quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A crise torta

A crise torta
O torto é um movimento que não propõe mudanças. O torto não propõe nada. O seu papel na sociedade é analisar as coisas e nelas se encontram as pessoas e fatos da vida. O torto é um camarada observador e crítico, pois, sua natureza torta permite e impulsiona tudo isso.

O torto não tem compromissos com seus sentimentos. Se você for alguém preso a valores e verdades muitas, por favor, evite o torto porque você pode enfartar. Essa é nossa marca desde o primeiro dia e isso não acaba, é da natureza do movimento. O torto critica o que você disser com muita avidez, não adianta você achar que está na casa da mamãe, o torto é tudo menos este lugar.

Muitas quizilas eu tive com o torto. Um dia pensei em deixá-lo, logo em seguida pensei: E onde vou? Onde escrever e sentir a adrenalina no outro dia sabendo que pode vir uma rosa ou chumbo grosso? Então decidi ficar por aqui e estou me dando muito bem, mesmo sabendo que dou duro para escrever um conto e os comentários são pouquíssimos, pelo menos dos membros do torto. Mas não estou nem aí para isso, o torto é minha mídia e o mundo já percebeu minha existência.

O torto não escreve para si. O mundo está lendo o torto e textos ligados a ele. Não posso mais digitar meu nome na rede, que logo surgem do nada, meus textos com a marca do torto e outras. Tenho orgulho de ser torto. Tenho orgulho de torturar o ego das pessoas com Joaquim e Tupynajé. De jogar-lhes na cara o quanto eles são preconceituosos.

O torto é um espaço de auto-reflexão. Aqui você tem a oportunidade de perceber que, o que criticamos nos outros, fazemos também. Não é sensacional?? Sim, somos tão hipócritas que condenamos a maconha e depois enchemos a cara. Ou condenamos a injustiças sociais e temos a nítida certeza que somos parte dessa estrutura. Falamos do sexo sem compromisso e transamos sem camisinha, basta a nega ser gostosa e hora for favorável. O torto é gordo, magro, alto, baixo, gay? (tá faltando um), preto, branco, xiita, capitalista, comunista, idealista, sonhador, o torto é um caldeirão de diferenças que se conflitam constantemente e com isso dizemos ao Brasil que é possível eleger um de nós para presidente. Não elegeram o lulinha? E a Dilminha?

Meus caros tortos do Brasil e do mundo se dirigir não bebam. Deixem o carro comigo. Cara tou precisando muito de quatro rodas. Valeu, um beijo torto.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Espaço e tempo

Ando pelas ruas e praças
tudo é muito novo, reconfigurado
Os olhares estranhos me observam
retribuo, pois, não os conheço
Poderia achar muitos amigos de bobeira
Agora, eles estão em outros lugares
fragmentados e distantes
O espaço do aqui que víamos com afeição,
Agora nos tornaram alienígenas.
Minha geração passou,
Outras crianças e jovens reconstroem uma nova época
Minha casa agora é uma Clínica
As Avenida com as arvores velhas da minha infancia não existem mais
A pedra moderna reconfigura novas imagens
Matando os velhos, talvez ainda novos
O novo não espera, assim espanca e arrebenta
O que antes memorava uma paisagem, um pensamento, uma felicidade.
O tempo muda o espaço,
Recria significados , fere muitas almas
O que nos prendiam, roubaram
Transito nesse véiculo de mudanças
Busco me readapatar, Lembro o que tinha,
Quero o novo, não posso ter
Não sou nenhum, ao mesmo tempo sou todos em transformação.

Um Mero Devaneio Torto

Estou na mira de prédios que insultam com suas sacadas e suas pancadas simbólicas no meio do ar.

Abalos ritmicos soltos assim no absoluto do ar que os recolhe e os faz anacolutos todos: todos eles. Ruídos, e eu absorto: todos eles. Absorvo. Todos. Eles!

Eis um ponto fora da curva! A miséria e sua distinta nervura! Ponto fora da curva! A riqueza e a eterna fartura. E o que falta em mim dura. Dura falta, eterna e se enerva: ei-la nervura, fora do ponto da curva. Nem curva, nem ponto. Certeza se encurva: ei-lo torto.

Entorta os abalos ritmicos, escândalos místicos. – MOMENTOS SÍSMICOS! MOMENTOS SÍSMICOS! – Já foi...

Vejo meu corpo em ruínas ruidosas, nervuras rugosas, ternuras raivosas, nem duras, nem mortas, farturas faltosas, tortas criaturas, criaturas tortas!

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ser torto ou não ser?

Eu vou sair do torto porque sou torto, faz parte da natureza autodestrutiva do torto... kkkkkkkkkkkkkkk Um abração pra Vina hahahha Adeus cabrones!!!

Poeminha de fim de tarde

Haja Aracaju ará
Crescendo sempre pra cima
Embaixo tanta coisa a brotar
O sol tardezinha que na árvore contrasta
Põe sempre aspas em seu ensejo moderno ará.

Minuto interrompido do farol da Bahia
Sereia com guitarra elétrica
Chaaaaaaaaama!!
E nós com nossos coqueiros ará
Também exalamos o nosso vermelho.

A flor de lótus já brota nos cajueiros
Que balançam seus galhos de metal
É o verbo e o verso de quem anda
Progresso?
Mas nem sempre progredir é andar reto
Por vezes temos que dar voltas.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Inclusão e Exclusão do Torto

A coisa mais linda que eu ouço todos os dias na televisão, nos rádios e nas ruas é o discurso da inclusão social. De fato, é muito generoso por parte da sociedade se preocupar com as categorias sociais historicamente marginalizadas. O mais legal de tudo é sabermos que podemos sonhar com um mundo perfeito em tempos futuros no qual todos terão conquistado os seus direitos.

Outra coisa pela qual me enche os olhos de lágrimas é aquilo que se refere ao discurso da pluralidade. É um crime desrespeitar o ponto de vista alheio, o que vale são as diversidades de crenças! É diante de um discurso como esse que eu sinto uma enorme vontade de viver, pois é através dele que percebo o quanto a sociedade exercita sua prática de conviver com a diferença.

Apesar de eu ser um fã convicto dessas plenitudes humanas, por vezes eu sinto uma grande dificuldade em lidar cotidianamente com esses discursos zelosos, como também em fazer com que os “Seres do Amor pela Humanidade” me compreendam. Por eu exercitar meu olhar torto, os discursos, apesar da diversidade e da inclusão, muitas vezes me incluem, mas também me excluem.

Por eu ser adepto do exercício de me entortar, para mim, ninguém é perfeito, pois se nos entortamos, inevitavelmente acertamos e erramos, e por isso eu consigo enxergar a importância de incluir todos, uma vez que não existe o melhor nem o pior. Portanto, a inclusão dos direitos é mais que do que necessária, e por isso mesmo eu me harmonizo com o discurso da inclusão construído pela sociedade.

Por outro lado, eu também sei que me entorto por conflitar com a sociedade, e justamente me colido com ela por eu possuir representações incorporadas em minha experiência com o social. Portanto, apesar de reconhecer a importância da inclusão de todos, não me sinto na obrigação de aceitar a todos, pois também tenho meus preconceitos e minhas próprias limitações.

Nesse instante, o que eu percebo, é que a sociedade, ao mesmo tempo em que prega um discurso de inclusão social negando o preconceito, preconceituosamente me exclui a partir do momento em que eu me nego a reconhecer uma aprovação plena para todas as pessoas. Ou seja, todos estão inclusos, mas de acordo com as pretensões politicamente corretas da sociedade.

Essa postura termina por se confrontar com o discurso da pluralidade. Pelo menos como eu entendo, no discurso da pluralidade cada um tem a sua maneira própria de enxergar as coisas, e por isso mesmo, cada um se encontra livre em se expressar da forma como quiser. O que eu noto nesse discurso é uma busca pelo respeito e pela liberdade de opinião.

No discurso voltado para a pluralidade, meu discurso torto, assim como o discurso social, reprova qualquer postura que tenha como intenção desrespeitar a opinião do outro, visto que para o olhar torto, as escolhas, os gostos, as opiniões são partes fundamentais da liberdade de pensamento do sujeito, e por isso mesmo não compactuo com idéias centralizadoras e impositivas.

Porém, mesmo a sociedade expondo o discurso da pluralidade, ela me obriga a escolher um lado. No entanto, por eu saber que todo mundo se entorta, não me sinto à vontade em dizer que acredito em uma coisa ou em outra. A partir daí eu noto que a sociedade, ao mesmo tempo em que nega a exclusão, de forma excludente termina me segregando.

Enfim, se por um lado o meu exercício de entortar se inclui na sociedade por reconhecer o direito de todos, além de prezar pela diversidade de opiniões; por outro, como amante do torto, termino sendo excluído, uma vez que, apesar do discurso social prezar pela inclusão e pela pluralidade, admito que tenho meus preconceitos e me nego em querer defender apenas uma bandeira.

Pelo fato do torto aceitar valores referentes à pluralidade e à inclusão, ele se encontra dentro das expectativas sociais, no entanto, mesmo estando inserido, ele se vê excluído pelo seu discurso ir de encontro ao politicamente correto. Ele se insere, mas é mantido fora; encontra-se fora, mas se adentra nesses discursos. Enfim, o torto é um incluído por fora e um excluído por dentro.

uma mão doente

com os lápis eu posso desenhar o céu
pintar de Ver melho
escrever em le Etras tortas as nUVenS
com rabiscos de grafrite contornar o chão
para que os Bon ecos caiam


no na-da
no vazio


do papel em ancobr
o que NA ão posso
é entrar no universo que criei
apenas tocar o veludo
do meu feito

que me separa do mundo bi di duo mensional
do desenho
feito
na f olha de
pa
pel.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Revolta da Existência ( Por Gustavo Navarro)

Cairão com a fúria os céus
Serão varridos da terra os réus
A terra também julgará
Ela já bebeu demais o sangue dos inocentes
Mas é na falta dos assassinos que ela triunfará
Se tornará uma devoradora descontente
O fogo vai se alastrar através do clamor
O calor vai se perpetuar na vingança
A luz que um dia trouxe esperança
Essa luz trará desamor
Não sou profeta e insisto no fim dos humanos
Sou sonhador e penso em ser desumano
Os ventos vão levar o aconchego que nos resta
Vão dar pernas aos vírus que não são os homens
Tudo que um dia se levantou vai cair com a desfloresta
E se pela Natureza foi dado o dolmem
Coitado de todos que à ela já feriu
Vão dormir eternamente nas suas chagas
Vão tirar dos sonhos e dar aos pesadelos as vagas
Coitados daqueles cuja ignorância à nossa Mãe auferiu.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Não sou poeta

Não sou poeta
Não sou poeta.
Não sou profeta.
Sou um simples homem.
Um homem que vive.
Que gosta das palavras.
Que gosta da vida.
Que gosta de gente.
Que cativa você.
É intencional,
Proposital,
Sou mortal como você.
Sou erro, sou acertos.
Sou tentativa,
Experimento,
Puro sentimento encoberto pela razão pura.
Sou um momento.
Passageiro com destino certo.
Andarilho em meio às dúvidas de cada dia...

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Hotel

-Olhem o morto! Ali no primeiro andar!

-De onde surgiu essa pobre alma? Porque suicidou-se?

As pessoas começaram a se aglomerar na porta do hotel assim que a notícia havia se espalhado. Na capital do sertão sergipano havia passado um alemão, que estava à 2 meses antes de arrancar a própria vida.

Sempre viajante, se instalava em diversos lugares. Trabalhava como representante de uma marca de fármacos. O nome desse personagem era Matthias Goertz. Solteiro, 36 anos, não tinha filhos, Haltern am See, pequena cidade da Alemanha era o seu lugar de origem. Ele estava passando um período pelo interior de Sergipe, levara além do trabalho, sua solidão, as angustias e os questionamentos. Depois de um dia inteiro de transito entre os hospitais, farmácias e clinicas. Matt havia marcado com a ortopedista de uma pequena clinica para jantar, o nome dela era Cláudia. A “simpatia” era presente no primeiro momento de encontro entre os dois:

-Caro amigo, não vou adotar a porcaria da marca do seu remédio. Não confio nesse laboratório. Possuem vários efeitos colaterais, o preço é alto e será um prejuízo grande para os meus pacientes. Você não para de insistir em me fazer adotar esse produto. Não quero, mas aceito aquela proposta do jantar da semana passada.

- Claro, discutiremos melhor essa questão do remédio, apesar de vários gênios da Universidade de Berlim não te convencerem, falaremos outras coisas. Agora vou às cidades vizinhas, a noite estarei aqui para o jantar.

-Passar bem.

Não parecia, mas Matthias estava cheio, muitas coisas já não acreditava como relacionamentos, tinha poucos amigos, havia namorado com poucas garotas. Aquele era o único trabalho que sustentaria o seu resto de carne sobre a terra e vendo a paisagem no ônibus em direção a outra cidade, ele pensa:

- Já não suporto mais, vou para Munique trabalhar no escritório da STW no próximo ano. Sair com aquela arrogante pode não ser uma boa idéia. Terminando o expediente vou comprar uma cachaça brasileira para “encher a cara” como dizem eles. Há muito tempo venho ficando paranóico e impaciente com tudo isso. As poucas pessoas que me restam estão distantes. Não sei como esse pessoal da America latina se prende muito à Deus, ele morreu a muito tempo, ficam segurando suas ilusões numa vida fajuta de existência. Não existe mais céu ou inferno, quero dizer, nunca existiu. Se preparem para a vida ou se preparem para o nada! Vou comer aquela Cláudia, chegarei bêbado e cuspirei na cara daquela vadia.

12 horas após o encontro, Cláudia espera Matthias no restaurante, a médica solitária está aguardando o possível homem do qual imaginaria algo:

-7 e meia, aquele homem não chegou, está por ai vendendo aquela porcaria, mas é uma gracinha, imagino que ele tenha algo interessante para conversar, pelo menos vou exercitar meu pobre alemão. Ops!

-Desculpe a demora, Cláudia, você está bela hoje, mas seus olhos de cansaço não me enganam. Você quer ir logo para casa. Não?

-Senhor Goertz, errado. O que te faz ser assim? Um péssimo ator. Estou querendo conversar, queria Sab...


-Cláudia! Estou de saída, marquei com outra mulher, enjoei da sua cara!

....

- Seu Idiota de merda!

Assim, Matt sai do restaurante, bêbado e inconstante. Vendo sua cama rodar, percebe que tudo já carece de um propósito. Começa a perguntar-se do sentido ide suas ações.

-Pra que me entregar à volúpia conflituosa daquela mulher? Depois estarei tão solitário e vazio quanto ela. Amanhã será como aqueles velhos dias.

Logo cedo, levanta-se numa manhã nublada, ainda soprando uma brisa gelada, parecida com a de Haltern Am See. Decidiu não trabalhar. E durante a tarde, a camareira do hotel encontra seu corpo enforcado através da janela. O alemão que trazia sua dor, não viu mais nada que o sustentasse naquele quarto. Apostou a saída para algo desconhecido, o nada, o retorno ou quem sabe, o céu e o inferno.


http://www.hacasoseacasos.blogspot.com/

A Cabeça Transplantada

Sergipe e Poxim: ei-las aorta e femoral deste lugar de epopeias ainda não captadas. Onde o sangue, nervoso, trouxe os mais estranhos corpos, e para um deles fora construída a Ponte do Imperador. Hoje, entrar por este portal que morreu na praia, é dar de cara com os poderes. Eis que emerge pontiagudo o mais proeminente entre eles, a catedral metropolitana. A chaga indelével de uma moralidade, de um padrão estético, de um plano não-laicizado.

Tudo isto introduzido na cabeça de um irmão não tão novo, mas além de o menor, o mais influenciável de uma família hipocritamente unida chamada Brasil. Esta cabeça, porém, já foi transplantada, e a ideia de fazê-lo talvez tenha surgido nas idas e vindas dionisíacas entre os doutores João Gomes de Melo e Inácio Barbosa.

Na verdade, a cabeça rolou Colina do Santo Antônio abaixo e veio a se espatifar mais precisamente no local em que se erigiram os supracitados poderes. Sebastião Pirro, homem de retidão, projetou quadrado por quadrado deste lugar feito para que o açúcar melhor fosse escoado. Talvez uma insinuação de que toda metrificação rígida faça o que há de mais doce se esvair? Vá lá! Talvez a Europa, um território que àquelas alturas por vezes já tinha passado borrachas e usado corretivos em seus quadrados precisasse de algo menos acre e mais tropical para continuar resignificando.

Não obstante haver, em tempos hodiernos, conterrâneos que ainda guardem uma genética fidedigna ao nosso projeto (só concebem suas quadradices), devemos detectar neste nosso tabuleiro algumas lacunas entre reis e peões, cavalos e torres.

Sim, Aracaju padece de imensas lacunas, mas estas podem ser vistas por um lado extremamente salutar: pedem significação, pedem participação ativa de seus usuários/leitores. E é por ser a cidade que não coube em tantas quantas figuras geométricas se pretendia que nos convida à mesa enquanto sujeitos modificadores, ao invés de meras estátuas contemplativas. E é por isso que talvez não estejamos ainda autorizados a decretar "acabou-se o que era doce".

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

FUCK YOU

Em meio a minha pequena natureza te digo que são múltiplas as funções que um homem só pode alcançar, mas não O Homem. Pois que o mesmo tem que ao mesmo tempo abstrair, reter, e no final projetar sua abstração em produto, limitado, redundantemente pela limitação cognitiva do indivíduo e severamente limitado pelo tempo. Vejo como positivo o que é inerente a própria natureza humana, lúdica, criativa, que simplesmente ao passo que se esforça a compreender um universo diferente, acaba na própria natureza da técnica (ação prescindida por um ou vários princípios), criando novos campos proximais e enfim, apreendendo. Mas, a mente é, sobretudo natureza limitada/ilimitada como um paradoxo harmônico, contudo o que importa é aquilo que é visivelmente quantificado, enfim produção.

Eu preciso enfim morrer,
Mais uma vez morrer
E que não se restrinja as células do meu corpo
Mas morrer em espírito.

Sou a impessoalidade dos mercados na prática dos solidários
Ou o produtivista que reza pela libertação do trabalhador.

O complexo é demasiado humano
O humano demasiado covarde
Para perceber-se irrisório
Perene na sua finitude.

FUCK YOU

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Revisando Daniel Peixoto

Ao postar um texto sobre o clipe “Eu só paro se cair” de Daniel Peixoto semana passada, recebi uma série de críticas. No entanto, com um tempo, passei a reconhecer algumas lacunas graves deixadas nele. Depois de uma semana, encontrei mais pontos reprováveis acerca da minha analise sobre o trabalho desse artista, e por isso mesmo, resolvi trazer nesta semana, uma revisão de alguns pontos abordados por mim.

Um dos meus erros foi descrever o clipe como se Daniel Peixoto tivesse de fato a intenção de provocar tudo aquilo que eu havia dito. Por exemplo: quando eu disse que Daniel “preza pelo fútil legitimando o marginal, nega os modelos legitimados pelas convenções, ironizando ao mesmo tempo os dois”, óbvio que ai foi uma leitura minha, mas pareceu ser de fato a intenção do artista, o que não foi.

Não me importa se Daniel é o lixo de uma indústria como já me disseram, até por que para mim, o que mais vale na arte, é a leitura e as reflexões que o ouvinte faz acerca de suas ações e de seus valores através da música que ouve. Por isso que independente de qualquer coisa, insisto que o clipe pode trazer muitas reflexões interessantes para quem quiser fazer análises sobre a nossa atual conjuntura

Eu ainda acredito que o texto nós possibilita coletar um material muito importante para entendermos, por exemplo, o porquê da necessidade que a juventude tem de legitimar as maluquices vazias, assim como até que ponto essas maluquices representam de fato uma revisão de valores ou apenas perpetuam a intransigência de um mesmo conservadorismo com outra máscara.

Adoro esse tipo de estética como a de Daniel Peixoto, principalmente quando sei que determinadas propostas ditas "críticas", são tão presas a discursos clichês como as ditas estéticas “vulgares”. Muitas vezes ao conversar com alguns “críticos”, não vejo diferença entre eles ao falarem da desigualdade econômica com a forma como Daniel se expressa ao dizer: eu tô todo mi-mijado”.

Esclarecendo: falar que a TV Globo é uma empresa que manipula, apesar de estar criticando-a, não vejo esse olhar como algo critico. Seria critico se ele encontrasse outra argumentação que possibilitasse novas reflexões, e não repetindo o que muitos discursos já disseram. O que quero dizer com isso? Que o discurso “crítico” pode ser tão fabricado quanto o discurso que legitima o banal.

Não estou fazendo uma apologia às doideiras sem propósitos. O que eu acho, é que devemos nos comprometer com a realidade, mas devemos também deixar nosso lado reprimido se revelar. Nem cairmos na falta de limites, mas também não cairmos no falso moralismo das etiquetas sociais. Em uma postura torta, acredito que nós podemos ser comprometidos e descontraídos ao mesmo tempo.

Ou seja, transitando entre os dois lados, não partiremos para extremismos de um lado ou de outro, uma vez que ambos se conectam. Portanto, por um lado, nosso comprometimento será sadio por aprendermos a nos descontrair e não cair no falso moralismo; por outro, a nossa descontração também será sadia por não a castrarmos e nem fazermos dela um mero besteirol sem propósitos.

Entre a “criticidade” e a “banalização” existe uma linha tênue. Porém, como um cara que se entorta por também saber que inevitavelmente possui uma escolha, entre o vazio reprodutor dos ditos “críticos” e dos ditos “banais”, muitas vezes prefiro o dos “banais”, por mais que eu seja da opinião de que devemos trazer mais debates sobre até que limite essa “banalização” pode ser saudável e prejudicial para nós.

aquela velha história

Desde cedo que recebo muitas pesquisas sobre os dados que constam no índice de desenvolvimento de cada região do país. Depois que recebo os relatórios, coloco os dados numa planilha para otimizar a contabilidade dos números que sofreram crescimento a cada ano. Em seguida, faço outro relatório diferente do primeiro que me foi passado para que daí eu possa arquivar.

Eu considero a saúde, a segurança e a educação como os principais pontos para serem analisados. Isso porque são esses elementos que venho trabalhando ultimamente. Apesar de trabalhar com os números que revelam a situação social do país, acredito que isso não seja o resultado em absoluto, pois as pesquisas sempre ocorrem falhas, principalmente na produção de seus instrumentos. Não porque falhamos por sermos imperfeitos, mas por que temos preguiça e pouco senso crítico.

Muitos planos governamentais não dão certo pela velha história do desvio das verbas e eficiência na própria criação dos planos. São poucas as pessoas super especializadas que ocupam os cargos para executar os seus projetos com o mínimo de eficiência, no mais, a maioria, trabalham como peças de máquinas de engrenagem similares aos modelos da década de 50. Ninguém pensa, só executa. Carimbam os papéis e protelam a burocracia.

Não importa o real crescimento, se fulana está vivendo em plena seguridade social, mas os números impressos nas folhas. São eles que representam a nação na comunidade internacional, são eles que atraem o investimento do capital estrangeiro para o enriquecimento de meia dúzia de acionistas que apostam nas bolsas de valores. O dinheiro nunca é distruibuído nas dimensões latitudinais, para a melhoria do tão falado desenvolvimento social. Os principais elementos mostram nitidamente isso, sem precisarmos ver os dados estatísticos, basta saírmos na rua para ter uma noção do que se passa. Da realidade em sua concretude.

A saúde não anda muito bem, as pessoas pagam muito caro para garantir uma vaga no hospital, porque o serviço público é muito ineficiente. Quanto à segurança, a violência urbana continua pulsante principalmente nas regiões metropolitanas, quem não foi ainda assaltado pertece a um percentual quase inexistente.

E a educação permanece na mesma, estagnada no ponto zero. As pessoas continuam analfabetas, a grande massa não conseguem pegar no próprio lápis o que dirá ter uma consciência política.


* trecho do romance não publicado "Espectro" (cap. vinte seis) de Maíra Lima.

domingo, 19 de dezembro de 2010

O monstro do lodo (Por Igor Araújo)

À sombra daquelas altas falésias, o mar roçava os pedregulhos da praia e a espuma se desfazia lentamente na areia como um sonho fugidio. Foi assim que o sujeito desleixado despertou na madrugada daquele dia. Já havia se acostumado com o cheiro de poeira, mofo e abandono no qual aquela casa cheia de aposentos inabitados havia se perfumado. Já nem lembrava a última vez que outra pessoa deitou sobre aqueles colchões vazios de quartos sem dono. Só havia ele e a madeira que compunha a residência, estalando o tempo todo mastigada por cupins. Mas esses insetos estavam particularmente calmos nesses tempos. Era quase como se não quisessem mais ser notados. Até mesmo as baratas se escondiam em qualquer brecha nas paredes e no piso sem se revelar nem mesmo nas horas mais seguras e brandas da calada da noite para os seus furtos suculentos.

Como eu poderia esquecer do lixo e de toda aquela sujeira encardida e tingida em cada parede, chão, mobília? Bastava esboçar uma idéia sobre a fachada da casa e aquilo invadia os meus pensamentos. Como poderia deixar de mencionar que o sujeito largado em um colchão velho e surrado passava o tempo pintando com os seus dedos desgastados de estarem tanto em contato com as cores tóxicas enxaguadas pela tinta? Era esse o estado tanto da casa quanto do rapaz, estavam banhados num total ostracismo higiênico de ordem material e imaterial.

A imundície havia conferido uma aparência diferenciada a todo organismo e objeto que compartilhava daquele espaço, uma personalidade adquirida com o passar do tempo, com o passar dos pratos sujos negligenciados. Era da cozinha que emanava o aspecto mais marcante daquele ambiente mal cheiroso. Acredito que a essa altura o próprio lodo que germinava daquela pilha de pratos e panelas e comida velha e podre por sobre a pia, já havia sido abençoado com vida inteligente em um processo acelerado que ao invés de ter durado milênios, só precisou de alguns meses (Darwin e Oparin se sentiriam envergonhados nesse momento). Talvez, até mesmo um sistema político já pudesse estar em curso, uma colônia de seres que foram gerados da porcaria.

A fecundação do derradeiro e mais repugnante ato dos processos biológicos começa com a ação de comer. A inoculação do germe disfarçado em aromas e sabores que instigam o nosso apetite e saciam a fome e também o espírito de alguns poucos afortunados está inexoravelmente associada a uma cozinha no mundo contemporâneo. No final só resta uma matéria morta habitada por vermes decrépitos fervilhando orifício afora. O próprio banheiro daquela morada nem se compara no que se refere ao fedor e ao incômodo visual. Presenciar aquilo era pior do que ver bosta. Era como deglutir fezes no almoço em um dia bastante quente e incômodo. Nem o ato de se alimentar era agradável nessa casa. A cozinha estava com preguiça e literalmente pegou um atalho para o sanitário. Quando desaceleramos o carro para testemunhar um acidente, é como se estivéssemos nos certificando de que não somos nós ali estatelados no asfalto, como diria Neil Gaiman, ou de que não deveríamos estar ali naquelas condições ou simplesmente por que é deveras interessante ver a morte que nos ronda a todo o momento estampada em outras caras. A cozinha é a afirmação da merda que negamos para nós mesmos e aquela em particular refletia esse ponto de vista. Comer é cagar.

O repetido tilintar de pingos de torneira retumbando nos pratos e panelas ressoava irritante cozinha afora por todos os aposentos. Mas o que fez o sujeito relapso interromper o seu sono de litorais paradisíacos foi um barulho quase mudo de algo se remexendo no saco de lixo que ficava debaixo da pia. “Deve ser um rato”, disse para si mesmo enquanto limpava a remela de seus olhos e acariciava a parede onde havia escrito um pressagioso poema em prosa incompleto para a “menina dos seus olhos” que o deixou cego de amor por vários verões quando se despediu brutalmente de sua vida:

“Sua língua é uma constritora que se enrosca em minha mandíbula com a face apontada para os meus olhos submissos. O estalar dos ossos é um sinal para que a sua boca engula o meu crânio despedaçado. E de dentro da sua barriga reerguerei da minha casca idosa, desafiarei a morte como uma fênix e também dançarei nas chamas como um demônio travesso. Logo, te cobrirei como um casulo intumescido. Deixarei a chuva me lavar e quando o sol me desfizer como uma folha seca, uma brecha se pronunciará e você deslizará por sobre as flores como uma rainha recém-nascida. Até que o vento assopre suas asas embora e eu recolha sua matéria morta para os meus túneis cálidos...”

Ainda lembrava-se de uma história melancólica que ela havia sussurrado em seu ouvido sobre o amor do céu e do sol. Daquelas que são contadas por vozes melodiosas como se fossem cantigas. Daquelas que começam sem um começo e acabam sem um final. O sol havia desaparecido e os dias se tornaram nebulosos e amontoados de nuvens no dia seguinte. O céu não cessou de chorar por dias incontáveis, isso na aurora dos tempos. Quase não havia luz e calor, só o negrume da noite e o frio úmido de chuvas torrenciais. Oceanos e rios brotaram dessa era triste e lamuriosa. Um dia, o céu decidiu parar de chorar e para a sua surpresa, avistou o sol incólume na vastidão do espaço. “É preciso desobstruir o céu nublado para que paremos de chorar”, a moral seria algo desse gênero se é que havia alguma intenção naquelas palavras.

Dias e mais dias se passavam e em todas as madrugadas sem exceção, aquele barulho escapava pela cozinha interrompendo o sono do sujeito relapso. O barulho de algo se esperneando no saco plástico dentro do lixeiro congestionado se tornou um hábito tal, que o sujeito já o havia ignorado. Mal dava atenção ao fato de aquilo estar acontecendo com mais freqüência e até mesmo durante o dia. Também não lembrava a última vez que havia se sentado para comer na cozinha ou lavar pelo menos um copo para beber água. Se havia ratos perambulando livremente pela casa ele não estava dando à mínima. Pelo menos havia companhia naquela casa grande e vazia. Já que os cupins e as baratas decidiram tirar férias daquele lugar emporcalhado, o que era estranho, pois em dias comuns esse seria o próprio paraíso para os insetos carniceiros. Há alguns meses moscas e formigas também já não eram mais vistas por lá. O que ele não sabia é que na verdade esses bichos fugiram da casa, fugiram de medo. Era sufocante para eles suportar aquele fedor exótico proveniente daquela pia enlameada de lodo cáustico.

Toda a cozinha agora tinha esse bafo monstruoso que se tornou o próprio cheiro do rapaz e se atirava em todas as direções num raio de vários metros até mesmo fora das dependências da residência. De alguma forma inexplicável o rapaz era tão despreocupado e indiferente àquilo que pouco fazia diferença. Não havia percebido que o cheiro havia moldado a sua própria aparência de uma forma tão eficaz que se uma pessoa o visse por acaso, o confundiria com um monte de merda cagado repetidas vezes pelo mesmo ânus infeccionado de tanto defecar. Uma diarréia humanóide, sem exageros. Só percebeu a gravidade da situação quando enfim foi passear pela cidade depois de muitos dias de enclausuramento naquela masmorra. Os animais não se aproximavam de sua pessoa e algumas pessoas tiveram acessos de nojeira tão profundos que vomitaram umas às outras. Repulsa física no grau mais absurdo que se possa ter noção. “Basta”, disse para si mesmo.

Entrou na cozinha empunhando uma garrafa plástica de água sanitária em uma mão e na outra um facão que ele usava para se defender de cobras e outros animais quando resolvia acampar. Não sabia ao certo o porquê de ter levado aquele facão, foi mais uma atitude impulsiva, instintiva, auspiciosa. O lugar estava mudado. Era como se um nevoeiro houvesse fincado uma bandeira naquela cozinha declarando abertamente o seu domínio, como em um terreno onde as brumas assolam com eventos sombrios e histórias soturnas. Estava morno lá dentro e algo parecia borbulhar das panelas sobre a pia. Sua pele começou a coçar e seus olhos lacrimejavam em ardentes salpicos de vapor mal-cheiroso.

Enquanto jogava água sanitária e bactericida para esterilizar aqueles azulejos vestidos com uma gosma cinzenta e esverdeada, o saco de lixo se sacudia em reprovação àquela ofensa à imundície. O pavor tomou conta do sujeito relapso, mas ele caminhou cuidadosamente até o lixeiro. Tinha certeza de que havia algo se esgueirando por ali, o observando, e não era um rato. Mirou aquele bolo de lixo e até conseguiu reconhecer uma lasanha quase secular que havia jogado pela metade no topo daquela massa quase uniforme de refeições desperdiçadas. Sentiu nostalgia, uma sensação familiar e quase tão pesada quanto o amor. Esqueceu do perigo iminente perdido em memórias tenazes de uma discussão sobre uma refeição pré-pronta. De repente, um braço magricelo e peludo com garras afiadas se atirou de dentro do monturo e agarrou firmemente o pulso armado do rapaz distraído.

Um combate violento se desenrolou. A prataria se espatifava, talheres fincavam nas paredes que escorriam um líquido tão consistente quanto melaço, armários despencavam, a despensa se quebrava e o sujeito relapso lutava desesperadamente por sua vida contra aquele homúnculo esquisito e asqueroso que estava hospedado sob a pia da sua cozinha. Conseguiu se desvencilhar daqueles braços tão maleáveis quanto tentáculos e despejou todos os produtos de limpeza que encontrava espalhados pela casa sobre a torpe criatura. Mal havia notado que seu braço pendia sem vida devido ao ataque fulminante do monstro do lodo. Estava bastante escoriado e encontrava-se no chão enquanto a criatura caminhava enfraquecida devido aos produtos desinfetantes, em sua direção. Estava determinada a tomar conta daquele lugar. Para isso deveria exterminar o seu último morador.

O duende abissal expressou um sorriso tão sublime quanto um esboço de algo que o próprio Satanás faria quando se deparasse com a vitória quase certa sobre Deus. Uma felicidade tão eminente que estaria consequentemente à sombra de um vazio autodestrutivo. Estava tão entretido na véspera daquele evento tão assustador quanto sedutor, que mal percebeu os potes de tinta que o sujeito relapso e abatido arremessou em suas órbitas e focinho. Um uivo lancinante se projetava de algo semelhante a uma garganta e o sujeito aproveitou o momento para desferir-lhe um golpe com um rodo que estava encostado ali em algum lugar. Atacou furiosamente até que só restasse uma poça de lodo mutilada. Despencou exausto no chão e em meio a vários pensamentos do tipo “preciso de um balde, uma vassoura”, “como poderei pintar com um braço inútil?”, ele percebeu que antes de mais nada precisava de um banho.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Benedito Meu

BENEDITO MEU

Benedito!
Esse menino não sabe o que faz.
Benedito foi para a lapa.
Naquele lugar os meninos viram homens.
Os homens viram fantasmas.
E os fantasmas se cansam de andar pelo mundo.
Benedito!
Onde você está meu filho?
Benedito foi vender crack para o povo do asfalto.
A classe média degenera a pobreza.
Tenha certeza.
Toda riqueza será castigada.
Toda torpeza será punida.
É uma ferida prurida.
Comida estragada.
Gente muito boa, branca até demais.
Benedito!
Ele não me responde.
Quem sabe perdeu o bonde?
Foi?
Foi!
Benedito volte logo!
Cedo de manhã Benedito foi para o necrotério. Depois, no cemitério, foi rezar sua oração:
“Crack nosso de cada dia me dê meu pão”.
O Brasil esqueceu Benedito.
Ou melhor,
Benedito?
Quem era?...
A nobreza é hipócrita.
A nobreza tem suas razões.
Benedito também.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Pulsando

Meu maior erro em vida foi ter atravessado a ponte das perversões entre um aglomerado de células e um eu.

Após a travessia, onde as células rogavam por hidratação, eu desejava uma taça de um corpulento cabernet sauvignon, e só ele hidrataria o eu.

Onde o corpo bradava por alimento, eu gemia com o gozo que era degustar as empadas de queijo do reino, e só ele alimentaria o eu.

Reproduzir, só depois dos trinta e só com a loira da novela das oito.

No entanto, enfim o eu decidiu "se atirar fora da ponte e da vida".

Ah, quão bom é estar morto e enfim completo!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Daniel Peixoto: A crença no veneno

Ao se deparar com a minha pessoa no bate-papo virtual, Reuel Astronauta imediatamente me enviou um link para que eu assistisse a um clipe de um artista chamado Daniel Peixoto. Gostaria de avisar que eu não tenho nenhum contato aprofundado acerca da obra desse artista. Este texto é uma análise limitada a um único clipe que assisti dele chamado “Eu só paro se cair” e não a todo o seu trabalho.

Faço questão de avisar ao leitor que a opinião que irei expor é fruto de minha interpretação. Digo isso, pois se há uma coisa que eu detesto em autores que abordam acerca de análises de trabalhos musicais, é a prepotência em jorrar seus valores pessoais, como se esses valores fossem universais. Obviamente que um leitor ao assistir ao clipe terá opiniões que podem se confrontar, assim como se assemelhar as minhas.

Para quem não se submete apenas de forma passiva aos modismos sociais, acredito que vai conseguir fazer uma interpretação pertinente acerca de Daniel Peixoto. Para mim, esse artista quebra os modelitos de quem mama nas tetas prestigiadas da vaca-hierarquia, assim como desestabiliza o discurso dito libertário e politicamente correto da muitas vezes hipócrita elite pensante.

O clipe de Daniel ´ridiculariza tudo aquilo que tende a ser venerado como certo, rebaixando ao máximo às certezas convencionais, e valoriza o que é classificado como fútil e descartável. Daniel une, colide, inverte e mistura a relação entre os dois universos. Preza pelo fútil legitimando o marginal, nega os modelos legitimados pelas convenções, ironizando ao mesmo tempo os dois.

Ao mesmo tempo em que chuta a canalhice dos modelos, aliena-se no consumo do corpo e do álcool. De forma banal Daniel tece duras criticas aos modelos convencionais atolados em modismos muitas vezes acéfalos, no entanto, de forma crítica, Daniel se degusta do sonho supérfluo do consumo, do imediatismo do gozo, apoiando-se em posturas que tendem a ser tachadas de excessivas e de chulas.

Com relação à minha interpretação acerca dàs criticas bem sacadas que Daniel Peixoto faz ao sistema, coloco como exemplo o momento final do clipe no qual o personagem mascarado (Pedro Sayão) aparece doando afetos com a sua impessoalidade traduzida pela máscara a uma garota (Camila França) de olhar perdido que mais parece externar um excesso de solidão e de cansaço.

No que se refere ao excesso, Daniel cita o seu desequilíbrio com o álcool. Nas questões consideradas por muitos como chulas, o clipe vai reforçar a sensualidade da gatíssima Camila França em movimentos de posições descaradas como no momento em que ela fica arreganhada no chão e no momento em que ela chupa o gargalo da garrafa com seus lábios provocantes.

Para mim, esse clipe representa uma sociedade massacrada por seus próprios descontentamentos; uma sociedade que busca o amor sem sequer ter a capacidade de amar intensamente qualquer coisa. É um chute no moralismo barato que se deteriora em meio a uma sociedade que cada dia mais se desagrega; um chute na perfeição almejada por um mundo que não mais se suporta por falta de referências mais precisas.

Naquele aparente lixo “desnecessário” do clipe, pude notar um cotidiano que se esvai e que sobrevive dentro de uma lógica de falta de sentido e muitas vezes de vazios. Um cotidiano surrado pelo cronômetro, pela frustração do indivíduo com sua auto-afirmação atrapalhada e com sua crença em tudo que envenena e que destrói por ele apenas se manter alheio à dor causada pela sua cotidiana solidão.

Quem tiver interesse em assistir ao clipe: www.youtube.com/watch?v=1bRdV7V5K2o

No escuro das entrelinhas

Eu vou contar uma história que não tem início, meio e fim.
Sem frases e orações.
Nem pontos e vírgulas.
Apenas vácuo, vazio e silêncio.
....
.
.
.
.
Silêncio que diz alguma coisa.
Silêncio que não diz nada.


Silêncio...

domingo, 12 de dezembro de 2010

A pós-modernidade e a crítica a noção de objeto da ciência do direito: por uma hermenêutica plural (Por Anderson Couto)

A pós-modernidade é uma temática muito comentada nas diversas áreas do conhecimento humano. Sem absorver as polêmicas em torno da sua existência, ela pode ser resumida numa tendência em abolir ou modificar os contornos do que antes era hegemônico no mundo ocidental. Os teóricos adeptos da tendência pós-moderna assumem uma postura de ruptura em suas análises ao constatar revolucionárias mudanças sócio-culturais na atual conjuntura histórica. Uma tendência inventariada nos diversos ramos do saber tem consistido em reavaliar a noção de objeto dado, em termos de identidade, a determinada rubrica científica. A noção apresentada em diversos discursos processa uma negativa em colacionar um determinado objeto, distinto e separado, sempre o mesmo em diversas conjunturas sociais, para determinado espaço de saber e apresenta a defesa de que todo objeto é construído de acordo com possibilidades subjetivas, lingüísticas e sociais do sujeito de conhecimento, também inserido em limitações de diversos tipos. A mesma problemática poderia ser trazida para a tão decantada e tradicional ciência do direito. O que significa interpretar um enunciado jurídico com objetividade? O direito é um conjunto lingüístico performativo e prescritivo, dotado de força coativa em virtude da força estatal. Desse modo o direito poderia ser traduzido como um “dado” para interpretações de seus operadores. Se assim acontece, como poderia existir um direito em si, objetivo, se tudo deve está resumido a uma atividade de extrair um sentido de uma norma e se a ato de interpretar ganha toda uma influência estranha ao direito? A hermenêutica com suas possibilidades poderia ser um grande caminho para descortinar certos conceitos errôneos que ainda pairam na ciência jurídica.

O que acontece entre a norma abstrata e a decisão ou orientação diante de uma circunstância da vida? Existe uma única orientação ou toda interpretação da lei é fluída e depende da conjuntura e estruturas ou possibilidades semânticas no momento em que o interprete se dispõe a aplicar uma norma ou se orientar pelo mandamento? Existe a norma enquanto conceito abstrato ou o que existe é tão somente normas particulares surgidas em situações as mais diversas? Existe uma grade lógica que impele o interprete em determinado sentido ou há uma fluidez semântica dos termos que se traduz em diversos julgamentos jurídicos e que não permite selecionar um único preceito válido para todos os casos, possibilitando, por conseguinte, a mediação do interprete e suas diversas influências no ato de aplicar e se orientar através de um preceito? O direito é voltado para prática. É destinado a resoluções de problemas. Não pode ser conceituado, portanto, sem se levar em conta seu fim. A norma pretende ser um conceito objetivo e abstrato válido para diversas situações, mas para produzir efeitos in concreto necessita da atividade de um operador que a torne apta para produção de efeitos em uma determinada situação particular. O direito torna-se um caminho do teórico para o prático com a mediação de um interprete. Sem a mediação de um determinado interprete o direito abstrato não tem movimento e aplicação. Então, o que existe não é nem um direito teórico, nem um direito plenamente prático, mas sim um direito interpretado.

O direito existe independente de um interprete. É um objeto já que não deixa de ter existência sem a mediação interpretativa. Esse argumento assim colocado poderia trazer problemáticas a interpretação aqui indicada de que o direito é um fluxo de interpretações. O primeiro passo é mostrar que não existe a norma enquanto objeto de proposições de uma ciência, o que existe é determinado conjunto de prescrições dotadas de um espaço para interpretações e atreladas a historicidade de determinada sociedade, porquanto ligadas a particularidade de determinada conjuntura em eterno fluxo. Não existe objeto jurídico enquanto conceito, o que existe é um conjunto de proposições destinadas ao trabalho inicial do interprete e que dependem de sua mediação para que exista uma aplicação concreta nas multiformes circunstâncias da vida. O direito é relativo e é um vir-a-ser, é um conjunto de proposições verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. Parodiando Protágoras, o interprete é a medida de todas as leis. Então o segundo passo é provar que o direito não traz qualquer segurança jurídica. Pois não constitui um algo sempre mesmo diante de um conjunto de sujeitos de interpretação. Se o direito depende do interprete e o interprete de inúmeras influências, como se pode concluir que com o direito o mundo se torna mais seguro.

No máximo poder-se-ia asserir que o direito torna as interpretações sobre condutas humanas mais estáveis, nunca mais seguras. É preciso retirar da expressão segurança jurídica toda uma carga filosófica herdada no sentido de conferir a abolição da historicidade dentro do direito. No conteúdo da expressão segurança jurídica existe uma pretensão de conferir sempre um mesmo modo de interpretar o objeto jurídico diante das circunstâncias particulares apresentadas a um interprete. Diante da expressão o que se pretende é deixar claro que um interprete sempre chegará ao mesmo veredicto diante de um caso particular. É como se diante de um caso, o mediador da lei e realidade normada chegasse a captar o mandamento objetivo da lei, abstrato e impessoal, e não tivesse qualquer influência externa e de cunho subjetivo na avaliação. A pergunta que se deve fazer é se a norma é um objeto dado ou toda norma é construída pelo interprete. Se ela é construída e não alcança um dado objetivo, ela possivelmente sofre influência de três tipos, a saber, subjetiva, estrutural lingüística e social, e esse fator, se provado, traz impactos na noção de segurança jurídica tão decantada na ciência jurídica. O presente trabalho pretende discutir a noção de objeto da ciência jurídica e sua influência na noção de aplicação da lei. Busca demonstrar que todo objeto de ciência é construído e sofre impactos de vários tipos e toda discussão sobre a objetividade da ciência jurídica, como conseqüência, tem impacto na noção de hermenêutica. Não existe um dado objetivo no direito para proposições verdadeiras. Existe no ato de interpretar uma construção do objeto jurídico e toda interpretação de uma norma será diferente de acordo com espaço onde o interprete se encontra inserido.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

CORPO

Esse seu corpo pesando sobre o meu, me puxando para dentro.
Absorvendo tudo de mim.
O meu suor já é seu.
A sua língua há muito já descobriu os caminhos do meu desejo.
E as suas mãos, em volúpia teleguiada, alcançam minhas fantasias mais absortas.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O macaco velho e o jumento falante...

Depois de um ano de produções, brigas e elogios, devo admitir que o torto não seja macaco velho. O torto jamais será velho tanto na forma de macaco como na forma de homem. O fluxo de pensamentos, a capacidade de questionamentos nos faz algo novo. O torto é uma novidade nova. Um tanto indefinido como tudo ao seu redor. Contudo traz consigo coisas velhas e novas. Posso compará-lo então ao que chamam de Pós-Moderno. Algo velho e novo, algo hibrido, como um jumento falante. Vimos, não vimos, participamos nos omitimos, e o mais importante em um país sem muito letramento: Escrevemos e publicamos. Que o Brasil e o mundo dêem o seu parecer.

A Pedagogia do Oprimido de nosso Paulo Freire, de certa forma, cabe no nosso ambiente torto. Podemos colocá-la sem medo de estarmos enganados. O torto às vezes faz o que nossos professores muitas vezes, ou quase sempre, não fazem: Pôr o objeto epistêmico em apreciação, com toda liberdade de discussão com direito até aos acirrados embates entre as partes. Aqui no torto não tem sapos de cócoras. Não existem verdades prontas. Relativizamos se possível até a merda.

O grande educador Paulo Freire viu que a postura heliocêntrica do professor refletia a imagem do discurso do dominador e que a educação transmitida de forma monológica servia aos interesses das classes dominantes. É a turma da lagoa. O professor é o sapo de pé, os demais estão sempre de cócoras coaxando. Lembre-se que para este torto velho, o sema sapo reproduz o indivíduo alienado em sua realidade e sem consciência suficiente para fazer inferências básicas: “Quem somos em tudo isso?” É certo que o torto neste ano ido ainda não descobriu quem somos, mas, posso asseverar que já tentamos muito esclarecer muitas coisas, ou pelo menos, demos a cutucada da dúvida nas certezas de muitas pessoas.

O discurso monológico da educação brasileira não é algo acidental. O vejo como uma ação pensada e intencionada a deixar toda essa gente acéfala e a margem de suas oportunidades. É uma verdadeira fábrica de carentes. Oprimidos na visão frereana. Freire viu que tudo começa na palavra. Como dizia nosso torto Vygotsky: “a língua é um instrumento de mediação na formação das funções mentais superiores.” Logo, a palavra pode ser encarada como a unidade mínima do pensamento humano. Os métodos de alfabetização que não contemplam o debate, o contexto sócio-político da palavra, a imaginação da criança e sua capacidade de construir saberes, pois esta traz consigo uma mala cheia, são métodos de defloramento intelectual.

O torto valoriza estas coisas. Ele sabe desde o início de sua origem que a palavra é uma ferramenta poderosa. Ela é ideologia. É ideologia na discussão monológica podendo ser desvelada, e é ideologia dialógica, também possível de ser desvelada. Logo o torto é um movimento da palavra. Somos jumentos falantes, me perdoem o exemplo. Jumentos porque somos híbridos, somos uma mistura de muitas coisas, e não poderia ser diferente com um movimento que nasceu sem chupeta. A nossa foi desde o início a palavra. Então salve o torto e que fiquem as inferências...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A Feira

-Olha a macaxeira, batata e inhame!

-Aqui! Aqui! DVDs baratinhos!
Danielzinho e Forrozão quarto de Milha,
Lady Gaga, Asas Morenas e Metallica!
2 reais cada!

-Remédio milagroso, 3 reais
Cura tudo! passe 4 vezes por dia
e adeus dor na junta, osteoporose, dor nas costas,
bico de papagaio, tuberculose e tudo mais!

-Ei moço! Ei moço! Me dá um real!

-Arreios de couro aqui, tudo que você precisar em couro!

- Candieiro, pote e e fogão em Barro!

Liquidação! Camisa da Nike, 80 real. Tênis Adidas, 150 real!

-Moça, quer um frete?
Sim menino, até o outro lado da cidade te dou 3 reais
-Tá certo

-Promoção! Promoção!
Tudo em aparelhagem eletronica!
Aparelho de DVD, Video Game, Celular e Iphone

-Olhe a maçã, laranja, pêra e Jaboticaba!

-Rifa-se uma moto, 1 real o bilhete!

-Dá uma esmolinha pelo amor de Deus!

Enquanto esse cruzamento de realidades soam no território da feira, nas barracas de rocha divulgam:

- Notebook da Apple, Dell e Positivo.
Tudo em 10 vezes sem Juros aqui no Gbarbosa,
nossos funcionarios irão te atender, é só chegar!

-Promoção! leite em pó de 500 Mg e manteiga 150 Mg da Natville, por apenas 7 reais.

-Cama, sofá e Guarda-roupa, monte sua casa por um preço pequinininho! Aqui na movelaria Glória.

Um encontro:

-Olá comadre, tudo bem? como anda a família?
-Tudo certo. E no seu sítio, como tá? choveu por lá esses dias?
-Não, mas com fé em Deus e São Pedro, vai dar um bom feijão nesse ano!
-Vamo andando Mazé, que o caminhão vai sair daqui a pouco,
antes de voltar pra roça vou passar no ali na "Norma" pra comprar o tamanco na promoção de 200 real!
Semana passada comprei um Nokia N97 de 8 GB pra minha fia, guarda foto que é uma beleza, só compro coisa boa!
...

-Olhe a maçã, laranja, pera e jaboticaba!

-Carne de boi, frango e peixe!

http://hacasoseacasos.blogspot.com/

Asfalto

Eu, que às vezes ando ao acaso nos clichês da contramão, descobri a pólvora do meu destinos nestas vias em que trafegam anseios, espamos e desilusão.

Os carros que se movimentam pela esquerda estão apressados, devem crer que o desejo é só um: a pressa. E nisto, colhem pedestres nem tão apressados, tirando-lhes a vida. E nisto, são responsáveis pelos maiores acidentes da história.

Os que vão pela direita fazem o percurso mais devagar, como querendo conservar o prazer gerado pelas raras árvores do caminho e, sobretudo, pelo conforto dos automóveis. Comem quieto. Não afetam. Enquanto o mundo tosse.

Quanto a mim? Vivo a passos tortos num meio-fio de esperanças...

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Ô neguinho toque aí pá nois vê

Eu ontem conversava com meu querido Vina, conversávamos sobre a questão da relação indentitária da sociedade brasileira com uma das varias etnias que a compõem. Esta que foi tão importante, que ergueu esse país e teve que cheirar o peido das européias fedorentas por muito tempo em nossa historia (coitadas acostumadas com o frio achavam que não precisava tomar banho no Brasil). Bem, esta conversa me lembrou a leitura de um intelectual que tem como uma das suas formações a antropologia, chamado Tzvetan Todorov.

Este velhinho fala em seu texto Conquista da America, da relação de alteridade do colonizador para com as nações que existiam na America, a partir de então saqueada. Essa exposição das relações desses dois sujeitos, muito me inspira para falar desse tema, uma vez que acredito que herdamos ainda o arquétipo do colonizador. Este mesmo colonizador, admira as obras do negro por exemplo, mas não o confere subjetividade, ou seja, não se estabelece uma relação inter-subjetiva. É o que vejo e o que acontece nas escolas Brasil a fora, colocam os afro-descendentes para dançar, tocar alguma coisa, e consideram isso política afirmativa... meus queridos isso nos castelos (como o próprio Todorov cita em seu livro) europeus a séculos já se fazia, colocavam os antigos moradores da America Central para dançar e fazer malabarismos, mas no caso a admiração era mais sinal de cobiça ou desejo de dominação do que de empatia. E quando se fala em pensamento afro, quando se fala na explicação cosmogênica do afro-descente, este individuo se cala porque tais afirmativas ou são consideradas imbecis ou são coisa de satanás (parece que estamos em 1600, não é verdade?).

Humildemente enxergo na historia dois movimentos: o primeiro foi à destruição célere através da coerção da cultura africana no Brasil, que até mesmo o que se metamorfoseou na historia teve muitas das vezes um falso desligamento com a base cultural, e se diluiu. E o que resiste ainda, é colocado de forma estandartizada, como se a cultura africana se resumisse a musica, dança e culinária (quando se tem muita coragem se fala da religião, quando não se restringe também a museus). A segunda coisa que quero expor é o seguinte, que no Brasil falam que o preconceito com relação ao negro diminuiu, mas queridos, é muito mais fácil tolerar um negro europeizado. Porque se esse mesmo individuo por exemplo, um filho de santo, saí do terreiro com seu contregum no braço, quem não vai olhar? Aceitar o outro retirando sua subjetividade é muito fácil; viva o american tupiniquin life que eu te aceito negrinho. E ainda sim, qualquer cidadão brasileiro sabe desse ditado: negro rico é respeitado, agora negro pobre é marginalizado. Por que isso?

Por ultimo, queria deixar uma proposta a todos os professores leitores desse blog, por que não estudar a historia africana pré colônia? E também, por que não demonstrar a trajetória do negro contemporâneo que consegue resistir mesmo sendo perseguido. O africano é sobretudo um forte, e hoje o mesmo é um brasileiro! E assim que o devemos olhar, mudemos os estigmas de verdade.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Dia da Consciência Negra

Como professor da rede estadual, presenciei um evento acerca do Dia da Consciência Negra. Fiquei a refletir sobre algumas questões como: quais os objetivos do Dia da Consciência Negra? Quais os comportamentos dos docentes nesse tipo de evento? Será que eles provocam maiores estímulos aos alunos? Se não, o Estado tem alguma parcela de culpa diante disso tudo?

Para mim, o objetivo do Dia da Consciência Negra é estimular ao aluno a exercitar um olhar que venha a romper o preconceito criado com relação aos negros. Ou seja, gerar uma conscientização e uma inclusão às categorias historicamente marginalizadas. Com isso, acredito que o evento tem duas finalidades preponderantes: extinguir o preconceito racial e valorizar as produções culturais dos negros.

Qual a estratégia adotada pelas escolas nesse tipo de evento para acabar com o preconceito racial? O que eu percebi foi que infelizmente o objetivo não se encontrava de forma clara para os alunos. O evento não passou de uma amostra em forma de espetáculo acerca de alguns elementos que os alunos selecionaram acreditando trazer uma reflexão acerca do negro.

O que devemos é alertar aos alunos sobre seus próprios preconceitos e mostrar que muitas vezes eles próprios também reforçam o preconceito. Não adianta ensinar ao aluno apenas a dizer que o racismo é prejudicial, se ele, por não refletir sobre seu próprio racismo, perpetua o preconceito racial. É importante mostrar ao aluno que ele também é responsável pela desigualdade étnica.

No diz respeito às produções culturais dos negros, admito que os alunos trouxeram muitas coisas interessantes como músicas, culinárias, literatura, danças, etc, porém, o que eu percebi é que os alunos ao se apresentarem, limitaram-se a enxergar o negro apenas como vitima de um sistema. Esse tipo de observação não deixa de ser importante, no entanto, passa por alguns problemas.

Não é por que supervalorizamos as produções culturais dos negros, que conseguimos resolver a questão do conflito étnico. A postura de supervalorização tende a buscar romper um preconceito criando outro justamente por não conseguir enxergar preconceitos também por parte dos negros. É importante proporcionar aos alunos uma análise menos dicotômica da realidade.

Além disso, o aluno ainda se encontra mais desestimulado ao verificar a ausência dos professores no evento. Para mim, o docente tem que estar presente porque ele tem que reconhecer que querendo ou não, ele é uma grande referência para o aluno, e se ele não comparece, os alunos terminam desacreditando e se desestimulando com o evento.

Mas esse problema se deve apenas ao corpo docente? Acredito que não, afinal, o Estado tem uma parcela de culpa nisso tudo, uma vez que os educadores que atuam na rede estadual vivem sobrecarregados de aulas, e para dar conta de todos esses afazeres, tendem a dar a velha “fugidinha” nesses momentos. O Estado tem que possibilitar aos docentes melhores condições para que eles possam se dedicar com maior exclusividade a sua profissão.

Apesar de reconhecer uma parcela de culpa no Estado, eu também acho que os docentes têm que reconhecer a importância de eventos como esse. Se não há reconhecimento, há apenas obrigações vazias de sentidos por parte deles e por parte dos alunos, e, portanto, deixa de haver possibilidades de fazer do Dia da Consciência Negra, um caminho mais critico dos alunos acerca das segregações raciais.

Portanto, para mim, o Dia da Consciência Negra surtirá efeitos quando o aluno enxergar seu próprio preconceito; entender o negro não apenas como vitima; quando o docente reconhecer que sua participação nos eventos gera estímulos aos alunos; quando o Estado possibilitar aos educadores uma melhor condição de trabalho, mas também quando o docente se comprometer com seu papel e de fato reconhecer a importância do Dia da Consciência Negra.

Quanto vale uma vida?

Quanto vale uma vida? Mais que um alguém.
Uma vida não se sustenta apenas do funcionamento orgânico do corpo. Ela depende de uma gama de relações, perpassada na inter-individualidade ou social do sujeito. Isso fica nítido quando nos damos conta que, de algum modo, a nossa vida está por um fio. Basta vermos na fila de transplantes. Vemos de perto, o desejo da morte do outro para que tenhamos algo pulsando novamente em nós.
Em "21 gramas", filme do mexicano Alejandro Iñarritú, poucas gramas, mais precisamente 21, é o tanto que perdemos quando estamos na beira da morte. Equivalente a um coração pulsante de um beija-flor ou mesmo um inocente pedaço de chocolate.
Assim como em "Mar adentro" do espanhol Amenabar, 26 anos é tempo de uma vida que talvez perdida. Perdida no sono do desejo da morte, pois só ela poderia fazer um alguém sair do pesadelo chamado vida. Uma vida repleta de aparelhos em que um corpo não tem mais sua funcionalidade de respostas, mãos que não sentem, pés que não tocam. O que resta é uma consciência lúcida de que a morte, depois de longos anos, é bem -vinda. Assim como diz o personagem (vida real) Ramon "A vida é um direito e não uma obrigação".
Portanto, por que insistimos tanto na idéia de que vale a pena viver, mesmo diante do sofrimento alheio que não suporta conviver numa condição tão limitada. Mesmo que não seja ditada pelos limites do corpo, porque manter a vida se alguém já desistiu dela? Talvez porque os dias andam em linha reta sem qualquer alteração das estações do tempo.
Definitivamente percebemos uma relação direta entre a vida e a liberdade. A liberdade só nos cabe quando temos condições de escolha, ou melhor, capacidade, suporte para atingir uma vontade. Caso não, somos brutalmente renegados.

No caso da eutanásia, a vida do indivíduo fica nas mãos dos familiares, do Estado, das instituições sociais, menos dele próprio. Esse tema vem trazendo grandes discussões no que concerne ao conceito de viver. Inventaram milhares de fórmulas para estender e até mesmo criaram possibilidades para eternizar a nossa existência na terra. Mas falar do contrário nos soa um absurdo. Por que será? Porque ela vale muito mais... mais de muitos sacrifícios humanos.