueira, enquanto suas filhas caiam no sono Josefa sumia com as brasas da Serra do Fogo.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A favor da militância

Por eu costumar tecer muitas críticas em relação à militância, quem costuma ser apressado em suas reflexões, tende a me classificar de direitista dentre outras adjetivações. Entretanto, apesar de eu já ter pedido cuidado com as interpretações que essas pessoas fazem acerca de minhas idéias, eu vou mostrar o porquê que eu não me vejo como um anti-militante, mas sim um crítico que termina por desacreditar nessa militância.

Como eu disse, não sou contra a militância. O que eu sou contra é a forma como os ditos militantes acreditam que vão atingir seus objetivos. Para mim, um dos erros da militância é ficar tentando agregar multidões insistindo em acreditar na totalidade em meio a um contexto recortado por múltiplas formas de interesses. Para mim, esse tipo de militância é do tempo onde as diferenças de interesses não se faziam tão plurais como atualmente.

Essa necessidade pela totalização faz com que haja uma necessidade entre os militantes de levantarem bandeiras e o cidadão fora da militÂncia é que termina prejudicado, pois quando se pensa o movimento político como totalização e bandeiras, há a intolerância de um grupo em relação aos outros que possuem princípios ideológicos diferentes. Nesse caso, a militância, antes de representar os interesses coletivos, torna-se uma arena de disputas de grupos que se encaram como oponentes e não como universos que por serem diferentes, podem contribuir com novas questões e elaborações de novos projetos.

Também não acredito na forma como a militância enxerga a mudança na conjuntura social. Não acho que se é quebrando uma estrutura da noite para o dia que as coisas funcionam. Antes, faz-se importante reeducar hábitos e valores que foram se relacionando com essa estrutura, do contrário, repetiremos o esquema das dietas mágicas que fazem o indivíduo perder 30 quilos em 15 dias e depois o “magrinho” engorda mais 40 quilos semanas depois! Ou seja, quebra-se as estruturas, mas por não quebrar o hábito, a estrutura anterior termina voltando.

Outra crítica que faço à militância diz respeito a esse imediatismo. É muito estranho perceber que um dos grandes valores da sociedade de consumo tão criticados por eles que é o imediatismo se faz revelar em seus discursos. Outro ponto que eles criticam, mas que reproduzem, é o de encarar a política como propriedade privada e não como bem coletivo. Isso a gente vê quando os militantes levantam bandeiras para seus partidos, esquecendo-se de que a política é algo que deve se voltar para o interesse público.

Por isso que para mim, os militantes devem reconhecer que por mais críticas que se possa haver em relação ao capitalismo, eles também possuem valores capitalistas incorporados. Eu acho que a militância também deveria reconhecer a diversidade de interesses no contexto atual; acabar com essa idéia de dogmatismo ideológico e se abrir para a diversidade de opiniões de outros grupos ao invés de se prender nessa concepção de grupo fechado e homogêneo, para que assim se possibilite um olhar mais complexo e mais crítico acerca das injustiças (e que não são poucas) provocadas pela conjuntura atual.

Caso os militantes tenham de fato o objetivo de alterar a realidade, eles não podem se perder nessa doutrinação mofada e parada no tempo. É importante a militância fazer uma leitura mais crítica da realidade, re-atualizando o seu discurso, pois querendo ou não, o contexto é outro. Quando a militância me provar ter atingido uma postura mais madura e menos birrenta, pode contar com o meu apoio torto, pois estarei disponível. Do contrário, preparem-se para mais críticas.

Efeitos da Ditadura

Chovia granizo. Demorei uns 15 minutos para me levantar, pois a temperatura do meu quarto continuava fria. Assim que tomei coragem, levantei o meu corpo pesado e pus meus pes envelhecidos no assoalho de madeira. Caminhei com dificuldade, dei dois passos e fui ao encontro da janela. O sol nascia timidamente, depois de um pequeno temporal. Os seus raios invadiam o meu rosto, proporcionando um engilhamento descontinuo na minha face.
Olhei para os lados e percebi que havia um retrato embaixo do meu velho radinho de pilha. Nao quis me recordar de nenhuma lembranca, desde o ano de 1964. Nao sei por que tive medo de nao saber quem estava ocupando todo o espaco da fotografia. Sei que eram duas pessoas, pois percebi que um pedaco da foto me mostravam 4 pes que pareciam bastante descontraidos.
Sentindo um pouco de dificuldade, fui ate a pia do meu banheiro, abri a torneira, ainda gotejante e preenchi o copo de agua o qual custumo usar para lavar os dentes. Retornei a ir na janela para regar os dois girassois murchos, apaticos quanto os energizantes raios solares. Sem notar, empurrei o copo de vidro e ele caiu da janela se despedacando em mil na terra molhada. Penso que os caquinhos de vidro demorarao para se degenerar e diferentemente das sementes, eles nao brotaram nem sequer um botao.
Sentei na cama, depois que liguei a televisao. Passava o jornal das 7, discutindo sobre o resgate da memoria brasileira sobre os efeitos escabrosos da ditadura.
Ainda nao me recordo muito bem o que aconteceu nessa epoca.
De repente, a televisao perdeu sua nitidez e as imagens tornaram a ficar um pouco discontinua. Naquela TV velha, era sorte minha em ter que assitir um programa por inteiro.
Apesar do tempo ensolarado, um vento frio invadiu as cortinas e derrubou o meu radio, levando a antiga foto para algum canto. E eu continuei sentado, quando ouvi alguem batendo suavemente na minha porta. Para me levantar, preferi ter comigo a minha bengala a qual estava ao lado da cama.
Abri a porta e vi um rosto nao tao envelhecido, sorrindo simpaticamente para mim. Continuei calado, mesmo depois daquele "Bom Dia".

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Epitáfio

Derrotado pelas circunstâncias naturais impostas por um destino trágico, delirou e foi mau para si mesmo enquanto pôde. Imbuído, como os seus, de pretensões humanas, também arquitetou sobre as misérias do corpo bosques e castelos. Jamais atentou contra a integridade física de quem quer que fosse, a não ser contra a sua mesmo, quando ansioso não sucumbiu ao receio de afundar as unhas na pele dos braços e da barriga, nem nunca desejou tirar a paz de quem estivesse sossegado. Muito mais do que um capricho do estilo, se falou com o vigor áspero subjacente à prosa dos moralistas ascéticos, o fizera opondo-se àqueles que tentaram tornar os desvarios pessoais um dispositivo generalizante, a fim de impedir a ascensão do sono e da preguiça de quem nasceu impossibilitado para o ânimo. Não tivera em vida sentimentos elevados nem família - abjeto como os cães que são chutados enquanto repousam indefesos nos beirais encardidos e mijados das ruas, mantivera-se à mira dos pés da racionalidade durante anos insossos, gozando o prazer dos safanões constantemente recebidos. Orou, vislumbrando o espetáculo do sol tórrido nascendo a um lado previsível do globo terrestre, a todos os infortúnios da natureza, pedindo explicações à amplidão disposta frente aos seus olhos imberbes sobre o porquê dessa trapaça cósmica toda. Esteve senão aos cantos, intercalado entre a incógnita e o desespero, procurando sempre repousar à sua própria sombra. Como qualquer homem, comeu, bebeu, excretou e, no amor, fora poucas vezes correspondido. Na falta do que fazer, como se não quisesse padecer ao tédio, praticou diariamente a dúvida.