sexta-feira, 30 de abril de 2010

...MOVIMENTO, MOVE MENTE, MOVE GENTE, INSTIGA SONHOS, FUTUCA IDÉIAS...

Depois de diálogos entortados travados com o texto “Que movimento é esse...?” Resolvi escrever novamente sobre movimento quanto a influência desse no que diz respeito à autonomia individual e a influência da estrutura sobre essa autonomia.

Vamos papear sobre os atos de Mover-se e ser Movido e situá-los numa perspectiva global e local. Mover-se quer dizer sair de um lugar para o outro, sendo movido ou se movendo; ato de, por vontade própria, o individuo optar por não mais ficar na mesma condição social ou cultural, ou seja, optar pela não acomodação a situação em que se encontra. Essas opções se apresentam ao individuo pelo mundo social que está inserido. Ser Movido é estar deslocado nesse mundo social, onde forças externas ao individuo o conduzem para portos dos quais ele não objetivou chegar. Tá complicado? Então, vamos futucar as idéias.

Acredito que diante desse mundo de tantas culturas e de meios de comunicação que disseminam informações de forma desigual, nos vemos impulsionados a três opções: a primeira é a de acomodação, engolir tudo sem mastigar e nem digerir, nos tornando depósitos gratuitos de qualquer tipo de informação e reprodutores inertes que acreditam estar informados por todos os lados só por que assistiu a última edição do jornal nacional e que não buscam outras fontes de informações ou opiniões contrárias e muito menos se permitem a uma discussão além do fato informado. Um segundo tipo é aquele que se coloca como resistente a essa avalanche, aquele que nega essa influência em busca de um formato cultural mais “puro” extraído dos segmentos da cultura popular ou que possa se designar como tradicional. E o terceiro tipo, seria aquele que vê nos dois uma oportunidade de concentrar mais informações culturais e que tem instalado um filtro para absorver aquilo que realmente lhe interessa.

A avalanche de informações que temos disponíveis hoje, frutos desse processo globalizante, inspira a necessidade de desenvolver filtros para a escolha das informações que se apresentam. Para mover-se é preciso deixar que essas informações cheguem e que as mesmas possam ser jogadas de volta, também. Isso pode ser percebido por meio das cenas, dos movimentos organizados ou ações isoladas que de forma não organizada exponham a sua contra proposta. Nesse “pingue-pongue” de idéias e ações que provocam e são provocadas é que vamos definindo os nossos valores, identidades e posições políticas. O fato é que as culturas locais possam se reconhecer como locais, porém sem perder esse link com os acontecimentos globais.

As afirmações das identidades mundo afora reconhecem a necessidade pela diferenciação e reconhecimento, afinal é a maneira de dizer: “SEJA”, individualmente ou em grupo, dançando as músicas, ou indo aos ambientes que seu grupo freqüenta, o fato é que todos de alguma forma querem dizer ao mundo quem são e que existem.

Creio que a grande sacada da globalização, do ponto de vista da cultura, é poder oportunizar também que as pessoas possam autoconstituir, ou constituir suas identidades. Existem diversas formas de se dizer quem você é e um quantitativo ainda maior de causas a abraçar ou se roçar. Portanto, dizer quem é através da pintura, da música, fazendo parte de grupos como punks, clubbers, metaleiros, ou mesmo sergipanos, pernambucanos e baianos é estar nesse mundo, também. Mas, cuidado! Estar em algum desses grupos não garante ao individuo Mover-se, ele pode se deixar ser Movido.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O elevador

Aquele elevador era velho. Do tempo quando eu era criança. O aparelho ainda funcionava muito bem quando dona Maria entrara nele para subir até o décimo terceiro andar. Um prédio muito alto para uma Fortaleza dos anos 70. A cidade estava crescendo, mas ainda não para cima com tanta fúria. Maria de Timê era uma angolana que viera morar no Maranhão, e depois se mudara com seu marido para o Ceará. Ela já havia se adaptado com o estilo cearense de vida. Na terra do caju o povo tem o rosto muito branco, e a cara muitas vezes de caboclo. O elevador fazia um barulho estranho sempre que subia, e outro ensurdecedor ao descer. A descida parecia mais sofrida que a subida. Coisas da terra. Dona Maria estava em pé segurando sua bolsa barata comprada na feira livre. A senhora de 45 anos estava pensando sobre como pagar uma dívida que seu finado marido havia contraído por causa de uma propriedade rural. Estava como que embriagada, tomada por suas preocupações: “E se eu vender a televisão?” Fazia contas intermináveis e nada de chegar a uma saída. Enquanto isso o elevador sobe sem paradas, parecia que todos haviam saído do prédio. No sétimo andar, ela ouve um sinal e acende uma luz verde no painel. “É alguém”. Pensou ela. Contudo ninguém entrou no velho elevador. Maria continuava só. Os outros andares vão passando, e ela nem os nota. Então, ela trava uma conversa consigo:
- O que você fez comigo Sebastião? Deixou-me cheia de dívidas!
- Mas, também, você só pensava em jogo.
- Ainda bem que nunca me traiu. Isso conta. É o quesito fidelidade, isso é válido.
- Mas, cara, apostar a roça numa mesa de jogo, que vacilo!
- Mas o coitado não tinha mais nada para apostar?
- Apostasse o carro!
- Não, o carro já havia apostado.
Enquanto a jovem Maranhense discute com seus botões, o elevador para. Era o décimo terceiro andar. Ela abre a porta, e dirigi-se pelo corredor até a porta 777. Parece um número cabalístico, mas, não o é. Era a última esperança de Maria. Um agiota trabalhava ali, era, digamos, uma sala de fachada. Dona Maria bate na porta. Uma voz de dentro a manda entrar: “Entre, por favor!” Ao entrar, Maria percebe a beleza do lugar. A sala era simplesmente linda, bem decorada, móveis caros e luxuosos. Havia no lugar um ar de alguém bem sucedido na vida. Maria sentou-se defronte um birô de vidro onde havia um homem magro, alto, cabelos brancos, curtos e bem cuidados, aparência de empresário, sentado em uma cadeira giratória. Usava um terno branco de luxo com uma gravata borboleta da mesma cor. “Deve ter custado uma nota, percebeu ela”. O homem foi direto ao assunto:
- Como posso te ajudar?
- Bem, não sei, mas, acho que o senhor pode.
- Claro que posso. Diga quanto. E eu direi como.
- Acho que uns vinte mil.
- Vinte mil? É muito.
- Então, digamos uns 18 mil.
- Vamos fechar em quinze e pronto.
- Certo.
- Vamos ver as promissórias.
- Certo.
O homem datilografou as notas corretamente e as trouxe para Maria. Fazia um silêncio sepulcral naquela sala bonita.
- Assine aqui.
- Onde?
- Aqui em baixo.
Maria assina os documentos e olha nos olhos do homem como que lhe perguntasse pelo dinheiro. Este prontamente responde: “O dinheiro você pega no sétimo andar”. “No sétimo andar?” Perguntou a filha de Angola. “Sim, só no sétimo andar”. Maria despediu-se do homem e vai até o sétimo andar. No Elevador ela se sente muito perturbada, pois o barulho da máquina velha era tão forte que quase ela prefere as escadas. Ainda no elevador no oitavo andar entra uma senhora muito gorda que a faz ir para o canto por falta de espaço. A mulher sempre em silêncio e Maria sempre apertada.
- Faz calor hoje não é?
A gorda responde: “É”
- O elevador está estranho não é?
A gorda responde novamente: “É”
Maria parou de tentar um diálogo com a estranha. A porta do elevador abre-se no sétimo andar. Ela sai, e caminha pelo corredor em busca da sala que homem do décimo terceiro dissera, e não a encontra. “E agora?” “Vou ter de voltar lá”. Mas de repente ela sem intenção olha para uma porta branca no final do corredor e vê o número 777. “Duas salas com o mesmo número?” “Que estranho?” Caminhou até a porta e bate três vezes na mesma e esta se abre sem esforço. Ao entrar na sala havia muitas pessoas, todas vestidas de branco. No canto da sala estava o mesmo homem que lhe atendera no décimo terceiro.
- Oi moço, o senhor caminha rápido.
- Sim, muito rápido, resolvo os problemas com pressa. Você tem certeza que quer levar este dinheiro todo com você?
- Bem, eu não havia pensado nisso.
- Deposite em um banco.
- Qual?
- No segundo andar tem um banco, você pode depositá-lo lá.
- Qual é a sala?
- Sim, a sala é 777.
Maria ficou curiosa porque todas as salas ligadas àquele homem tinham o mesmo número e pergunta:
- Por que o número é 777?
- “Não sei”. Disse o homem.
Maria toma a direção do segundo andar, desta vez pela escada. Seriam cinco mãos de escadas. A negra caminhou aquelas escadas cheias de lixo e fedor de mofo. Contou o número de escadas e disse para si mesma: “Deve ser aqui o segundo andar”. Caminhou pelo corredor e todas as portas estavam fechadas e não havia banco algum. Pensou: “E agora?” Decide subir novamente, desta vez de elevador, o barulho é menor. Ao tentar entrar no elevador a porta não abre. “Puxa, hoje estou com muito azar”. “Deve ser seu azar no Jogo Sebastião que está encostado em mim”. Ficou em pé diante do elevador enguiçado pensando no que fazer. De repente uma bola de criança rola em sua direção vindo de algum lugar do corredor. “Mas, como, estou sozinha aqui”. A bola para em contato com seus pés. O silencio do lugar era grande. Não havia uma janela, contudo um vento quente soprava de algum lugar.
- Quem é? Perguntou a pobre mulher assustada.
- Sou eu. Respondeu uma voz de homem.
- Apareça, por favor, o senhor esta me assustando.
- Desculpe não foi minha intenção.
- Onde fica a sala 777 neste andar? Perguntou-lhe Maria.
- Não sei. Disse a voz.
- O senhor sabe de algum banco aqui?
- Não.
- Por que o senhor não vem até aqui para me explicar o que está acontecendo?
- Acontecendo o que?
- Este prédio está muito estranho, e eu vou dá parte à polícia.
- Por que?
- Acho que fui enganada.
- Como assim, enganada?
- Me deram um dinheiro para depositar e não há banco.
- Que dinheiro?
A senhora mulher de Sebastião abre o envelope e resolve conferir o dinheiro. E era dinheiro mesmo.
- Eu tenho o dinheiro. Está aqui.
- Senhora, se você recebeu algum dinheiro aqui é muito estranho porque ninguém trabalha neste prédio há anos.
- O senhor está me confundindo.
- Não estou te confundido. Posso te provar agora mesmo.
Naquele momento todas as portas do segundo andar se abrem. Maria, muito assustada inicia sua caminhada pelo corredor passando pelas portas. As salas eram velhas, bem antigas, cheias de móveis velhos e lixo por todo lado. Os ratos faziam uma festa irreverente com toda a tralha deixada no lugar. De repente, Maria de Timê ouve uma música que vinha do fim do corredor. “E agora José, para onde...?” Ela segue a música até chegar a uma sala ainda mobilhada. Havia uma cama, sob sua cabeceira e um álbum de fotografias. Na cabeceira do lado esquerdo da cama havia um relógio despertador que marcava três da tarde. A sala estava iluminada. A luz não era forte, mas suficiente para se ver bem o que estava ali. Ela entra na sala. Observa com atenção, entretanto a música pára e um silêncio profundo invade o lugar. A voz que ela ouvira não ouvia mais. O homem invisível sumira. Ela caminha até a cama e percebe que é um quarto igual a qualquer um em uma casa de pessoas de poucas posses. Senta-se sobre a cama e começa a folhear o álbum e depara-se com uma surpresa enlouquecedora. O álbum era seu. Ali estavam os melhores momentos de sua vida. Fotos de seu casamento, da época em que ela e Sebastião namoravam quando estavam no Maranhão. Registros de sua vida, de seu amor e amigos. Sua família havia ficado em Angola, a guerra civil naquele país a trouxera para o Brasil. As lagrimas que caíam de seus olhos molhavam seu colo, seu rosto parecia triste e alegre ao mesmo tempo. “Como esse álbum veio parar aqui?” Perguntou a senhora. Pôs sua bolsa na cama e o álbum segurando sobre o peito adormecera. Maria sonhara com Angola. Lembrou-se de uma menina de dois anos, filha sua que fora levada com a milícia revolucionária. Ela tentou resgatar a criança, mas não desperdiçou a chance de vir para o Brasil deixando-a a mercê dos separatistas. A criança morrera em um campo de refugiados, a inanição e a falta dos pais apressaram sua morte. Sua foto não estava no álbum. O despertador toca. Maria acorda bruscamente e vê ao seu lado seu marido Sebastião roncando muito em profundo sono. Olha o quarto e reconhece-o como seu. Eu não estava em um prédio? Meu marido não havia morrido? Estou louca?
- Foi só um sonho.
- Foi?
- Foi.
- Mas como? Eu me lembro do funeral de meu marido.
- Lembra?
-Sim.
- E como ele está aí?
- Não sei.
- Abra a janela de seu quarto.
Maria foi até a janela e a abriu como pensara. E para sua estranheza ela percebe que está em um prédio no décimo terceiro andar.
- Não é aí que você mora?
- É.
- Então?
Sebastião acordou um pouco tonto, havia jogado a noite inteira. Veste-se, e diz para sua mulher: “Vou ao sétimo andar jogar com uns amigos, beijos”. E saiu do quarto deixando-a aturdida. Maria de Timê olha para o relógio na cabeceira de sua cama. Eram três da tarde. Como eu disse, aquele elevador era velho. Sabia de muitas estórias. Maria nunca mais se lembrou desse sonho. Sua vida seguiu seu curso até todos deixarem o prédio e irem morar nos condomínios novos construídos na Aldeota, um bairro nobre da cidade. Um belo dia, em um cruzamento da cidade, ela e seu marido param o carro, pois o sinal era vermelho. Uma carreta conduzida por um motorista sonolento os arrasta até um poste causando lesões fatais em ambos. Quando os policiais foram remover os corpos acharam um pacote com quinze mil cruzeiros. Nunca mais ouvir falar dessa mulher. Você sabe notícias dela?

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Diotima no Banquete de Platão: um discurso torto

Hoje me perdi num daqueles instantes em que a autonomia do inconsciente se confirma. Isto se deu por ter redescoberto entre folheios e folheios, das páginas do Banquete de Platão, o meu discurso favorito, que é narrado por Sócrates enquanto discussão com Diotima de Matinea, filósofa grega, acerca da natureza do Amor.

Como vejo que o discurso encerra muito bem o que vejo como torto – a busca pelo entremeio, a falta de extremos, porém dialogando com estes etc – pedirei licença aos leitores para reproduzir integralmente os excertos, poupando-me de comentários pontuais, que só denegririam a relação estética que mantenho com o texto.

Pergunta Sócrates a Diotima:
“- Que dizes, ó Diotima? É feio então o Amor, e
mau?
E ela: - Não vais te calar? Acaso pensas que o que não for belo,
é forçoso ser feio?
- Exatamente.
- E também se não for sábio é ignorante? Ou não percebeste
que existe algo entre sabedoria e ignorância?
- Que é?
- O opinar certo, mesmo sem poder dar razão, não sabes, dizia-me
ela, que nem é saber - pois o que é sem razão, como seria
ciência? - nem é ignorância - pois o que atinge o ser, como seria
ignorância? - e que é sem dúvida alguma coisa desse tipo a
opinião certa, um intermediário entre entendimento e
ignorância.
- É verdade o que dizes, tornei-lhe.
- Não fiques, portanto, forçando o que não é belo a ser feio,
nem o que não é bom a ser mau. Assim também o Amor,
porque tu mesmo admites que não é bom nem belo, nem por
isso vás imaginar que ele deve ser feio e mau, mas sim algo que
está, dizia ela, entre esses dois extremos.”

Ou seja, Eros (Amor, um daimon) representa o trânsito entre a ignorância e o conhecimento, representa a exploração do que pertence a tudo e a nada simultaneamente.

Diotima conta ainda como a trajetória do Amor é torta desde sua concepção:

“Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre
os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso.
Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a
Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o
néctar - pois vinho ainda não havia - penetrou o jardim de Zeus
e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta
de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado
e pronto concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo
de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo
que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é
bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a
condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e
longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas
é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro,
deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque
tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão.
Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom,
e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer
maquinações, ávido de sabedoria e cheio ele recursos, a
filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem
imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele
germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo
ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre
lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem
enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da
ignorância. Eis com efeito o que se dá. Nenhum deus filosofa ou
deseja ser sábio - pois já é -, assim como se alguém mais é
sábio, não filosofa. Nem também os ignorantes filosofam ou
desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o difícil da
ignorância, no pensar, quem não é um homem distinto e gentil,
nem inteligente, que lhe basta assim. Não deseja portanto
quem não imagina ser deficiente naquilo que não pensa lhe ser
preciso.”

A referência é feita aos filósofos, mas podemos fazer uma analogia à perspectiva do Rei Bosta, por exemplo. O mendigo passeando de limusine em Manhattan: o admitir-se eterno aprendiz tendo consciência de que esta condição o distingue de um status meramente desprestigiado.

O Amor, para Diotima, é este torto que afirmando se nega e negando se afirma. Errante e deslizante em relação aos extremos.

Vou ficar por aqui para não vos cansar, leitores. Mas devo vos confessar que fiquei muito feliz em ter reencontrado este belíssimo fundamento filosófico para a postura aqui tida como torta.

terça-feira, 27 de abril de 2010

É hora de contradizer o TorTo.

No Brasil a questão agrária é um fato antigo, desde o período colonial com a política das sesmarias, onde os lideres das capitanias hereditárias elegia seus sesmeiros para indicar as sesmarias para os “bons cristãos” a coisa anda “preta”, afinal as porções de terra ao qual se intitulava sesmarias ao contrario de como ocorria em Portugal tinha um caráter hereditário e não vitalício como era de ser. Assim no Brasil foi se criando uma casta de donos de terra, a apropriação do território brasileiro foi altamente concentrada uma vez que a posse das propriedades ficava séculos nas mesmas mãos e tendo em vista que esse modelo acabou no séc. XIX no fim do Império Colonial não é de se estranhar a nossa situação. Hoje temos uma realidade fundiária altamente concentrada onde o capital estrangeiro já se introduz nesse cenário comprando porções absurdas de terra, um exemplo é empresa multinacional Ford. No Brasil temos hoje 231,3 milhões de hectares de terras improdutivas e 25 milhões de pessoas passando fome.

Não só o Governo Cardoso como também o governo Lula fizeram planos de reforma agrária tímidos, até o governo Cardoso, por exemplo, o Estado tinha assentado apenas 605 mil famílias, isso é exatamente 27 milhões de hectares. Já até o final do primeiro governo Lula estavam assentadas 825 mil famílias com números um pouco maiores que o de Cardoso, a área desapropriada aumentou para 41,3 milhões de hectares. Visualizando o dado acima percebemos que verdadeiramente a reforma agrária brasileira é bastante tímida, a propriedade da terra se concentra enquanto um massa de miseráveis invadem as casas dos “bons cristãos”. Bem entendemos o problema como um problema sistêmico, não só em relação a divisão da renda no campo do Brasil que seria alcançada através da redistribuição das terras, mas também os problemas urbanos estão totalmente conectados com o campo, os camponeses desterritorializados do campo incham as cidades em busca de emprego e moradia e os preços das sestas básicas aumentam também.

A reforma agrária entendida por alguns intelectuais hoje como território da política lida com demandas especificas e não com políticas estruturais, justamente para conter as reivindicações dos movimentos sócio-territoriais do campo que são responsáveis por grandes parcelas das propriedades improdutivas desapropriadas para a reforma agrária no Brasil. Entendemos por propriedade improdutiva como um território sem função social, ele apenas está á deriva da valorização do mercado. Outros países pobres como o México e a Colômbia já possuem reformas agrárias muito mais adensadas do que o Brasil que tem um índice Gini agrário de 0,85 (o índice Gini é um índice que mede desigualdades é o número máximo dele é 1).

Porém a grande questão é entender qual o caráter do Estado enquanto conceito, pois se vermos a questão dentro de uma dimensão sistêmica veremos que sim, a bancada ruralista que defende os interesses do agronegócio tem um força incrível, ou seja, aquela velha dicotomia ao qual o estado defende os interesses da classe dominante, agora pensamos também que os micro-poderes possuem um influencia neste contexto, as relações de consumo e da forma como se lida com esse Estado. Porém entendo que tenho que aprofundar meus estudos sobre o Estado.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Muita religião, pouco respeito

Eu costumo pensar as religiões como um fenômeno social como qualquer outro, e que por isso mesmo, vão se modificando de acordo com as necessidades culturais dos indivíduos em cada contexto histórico. Não é por acaso que encontramos um sincretismo incessante de várias tendências se agregando e compondo novas concepções doutrinárias. Isso acontece porque o humano é um constante projeto em construção de si mesmo.

Porém, apesar da inevitável mudança, algumas religiões se mantêm estáticas, não conseguindo respeitar e se adequar às mudanças morais da cultura. Por exemplo: algumas religiões ocidentais insistem em negar o divórcio em um contexto no qual as relações são transitórias, negam o uso de preservativos onde o sexo é praticado geralmente antes do casamento, assim como negam a homossexualidade, dentre outras coisas.

Apesar disso, eu encaro as religiões como instituições importantes para a sociedade. Primeiro por que eu acredito que as práticas religiosas provocam uma formação moral nos indivíduos. Segundo por que eu entendo que todos os humanos necessitam de um objeto para investir suas angústias, seja nas produções artísticas, científicas, etc. Naturalmente que as religiões não fogem a regra.

Apesar das religiões serem fundamentais para a construção de uma ética entre as pessoas, assim como, uma instituição capaz de possibilitar um conforto em seus adeptos, elas, por muitas vezes estarem atreladas aos interesses de poder, negam-se a aceitar as contradições inevitáveis dessa realidade na qual vivemos. Aparentemente se renovam por se misturarem, mas insistem muitas vezes em tabus antiquados.

Acredito que isso acontece devido à necessidade das religiões em angariar uma porcentagem cada vez maior de público por ter interesses políticos e de mercado. Para mim, as religiões buscam unificar as crenças e preservar os tabus para manter o seu poder e evitar com que suas doutrinas sejam desestabilizadas. Não é por acaso que essas instituições negam as aspirações das dúvidas, uma vez que as duvidas propiciam o confronto com suas verdades que se querem fazer legitimadas.

Não condeno as posturas mantenedoras dos valores intentados pelas religiões, pois como toda instituição, elas objetivam regular as relações sociais. Mas eu também acredito que as religiões, por serem praticadas e pensadas por humanos que vivem em constante transformação, inevitavelmente devem possibilitar diálogos com eles para compreender suas carências e suas angústias.

Eu adoraria encontrar uma religião torta que não só se modificasse de acordo com as necessidades culturais, mas também que respeitasse as diferenças de seus adeptos. Uma religião que tivesse o papel de educar seus fiéis a conviver com a ordem social, mas que visse seus praticantes como humanos dotados de dúvidas e requestionamentos capazes de refutar, e, portanto, de criar novas formas de repensar sua própria fé.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

QUE MOVIMENTO É ESSE...?

Todos nós já ouvimos as expressões movimento ou cena para designar transformações estéticas e culturais. Mas o que é movimento? O que é cena? Ou será que são a mesma coisa? Como podemos atribuir que existe um movimento ou se o que está acontecendo é uma cena?

Inicio com essas perguntas para desenvolver a minha reflexão a respeito dessas duas categorias e adiantar que esse é um pensamento a ser melhorado ou refutado no melhor estilo “Torto”. De antemão já podemos dizer que toda cena oferece as bases para o surgimento de um movimento. E que o movimento necessita de uma articulação de seus atores com os objetivos a que se quer alcançar. Além disso, tanto a cena, quanto o movimento, geralmente, enfrentam embates com a cultura hegemônica. Deu pra entender...? Creio que não. Em resumo, parto da idéia de que o movimento possui um esforço coletivo e conjunto em prol de um objetivo.

O Tropicalismo, movimento da música popular brasileira, buscou contribuir para uma nova maneira de compor e de comportamento cultural. Seus precursores se reuniam na casa um dos outros ou nos estúdios para discutir as perspectivas do movimento e para compor ou para gravar as suas canções. O princípio fundamental era a liberdade estética que naqueles tempos de ditadura tinha um algoz repressor na política e entre os próprios segmentos artísticos, esses que defendiam uma perspectiva ufanista para a música brasileira, sem interferências de estrangeirismos, principalmente da cultura norte-americana e o que viesse dela, como podemos citar o CPC (centro popular de cultura) que engajaram os artistas da “música de protesto”.

Por outro lado, uma cena está atrelada a acontecimentos culturais que podem ser provenientes de articulações e objetivos estéticos e culturais comuns. Podemos colocar como exemplo, o surgimento efervescente das bandas de rock que povoaram a mídia durante a década de oitenta e que afirmaram o estilo no cenário nacional. As influências eram provenientes da New Wave, Punk, “MPB” e Rock Inglês. Havia muitos grupos que traziam seus modos de vestir e comportar-se daquelas bandas, inclusive importando uma tendência semelhante na situação sócio-histórica, como os punks paulistas (Inocentes, Ratos de Porão e Garotos Podres), que buscavam retratar das periferias da capital paulistana. Ou o cultural dos jovens suas chapações, suas transas, suas angustias, seus medos, relacionamentos e crises existenciais. Bandas como Barão Vermelho, principalmente na fase Cazuza, Lobão, Legião Urbana, Titãs, Camisa de Vênus, Ultraje a Rigor e Engenheiros do Hawai foram dos poucos que, no meu ponto de vista, conseguiram extrair o espírito da época. Era uma tendência cultural que criou uma identidade com os jovens, que não mais se encontravam nas composições da “MPB”.

O Manguebeat aconteceu em meados dos anos noventa e trazia uma proposta cultural diferenciada para Pernambuco, até então influenciada pela tendência hegemônica das elites galgada na visão cristalizada da pureza da cultura popular e no folclore. O discurso da diversidade e das misturas de sons locais com a música internacional foram alguns dos motes do “mangue”, assim como Science intitulou aquele momento em que surgiam bandas na Manguetown com propostas bem diferentes do que a cultura hegemônica pernambucana e do cenário brasileiro praticavam. A idéia de movimento foi reforçada pela imprensa logo que tiveram contato com o release/manifesto “Caranguejos com Cérebro”. Contrário aos alardes da imprensa que sempre generalizam e criam conceitos antes de conhecê-los, seus idealizadores Renato L., Fred Zero Quatro e Chico Science viam o mangue como uma cena que melhor correspondia àquele ambiente lúdico e diverso.

Aqui está uma mostra da importância da relação da cena e do movimento com a mídia. Já que os meios de comunicação são responsáveis por (re)construir essas cenas/movimentos. Como a imprensa busca uma informação resumida e condensada acaba por criar conceitos confusos em relação ao que a cena ou o movimento pretendem passar. Por outro lado, os atores dessa cena/movimento também aproveitam a maré boa e o alcance da mídia para a projeção de suas idéias e produções. Basta lembrar que as nomenclaturas do Tropicalismo, Brock e manguebeat foi a imprensa que batizou.

Tanto a cena quanto o movimento dinamizam a cultura onde surgem chamando a atenção para outras formas de estética ou de fazer cultural. É a ação questionadora dos atores sociais, que respondem aos estímulos do meio em que vivem por meio da afirmação de suas diferenças. Peço desculpas aos amantes de Marx, mas não se trata de analisar uma nova forma de superação do capital opressor. Não se trata desse movimento, mas o daquele que faz a própria dinâmica da cultura nos seus ciclos de transformação e provocação pelo qual passa o nosso ator social que se permite provocar e ser provocado. E de tanto ser sacudido, fica a se perguntar: que movimento é esse...?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

VINGANÇA

Parece que a tendência do mundo civilizado é esconder a sua verdadeira face. Não podemos negar que a barbárie do passado e as formas pelas quais nossos primitivos irmãos chegavam aos seus objetivos eram exageradamente agressivas. A força era a lógica de nossas relações. A agressividade e a libido juntamente com a fome natural por alimentos tornavam nossos antepassados bestas animalescas muito distantes do que chamamos de razão. Contudo confesso que o recalque destes instintos provoca uma violência proporcional ao que foi recalcado. Podemos, então, dizer que ainda vivemos em um mundo de barbáries resignificadas, e em alguns casos, barbárie pura e verdadeira. O homem racional está desta forma constantemente entre o bicho e o civilizado. Enquanto pessoas temos inevitavelmente que admitir que o nosso mundo é uma contradição, e nós somos a maior de todas, pois fomos nós quem criamos os valores que o norteia. A vingança é uma das pulsões que tentamos recalcar todos os dias como se isso fosse totalmente possível. O vingador é criticado, é taxado de não cristão e tratado pela sociedade como um elemento marginal, pois não está nos modelos consagrados pelo mundo civilizado. Triste mentira de nosso ego adormecido. Damos tapas todos os dias, tapas invisíveis, tiros silenciosos, falamos mal dos outros e amaldiçoamos a todos que nos ferem. Aceitar este fato é um caminho para lidarmos com essa pulsão tão poderosa que urge como leão dentro de nós. Isso não significa sairmos dando tapas e pontapés em todos que nos agridem. Mas, meus caros, enquanto torto devo admitir que existam momentos em nossa caminhada que o melhor que temos a fazer é dar uma boa bofetada em alguém. Isso com certeza nos acalmaria muito mais que um diazepam. Vingar-se deve ter um espaço em nosso mundo civilizado. Reflita sobre as mais variadas formas de agressão sofrida e a quantidade de energia guardada dentro de você, e o mal que isso tem te feito ao longo de tua vida. Engolir seco e seguir em frente são um paradigma válido, entretanto, como tudo mais não pode ser seguido ao pé da letra. Lembre-se que quando o mundo civilizado faz suas manobras políticas ele não pensa duas vezes antes de jogar uma bomba sobre tua cabeça. Mas não exagere! Mas não seja um cordeirinho dócil e domado. É preciso ter muito equilíbrio nestas questões. O torto é vingativo porque entende que tem muita gente aproveitando-se desses modelos para levar vantagem no mundo da concorrência. Se você algum dia entender que dar um tapa te fará muito bem, faça-o. Caso contrário, o tapa será no seu rosto, e você terá que lidar com isso em algum consultório de analista, isto é, se tiver dinheiro para pagá-lo. Meditem sobre isso...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ode acrítica aos companheiros!

Meu partido nem um coração partido é… Meu partido é um pé de cobra, já viu??? Os inimigos sempre estarão no poder, não importa de onde tenham tomado a escada…
O reino do amor, da igualdade, por eles tão imposto (digo, cantado…) é a iminente intransigência …. Seja com Tito na Iugoslávia, seja com Fidel e El Paredón, o amor aos que não levantem as suas bandeiras cede lugar ao tratamento desigual por parte dos que vomitam os ideais de igualdade… Ei-los, tão emancipados do sistema que, segundo eles, são as fontes de nossas inimizades… E esta intolerência eu não recolhi na Veja… Foi Hobsbawm quem me fofocou… E do meu choro de frustração compartilhou Saramago!

Ó, nata-supra-sobrepujante! Intelectuais-de-um-samba-só! Perdoem-me a não-subversão! Não tenho senso crítico! Sou assim, reacionário ainda! Não tive tempo de ser salvo em seus saveiros que bailam sobre as águas mais utópicas, porém mais chiques e críticas! Mesmo vocês, os mais perfumados donos-da-mais-eminente-verdade não têm coração de misericórdia ao meu canto!
Mas eu tento! E o meu tentar me faz mais torto….torto mais faz me tentar meu o E!
Tortos ficam os goleiros que efetuam as melhores defesas! Tortas foram as velas que se adventuraram e desbravaram os mais longíquos mares! Torta é a envergadura do espaço-tempo e a corda do cello no instante em que grita o seu mais lindo BACH!

Sigo errante por veredas tortas, em minha masturbação intelectual, face a sua masturbação ideológica e seu proselitismo! Mas cuidado ao passar na minha cara, pois os espinhos são tortos, mas perfuram!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Endoculturação ou Aculturação? Segunda Parte.

Começarei meu texto hoje, relatando um dia quando estava aqui em minha cidade chamada Aracaju tão linda e amada por todos nós que fazemos parte dela, especificamente em uma noite de sexta feira há alguns anos atrás no Clube Cotinguiba no centro da cidade, em um show de Metal Extremo Gospel o evento foi organizado pela Igreja Renascer (a tão famosa pelos escândalos por entrar nos EUA com dinheiro não declarado pela alfândega). Neste lugar encontrei figuras deveras pitorescas, com símbolos que pouco se remetiam a vida ou ao cristianismo, apenas o detalhe das cruzes que ao invés de serem ao contrario como possuem os “metaleiros pagãos”, as cruzes estavam no lugar “certo”. Isso nos denota que, espera aí, os símbolos são iguais aos dos metaleiros não é verdade? Em termos simbólicos, todos denotam um descontentamento com a realidade social, a escuridão representando aí um estado de clausura, de vida noturna. Os símbolos fúnebres como prova do não medo da morte, ou da tentativa de a naturalizar, dentre tantas outras coisas. O que diferenciava enfim era o conteúdo do discurso e isso era notório, ao ponto do missionário que falava chamar de forma muito "descolada" e "radical", o diabo de mulherzinha.

Bem, assim como a minha pessoa tinha falado no texto anterior os evangélicos se apropriam, muitas vezes, de uma simbologia antagônica ao seu discurso como o axé, que tem “um pé no terreiro”. Não obstante bandas como Dark Funeral e Imortal (que só de passagem tem conteúdos satânicos) que são grandes nomes do Black Metal mundial, são substituídas por bandas como Sky Metal e Antidemon, que são do cenário gospel, e inclusive as primeiras poderiam ter influenciado as segundas, afinal o Metal Extremo ou o Black Metal não começa nas igrejas evangélicas. Todas as bandas aí usufruem da mesma estética, porém, com discursos totalmente diferentes, as primeiras com um proselitismo a favor do satanismo e a outra totalmente contra. A leitura que fazemos disso é exatamente a do proselitismo evangélico, uma vez que a estética desses estilos em termos semióticos não confere com a pregação cristã. Como algo oriundo de uma cultura satânica é apropriada por um cristão? A contemporaneidade aflora com uma heterogeneidade signica, onde coisas antagônicas convivem para um fim. Os evangélicos então barganham com os jovens a aceitação do seu credo, para que não deixem a sua expressão estética, ou seu sintoma social, mas aceitem a fé cristã. Ou seja, há aí uma fragmentação centrípeta das identidades, onde em termos antropológicos chamaríamos de endoculturação e não de aculturação, pois a aculturação se dá de forma mais abrupta e a endoculturação é um processo de aprendizagem e assimilação de novos valores culturais onde o individuo não perde seus valores culturais antes criados, mas os renova.

Mas a pergunta é: será que o interesse dos evangélicos é apenas ganhar mais almas para cristo? Afinal que cristo é esse que se apresenta de forma bruta e fúnebre? Tão diferente do doce cristo dos evangelhos de São Mateus, São João e etc. Que das poucas vezes que agiu de forma bruta foi exatamente quando mercantilizaram a fé do seu pai. O que vemos então em termos pragmáticos é claro é uma acomodação de um publico amplo de pessoas nas Igrejas Evangélicas e não só isso, uma abrangência maior de artigos evangélicos nas prateleiras das livrarias e lojas de artigos evangélicos.

Jesus é POPSTAR.

Nota: O proselitismo (do latim eclesiástico prosélytus, que por sua vez provém do grego προσήλυτος) é o intento, zelo, diligência, empenho ativista de converter uma ou várias pessoas a uma determinada causa, ideia ou religião (proselitismo religioso).

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Rebeca no Planeta Torto

A casa de Rebeca tinha o formato de um triângulo, e como em todo triângulo, sua casa era constituída de três partes.

Quando Rebeca decidiu conhecer o lado direito, adentrou-se em apenas um corredor que ficava também ao lado direito de sua casa. Ao entrar nele, ela percebeu que lá havia um Planeta chamado Direito. Naquele Planeta, ela encontrou formas rígidas de se organizar a vida. Todas as opiniões ficavam submetidas às Leis gerais. Quem negasse qualquer Opinião legitimada por essas Leis, era excluído do Planeta. A generalidade, quer dizer, o todo, vencia a particularidade, ou seja, a parte.

Pelo fato da livre manifestação ser proibida no lado direito, muitas pessoas que ali viviam, não refletiam a realidade de forma dinâmica, isso por que, ao mesmo tempo em que a realidade se encontrava exposta em seu sentido geral, as partes que a compunham, eram excluídas, fazendo com que os indivíduos se sentissem incapacitados de enxergar essas particularidades como um processo que se fazia e se refazia incessantemente com o todo. A saída do Planeta Direito era muito simples: bastava sair pelo mesmo corredor direito.

Quando Rebeca decidiu conhecer o lado esquerdo, adentrou-se em apenas um corredor que ficava também ao lado esquerdo de sua casa. Ao entrar nele, ela percebeu que lá havia um Planeta chamado Esquerdo. Naquele Planeta, diferente do outro, ela encontrou uma ausência de organização. Nenhuma das opiniões ficava submetida a um modelo geral. Quem quisesse seguir a opinião do outro, era taxado de alienado e excluído do Planeta. A particularidade preponderava sobre a generalidade.

Porém, as pessoas sentiam uma carência de códigos e leis gerais que dessem sentido as suas ações. Ao mesmo tempo em que a realidade se encontrava exposta em fragmentos devido ao excesso de particularidades, a totalidade como extensão dessas partes, encontrava-se ausente, fazendo com que os indivíduos se sentissem incapacitados de enxergá-la de forma mais ou menos consensual. A saída do Planeta Esquerdo também era muito simples: bastava sair pelo mesmo corredor esquerdo.

Quando Rebeca decidiu conhecer o terceiro lado, ela viu que podia se adentrar entre dois corredores ao mesmo tempo. Ao entrar nele (s), percebeu que lá havia um Planeta chamado Torto. Naquele Planeta, aceitava-se a particularidade, porém, admitia a necessidade de códigos e leis gerais como forma de possibilitar entendimentos e limites entre as pessoas. Lá, se podia aceitar a opinião do outro pelo fato dos habitantes acreditarem que o indivíduo era também produto do meio, por outro lado, lá se prezava também pela autonomia das pessoas por admitirem que cada uma tinha sua subjetividade.

Portanto, as pessoas do Planeta Torto, ao contrário dos outros Planetas, conviviam com o todo e a parte. Ou seja: se por um lado, as particularidades transitavam livremente, por outro, havia uma generalidade que coordenava essas partes. Por outro lado, ao mesmo tempo em que o todo possibilitava uma coerência no Planeta, as partes, por se sentirem livres em transitar, reformulavam constantemente as convenções ditadas por esse todo. Ao querer sair, Rebeca percebeu que a saída do Planeta Torto, diferente das outras, não era muito simples. Diferente dos outros dois Planetas, nos quais a volta simplesmente era a conseqüência da ida, no Planeta Torto, a volta e a ida se entrecruzavam.

A partir daquele instante, Rebeca aprendeu uma nova lição: ao conhecer ao mesmo tempo as partes, e, portanto, sua liberdade, e o todo, isto é, suas limitações, ela buscava se harmonizar com dois lados, mas por isso mesmo se conflitava, pois a liberdade individual de um lado, era a prisão social que ela recebia do outro, ao mesmo tempo em que a prisão individual era reflexo de sua liberdade social.

Rebeca passou o resto de sua vida se entortando e nunca mais voltou para a simplicidade de seu lar.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O ônibus

O ÔNIBUS
O ônibus corria muito.
Seus passageiros estavam mortos.
Corpos de espíritos alados jaziam nos bancos enfileirados.
Consciência nossa, desperta do delírio de ter sempre razão!
O carvalho está em pé, firme como sempre.
E os homens se preocupam com seus sonhos.
A laje do rio nem se abala com a tempestade.
Os povos se escondem em suas cavernas.
Homens e mulheres em orgias dantescas fazem à conta de seus filhos.
Uma pobre senhora, ontem, morreu de derrame.
Seu João não conseguiu a aposentadoria.
O senador é eficiente com os seus.
O pingo d’água não inunda o oceano mas eu morri com ele.
O primeiro a chegar será você.
O fim da linha é o nunca.
Mas pergunte-se para onde vais?
O ônibus corria muito e eu com ele, você também.
Deixei saudades em todas as paradas.
Sou cretino, sou sem tino, tenho muitas namoradas!
Apaixonei-me de manhã, me casei de tarde, e à noite me divorciei.
Esqueci a dentadura no banheiro e a jogaram na privada!
Pobre menina das terras do Brasil.
Nunca viu além da janela de sua poltrona.
A terra roda, como as rodas rodam.
As mulheres acreditam nos homens como as meninas acreditam nas bonecas.
Os homens brincam de arma e apaixonam-se pela morte.
O teu desejo é matar teu irmão.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Lá, onde houver morte, haverá deuses
Lá, onde houver deuses, haverá medo
Lá, onde houver medo, haverá homens
Lá, onde houver homens, haverá direito
Lá, onde houver direito, haverá esquerdo
Lá, onde houver esquerdos, Deus! Haverá tortos!

Lá, onde houver vida, haverá mortos
Lá, onde houver deusas, preconceito
Lá, onde houver símbolos, conflitos
Onde houver medo, haverá mitos
Lá, onde houver conflitos, direito
Onde houver direito, haverá esquerdo
Lá, onde houver esquerdos, Deus! Haverá Tortos!

terça-feira, 13 de abril de 2010

Canto da imagem.

Ah! Como eu queria me deitar sobre a noite, acalentar minha alma nas estrelas e curtir o perfume da mulher que através do vento chega as minhas narinas como um furacão embriagante. Quando era bem pequeno, gostava de controlar o vento, gostava de fazer carinho nele, pensando eu que controlaria a natureza; hoje sei que não era somente eu que estava nessa peleja infantil, erguendo as mãos ao ar e brincando com o meu parceiro vento, queimando a minha alma de sonhos inefáveis. Minhas andanças quando criança no interior me ensinou que, na cabeça da modernidade havia algo inerente a mim quando pequeno, afinal os objetos se personificam enquanto as pessoas viram alegoria, como se elas estivessem no lugar do peito da mãe, sendo a extensão da nossa boca.

Pobre pátio de conflito, meu coração peleja pela esperança de um lago raso, mas que dê pra ver o fundo, fundo cristalino, porém, andamos sem beber o café olhando pro fundo escuro da xícara. O homem nesses séculos que participei, sendo mineral provocando sentido e sensações na terra, não se contentou em ver o balançar dos coqueiros, do peixe fresco que salta no mar, onde esse mesmo mar conflitando com a terra bate e volta hipnotizando nossa alma. O mundo vai de lá pra cá, andando e andando, correndo e correndo, querendo beijar sua mãe no final, porém se escondendo dela, como se não fosse chegada à hora de se encontrar com o grande ente, a mãe.

Querida volte com o mar pra mim
Querida é leite que eu quero
Leite da vida
A essência de tudo
Pra brincar de Deus
Pra brincar de imaginar.

Bela moça
Canta seu canto
Pois a criança ainda brinca
De carregar o mundo como um feijão
Que brota só com água das nossas próprias paixões.

Minha mossa adorada
Queria estar em uma rede
Que a teia da vida engendrou
Pra passar a noites a sonhar
Em nunca acordar
E olhar o mistério.

Ai vai o peito errante, criando cantos pra a si mesmo embaralhar, talvez o poeta no seu furtivo universo, tivesse apenas que descer a ladeira de qualquer morro do Brasil, e sambar na roda, queimando seu peito de paixões nos braços de uma morena até se cansar de tanto sambar e desabar definitivamente seu furtivo universo em sua cama. No outro dia o poeta irá ver novamente a roda girar e girar e girar...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sobre o "ficar"

Algumas pessoas que acompanharam em sua época um tipo de relação conjugal diferente da atual, tendem a maldizer a forma pela qual os jovens se relacionam com seus parceiros. Geralmente essa geração utiliza um discurso que nega qualquer forma de sentimentos entre os jovens. Para muitos deles, o ato de “ficar” com uma pessoa, significa uma atitude maléfica ao outro, visto que esse “ficar” não assume uma espécie de comprometimento mais sólido entre as pessoas envolvidas em determinadas relações.

Pessoalmente eu posso dizer que encontro pontos suficientes fragilizados no ato do “ficar”, mas por outro lado, eu vejo uma postura muito madura nesse tipo de relação. Pois bem: para iniciar este texto, eu gostaria primeiramente de mostrar o que pelo menos eu entendo como amor, para depois fazer uma comparação entre o que poderíamos pensar como descartável e como efêmero.

Para mim, o amor não se resume necessariamente a uma relação intensa entre uma pessoa e outra. O amor quer dizer respeito e sinceridade para com o outro. Eu posso muito bem chupar a flor do escroto de uma bela garota em apenas uma noite de curtição e nem por isso deixar de respeitar a privacidade dela em público. Eu posso deixar alguém lambuzar de saliva minha piroca e nem por isso acreditar que essa pessoa esteja desmerecendo a minha pessoa.

É por essa relação mais momentânea pela qual as pessoas se envolvem com as outras, que muitos tendem a considerar as relações atuais como algo descartável. Para mim, descartável significa algo desprezado após o uso, e não é isso que muitas vezes acontece. O que acontece é que as sensações são vivenciadas de forma instantânea. É importante percebermos que a efemeridade das coisas não necessariamente significa dizer que usamos o outro.

Vamos pensar um pouco: se houve uma livre iniciativa de duas ou mais partes, onde eu posso encontrar alguma forma de uso descartável? Se houve a decisão mútua entre as partes, como eu posso pensar que não existiu uma forma de respeito, sinceridade, e, portanto, de amor entre cada uma? Desrespeito haveria se eu me utilizasse da situação, prometendo um tipo de relação com o outro que não se encontrasse cabível aos meus verdadeiros sentimentos.

Sob a ótica de uma perspectiva torta, eu poderia dizer o seguinte: o “ficar” traz em si um ponto negativo e positivo.

O ponto negativo se refere ao fato de muitas pessoas optarem por “ficar” simplesmente por terem medo de encarar uma responsabilidade mais sólida com outra pessoa, já que o “ficar” não cobra qualquer tipo de comprometimento mais “sério”. Esse receio em se adentrar mais intensamente com o outro diz respeito a um contexto que se torna cada dia mais imprevisível.

Essa inconstância permite criar um contexto sem referências precisas, fazendo com que as pessoas não mais acreditem uma nas outras. Enfim: é bem melhor jogarmos nossos sentimentos com o outro em um momento apenas, do que termos que optar em acreditar nesse outro em um tempo mais duradouro, uma vez que em tempos duradouros, os cônjuges, por viverem em meio a um alto grau de escolhas e experiências, podem trair a confiança do outro, ao escolher vivenciar outras circunstâncias amorosas com o alheio.

O ponto positivo diz respeito ao alto grau de maturidade e responsabilidade das pessoas em suas relações com as outras. Justamente por vivermos em meio a um contexto que se caracteriza pelo seu excesso de informação e de mudanças bruscas de identificações, o “ficar” serve como forma de possibilitar com que os cônjuges façam uma espécie de “estágio” para confirmar se de fato aquela pessoa é a pessoa mais adequada aos seus valores e estilos de vida naquele momento.

Esse tipo de postura implica uma responsabilidade e respeito ao outro, visto que, antes optar em escolher alguém tendo plena convicção da escolha, a ter que optar em se relacionar com alguém sem deixar o tempo amadurecer e confirmar se de fato a pessoa que estamos nos relacionando, serve ou não para os nossos valores.

O “ficar” é muitas vezes válido por refletir o amadurecimento das pessoas, mas também se torna prejudicial no momento em que elas se usufruem dele como forma de evitar lidar com as constantes descrenças do contexto presente. Faz-se importante preservar o estágio do "ficar" para que possamos ter uma responsabilidade entre nós e o outro, mas é imprescindível recuperarmos nossa capacidade de investirmos nossos sonhos em outras pessoas, afinal, somos seres sociais.

domingo, 11 de abril de 2010

O amor é torto (por Igor Bacelar)

Imaginem uma mesa de bar onde estão sentados dois camaradas, ambos de sorrisos orgulhosamente amarelados. Um deles usava óculos escuros. Essa era a sua máscara. O outro, possuía cinco brincos divididos inexatamente em ambas as orelhas. Essa era a sua máscara.

Imaginem agora um bar repleto de pessoas, onde todo aquele burburinho era uma espécie de auto-afirmação do desinteresse das pessoas pelo que está além de seus próprios narizes empertigados em muco. O que quero dizer é, que apesar das pessoas e do forte cheiro de urina vindo do banheiro, não havia nada mais vazio, inodoro e silencioso do que aquele lugar.

Um deles estava entretido com a preparação de um cachimbo. Ele praticamente acariciava o fumo e cuidadosamente manipulava aquela matéria orgânica inanimada, que forneceria sua estaticidade vívida para aquele indivíduo. Aquela cena quase romântica entre ele e o fumo me fizeram imaginar uma trepada entre um ser humano e um cachimbo. Um cachimbo humanizado melhor dizendo.

O outro construía, em suas reflexões, pensamentos em impressões das coisas mais banais que faziam parte da sua vida. "...Vagalumes flamejantes se projetavam diante de mim pelo céu castigado pelas luzes da cidade. Ventava forte. O mar rufava ininterruptamente e provocava uma comoção interessante no bailar das ondas. Podia sentir o espírito ancestral levantando de seu túmulo cinzento. E eu fazia parte daquilo. Essa é a nossa herança do primitivo e meu espírito respondeu às suas carícias. O espírito enfim existe, só é uma questão de pá e terra."

Ambos em seus mais íntimos casos de amor. Amor pelo vício. Amor pelo idílio. Ambos orgulhosos e certos de seu amor.

-O que pretendem fazer com o Movimento?

-Na verdade, o Movimento (torto) tem mais uma pretensão de chamar atenção as pessoas de que elas, por mais que vivam em busca de um ideal, a vida em si, sempre é feita em pedaços, pois no meio do caminho, sempre vamos mudando nossas rotas e nos entortando sempre. E que por isso mesmo, não nos cabe classificar, nem condenar as coisas como certas OU erradas, pois as diferenças, elas se misturam em meio à realidade, e nem sempre fazer o bem necessariamente nos leva a ganhar o bem. Roosevelt falou que o torto não é nem jovem, nem velho. O torto é o que todo mundo sempre foi, com a diferença de que ele não quer se iludir que a vida é tão retilínea assim como nos ensinou e nos ensina, a igreja e o Estado.

-O torto, então, é o velho com alma de criança.É um humano legítimo.

-E também uma criança com alma de velho.

-Acho que almas velhas são pedaços negativos do universo, são muito certos de si. Nada pode ser certo de si.

-Almas velhas não são necessariamente certas de si. Pelo contrário, meu caro amigo. Retomando... Ao mesmo tempo que ele é esperançoso por saber que o mundo só se torna rico graças a diversidade entre as pessoas, ele é triste por saber que essa diversidade não passa de uma subjetividade e a subjetividade jamais vai atingir o ideal que sempre pensamos em querer alcançar. Nesse sentido o torto é desesperançoso por saber que o ideal é apenas uma máscara que colocamos na gente. Aceitar a subjetividade (esperança); ideal inalcansável devido à subjetividade (desesperança).

Um dos camaradas, com uma determinação típica de um boêmio e seus trejeitos, retirou de sua sacola uma garrafa de vinho. Vinho barato. E pôs-se a tragar.

-É a condição que temos de racionalizar as coisas. Pura abstração referencial. Sempre me incomodaram essas exatidões, essas noções do ideal. Desde pequeno a matemática me intimida. O ideal é o easy way para compreender as coisas, ou para conviver com elas sem surpresas incovenientes. É também uma faca de dois gumes (o que é gume? fio? lâmina?).

-O foda é que nem sempre nossa racionalização nos facilita não é? Por isso que inevitavelmente temos que nos entortar.

-Pegar a estrada de terra.

Fez-se um breve silêncio entre eles por alguns instantes. O suficiente para uma golada no vinho e uma tragada no cachimbo.

-Percebi que há muita divergência dentro do Movimento.

-O Movimento torto é um movimento que se auto-destrói - sorri. - Ele não dá certeza de nada. Ao mesmo tempo que procura uma, deixa claro o tempo inteiro que ele não é capaz de encontrá-la. Isso faz com que os próprios membros que aderem a ele, não cheguem a um consenso entre eles mesmos.

-Soa como os conflitos dentro do partido comunista russo. Socialista... Sei lá! Bom, a verdade é que nunca estamos certos de nada, não é!? Mas, eu acredito que existe uma essência, uma fagulha onipresente no espírito de todos nós que é imutável.

-Eu também acredito. É como eu sempre digo: estamos em uma mobilidade enraizada. Você acha que essa imutabilidade se chama deus?

-Não. Deus não está em nós, está Entrenós. É a cola, o plug, o espaço vazio entre dois grãos de areia. Aliás, queria te dizer aqui que eu tenho uma teoria.

-Qual teoria?

-Para mim todas as produções humanas, mais precisamente em termos de arte, são uma relação amorosa que o criador tem com todas as outras forças em ação ao redor do universo. O que compomos fala sobre amor e não-amor. Até mesmo essa discussão que estamos tendo. O que seria o torto senão um indivíduo que acima de tudo, ama mais do que tudo? Certa vez, Felipe disse que isso tinha outro nome... Não era amor em si o termo que ele usou. Mas, nomenclaturas diferem em quê? Só quero dizer que é algo semelhante ao caso de amor entre prótons e elétrons ou algo do tipo. Segundo a ciência, seríamos um aglomerado dessas partículas. O âmago de nossa constituição é uma relação de amor e não-amor.

-Interessante como você segura essa garrafa de vinho. Ela não vai fugir de você.

-Um dia ela pode fugir. Não subestime o que aparentemente não é dotado de consciência - sorri.

-É verdade, eu costumo dialogar com o meu travesseiro e ele sempre me foi silenciosamente simpático.

-Certo dia, perguntei a alguém: se Deus fosse um homem, como ele seria? A resposta foi imediata e quase instintiva: feio.

-Se tudo que nós criamos, fala sobre o amor; então deus não seria criação, uma vez que, se o amor é algo lindo, e deus é um feio, ele não estaria ligado por uma relação de amor?

-Quem disse que o amor é algo lindo? Você já tomou uma surra dele? O amor já cuspiu na minha cara, ele é egoísta, auto-destrutivo, o amor é torto!

-É torto, pois o amor, além de ser tudo isso que você falou, nós o buscamos por ele também ser belo, solidário e construtivo. O amor é torto por ele se construir destruindo, isso por que ele tem a virtude e o vício divorciadamente apaixonados entre si.

Levantaram-se do bar e saíram sem pagar a conta. Afinal, quem ia notar em meio a toda aquela multidão, dois indivíduos banais como estrelas cadentes em uma madrugada de domingo?


***Diálogo entre I.B. & Vina Torto

sábado, 10 de abril de 2010

A vida é bem melhor para os mais criativos (por Magno André)

O PRIMEIRO PASSO PARA A VIDA QUE BUSCAMOS
É ABRIR OS OLHOS E ENCARAR TUDO SEM MEDO,
NÃO É PRECISO ESFORÇO ALGUM OU SACRIFÍCIO,
SER CRIATIVO TORNA A VIDA MAIS BONITA.

A LIBERDADE É TUDO AQUILO QUE PRECISA,
PARA SER FELIZ NA AVENTURA POSITIVA.
NÃO ACREDITE SE DUVIDAM DO PODER
DO AMOR PULSA FORTE DENTRO DE VOCÊ.

SÊ CRIATIVO E REALIZA NUNCA DESISTA FICAR MAIS FÁCIL QUANDO VOCÊ ACREITA.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Cegueira

Cegueira

Todos os dias em Uberaba as pessoas saem para trabalhar. É o que ocorre em todo lugar desde que o Homem aprendeu a pagar para viver. Aquela quarta feira, do mês de fevereiro, logo após o Carnaval, poderia ter sido igual à rotina de todos os dias santificados pela labuta da vida. Aloísio, um odontólogo iniciando sua carreira, despede-se de sua mãe dizendo: “Mãe, volto logo, beijos, ah, não se esqueça de Tandera, ela ainda não comeu a ração”. Sua mãe idosa despediu-se do filho com um peso no peito, contudo limitou-se a entregar tudo nas mãos de Deus. Ela era uma evangélica de origem puritana, muito apegada às suas raízes. Você sabe, raiz é carne viva. Aloísio acordara aquela manhã muito preocupado com Júlia, sua namorada, esta não havia ligado a noite anterior, e o jovem dentista estava pensando que ela o passara para trás com seu colega de turma, com Dr. Eduardo.
Ao chegar a clinica, Aloísio dirigira-se imediatamente ao seu consultório. Dona Quícia, sua auxiliar, já estava no recinto, como de costume, esta desejou-lhe um bom dia, ao qual não tivera resposta; era um daqueles dias para Aloísio.
- Dr. Aloísio hoje só temos quatro pacientes pela manhã. Um canal, duas obturações, e uma extração. Disse Quícia com o seu jeito de moça tímida.
- Tá bom, Dona Quícia, mande entrar o primeiro paciente. Feche a porta ao sair. Aloísio agiu como sempre, bem, quero dizer, quando está com problemas com Júlia.
Seu primeiro paciente era um senhora de trinta e cinco anos, branca, cabelos castanhos claros que caíam sobre seus ombros. Seus olhos eram verdes, eram duas pedras preciosas encravadas numa face simplesmente linda. Sua boca era de um corte tão perfeito que o dentista de Uberaba ficou por alguns segundos admirando aquela obra da natureza generosa.
- Abra bem a boca, vamos ver, tem doído muito? Perguntou o médico.
- Às vezes. Respondeu-lhe Patrícia.
-Vou dar anestesia e logo em seguida começo o canal.
A cadeira onde Patrícia estava sentada estava quase na horizontal e a cabeça da jovem senhora estava praticamente entre as pernas de Aloísio.
- Ah..., abra a porta, deixe-me colocar este algodão aqui.
- Dr. Aloísio... O senhor sabe que confio muito no seu trabalho. Você tem um jeito todo especial de tratar os pacientes.
Patrícia levantara a cabeça e olhou Aloísio nos olhos. O rapaz não se conteve e devolveu-lhe o gesto, olhando-a como que tentasse despi-la naquele momento. Os homens são assim, quando vêem a fêmea seus instintos de caça são acionados. Sempre foi assim, até comigo, nos meus dias de juventude e vigor. Em vez de anestesia na boca de Patrícia, Aloísio aplicou-lhe vários beijos consecutivos cada um mais forte em uma seqüência crescente. A moça abraçou-lhe roçando seu delicado corpo no dele. Ambos se fundiram por alguns minutos de insanidade e paixão arrebatadora. Esse velho viu quando Quícia abriu a porta e entrou sem malícia no recinto. Os dois estavam em gozo intenso. Totalmente tomados até ela bater a porta ao sair.
- Desculpe-me Dona... eh, Patrícia, perdoe-me . Foram as palavras do dentista.
- Perdoe-me também Aloísio, Foi, sei lá... Disse a paciente que fora fazer um canal.
Aquele fora um dia muito difícil para o jovem rapaz. Às cinco da tarde, ao tomar a estrada de volta a sua residência ele depara-se com sua amada Júlia em um cruzamento de um sinal próximo a casa de um grande escritor. Este homem deu tudo que tinha aos pobres e mesmo depois de sua morte, suas obras alimentam muitas bocas. Este velho, sempre quando está em Uberaba dá uma passada no local. Isso me traz muitas lembranças.
Ele avista Júlia e liga de seu celular pedindo-lhe que pare o carro. Júlia parou seu carro e Aloísio parou o seu logo à frente. Caminhou até o veículo da moça carregando consigo seu rosto fechado. Entra no carro dela e diz:
- Quer dizer que consegui te flagrar, certamente estava com Eduardo, o seu doutorzinho?
- Meu bem, não é isso, estou vindo da casa de tia Madalena ela me pediu para olhar as crianças até ela voltar, e ela atrasou-se no trânsito.
- Olhe sua gata tinhosa, cheia de truques, desta vez você não me engana. Gritou Eduardo saindo do carro com muita fúria.
Júlia gritou e buzinou algumas vezes, mas foi em vão. Seu carro desapareceu entre os outros. Ela o perdera de vista. Eduardo dirigiu sem ver nada a sua frente, sua raiva e seu coração cheio de desconfiança despertaram nele um comportamento suicida. Ele nem sabia mais onde estava quando o farol de um caminhão ofuscou sua visão fazendo-o sair da estrada e entrar violentamente em um matagal. Ele entrara rompendo a cerca em um ponto da estrada em frente a um posto de gasolina. Saiu de seu veículo totalmente atordoado e com alguns ferimentos leves no rosto, caminhou tropegamente até cair próximo a um riacho. As pessoas do posto de gasolina foram até o carro, mas não o encontraram. Sabe, existem coisas que o ser humano encarnado não entende, Aloísio estava deitado em uma grama verde com seu rosto voltado para a lua cheia e ninguém o viu. Este velho estava sentado num tronco de árvore velha, caída pela força da correnteza fumando seu cachimbo, isso eu garanto, a água do riacho começou a fazer círculos concêntricos, e eu vi com meus dois olhos quando a cabeça de uma mulher muito bonita se levantava bem no meio do redemoinho de água. Era minha mãe Oxum que havia vindo saldar a lua. “Ora yê yê ô!” Disse eu. Sua veste era amarela, da cor da lua, toda cheia de estrelas prateadas e cobria-lhe o corpo até os pés. Por onde ela passou deixou um cheiro suave de flores silvestres e alfazema. Respirei fundo e meus olhos derramaram lágrimas de emoção. A fumaça de meu cachimbo serpenteava ao céu, por isso fechei os olhos para descansar perante o Rei, o dono das estrelas e dos astros brilhantes, meu Pai Olorum. O jovem Aloísio não se mexia estava em sono profundo. Ele e a paisagem do lugar formavam um todo, um recorte inteiro de um momento único em uma vida. A Cabocla das águas doces senta-se sobre uma pedra à beira do riacho debaixo de uma árvore cujos braços abraçavam uma parte do mesmo. A lua estava forte, digamos exuberante. O velho Joaquim fez uma prece e a pedra de Oxum treme como eletricidade. No mesmo instante Joaquim vê a casa de Aloísio e sua mãe fazendo o que todos os dias fazia. Ela lia o livro santo, o texto dizia: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e eu vos aliviarei”. Após a leitura do texto a senhora de Uberaba orou a Deus dizendo: “Meu Deus eu vou a teu encontro e com meu filho, livra-o e guarda-o”. Joaquim chorou muito. De lá, sim da pedra de Oxum saia à vibração mais doce que um encantado já vira; algo de um amor imenso. Como por corrente elétrica, meus pensamentos foram ligados a Aloísio. Os seus pensamentos e os meus pensamentos foram fundidos. Aloísio abre os olhos e vê o mundo, o céu, primeiro, a lua, o riacho, a grama, as árvores, e bem longe um carro com o farol ligado. Pensou: “Onde estou?” “Que lugar bonito é esse? “Os grilos cantavam e havia um ar de segurança algo como não há perigo. Aloísio olhou à sua esquerda e viu uma pedra de rio e perguntou-se: “Há quanto tempo ela está aqui?” Aloísio pensou na resposta, “Algumas milhares de eras”. “Puxa minha idade são 23 anos. Sou ainda uns segundos perante esta pedra”. “Tudo aqui ao meu redor está aqui, para que? Para que vejo tanta beleza?” “Qual o sentido?” Continuou:
- Acho que a pancada na cabeça me deixou tonto.
- Você não está tonto.
- Não?
-Não. As perguntas foram reais. Um momento de inspiração.
- Não foi nada disso. Perguntei o que sempre pergunto. Aliás, isso tudo é bobagem mesmo.
- Não é bobagem. Pergunta sobre os sentidos é lógico. A razão deve cogitar sobre a causa de todas as coisas, mesmo que algumas não tenham causas necessariamente.
- Não, não sou eu que estou pensando. Mas faz sentido. Tudo deve ter uma causa.
- Claro, há uma causa porque você está aqui. Não?
- Sim, Há.
- Onde está Júlia? Deve ter se preocupado com você, a forma como você saiu, ela não teve a menor chance de defesa, nem você. A força e o sentimento de vingança cegam as pessoas.
- Eu fiquei cego, sabe, não vi nada.
- Foi mesmo, e agora estou aqui.
- Sim, você está nas águas doces aquelas que são boas para banhar.
- Júlia pode nem ter feito nada, eu não sei os fatos.
- O passado deve ser esquecido.
- Sim. Eu a amo, E o que houve foi quando a gente nem namorava direito. Era tudo recente.
- E lá no consultório? Eu violei a lei. A Mulher era minha cliente.
- Sim, era.
- Mas a culpa só mostra a falha e depois?
- Sim e depois?
Quando Aloísio falava consigo mesmo, ou melhor, com Pai Joaquim, o frentista do posto chega com Júlia, este a havia ligado com o celular de Aloísio que fora deixado no carro. Ele não a viu. Mas ela o viu falando sozinho e sabia que ele estava delirando. As palavras lhe foram agradáveis, ela o abraçou e o ajudou a ir até seu carro estacionado no acostamento. Os dois se foram, certamente rumo as suas casas. O velho ficou só. Oxum levanta-se de forma suave e deita-se como uma sereia levemente na cama do riacho. Junto com ela outras criaturas minúsculas como grãos de areia descendo rio adentro. Oxum foi-se. Pai Joaquim ficou. Segundo o relato do velho, a mãe do rapaz fechara o livro santo às sete e meia da noite. E mãe Oxum, foi dormir na mesma hora. Mas o rio que corre não molha o mundo todo?” Num sei, pensou o velho”. Mas esta é mais uma estória fora de hora de contar.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Idios

"...Sendo que, para Nietzsche, Jesus foi um idiota..."




Idios, vós que pedis tempo ao mundo
Já ao mundo destes tempo?

Hasteais a todo instante um estandarte
Mas em vossa cova mental jazeis
E vossa primeiridade preferis
Pois toda ação tem a sua grave inconveniência
E toda reação vos é de antemão deletéria

Muito falais do fardo de Atlas,
Mas o céu não é mais que uma necessidade de vossa mente
Esta sim é meu e vosso verdadeiro fardo
E vice-versa

Já ousei pensar que me pertencia o mundo
Já ousei celebrar a estupidez de quem cantou tal canção
Mas todas as pupilas não mais se movem...
Quando no breu da vida à luz da morte...

terça-feira, 6 de abril de 2010

O saber se EnTortando na historia.

Há muito tempo a escolástica fora criada, data do início do período medieval e nela o pensamento dos eruditos se restringia ao estudo da bíblia e dos clássicos, mais especificamente de Platão, Sócrates e Aristóteles. O “saber” fora alienado a Igreja Católica e controlado por ela. Tudo que era produzido em termos de filosofia deveria está na orbita destas referencias. Os eruditos que serviam ao trabalho prático (entendendo o termo aqui como algo relacionado ao cotidiano ou vida pratica, do dia a dia), se dedicavam aos saberes ligados a moral como a teologia e a filosofia, a medicina e o direito eram também superestimados. A ciência tinha um papel secundário nas primeiras universidades da Europa, ao ponto de surgir corporações de cientistas fora das universidades que não obstante tinham que ser assistidas, ou melhor, avaliadas pela Igreja, dentro de uma postura coercitiva. Conhecendo o contexto histórico da Europa no período medieval podemos sem sombra de duvidas afirmar que o continente europeu era substancialmente agrário, e o desenvolvimento das técnicas com um direcionamento mercadológico estava ainda embrionário. Portanto apontando estes aspectos sócio-culturais percebemos a dificuldade que a ciência enquanto profissão tinha de se legitimar.

Soa estranho aos nossos ouvidos imaginar que um dia a ciência fora marginalizada e que um saber como a filosofia (não negando de forma alguma sua importância) era superestimado socialmente. Afinal vivemos em tempos que o que fazem da ciência é quase uma escolástica às avessas, onde a fé nela (na ciência) prepondera muitas vezes sobre o ímpeto humano de re-questionamento. Mas voltando a historia, vemos que por volta do século XVI começa um movimento na Europa de ligação entre os cientistas e artistas, os cientistas procuravam a facilidade que os artistas tinham de representar as idéias, já os artistas podiam se expressar de forma mais objetiva através dos cientistas. Assim os cientistas por um lado sabiam teorizar enquanto os artistas sabiam colocar em “tela” as teorias. Artistas como Michelangelo e Da Vinci trabalharam e foram de crucial importância para que a ciência se legitimasse na Europa. Outros aspectos chaves corroboraram para isto, como a ascensão da burguesia e a religião protestante.

Visualizamos enfim que saberes considerados hoje como práticos, no passado não os era, mostrando a vulnerabilidade dos valores ligados a verdade e a utilidade no decorrer da historia. Hoje em nosso contexto percebemos que tanto a arte quanto a filosofia, por não darem um retorno material imediato são tratadas de forma secundaria, tendo em vista a falta da consciência histórica da importância de tais saberes, da falta da noção dos conectivos que existem entre esses saberes e a ciência e, sobretudo, do impacto social que eles produzem. Afinal, a arte cria e recria imaginários que interferem de forma considerável no material. Pernambuco, por exemplo, possui o Chico Science que reinventou identidades e de quebra projetou Recife e Pernambuco para o mundo.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Música globalmente local (revisado)

Artigo publicado no Cinform Online no dia 30/03/2010

(www.cinform.com.br/blog/vinatorto)

Neste artigo eu gostaria de abordar a relação complexa da música local inserida no contexto globalizado. Infelizmente ainda insistimos em um conceito de local articulado a uma gênese identitária encarada como “pura”. É devido a esse discurso que perpetuamos a velha postura segregadora em relação a outras culturas.

O discurso manifestado a respeito da música local tende a ser excludente, por ele partir de uma perspectiva de que cada cultura possui traços definidos, como se determinados traços culturais fossem isolados de outras realidades. Por exemplo: quantos não gostam de apostar na identidade Aracajuana como papagaio, cajueiros? Mas será que poderemos pensar esses traços apenas na realidade de Aracaju?

É importante pensar a música local inserida em uma rede complexa. Atualmente não podemos pensar em uma música local, se não a inserirmos em uma arena de trocas incessantes com diversas outras manifestações que se encontram além de suas fronteiras. Porém, não é por que eu acredite que a música local não possa ser reduzida às fronteiras específicas, que eu não acredite que não haja uma música local.

Para tentar esclarecer esse meu aparente paradoxo, eu vou de forma breve, explicar o que eu entendo como um lugar. Para mim, uma localidade diz respeito a todo um conjunto de valores, de hábitos, de crenças, de condutas acumuladas ao longo da história dentro de um determinada realidade. Dentro dessa realidade existem formas de códigos e de sistemas de significações que orientam as ações dos indivíduos que a compõe.

Partindo dessa perspectiva, é evidente que de certa forma um lugar demarca sua diferença em relação a um outro lugar. Vejamos: apesar das cidades de Salvador e Aracaju estarem inseridas em um contexto de trocas globais, alguns traços diferenciam a cultura de Salvador e de Aracaju, isso por que, tanto um lugar quanto o outro, possuem valores construidos historicamente que os distinguem.

Por outro lado, eu acredito que o conceito de música local se encontra por demais fragilizado. Por exemplo: o que é de Aracaju e o que é de Salvador, se ambas as realidades se confluem com um vasto repertório musical oriundo de todas as partes do mundo? Como podemos determinar um artista como sergipano ou baiano, se o contexto mundializado se caracteriza pela incessante mobilidade de indivíduos oriundos de diversas culturas?

A partir disso o leitor pode se questionar: a música local existe ou não? Sim, a música local existe, porém, a música local não existe definida em si mesma. Já que inevitavelmente cada cultura possui sua história, evidentemente que alguns traços são mais característicos em uma realidade do que em outras, e, portanto, se há diferenciações, existe a música sergipana e a música baiana, por exemplo.

Por outro lado, como podemos afirmar que um artista oriundo de uma outra localidade, mas residente em Sergipe, faça de fato uma música sergipana, por exemplo? Mesmo que o artista resida em Sergipe por muito tempo, ele traz discursos e formas de ver o mundo adquiridas pela realidade anterior que se diferenciam da realidade da qual atualmente ele vive. Portanto, se existem fusões, não existe a música sergipana ou a musica baiana de forma pura.

Porém, apesar disso tudo, a música local existe, visto que ela traz características diferenciais de outras realidades devido a sua especificidade histórica, porém, devemos reformular a nossa concepção sobre o que entendemos como local. Não cabe mais pensarmos em uma localidade como um ambiente fechado em si mesmo, como se nessa localidade não houvessem trocas entre diversas realidades.

Se por um lado não podemos afirmar a diluição das localidades,e, portanto, da música local, por acharmos que essas realidades se encontram inseridas em uma esfera global, por outro, não podemos acreditar que diante desse contexto caracterizado pelas suas incessantes trocas globais, as localidades possam se diferenciar uma das outras, a ponto delas se isolarem de uma rede plural de culturas inseridas no mundo.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Oração dos Lúcidos e Alucinados

Oração dos Lúcidos e Alucinados
Por Magno André

Quando a esperança de todos chegar ao fim e ninguém mais acreditar ser possível, perderem a fé, e não acreditar mais em milagres...
Mostraremos muito mais do que é preciso e que para muitos sempre será impossível, enquanto a covardia desesperada de alguns correrem em busca de segurança, privilégios, luxo, conforto e proteção prometidos por mercenários interesseiros que se infiltram nos títulos notáveis que a cada dia dá mostras de profunda corrupção, intolerância e ignorância encontradas em profissionais e até pessoas próximas como nossos em pais, professores, patrões, políticos, promotores, policiais, psicólogos, pastores, padres, papas, profetas e psicopatas cheios de tanta autoridade, apetite, poder, orgulho, donos de falsas verdades, mestres de religiões picaretas que vivem pregando a covardia, o mal, o medo, a escuridão, adorando mais a satã que ao próprio Deus, nós estaremos celebrando nossos últimos instantes com todos os desgraçados, os marginalizados, dividindo o mesmo copo sujo com mendigos e andarilhos, brincando com os doentes, os abandonados, os trombadinhas, as bichas, as putas e os travestis, sorrindo com viciados, traficantes, errantes, os que pecam com sinceridade, os hipócritas positivos, os sem juízos e os sem esperança.
Enquanto as igrejas e os templos estiverem lotados com os que se proclamam salvos e escolhidos, todos bem vestidos afortunados e perfumados com olhos cheios de impressões vazias, nós estaremos na lama dos guetos, nas invasões, nas favelas ou prisões compartilhando o desprezo, a humilhação, a carência dos excluídos, ceiando com todos os maltrapilhos que tem cheiro e sentem como gente, com seus olhos cheios de fé, humildade, lagrimas e alegria.
Olharão para nós e verão uma beleza que sabemos que existe, mas que nem sempre conseguiremos perceber, e não acreditarão num primeiro momento que quanto mais feios, estaremos mais belos, quanto mais ricos, estaremos mais pobres e vice e versa, sentirão por nós um sentimento impreciso tão forte quanto o ódio ou talvez mais puro que o amor, mas vão querer estar conosco e se encontrarão em nossa casa realizando coisas que nunca poderiam nas suas, jogarão seu lixo em nós e cuspirão em nosso chão, ao nosso lado sentirão paz mas terão medo, desejarão a liberdade mas esquecerão sua parte no sonho,
Nos chamarão de revoltados, párias, loucos, e perdidos e mesmo não sendo não seremos mais ou menos, mas quem sabe seremos simplesmente piores só para atender a sua pobre conceituosa expectativa egoísta e iremos além, muito além do que serão capazes de imaginar, exagerando em tudo e em todos os limites da compreensão do absurdo e do controle da falta de atenção com quem andamos, do que comemos e bebemos , dormimos, escrevemos, usamos e fazemos.
Naturalmente e de propósito nos mostraremos sem mascaras e sem reservas, drogados, dopados, fedidos, tremendo e suados, mas, conscientes de tudo, com os meus, os seus e os defeitos de todos refletidos em nossos olhos, espelho onde poucos têm a grandeza de se verem, e provaremos que apesar de carregar um fardo tão pesado, sentiremos que tudo ainda é muito pouco e leve, e a todas as verdades suportaremos, menos as mentiras, pois por menores que sejam nenhum mentiroso ou mentira são inocentes, e mesmo que mergulhemos numa fossa, estaremos mais limpos que muitos que fingem serem imaculados puros e perfeitos, e manteremos nossas cabeças erguidas, vendo que ninguém terá coragem nem moral de nos acusar cara a cara, olhando em nossos olhos, só conseguindo apenas rir à nossas costas, como os covardes que só sabem conspirar murmúrios insensatos e indiretos.
Aprenderemos a aceitar e entender os argumentos dos imbecis, suas palavras mudas, cheias de insensatez, intolerância, falsidade, inveja, maldade, egoísmo, hipocrisia, desprezo, preconceitos e exploração como provas de amor e admiração a nossa reles pessoa.
E que por maior que pareça a maldade alheia, nosso maior inimigo somos nós mesmos, porque da maioria das pessoas não precisamos, mas do nosso eu vaidoso e egoísta ainda não conseguimos nos livrar.
Mesmo estando à frente do nosso tempo, nosso destino é estar entre os últimos, e não com os primeiros.
Porque sabemos que a paz que sentimos causa em algumas pessoas menos da metade do stress que elas nos provocam.
E não estaremos nem aí para o que pensam a nosso respeito, pois não conhecemos e nem pertencemos a mundo tão vazio, assim como sabemos que nem a si próprios conheceis, mas nós nos conhecemos, porque grandes nomes identificam seres muito mesquinhos.
Nossa vida é intensa e feliz, nossa realidade uma incrível e fantástica ilusão, nosso sonho é para muitos um grande pesadelo, vencer a dor, a mais horrível e mortal que alguém pode suportar, porque para você dor é tortura, mas para nós o sofrimento é redenção.

Porque nem toda rua é sarjeta
Nem toda casa um lar
Nem todo templo é sagrado
Ou todo brega é vulgar
Amém