quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A verdade é libertadora. Acredite.

Dogmas, regras sociais, instituições, pessoas, educação, sentimentos ou dinheiro. Nada disso pode te dar liberdade. Somente a verdade liberta as pessoas das coisas, sejam elas materiais ou imateriais.

As pessoas podem sim, se tornar escravas das coisas, tenham elas gêneses materiais (dinheiro, poder, fama) ou abstratas (sentimentos, relações, fantasias). E muitas vezes este processo acontece sem nos darmos conta de que estamos nos escravizando, pouco a pouco, para uma finalidade vil, que a se apresenta a nós, em primeira instância, como uma verdade incontestável.

Você já parou para pensar no que você faz? Por que você precisa dar “bom dia” às pessoas, por exemplo? Claro, você me responderia: “para ser bem aceito na sociedade, e não passar como mal educado”. Sim, de fato. Porém, aceitar isso como verdade (como dito no segundo parágrafo, onde a mesma, em primeira instância, aparenta ser incontestável) não te tornará escravo de um processo, neste caso, social?

E ainda: por que nós, seres humanos, temos necessidades materiais de possuir algo? Por que você sente a necessidade de possuir um IPhone? Claro, existem explicações psicológicas para este fato. Porém, desconhecê-las não te torna automaticamente escravo deste sentimento ou “pedaços de minerais processados e compilados”?

Platão conta uma alegoria sobre um homem que vivia numa certa caverna.

Talvez buscar e conhecer a verdade sobre as coisas e os meios onde estamos envolvidos não resolva estas situações. Porém, somente após conhecer a verdade sobre as coisas, e nossa exata posição em relação a elas, é possível analisar as opções a serem tomadas. E isso se chama LIBERDADE.




terça-feira, 30 de agosto de 2011

Maria e o jardim

Maria do Carmo tinha dificuldade em lidar com seus sentimentos. Ela era uma pessoa muito afoita na forma como ela expunha os seus afetos para as pessoas. Seja amando alguém, seja o contrário, Maria do Carmo sempre cometia ações impulsivas. Não era o forte de Carminha dialogar com sua fraqueza.

Foi devido a essa impulsividade que Maria do Carmo quando mais jovem, teve sérios problemas quando o assunto se tratava de relacionamento conjugal. Sua mãe como forma de acalentá-la, dizia que um dia ela aprenderia a lidar com as perdas. Seu pai dizia a ela para sempre estar cientes de suas ações para que ela não fosse consumida pela culpa, afinal, ele sempre lhe dizia que a vida era curta.

Maria do Carmo conheceu Eugênio e sempre teve uma admiração por ele, e se lembrando das palavras de seu pai, não quis perder tempo com questões que implicassem um possível cansaço na relação dos dois, afinal, vez ou outra exercitava trazer à tona a velha frase: a vida é curta. Lembrava-se das palavras de sua mãe e passou a entender que a vida é linda por ser feita de mudanças.

Hoje em dia Maria do Carmo está casada com Eugênio há 43 anos. Nem sempre esses anos foram plenamente fáceis para Maria. Comportamentos de Eugênio a irritavam bastante, mas ela foi deixando se levar para sentir de forma mais serena a alegria de ter alguém de seu lado.

O nascimento de seus filhos provocou um novo pulsar na vida dos dois. Não é que a vida estava ruim, mas havia um quê de necessidade de ambos em quebrar alguma coisa naqueles cotidianos. Maria e Eugênio presenciaram muitas alegrias e tiveram muita raiva das traquinagens de suas queridas crias.

Aproveitaram seus filhotes o máximo que puderam como ainda aproveitam. Ficavam orgulhoso do simples fato de ver os filhotes dando tchau ao entrarem na escola, à aprovação do vestibular, à formatura. Maria ouviu muitas lamurias de seus filhos sobre seus relacionamentos conjugais e como uma boa mulher amadurecida pela vida, ela passava a seus filhos as lições que ela havia aprendido com seus pais.

Hoje, depois de ter regado o jardim em frente a sua casa, Maria cansada se sentou no banquinho justamente na hora que eu passava pela sua calçada. Ao olhar me deu bom dia. Comentou que eu precisava cortar as pontas do meu cabelo, pois elas estavam quebradas e perguntou como eu estava. Comecei a contar sobre os meus projetos e em silêncio Maria me ouvia. Depois de tudo, me desejou boa sorte.

Antes de eu ir embora, Maria me disse que o importante na vida era sempre buscar formas de encontrar caminhos mais fáceis para nos sentirmos bem com nós mesmos. Ela me disse que na vida não deveríamos carregar qualquer espécie de culpa, pois assim como dizia o seu pai, a vida era curta demais.

Eu fiquei feliz com as palavras de Maria. A vida de Maria sempre foi cheia de surpresas cotidianas, e por isso mesmo ela precisava regar todas as manhãs as frondosas flores de seu jardim enquanto Seu Eugênio ficava lá sozinho no fundo da casa em sua cadeirinha de balanço assoviando ouvindo seu programa de rádio preferido.

A vida de Maria sempre foi cheia de encantos, afinal, ela evitava guardar culpas e dizia que era velha e que se pudesse fazer muita coisa diferente, ela voltaria o tempo e corrigiria muitas de suas ações e palavras mal colocadas que só fizeram machucá-la e machucar os outros.

Carminha sempre foi confiante e a sua vida sempre foi tranquila. Maria se senta em seu banquinho, delicia-se com suas rosas, espera telefonemas de seus filhos. Cria expectativas por sempre questionar a si mesma, a certeza do amor deles em relação a ela. Maria não carrega culpa e espera muita coisa. Maria aproveita a vida. Maria ama seu esposo, ama a sua vida, vive tranqüila.

Realmente fiquei muito feliz com as palavras de Maria, afinal, Maria sabe que está velhinha, mas sabe que a maturidade lhe ensinou a viver feliz, sem culpas, consciente de suas ações. Amanhã passarei na casa dela e me depararei, quem sabe, com seu jardim brotando apenas saudades de um tempo que, apesar de carregado de surpresas, não se faz pleno.

Maria diz que sabe viver. Maria é feliz.

Comunicado

Aproveitando que o dia de terça ficou livre pelo fato de Reuel por enquanto ter saido da condição de autor para a de colaborador, a partir desta semana, publicarei meus textos nas terças à noite

Vina TorTO

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

As meninas do Torto

Semana passada, eu estava conversando com o amigo Vina sobre a atuação feminina no Torto. Ele já tinha se referido quanto a minha participação, eu era a única que mantem como autora no blog. Claro, que algumas colocam suas opiniões e participaram também, mas em relação aos homens a porcentagem e pouco significativa. Mas por que? Por que a maioria e masculina? Se as mulheres tem o mesmo espaço, a mesma oportunidade e os mesmos recursos que eles?
Antes, ao estudar sobre algumas pintoras, artistas e figuras publicas, a maioria dos autores e autoras de artigos e livros diziam que a atuação feminina era pequena devido a opressiva relação de poder entre os homens, pois uma pintora naquela época não tinha o mesmo respaldo que um pintor. Sabemos de Da Vicci, Velazquez, Van Gogh, mas não sabemos muito sobre as pintoras, ao não ser alguns amantes da arte, rondando pelo senso comum. Frida somente apareceu na idade contemporânea, tempo em que a manifestação da minoria entrou em ebulição. Concordo, que seria injusta em não enumerar algumas que marcaram séculos ou ate milênios, podemos ver Cleopatra, Joana D`arc, Edith Piaf... Mas repito, a manifestação feminina não tem a mesma regularidade que a masculina.
Para que serviu o movimento feminista, se elas não t^em a mesma atuação que eles, sem contar que muitas permanecem amarradas aos códigos dos machos? Não me coloco como uma feminista a frente do meu tempo, pois vejo que o machismo me beneficia muito, mas tenho a convicção de que muitas conquistas podem ser bem usufruídas. Defender ideias ou tentativas de criar outros modelos paralelos aos convencionais são sempre bem vindos e vejo que isso ainda fica para poucas delas. Mesmo que alguns reafirmem que as mulheres conseguiram conquistar o seu espaço, não nego, ate porque elas precisavam disso por uma questão de mercado e não so exclusivamente politico, elas são minoria. E não porque a sociedade machista as impede, mas porque as mulheres amam o espaço quente das leis dos homens. Ainda impera, simbolicamente, a mulher servir o homem para o sexo, depois de mais um dia cansativo de trabalho.
E so vermos quantos foram os cineastas que ganhou o Oscar e quantas são as atrizes que representam o papel da bonequinha de luxo. Os papeis para pensar, em questão de números, são deles. Os papeis para exibição, são delas. Hitchcok, cineasta inglês diretor do filme Janela Indiscreta (1954), não media esforços para colocar as loiras sensuais em papeis de objetos de desejos, enquanto os homens atuavam em toda a arquitetura pensante da trama.
Enfim, o que há com todas elas? Inclusive com as meninas que poderiam colaborar de alguma forma com o Torto? Sabemos que as nossas diferenças entre os homens são pequenas, afinal pertencemos a mesma espécie e procedemos de uma mesma taxonomia. Mas as pequenas diferenças poderiam trazer uma olhar diferenciado e menos previsível daquilo que e posto na tv e em outras formas de manifestação. Acho que o clube da Luluzinha não termine tao cedo, pois elas resistem ainda em largar a maquiagem e o espelho. Esse o ultimo esta acima de qualquer coisa.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Oração

Dai-me, senhor, o discernimento para que o corpo da mulher cheia de pecados não contamine os meus olhos. Fazei do meu coração, invólucro onde se escondem incertezas, a morada na qual os valores que lhe apetecem sejam absolutos. Esquivai a minha alma humana da tristeza e da angústia, corroborando para que ela, sempre vulnerável às incógnitas defendidas, não se curve, mais uma vez, à descrença e volte a incorrer no maligno pecado. Peço-lhe a consubstanciação, o padecimento das dúvidas através da enlevação da fé, e que a Parousia, cuja verdade é escopo da indiferença dos ateus e dos gentios, aconteça hoje mesmo, de modo que eu, agora adepto da genuflexão secular da igreja, seja um entre os seus servos salvaguardados do castigo dissoluto. Afastai Satanás de perto de mim, Grande Pai; carrega para longe toda e qualquer influência má que possa vir a transtornar minha vida. Fazei de mim um instrumento a favor dos pobres e das massas oprimidas, dando-me a disposição necessária para levar-lhes as palavras irreparáveis, permitindo, a todos estes injustiçados, a alegria de terem nem que seja uma noite de sono tranqüilo. Dai-me inteligência para que sejam calorosas minhas preces; quero dizer em nome dos fracos e dos vazios; noites extremas perfazem as almas destituídas de norte; e, contrariando a vossa paz, da dispersão destes confusos filhos sempre surgem relevante número de poças de sangue. Ilumina com o vosso amor os meus passos, Senhor, para que sejam claros os meus caminhos. Das tuas palavras desejo ter o cabal conhecimento porque repassá-las a quem não as conhece também faz parte da minha vontade. Não temeis em apostar neste que agora vos pede tanto, pois aqui, com sinceridade e atenção demasiada, fala-lhe uma alma encimada sobre os joelhos. Ouvi, Deus irrefutável, um homem que é só arrependimento e fome de eucaristia.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

OLHOS

OLHOS DEVEM SER LIDOS SEM ÓCULOS...



Era uma sexta-feira chuvosa pela manhã. Um dia cinzento e úmido; de ruas e estradas alagadas; de pessoas trajando roupas mais pesadas. Tobias Barreto é uma cidade do centro sul do Estado de Sergipe. Seu frio é conhecido no Brasil, pelo menos, como dizem, saiu na televisão. O mês de agosto, o mês da festa da Padroeira, é o mais frio do ano. Berto, um tobiense nascido e criado no Jabeberi caminhava para seu trabalho. Como sempre, o rapaz de cabeça baixa caminhava tranqüilo para a Rodoviária. Na altura do Posto de Saúde na Rua do Fórum ele vê na calçada uma bola azul de borracha. O rapaz viu a bola rolar a sua frente como que empurrada por alguém. Ele olha para todos os lados e nada ver. De repente, a bola rola para dentro de uma casa. Berto acha aquilo esquisito e sai em busca da bola. Contudo a casa estava selada. Janelas e portas fechadas com blocos e massa. “Como?” Berto sem perceber toca a parede da casa e esta o puxa para dentro.

“Não acredito. Estou dentro da casa!” A bolinha havia sumido. Os móveis da casa eram uma televisão colorida, sofá, uma mesa de centro. Nos quartos havia camas e guarda-roupas. A cozinha, um pouco apertada, tinha fogão, geladeira, e uma mesa com quatro cadeiras; o armário era de parede. Era uma casa de gente pobre, mas, não tão pobre. O que chamou logo a atenção de Berto foi um abajur no pequeno corredor entre os quartos e a cozinha. Ele piscava sem parar. “Como uma casa fechada há anos tem seus objetos ligados?” Pensou Berto inteligentemente. O rapaz decide andar pela casa. Ela não estava suja. Havia algumas roupas jogadas na cama. E dois copos sobre a mesa da cozinha. Parecia que a casa tinha movimento de gente.

O banheiro ficava nos fundos, era o último cômodo. Berto entrou nele. Havia um cheiro estranho que parecia éter de hospital. O espelho estava limpo. Berto olha nele e não ver seu rosto. Sua imagem não aparecia na lâmina de vidro. Ele tomou um susto. “O que é isso? Que casa estranha? Como entrei aqui?” A ausência de sua imagem no espelho lhe chocou e o medo tomou conta do moço. Ele olha novamente no espelho para se certificar que não estava louco. Agora aparecem dois olhos no espelho. Os olhos eram castanhos claros. Os olhos choravam. Essa visão fez o medo do rapaz aumentar mais. “Meu Deus? O que é isso?” “Será que estou dormindo; não acordei?” Por toda a casa Berto via olhos. Eram olhos de todas as formas. Definitivamente, a casa estava cheia de olhos.

- Psiu! Psiu! Berto! Uma voz calma e baixa chama o rapaz pelo nome.
- Sim! Respondeu o jovem tremendo de pavor.
- Em todos os lugares da terra tem olhos. Você não os vê, mas, eles estão lá.
- Como sabe disso? Quem é você?
- Eu sou apenas olhos.
- Como entrei nessa casa?
- Foram seus olhos. Você viu a bola, e olhando para ela entrou aqui.
- Disso eu sei. Mas, a parede da casa?
- É tudo uma ilusão de ótica.
- Não entendi! Disse os olhos retornando o silêncio. Berto pegou seu celular e ligou para um colega de trabalho. A ligação estava péssima, quase que ele não entende nada.

- Alô! É Berto, quero falar com Matias!
- Quem!
- Matias!
- Quem?

Por acaso Berto olha para o teto da casa. O forro era branco. Todos os olhos haviam se reunido lá, bem acima de sua cabeça.

- Vocês querem ver tudo. Tudo que vemos é uma visão que já foi vista em algum lugar.
- Como?
- Seus olhos não são apenas seus. Eles são os olhos do outro.
- Não entendi!
- Deixa para lá!
- Deixa para lá não! Quero entender!
- Pois bem. Os olhos juntos formam uma teia de olhos que se olham o tempo inteiro. Por isso os olhares do mundo são os nossos e os dos outros. Existe uma possibilidade infinita de olhares por esta causa. Então seja prudente! O eu-tu é um olhar constante, pulsante e vivo.

Berto ouvia e via os olhos. Ao mesmo tempo ele escutava vozes no interior de sua mente. Era um sussurro, os olhos sussurravam uns com os outros; o rapaz pôs as mãos nos ouvidos, o som era insuportável. Berto caiu no chão da sala e tinha convulsões. Ele sentia dores profundas. Berto desmaiou... Entrando em estado de sono, ele se via em um bosque e nele estava uma mulher vestida de azul claro. Era um vestido longo e bonito. Sua beleza só perdia para a da mulher. Sobre a cabeça da linda moça havia uma coroa de flores coloridas. Berto olhou direto em seus olhos, calmos e serenos, porém penetrantes por sua irradiação. A mulher congela formando uma estátua de gelo ante o olhar do jovem tobiense. À proporção que Berto se aproxima da estátua, correm dela gotas de água. Berto pensa: “Que mulher linda!” “Essa pele branca combina com esses lábios carnudos e vermelhos”. “O seu corpo parece o de uma deusa grega”. A atração era irresistível; Berto acaricia os seios da mulher de pedra, toca-lhe o ventre, beija-lhe a boca. “Perdoe-me mãe!” Acordou o jovem tobiense com essas palavras na cabeça.

- Psiu! Psiu!
- Sim!
- Os olhos de dentro usam óculos escuros.
- Como assim?
- Olhar para dentro é mais complicado.
-Sei! Deve ser.

A casa parecia ter vida própria. Os móveis se mudavam de lugar a cada duas horas. Quanto mais Berto permanecia preso a casa, mais ele ficava nervoso. Ele decide bater na porta, mas, não obteve sucesso. As pessoas da rua não o escutavam. O silêncio e a inércia chegaram a casa. Os olhos haviam se fechado para dormir. Surgiu, então, um ronco na casa. Em todos os cômodos havia um barulho de ronco humano. Berto vai até o quintal, pois, o ronco era muito desagradável.

- Ei! Ei!
- Quem é?
- Sou eu. Eram os olhos do sono. Você pode me chamar de Oniriudo. Eu vejo quando os olhos dormem.
- Como assim? Oniriudo tirou os óculos que usava e os deu a Berto. Berto os pôs nos seus olhos. Para sua surpresa ela via pessoas por toda a casa. A casa tinha sua população de seres humanos. Um casal andava da cozinha para o quarto. Quando o homem ia para o quarto, a mulher estava na cozinha. Eles estavam em direções opostas o tempo inteiro. Os dois falavam cada um a seu modo, mas, diziam as mesmas coisas. As crianças estavam na sala vendo TV. A menina atendia pelo nome de Janet. O pequenino, no sofá, chamava-se Heleno.

- Meu bem está na sua cara!
- É loucura sua Carla! O que seus olhos viram foi um acidente. Nem tudo que se ver é verdade.
- Mas eu vi você com ela! Vocês estavam se beijando. Você dizia para ela que a amava.
- Mulher não foi como você viu! Vá tomar seu remédio. Espero-te na cama.

O casal repetia as mesmas coisas no seu ir e vir pela casa. O marido de Carla chamava-se Ronaldo. Enquanto ela foi para a cozinha ele se deita na cama. Alguns minutos depois Ronaldo se vira sobre seu ombro direito e entra em sono profundo. Seu ronco irritava Carla que tentava refletir sobre o ocorrido bebendo água na cozinha. Inquieta, a moça se levanta e torna a andar pela casa. As crianças também pegaram no sono. A televisão falava sozinha.

“Hoje as pessoas pagarão mais de imposto sobre as operações bancárias”.
“O sindicato dos metalúrgicos pensa em paralisação geral”.
“Morre de acidente o empresário Frederico”.
“Se beber, não dirija!”

A televisão ficou acesa na sala. Carla leva as crianças para o quarto. Cada uma em sua cama. Depois torna a repetir todo o percurso que fazia antes. Os óculos deram a Berto o poder de ver no escuro. A chaleira que estava no fogo apita quebrando o silêncio da casa. A água estava quente, fervendo. Uma senhora negra, gorda e baixa, se aproxima de Carla que estava em pé no corredor pensando no que ia fazer. A mulher estranha tira seus olhos e os põe sobre a mesa.

- Mulher! Vagabundo merece morrer! Ele traiu você friamente e ainda deixou fragrante. Vacilão! Os olhos de mulher traída são olhos de morte. Sem brilho. A vida acabou para você. Agora quando olhares um homem, você lembrará que todos são iguais.
- Mas, não é assim. Existem diferentes olhares. Então deve haver diferentes homens.
- Aquele deitado, roncando, é um mau homem, não é?
- Sim!

Carla pega a chaleira com certa dificuldade, pois, estava muito quente. Caminha cuidadosamente até o quarto, e joga seu conteúdo no ouvido esquerdo de seu marido. Este se retorce em agonia sobre a cama. Carla corre pega uma faca e crava a mesma duas vezes no peito dele. O sangue esguichava da artéria ferida com muita velocidade. O rapaz morreu em segundos. A menina de Tobias Barreto sai do quarto e segue em direção ao quarto dos filhos. Abraça-os, chora, e em seguida sufoca-os com um travesseiro. A casa estava em silêncio profundo. Somente o barulho bem distante de um olho que chorava quebrava o silêncio sepulcral daquele momento.

Os olhos se abriram. A negra gorda pega os seus olhos de cima da mesa e desaparece no quintal, sua risada é ouvida com muita clareza. Havia agora um som de gente falando e pessoas protestando.

Os olhos asiáticos disseram: Criminosa! A família é tudo! Os olhos pretos disseram: Cretina, como você se vinga nos filhos? Os olhos vermelhos disseram: “Vacilona, matou seu povo, agora, vai puxar cadeia. Valeu coroa!” Mas os olhos roxos insistiam na idéia de suicídio: “Se mate cara! Vai ser emocionante!”

Ronaldo havia comprado uma corda. Ele precisou amarrar alguns sacos de pano para levar para a feira da coruja. Carla pega a corda, se trepa em uma cadeira e dela pula. Seu corpo tremeu um pouco antes de morrer. Foi tudo muito rápido.

- Berto tire os óculos! Berto! Tire-os, rapaz!

Em prantos Berto tira os óculos. Alguns olhos amigos o consolava dizendo:

- Meu caro Berto, o mundo está todo assim.
- Discordo de você, meu caro olho gordo! Existem pessoas boas no mundo! Os olhos, que usavam um monóculo do lado direito interrompem a conversa.

- A natureza humana é violência também. Não se enganem com isso. Não julgo a mulher, mas, chamo a atenção de vossos olhos para que vejam que a violência está em nosso cotidiano. Infelizmente, presente também nas relações familiares.

- Eu acredito no bem! Disse Berto gritando.
- Você não tem olhos para ver sua violência verbal!
- Não, não, não eu quero sair daqui!
- Onde você está? Que dia é hoje? Afinal, o que você faz aqui?
- Eu caminhava para o trabalho e vi uma bolinha azul tentei pegá-la, e entrei aqui, sei lá como!
- A tua curiosidade de trouxe ao mundo dos olhos.
- Não, decididamente, não!
- Durma Berto, durma!

Berto acordou na calçada cercado de pessoas que o viram cair. “Ele ia andando e pufo caiu!” “Ele parecia bêbado e caiu”. “Ele falava sozinho e se abaixou e caiu”. Alguns diziam: “É louco!” Outros diziam: Coitado! Berto se levanta, percebe que está bem, e segue seu destino até a Rodoviária. As pessoas ficaram falando até não verem mais possibilidades. E Berto nunca entendeu o que realmente houve naquela manhã de sexta-feira chuvosa. E a casa continuou fechada. As pessoas nunca souberam ao certo o porquê que ninguém reclama sua propriedade. E ninguém deseja comprá-la...













quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Ego Torto (musicada)



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Texto que compus há mais ou menos dois anos em homenagem ao amigo Vina Torto. Ei-lo, enfim, musicado.

EU não me mereço
Eu me entendo a tapa
Suporto parcialmente todos,
Mas meu ego, torto,
Não me prende a nada

Retratando a obsessão
Com procedimento às mãos
Fluem em híbridas vias vãs filosofias quebradas ao chão

Deixa eu no meu cantinho
Ponho em meu cachimbo
Meu e vosso amor

Acredito num futuro
Certo sendo incerto
Um escrever no escuro
Um não-verso poético

Sou id e aquilo
Possuo, liberto
Desfilo as cores do esboço que fiz
Dos quadros que não pintei
Do que escrevi e não li"

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

kkk é o caralho

Texto dedicado aos palhaços


Não sei se é por que eu tenho uma péssima mania de carregar uma irritação em minhas costas, mas eu sinto falta de algum palhaço que me faça rir. Os únicos palhaços que me fazem rir são aqueles que não precisam se colorir, nem pôr aquele nariz idiota.

Eu acredito que uma das grandes falhas encontradas nos palhaços se deva às velhas repetições mecanizadas. A maioria dos palhaços que tive a infelicidade de me bater pelas ruas tende a se submeter a certos modelos de brincadeiras e não percebe que nem sempre esses modelos são cabiveis em determinadas situações.

Por exemplo: estava certa vez no ônibus um senhor sentado em uma poltrona suja em pleno meio dia carregando em seus pensamentos uma série de problemas funcionais e existenciais e aí aparece um palhaço interferindo em seu silêncio, assoprando um apito irritante em seu ouvido e fazendo "palhaçadas" com suas rugas que tanto já o angustia. Nada contra aos palhaços, mas vamos ser sinceros: essas porras na maioria das vezes caem na incoveniência.

Os melhores palhaços são aqueles que fazem os outros rirem por não ter tido intuito algum em estimular qualquer forma de riso. Talvez seja aquele que solta um papoco na lateral do ônibus por que o motorista não o esperou, ou aquele que, já saturado de tamanho cansaço, libera uma piada frustrada sobre sua vida.

Os melhores palhaços provocam uma quebra em nossas expectativas por se sairem mal em uma situação considerada como séria demais. Esses palhaços geram gargalhadas por eles se fuderem sem querer. Chorar por que alguem de fato tomou no cu é o ingresso do melhor circo.

Um palhaço que escorrega no chão e suja suas mãos de tomates podres da feira liberando aquele riso convencionado e tímido para disfarçar, é muito mais engraçado do que os palhaços fantasiados de palhaços gritando em nosso ouvido e criticando nossa cara já aborrecida por recebermos tanta felicidade publicitária em nosso belíssimo e esperançoso dia a dia.

Meu pintinho amarelinho

Mesmo que a mídia insista em retratar o pintinho amarelinho como padrão, quase universal, os outros pintinhos não são inferiores quanto ao seu eterno complexo concerne ao segundo cérebro. A musiquinha infantoloide do apresentador Gugu Liberato “ Pintinho Amarelinho” e tao gostosinha de cantar , tao curtinha para memorizar e tao pervertidazinha quanto as suas letrinhas dançantes. Não que o pintinho amarelinho necessite ser exorcizado pelas suas meras intenções como as igrejas de inúmeras correntes condenavam todos os bichinhos inocentes que liberavam as suas afecções libidinosas, ao contrario, ele não deixa de retratar em poucas linhas o medo assombroso de castração. Ainda insisto em acreditar que os contos de fadas estão recheados de lobos querendo comer as chapeuzinhos, que os três porquinhos concorriam entre si para saber quem tinha o pinto maior, que o Peter Pan se recusava chegar a idade avançada a fim de nunca deixar de comer a Sininho e o Pinoquio era um compulsivo mentiroso so para ter a garantia de que seu nariz de madeira sempre continuaria a crescer. Enfim, as historias são doces, porem muito verdadeiras. Elas são fantasias em doses homeopáticas de que a pequena criança, nesse caso a criança macho, encontrara em seu caminho um dia.

As historinhas não são as únicas a passar essas mensagens que muitos chamam de subliminar como mensagem aquém do nosso consentimento consciente, esta ai o pintinho amarelinho cantando insistentemente nos rádios por longos tempos (diria que quase a minha infância inteira). Claro que tudo isso e jogado para os redutos abaixo do subsolo g'elido do iceberg inconsciente, pois as crianças são puras, dóceis e assexuadas, pelos preceitos cristãos. Como a nossa cultura esta encravada nesse solo de bem e mal e deus e diabo, mesmo nos alcoolizando e fodendo com as mulheres e os homens dos outros, criança pensar em sexo e altamente condenável. Como ela não pode bolinar no seu sexo, os geniais autores de livros infantis, conto de fadas e compositores sublimam esta ideia em suas obras.

Existe alguma mentira em dizer que o seu pintinho amarelinho cabe aqui na minha m~ao? E ainda afirma que o pintinho amarelinho bate as asas e faz piu-piu? Ele faz tudo! E claro, como todo bom cristão ele tem seus medos, sendo o maior deles ‘e ter medo do gavião. Esse gavião assombra as fantasias dos menininhos, assim como os cavalos de pênis agigantados faziam o pequeno Hans sofrer do coração. O pintinho amarelinho não somente reflete o sofrimento dessas pobres criaturas, mas também perpetua essa dor para a idade avançada. As mulheres elegidas sempre terão um tra’co, uma fixação da figura matricial materna. Os amantes, depois de todo sofrimento quanto a ameaça de castração paterna dentro do triangulo edípico, assombram a vida dos pobres homens compromissados (compromisso não no sentido monogâmico institucional, mas no sentido de simbolizar uma ou mais vaginas como propriedade corpórea). Claro, se um homem tem um pênis e ele satisfaz a falta feminina por poucos instantes, se um “outro” invade, ele sofre delírios de que o seu peruzinho se perca, ou seja, ideia de castração, perda simbólica do pênis. Sempre que a sombra desse “outro” aparece em suas fantasias, jamais ele sera um pintinho amarelinho e sim um gavião. Apenas um gavião poderá ter um poder de castração e não outro pintinho amarelinho, basta vermos nas escrituras literárias de Freud, o pênis de um cavalo jamais ter’a a mesma proporção do pênis do pequeno Hans.

Definitivamente as doces letras das historinhas e das musiquinhas não combinam nenhum pouco com as crianças despreocupadas e assexuadas crist~as.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Aforismos da semana

1
O homem sábio cortou as cordas vocais... introduziu-se no silêncio.
2
A igreja tem encurtado as relações entre Deus e o Diabo, a distância de então entre inferno e paraíso. Cansada de apenas anunciar o céu, como o mensageiro infatigável da última dádiva, assumiu o posto de cupido. - E viva Blake!
3
O amor é o monopólio dos ricos. O gozo, o privilégio dos belos. E a filosofia, supondo superioridade, o artífice linguístico dos feios, a desculpa que justifica a indiferença dos ascetas - esses macacos pensantes e conscienciosos.
4
A inteligência coroou o feminino, conduzindo os intelectuais, ao testarem a validade de suas teses, a agirem como mulheres em período pré-menstrual: vejam que Nietzsche, apesar de misógino, sofria da raiva e da euforia; Cioran, da depressão; e Pessoa... que grande multipolar!
5
Um exumador de mortos que respeito olhou, hoje, a minha filosofia como que contemplando a materialização da bobagem. Transbordante em cientificismo, não vira a lírica imposta pelo estilo, a beleza saliente no nonsense. A julgar pelos termos finais do seu sóbrio juízo, admito que vi nele o primeiro entendedor do meu pensamento, com a reserva de ser tímido ao se direcionar ao oponente no debate. Doutro modo, faltou-lhe a coragem para me chamar de Bobo.
6
Como desejar feliz aniversário: Parabéns. Um ano mais próximo da morte. Ainda devo lhe desejar felicidade? A propósito, por que os parabéns?
7
Na falta de argumentos o grito soa como melhor palavra. Sendo o grito insuficiente, a razão mostra-se integral e invariavelmente superada, exigindo de quem se impõe a última consequência de um debate: o soco. - De como vencer discussões ou reinar sobre a verdade.
8
Os fortes atenuam a tragédia fazendo força para afirmar o valor e a beleza concernentes à contingencia, ao devir. Nós, parasitas do pecado original, quando supomos um deus, por nos ter incumbido semelhante degredo, acusamo-lo de sádico e vil; quando não o concebemos, porém, aconselhamos aos angustiados não uma falsa superação, mas o suicídio.
9
O fim último da razão não é o bom senso - é a inconsequência.
10
A humanidade é uma vara de falsos absolutos. A história, um simulacro do progresso. E, se houvesse algum sentido nas tartufices que a inteligência discorre sobre a vida, ele não estaria por se realizar ou sendo construído a passos de bêbado - ele já teria se concretizado.
11
A arte implica enlevações caóticas e que põem em jogo a saúde do espírito. - Antes ser um técnico...
12
Moro no fim do mundo - desde que nasci, há 20 anos, vegeto em Aracaju.
13
Menoscaba a família quem sempre a teve por perto.
14
Se durante a história o homem sempre se afigurou um bélico e vil, nada mais correto que darmos a ele os fundamentos para que continue sendo o que é, nunca refreando os impulsos animalescos que lhe são próprios. O cidadão ideal da direita tem quatro patas - é um primata que tem a obrigação de reivindicar todos os frutos de uma árvore, um rabugento de corpo aveludado elevado à categoria de homem perfeito.
15
Todo fascista guarda em si um poeta: por trás de toda aquela postura bárbara, há uma frustração velada, levada à extensão por meio de sua sensibilidade artístisca, que finda como promotora do caos.
16
O último degrau da angústia é o fascismo.
17
geração tela-quente...
18
Só há dignidade no ócio: o trabalho recrudesce o ressentimento, fazendo de nossas almas o invólucro de uma infinita hipocrisia velada. E, quando o que estivera represado se revela, monstros interiores surgem à superfície em forma de URSS manchadas de sangue, com a intelligentsia a querer justificar as mãos que o camponês envolve sobre a enxada.
19
Angustiados e tediosos, sentam-se nos vãos sombrios de suas casas, a escrever poemas e novelas de teor decadentista e passam a chamar isso de belo - de idealismo alemão...
20
Trocaria o meu cérebro por quatro patas e um rabo.
21
O inferno, contrário ao paraíso, é uma revelação permanente. - Da condição humana
22
Não acredito em santos. Acredito em Dostoiévski, Fernando Pessoa... - no milagre da literatura!
23
Não podemos alijar da realidade o seu aspecto caótico. Sem o opróbrio não há arte.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Neurótico Alado ( A Errância)

Autodecretou-se, então, um caminhante solitário.

Não sem antes, contudo, pisotear em linhas bêbadas as desapaixonadas ruas de Pedantia, àquela altura, donde efluiam, a cada passo, todos os embaraços por que julgava ter passado.
A arte que, ao menos para si, tanto o caracterizava era irrisória aos olhos dos que eram julgados e que, como tal, também se julgavam producentes. O riso vinha de um gozo errado - e a concepção do errado era absoluta por ali. Os recursos necessários para que não caísse em indigência só poderiam provir, a olhos públicos, de uma dispensável misericórdia ou de atitudes contraproducentes, justificadas por convicções politicamente corretas.

- Era necessário produzir! Urravam nem tão veladamente os discursos das autoridades bem como de todo o senso comum.

- Os lugares mais desenvolvidos só haviam coroado a prolixidade até alguns séculos. Desde que tal época de ouro começou a se transformar em algo diferente foi preciso enxugar o verso e transformar toda matéria-prima em produto. Pedantia tinha uma organização ocidental recente em relação a tais lugares, seria necessário correr incessavelmente para pegar o bonde – que agora, na verdade, já era trem-bala e muitos diziam estar bem próximo do fim da linha.

De fato, tudo isto soava agonizante aos ouvidos de quem, tal como Michelangelo em sua invulgar Escola de Atenas, extraiu a cabeça de Platão para que, em seu lugar, aparecesse a de Leonardo.
Não viveu uma época de combate a regimes escancarados, não cabia em panelas, e muito menos em rimas, embora com notável engenho as criasse. Os padrões para tudo já há muito haviam começado a transformar, aos seus olhos, tudo por ali em um não-lugar. Os desejos eram copiados – e por que não dizer que até mesmo por obrigação?

Faltava-lhe, bom lembrar ainda, algo um tanto comum aos candidatos à errância – a exaltação da ansiedade acerca do que irá se encontrar, perder, prantear e cantar ao longo da romagem. Sua situação padecia até mesmo desta atipicidade. Não o alvoroçava expectativa alguma, negativa ou positiva. Sabia que isto pressupunha o fato de que o mesmo Outro que o levara a desalentos múltiplos, seria eternamente requisito necessário para a efetivação de todas as suas concepções, e que, aliás, até mesmo estas, por mais alienígenas que soassem, assim o eram em relação a algo que se pôs milhares de anos antes de sua existência, bem como possivelmente entraria milhares de anos após e após.

Poderia comer e beber sem ajuda alheia em terras comunais. No entanto, precisava do Outro até mesmo para se autodecretar, em qualquer sentido, solitário.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Desencanto


Peguei duas pedrinhas

Joguei em qualquer rio

Fui qualquer pessoa

Amei o vento com fogo

Dei dois passos pra trás

Em minhas costas um mundo a se apropriar de mim

A minha frente uma libélula que não dizia nada

Apenas batia asas

E meu olhar a vê-la em desencanto

Libélula idiota!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Porra Nenhuma

Usando seu binóculo, ele se sentia dotado de todos os poderes do universo, pois só daquele jeito ele se via capaz de encarar alguém. Sim, ele era um cara antenado com a esquisita intimidade do vasculante de seu prédio. Ele era o rei infiel de si mesmo que vivia preso em suas alegrias de levezas efêmeras.

Seu prédio se localizava em meio a uma floresta de carros e de gente que adorava cobrar e dar bom dia a todo mundo e também entre as espessuras indignas de qualquer sobrevivente no centro da cidade. Entretanto, ao trilhar seus pés cansados pelas ruas do centro, ele não se localizava em ambiente nenhum. As lojas, as placas, as propagandas, tudo aquilo o cercava por todos os lados, mas eram letras se diluindo no ar depois de serem lançadas por canhões cuspindo infinitos signos, gritos e emoções intraduzíveis.

Trabalhava e estudava muito. A noite ele gostava de dialogar com seu mundo. Ele se sentia só e ao mesmo tempo único. Diariamente ele sujava seu peito peludo todo de porra, mas tinha medo de amar e se sentia ineficaz em seu próprio prazer, mas sabia se relacionar com sua desgastante e infinita culpa.

Era por tudo isso que ele batia punheta e tinha medo dessa “porra-nenhuma” que ele sentia sempre ao tirar o binóculo dos olhos. Era desgastante a sensação de excessos por não sentir nada. O resultado era quase sempre assim: sentava-se no chão do banheiro, apoiava o braço na borda gelada do concreto da privada e chorava por se sentir incapaz de encarar a si mesmo.

Marcas

asdoresdomundovaoevoltamquandooscortesdilacerantesseunemformandoumacicatriz.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Fragmento

Outra manhã sucede ao prazer exagerado de ontem. Poderia ser o apocalipse, mas é domingo - criação insuportável de quando os deuses ferviam em cólera. Quintessência do tédio, as extravagâncias de Bach desenrolam-se ao compasso de sucessivas cervejas. Última fração de luz para os suicidas, a saúde e as finanças debandam depois de todas as aventuras por águas-furtadas e sarjetas. Porém, se não soa indigesta a ululante bravata, que desilusão poderia arroubar o desiludido? que esdrúxulo infortúnio, por capricho, lhe assaltaria despreparado, numa estranha esquina inédita, de supetão? - Ah utopistas!, quanta moralina, quanto emplasto atarantando e obscurecendo as perversões divinas...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A OUTRA PARA SEMPRE

A outra para sempre

Amanhecia timidamente na Vila de Campos. O sol dava seus primeiros sorrisos por cima da Serra do Cavalo. O povo simples do sertão caminhava feito um gigantesco formigueiro rumo à feira. Era segunda feira, um dia de sol, suor e muita conversa nas esquinas, nas calçadas, bares e botecos espalhados por toda a área urbana da capital do bordado. Tobias Barreto sob a gerência do finado Luís Alves, o Luisinho, um homem querido por todos, deu um salto para o futuro. Ruas foram abertas, outras calçadas, e conjuntos habitacionais foram construídos nas áreas periféricas do município. A cidade cresceu e o crescimento, como em todo lugar, trouxe suas mazelas.
O povo do povoado Ilha, bem cedo, estava com suas barracas vendendo requeijão. Esta é uma herança holandesa. Nunca comi requeijão tão gostoso como o de Sergipe Del Rei. Os filhos de Itabaiana vendiam de ferragens a calçados, em barracas, ou em lonas estendidas no chão. O Mercado da Farinha com uma penumbra interna devida a fraca iluminação cheirava a farinha cosida no ponto, tinha de todo tipo, de caroço grosso, ou da fina. E pelas ruas estreitas e becos escuros moças e rapazes faziam o ritual de acasalamento, o jogo da conquista e da sedução. A vida continuava viva nas feiras de Tobias Barreto.
Lindalva havia se casado com um jovem muito trabalhador. Ela dava aulas no Grupo Escolar e Rosano, seu marido, vendia remédios para pulga, carrapatos e outros males que afetavam a criação de bicho. “Um entendido em bicho por aqui é coisa muito rara e cara, sou mais Rosano”. Diziam os criadores. De fato, o rapaz se dedicou, e com isso foi fazendo a vida e ganhando dinheiro. Colocou seu próprio negócio na maior avenida da cidade, e depois foi investindo o lucro em terras e imóveis. Em dez anos Rosano freqüentava a sociedade local e era muito respeitado. Lindalva era uma professora humana, amiga de todos. Mulher dedicada aos filhos. Seus alunos a adoravam. Todos os anos na páscoa ela comprava presentes para eles, e isso era um motivo de muita alegria. Desta forma a moça conquistou o afeto de alunos e pais ao longo de mais de vinte anos.
Rosano gostava de tomar cerveja nos finais de semana em um barzinho na Avenida Sete de Junho. O bar ficava ao lado de uma pequena Igreja Protestante – “O Reino está Vindo”. Nesta casa de oração havia uma jovem muito bonita. Seus cabelos eram de sereia apaixonada. E seu corpo um violino de 1,72m. A moça cheirava a leite de cabra saída naquele instante do peito da mãe. Rosano via quando a moça passava na calçada do bar. Ele se lembrava de seus dias no povoado Jabeberí, de Lúcia e de seu primeiro grande amor. Seu casamento agora estava estável, contudo, Rosano e Lindalva passavam por crises alternadas todos os anos. Dizem as amigas da moça que foi com macumba que Lindalva laçou o seu touro.
-Lindalva mulher, fala a verdade! Você foi à casa de Romildo, o macumbeiro, num foi?
-Deixem de envenenar minha vida suas peruas, vá de reto Satanás.

Era meio dia quando Clarice se despede dos irmãos de fé e segue em direção ao conjunto Raimundo Geraldo. Ela passou defronte ao bar onde estava Rosano. Aquela foi a primeira vez que os dois se olharam nos olhos. Tanto a moça como o rapaz foram flechados pelo cúpido da paixão. Entretanto, o bom senso de Rosano dizia-lhe que aquele seria apenas mais um casinho. Para Clarice, era Satanás tentando-lhe a fé, pois ela pretendia ganhar o mundo em breve falando do amor de Deus.
-Clarice!
-Sim, pastor.
-Não deixe o diabo te roubar a benção!
-Não pastor eu vou dar lugar ao Espírito Santo na minha vida.
-Que bom minha filha. Concluiu o jovem pastor Fredsmundo em pé à porta de sua pequena paróquia.

Ela saiu da igreja pensando nas palavras do pastor. Envolvida em suas reflexões nem percebeu que Rosano estava na primeira mesa próximo a calçada. Os dois se olharam e suas almas foram feridas mortalmente por um sentimento além das forças, mesmo da fé. Ela virou o rosto para não dar ocasião a nada e segue seu destino a pé. Rosano pede a conta e sai de carro em marcha lenta tentando encontrar seu anjo caído. Com certa dificuldade ele a encontra no antigo depósito de cerveja já próximo do conjunto residencial Raimundo Geraldo. Para o carro, baixa o vidro e diz:
-Está indo para casa? Deseja uma carona?
-Não, obrigada seu Rosano, já está perto. Obrigada.
-Vamos, não custa nada. Insistiu o moço.
-Não, deixa para outra vez. Cortou a moça cheia de desejo de dar uma volta naquele carrão. Dizem que as mulheres adoram homens de carro. Não sei se é verdade, mas, as mais bonitas estão sempre perto de alguém de posse. Será isso uma regra geral? Acho que não. Mas deixa pra lá!

Naquela tarde a moça não descansou. Entrou em seu quarto e ficou ouvindo músicas cristãs e chorando. Sua mãe ficou muito preocupada e bateu na porta:
-Clarice! Abra a porta minha filha!
A moça abriu a porta do quarto, sua mãe entrou, e sentou-se em sua cama.
-O que há contigo minha filha?
-Não sei mãe. Sinto um aperto na alma.
-Já disse ao pastor que não temos dinheiro para viajem?
-Não.
-Clarice, você garante que vai se segurar esse tempo todo sem casar. São anos de estudo.
-Eu sei mãe, mas acho que Deus pode tudo.
-Então, minha filha, tem tanta moça na igreja e elas se casam, e fazem família.
-Mas comigo mãe, Deus tem algo especial.
-Bem, tudo bem. Você pensa assim. Deus te abençoe. Concluiu sua mãe.
Sua mãe, dona Maria, nem sonhava que a razão do choro de Clarice era outra. Ela estava em um carro cinza prata, um opala de luxo especial.

Agora Rosano sabia que Clarice cederia as suas investidas. O rapaz sabia onde a moça morava e qual era seu itinerário até a Igreja do Reino. Rosano passava por ela duas vezes por semana e sempre a convidava para conversar. Clarice não cedia, mas, em casa chorava angustiada como que se algo dentro dela dissesse sim a tudo que ela não queria, mas, que ganhava força dentro dela.

A cidade estava em festa, o mês de agosto havia chegado. A paróquia católica estava anunciando em carro de som que a festa da padroeira, Nossa Senhora Imperatriz dos Campos, seria na semana seguinte. Pessoas de todos os cantos do município que tinham parentes na sede transitavam pela cidade e faziam suas obrigações religiosas.

-Ontem eu me confessei. Mulher! Eu sei que não devia dizer, mas, você viu que padre bonito? Disse dona Estelita, uma camponesa.
-Mulher, num é. Já viu que coisa linda! Nossa senhora que me perdoe, mas esse padre novo é um gato? Concluiu dona Diva, a mulher do eletricista Vasconcelos, amigo de Tadeu.

As pessoas em Tobias gostam de ter certezas das coisas antes de tomarem como verdade. Bem, dizia dona Tereza. Esta mulher morreu dizendo que o finado havia pulado a cerca, mas, o velho era impotente. O coitado perdeu a força depois que levou um coice de uma mula. São coisas da vida. No entanto o que comentavam de Rosano e Clarice fazia muito sentido. Todo domingo após o culto diurno Rosano seguia a moça. E isso estava dando comentários.
- Clarice minha filha, Deus tem uma grande obra em sua vida. Mas devemos nos afastar da aparência do mal. Peça esse homem para parar de seguir você.
- Ele não me deixa quieta. É praticamente todo dia no meu pé. O sangue de Jesus tem poder! Concluiu a jovem crente Clarice.

As pessoas não podem apostar todas as cartas do jogo em si. Nem temos certezas que viveremos alguns minutos depois a nossa pergunta. Às vezes tudo é uma questão te oportunidade. Quando as forças da natureza conspiram, percebemos que somos apenas uma pequena parte da mesma. Naquela noite de domingo a vida de Clarice sofreria pela força de seu desejo. Após o culto, por volta das nove e trinta, Clarice sai da Igreja apressada, sua mãe havia pegado um resfriado e estava com febre. A moça toma o mesmo caminho de sempre. Andava de cabeça baixa pensando em sua vida e em como fugir de toda tentação. Repentinamente, a menina Clarice levanta a cabeça e vê dois faróis em luz baixa que vinha lentamente em sua direção. “Vai me atropelar?” pensou ela. Seu coração já sabia quem estava conduzindo o carro. Seu coração pulou em seu peito. A moça nem sentiu os pingos de água que caiam do céu. O carro para, e uma voz diz ao abrir a porta: “Entre!” Clarice entrou e o carro desapareceu rapidamente na chuva que caía numa rua mal iluminada. Sentada ao lado do motorista, a jovem Clarice vê sua vida nas mãos daquele condutor. O silêncio foi quebrado pela voz de Rosano:
- Você quer beber uma cerveja? Ah, desculpe, você é crente.
- Tudo bem, vamos a algum lugar! Disse a menina.

Os dois em silêncio viam o carro tomar a direção de um bar no Conjunto Irmã Dulce. Desceram do carro. Rosano pediu uma cerveja e um prato de tira gosto. Clarice o acompanhou em tudo, embora sem o hábito de beber, a menina ficou apenas um pouco animada. Rosano pediu a conta e os dois estavam novamente na estrada. A chuva deu uma trégua, a lua alta no céu iluminava o pasto ao lado da rodagem. Rosano viu uma entrada de barro e para lá levou o carro. O carro parou, o silêncio era quebrado somente quando o quero-quero rasca o céu com seu grito. O rapaz olha a menina. Os dois olhares se encontram na penumbra daquela noite. Clarice se torna amante de Rosano.

- Desde a primeira vez que te vi, senti que você seria minha.
- Como você tinha essa certeza? O que aconteceu hoje não vai mais acontecer. Foi só uma tentação. Disse Clarice.
- Será Clarice, acho que você gostou. Não deu para esconder a alegria e o prazer.
- Não seja assim. Eu fui tentada por você, só isso. Me leve para casa.
- Em dez minutos Clarice estava defronte sua casa. Abriu a porta dizendo dentro de si: “Em nome de Jesus, nunca mais vou fazer isso”. A semana passou rápido. O sábado levou Clarice a Igreja. A juventude havia se reunido para ensaiar um jogral para o dia das mães. Clarice fazia o papel de uma moça drogada que encontra Cristo. Ela fazia esse papel muito bem. Mas apesar de buscar tanta ajuda divina a natureza foi mais forte. Agora, aos sábados e domingos Clarice e Rosano se encontram e descobrem algo novo todas as vezes que se vêem. Não demorou muito para que a data da viajem de Clarice ao seminário para estudar teologia chegasse. O pastor levou a igreja a orar e ajudar a jovem missionária. Clarice, com muita dificuldade, deixa Tobias seguindo o destino de sua fé. A estória parecia encerrada.

Dois meses passaram rápido. O correio traz do Rio de Janeiro uma notícia surpresa para a paróquia inteira. A seminarista estava de volta.

- Pastor eu tentei de tudo. Fiz jejum, orei, pedi ajuda as pessoas e nada. Uma moça chamada Esperança, me orientou dizendo que se eu não suportava a vida em clausura ou quase clausura, era porque meu chamado ainda não havia amadurecido, seria melhor voltar.
- Mas, minha filha, todo muito ajudou, pensava que você estava muito bem.
O retorno de Clarice levantou suspeitas sobre o homem do opala. A cidade abraçara a idéia que a moça voltou por causa de Rosano. Em cada beco, ou rua, sempre havia alguém atento aos passos dos dois. A cidade inteira comentava o caso. A mulher de Rosano soube de tudo.
- Rosano, eu não esperava isso de você. Você está de caso com uma moça crente! Você é um safado!
- Mulher, o povo fala demais. Foi só um namorico. As pessoas estão aumentando a coisa. E eu dispensei a menina. Na verdade Rosano só queria brincar com Clarice. A moça não o tirava da cabeça. Rosano era para ela o razão de sua vida, seu primeiro amor, seu primeiro homem, aquele que lhe fez mulher. “Ele anda frio”. Pensou a jovem Clarice retornando do mercadinho. “Vou ficar um pouco mais pela rua para ver se o vejo”. De fato ela tinha certeza que ele passaria ali. Não era intuição, era conhecimento de causa. Ela só não imaginava que ele passaria ao lado de sua esposa. A visão de Rosano ao lado de sua mulher foi um soco no rosto da menina. Aquela noite ela permaneceu em casa chorando pelos cantos.
- Menina, o que tens? Perguntou sua genitora.
- Nada mãe, foi um cisco que caiu no meu olho.
- Não, não é isso não. Você tem chegado tarde. Você está de chamego com alguém, vamos logo, desembucha!
- Desembuchar o que, mãe?
- Desse tal homem que você sai todo sábado e domingo. Ele é casado?

Quando a menina ouviu o nome casado começou a chorar. Sua mãe entendera, e esperou outro momento para conversar com sua filha. A igreja ficou sabendo que a mulher de Rosano falava mal de uma crente. Não demorou muito para juntarem as coisas.

- Clarice, haverá uma reunião de membro para ver seu caso.
- Tá certo pastor.

Na semana seguinte, quinze dias sem ver seu amor. Clarice enfrenta o clero.

- Estamos sabendo com provas muitas que sua pessoa anda de caso com homem casado.
- Não é bem assim, mas...
- Não tem mas, mas! Uma senhora de meia idade separada do marido há anos pede a palavra e diz.
- Essa cidade está entregue a Satanás. As meninas evangélicas ou não, gostam de sair com homens casados. Nós como igreja precisamos dar o exemplo.
- Muito bem dona Margarida. Disse José Plínio, o tocador de órgão.

Com poucas explicações, sem muitas chances. A pequena Clarice foi expulsa do rol de membros da igreja podendo freqüentá-la como visitante. O problema estava resolvido do lado de Deus. Contudo, o coração da moça estava despedaçado. O amor que sentia punha sua fé em conflito.

Rosano e Clarice voltaram a se encontrar regularmente. Não temiam a opinião do povo. O amor os cegara de toda razão. Dona Lindalva se armou com um revolver 38 e foi ao encontro da Jovem amante de seu marido. Clarice passava todas as tardes pela Praça do Cruzeiro, Lindalva tinha essa informação e a esperou ali.

- Pare moça! Quero falar com você!
- Diga senhora.
- Não me chame assim. Você não me respeita. Está de caso com meu marido há meses.
- Não posso negar. Sinto muito. Mas, eu amo Rosano.
- Que direito você tem de destruir minha família?
- Não tenho esse direito e nem quero isso, mas, o que sinto é mais forte.

Lindalva não suportou as palavras da menina e meteu a mão na bolsa e puxou o revolver. “Vou te matar agora sua vagabunda!” “Vou te mandar para o inferno!” A cena de terror estava montada, no entanto, do outro lado da Praça do Cruzeiro, um carro atropela uma moto e chama a atenção de todos. O rapaz precisou ser levado para Aracaju passando mal. Lindalva põe a arma na bolsa e corre para a sua casa. Clarice entende aquilo como uma intervenção de Deus, e o agradece pelo livramento. Daquele dia em diante, a menina pôs na cabeça que Deus havia unido aquele homem casado a ela. Todas as igrejas da cidade condenaram o caso. Até o Padre deu seu parecer: “Isso é adultério!”

- Rosano, você precisa tomar uma decisão. Se você me ama, deve se casar comigo.
- Mas, Clarice eu não pretendia isso!
- Quer dizer que eu seria apenas sua outra?
- Mas agora é diferente!
- Você gosta de mim?
- Sei lá!

Rosano deixou a loja sob os cuidados de seu melhor amigo, Anselmo Duarte, e foi morar na Bahia, perto do Catú. Clarice foi com ele. Se não fosse a depressão aqueles teriam sidos os dias mais felizes de sua vida. Rosano trabalhava para os fazendeiros e fazia mais dinheiro, e a loja em Tobias estava “de vento em popa”. Porém, em casa, Clarice padecia de profunda culpa e depressão, mesmo cercada de amigos por todos os lados.

- Deus, me mostra tua vontade! Dizia Clarice todos os dias quando acordava. A moça orava todas as manhãs. Seu coração voltou-se para Deus. Rosano em sua vida era um pecado necessário.

“Deus me disse que o salvaria. Ele me pôs com ele para salvá-lo”.

Alguns irmãos, ex-membros de sua igreja creram na idéia. Eles passaram a achar que aquele amor, embora ilícito, era a loucura de Deus para salvar um pecador. Clarice se correspondia com os irmãos regularmente e contava de seu estado. Os crentes em Tobias oravam pela moça que era a outra. Mas, mesmo, abraçada pela igreja novamente, Clarice não vence a depressão. Tinha crises diárias de histeria. Rosano não sabia o que fazer. Uma amiga de Rosano diz para ele que o caso de Clarice era coisa de macumba. “Quem sabe Lindalva não tenha feito um feitiço?” A mulher levou a menina crente para uma gira de Exu. Clarice não sabia de que se tratava. Levaram-na como se fosse para uma festa na casa de amigos. Rosano foi com ela. A casa era luxuosa. A pintura da frente era verde bem claro. As paredes internas tinham uma mistura de tintas claras e escuras. Clarice foi atendida na sala de consultas. Um quarto reservado para consultas de esquerda. Dentro havia imagens e ferros em caqueiros. Pequenas estátuas de mulheres vestidas com roupas pretas e vermelhas. Muita bebida e cheiro de cigarros, cigarrilhas e champanhe.

- Clarice entre aqui para a gente falar com dona Maria!
- Quem é dona Maria?
- Você vai ver.
- Não estou gostando de nada. Que lugar esquisito!
- Não tenha medo! As duas entraram no quarto e lá dentro estava Maria Padilha vestida a rigor.

- Há, há, há! Então essa é a salvadora! Iá, iá, iá...
-Diga: Salve dona Maria! Mandou a mulher que a acompanhava. Clarice sem entender disse: “Salve dona Maria!”

- Você sabe onde você está?
- Não!
- No inferno sua tola! Iá, iá, ia!
- Como assim?
- Você sabia que você é das nossas?
- A verdade parece dura. É um inferno enxergar as coisas, não?
- Ainda não entendi.
- Então, entenda! O que você sente nada tem haver com nada. Apenas você desejou o homem da outra. Assuma a bronca! A natureza humana é assim. Afinal, o que é você? Não é humana, não sangra? O desejo da mulher ou do homem, quem pode controlar? A paixão é chama e quando queima, queima até a alma. Tua depressão passará quando você entender que errou e se lembrar que foi apenas humana. Iá, iá, iá... Agora, o grande não tem nada a ver com isso. Mas tem muito a ver com o que você dirá para as pessoas...

Clarice retornou para sua casa dizendo que Rosano a levou para falar com o diabo. Ela passou um bom tempo para perdoar seu amor. Rosano viu que a moça distante da família estava piorando. Resolveu voltar para sua terra. Compraram uma casa em Tobias e viveram suas vidas. Clarice formou um grupo de oração em sua nova residência, com o tempo, mais irmãos foram orar com ela. Logo, o povo mudou de opinião. Agora para a sociedade local, Clarice e Rosano eram marido e mulher. Clarice se tornou em um pilar de oração para muitas mulheres da sociedade. E em algumas ocasiões ela sentia que era usada para dar oráculos para as pessoas. “Deus tem me usado muito, louvado seja seu nome!”

O grupo de Clarice se tornou uma Igreja Evangélica. Rosano, um ano depois, se casou com ela. “Agora Deus me visitara de vez”. Pensou a moça.

Os anos se passaram. Nunca mais ouvi falar de Lindalva. Dizem que ela se aposentou e que todas as tarde fazia exercícios para emagrecer. Rosano pôs outra loja e ficou mais rico. Clarice disse que Jesus estava muito perto de voltar.

- Rosano, meu amor me faça um favor!
- Sim, Clarice, diga!
- Traga-me o remédio que deixei no armário!
- Qual?
- Aquele, rapaz, que é para dormir. Apagaram a luz e pegaram no sono até o outro dia.

- Num é Calunga? Só Deus conhece as pessoas!
- É, dona Maria, só o grande sabe...


Por Roosevelt Vieira Leite






quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Identificação Velada

Caríssimos,

Antes de tudo, aviso que não quero entrar em discussões que abarquem o relativismo cultural e/ou moral.
Tratarei aqui, apenas, de fazer um alerta a alguns indivíduos, conhecidos meus, que certamente compartilham de um posicionamento com um número significativo de adeptos.

Refiro-me aos indivíduos que se mostraram aterrorizados com a morte de várias pessoas na Noruega, por obra de um nativo desse país, Anders Breivik. Mostrar-se aterrorizado é algo moralmente nobre etc. e tal. O problema é que muitas destas pessoas, em contrapartida, compram bandeiras como a da homofobia, do elitismo econômico e, de forma mais sutil, do racismo.

E onde entra o paradoxo?

O problema é que já há um consenso entre os próprios cientistas políticos de que a atitude do norueguês não é mais que porta-voz de toda uma bandeira de partidos de extrema-direita ao redor da Europa e dos Estados Unidos. No caso desta tragédia, em específico, vimos um caso emblemático de aonde pode chegar a "islamofobia". Esta bandeira é levantada por partidos como a Liga Norte, da Itália, bem como a Frente Nacional, na França, para citar alguns exemplos. Aliás, não à toa, integrantes destes partidos mostraram discreto apoio ao terrorista.

Adivinhemos qual a bandeira levantada descaradamente por uma facção política estadounidense (Tea Party) que compactua destes mesmos valores? A homofobia, o racismo, a xenofobia etc.

Portanto, faz-se interessante alguma cautela na hora de se aderir, com argumentos baseados em raciocínios nada verossimilhantes ou sistemáticos, a certas bandeiras que são levantadas categoricamente por grupos que deram e dão sustentação ideológica a tristes atentados como o que vimos recentemente na Escandinávia.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O Torto na UFBA


Apesar das inúmeras críticas que o blog “O Torto” tem recebido, o que não deixa de ser muito importante para o seu crescimento, ele tem transitado para além das fronteiras de Sergipe. Pois bem: acompanhados por Rebeca do Planeta Torto e pelo autor do torto Reuel Astronauta, eu e meu querido torto Roosevelt Vieira Leite arrumamos nossas malas e fomos para Salvador apresentar o artigo “A música brega nas salas de aula” no VII ENECULT realizado entre os dias 03 a 05 de agosto na Universidade Federal da Bahia (UFBA) no campus de Ondina.

Para quem não se lembra, algum tempo atrás eu postei no espaço do blog uma série de ensaios livres intitulados “ A música de vanguarda e a educação”. A partir desse texto, nosso criativo autor Roosevelt, aproveitando que tinha lido, relido e construído criticas e sugestões sobre a minha dissertação “Música Brega: um fantasma visível” defendida na UFBA, além de sua experiência em sala de aula, pensou em analisar a música brega fazendo um contraponto com o elitismo estético encontrado nos ambientes escolares.

A partir desse insight, nosso autor torto começou a postar textos no blog e receber muitos comentários que nos serviram para construirmos nosso artigo. Depois da fase hipotética da pesquisa, eu e Roosevelt tivemos reuniões em Tobias Barreto cidade na qual ele reside. Nessas reuniões fomos juntando textos e conseguindo aos poucos delinear o nosso recorte. O resultado foi o seguinte: seguindo o enfoque do dialogismo proposto pelo Método Paulo Freire, tentamos analisar a importância da utilização da música brega nas aulas de redação no primeiro ano do ensino médio de uma escola da rede estadual localizada no povoado Jenipapo, município de Lagarto.

Obviamente que o estudo por se encontrar em fase embrionária, deixou muitas questões para serem mais bem debatidas como a imposição estética dos docentes nas salas de aula e uma possível metodologia a ser aplicada nas salas de aula a partir do repertório da música brega. Porém, eu e meu querido Roosevelt estamos cientes de que o trabalho científico não corresponde a um resultado final e absoluto, mas sim, a um processo de constante e oscilante construção e delimitação de seu objeto. Estamos certos de que o nosso trabalho ainda precisa resolucionar muitas questões sobre a música brega nas salas de aula.

Portanto, para quem acha que o interesse do blog se limita apenas a provocar verborragias, estamos a partir desse momento, provando que isso não passa de mais outro olhar equivocado acerca do torto. Com esse evento, pudemos sair cientes do nosso papel ao propormos um novo olhar acerca da utilização da música brega nas salas de aula. Só tenho a dizer que o ENECULT foi muito produtivo e prazeroso, pois notamos claramente o interesse das pessoas que estavam assistindo a nossa mesa em acrescentar novos olhares.

E tem mais: se acham que “O Torto” vai parar por aí estão muito enganados. Estamos com projetos de dar prosseguimentos com nossa pesquisa em outros congressos, assim como em publicar um artigo mais amadurecido em revistas científicas. Estamos esperando ainda o resultado do EDUCON que será realizado na UFS, assim como estamos nos inscrevendo no Congresso Nacional de Educação e Diversidade que será realizado no Campus de Itabaiana. Além desse meu projeto com Roosevelt, também já andei conversando com o torto Josué Maia para começarmos a abordar temas acerca do divórcio nos setores médios da sociedade com o intuito de lançarmos mais trabalhos científicos, aproveitando e divulgando também “O Torto” para outros lugares.

Bom, o que eu queria mesmo era dizer o seguinte: o blog “O Torto”, apesar de ter recebido e de receber opiniões reprovativas de que é um movimento efêmero assim como a sociedade de consumo, tem se provado um movimento forte e concreto. Sai autor, entra autor e “O Torto” está aí se mantendo pelo tempo sabendo que por ser feito por humanos, ele se deixa renovar, amadurecer, como também entrar em crise, provocando como consequência, uma constante alteração na forma de olhar o mundo. Como eu e alguns autores já observamos, o blog “O Torto” tem a capacidade inclusive de se criticar e de se destruir a todo instante.

Gostaria de agradecer aos leitores e aos autores que através dos comentários interferem com novas opiniões e informações nos textos publicados no blog “O Torto”. Como podemos perceber, essas opiniões nos são de grande valia.

A morte do pai

Se Deus esta morto,
o Diabo seria a nossa salvacao.

A queda do pai partiu em pedacos
toda a constituicao elementar super egoica.

O nosso eu perdeu a referencia,
os deuses de ontem perderam o trono.

Se Deus esta morto,
pobre sera o diabo que prestar
as contas com a nossa salvacao.

Em nome do pai,
sem filho.

Em nome do filho,
sem espirito.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Macaquismo

Obstaculizando a aplicação do conceito a violência dos dias faz-nos crer que a filosofia, engordurada pela densa massa de hipotéticas e seráficas sugestões, não faz sentido, a não ser para quem extrai dela o pecúlio que lhe quita os gastos mensais, fundamentais à manutenção do bom funcionamento do corpo e da elegante posição de doutor frente ao alunado. Sobre o muro que se impõe aos sentimentos despertados essencialmente pelas proficuidades do espírito pouco falam os sábios filósofos. A substância do amor, por exemplo, é absorvida da contemplação estética, em que os personagens analisados evidentemente não cagam e não são impelidos a agir absurdamente, direcionados por um impulso imediato de cólera. A vida, para eles, transcorre tal qual um drama de Shakespeare, desembrulhando-se em forma de querelas tratadas num vernáculo que obedece a uma ordem polida e racional, não havendo nas pinturas ocres inspiradas pelas carências de suas almas uma espessura ínfima de sujeira, uma reminiscência de verdade que seja dita da mesma maneira quando nos sentimos repletos após ejacularmos, senão os matizes mornos de um literário fim de tarde, no qual um jovem pálido mira para uma moça entornada em vestes brancas e logo então a beija, caindo depois o sol, frente a eles, nas profundezas do mar calmo. Nunca lemos em tratado espiritual que seja como a alma se sente feliz quando uma grossa correnteza de cerveja gelada penetra as entranhas do corpo, fulminando uma célula atrás da outra, fazendo declinar a sanidade dos sentidos. Subverter a razão não é desculpa plausível para demonizarmo-la – a cerveja, como a indiferença para os estóicos, faz desse extravagante erro a que chamamos vida algo mais aturável. Tanto pior os imperativos filosóficos que condenaram um número sem fim de seres à menoridade do ascetismo, subsidiando-lhes de motivos consideráveis para morrerem apartados da sublimação carnal, ignotos, masturbando o cérebro com tomos e mais tomos recheados de idéias dúbias e geralmente desumanas. Os filósofos têm de observar que, embora racionais, ainda somos irmãos próximos dos macacos, fazemos demasiada macaquice e recendemos fortemente o rabujo próprio do animal selvagem.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Descontrole

A desconhecida aurora dos afetos
Ergue um palco de estranhas forças
E um barco que sempre retorna
Vai e vem na mansão do universo
Condenado a buscar sempre o belo
Assim, sem zelo...

E os amores não se sabem tontos
Mas se julgam prontos
Como carros-pipa
Pr’apagar o fogo
Com água finita...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

um, texto. logico

um texto. para ser pensado. precisa de uma boa pontuacao. paragrafos. ponto continuando. introducao, desenvolvimento e conclusao. para que? definir ideias? desenvolver bem uma argumentacao? para ajudar no desencadeamento logico da discussao? talvez.
A pontuacao se faz necessaria para abarcar uma grande quantidade de leitores. Sem uma norma de como se procede um texto, poucos sao eles que conseguirao decodificar um texto. Acredito que as normas podem ser convenientes, assim como os codigos de transitos. Sem eles, as avenidas e rodovias seriam um caos. Toda vez que eu ultrapassasse alguem, que nao me falta vontade para isso, uma garra seria jogada contra o meu para- brisa. Vemos que alguns textos jornalisticos assumem essa postura normativa para que a informacao seja precisa aos leitores refletirem numa direcao unilateral. Mas, ainda bem que essas regras nao se aplicam no geral. Um texto e um texto. E nao precisa de normas restritivas semelhante as regras de transito.
Um vez me indicaram " A viagem do elefante" para ler, tendo uma ressalva: o livro era muito chato por "nao ter pontuacao". Diria que o autor, Jose Saramago, chama atencao nao so para historia, como tambem para as normas de pontuacao que ele estabelece. Acredito que isso seria um modo de repensar sobre a leitura que nos estamos acostumados a fazer. Se a pontuacao nao e definida dentro das normas gramaticais, se faz necessario demandar um bom tempo ou entender sob outra otica o que estar escrito naquelas linhas.
Um texto depende de uma pontuacao para ter um sentido "definido". Ou melhor, uma pontucao dara um tom sobre o texto ou ate definira sobre, mesmo nao tendo pontuacao alguma. Essa tal pontuacao denomina, na maioria das vezes, um significado que difere quando ela e posta de maneira anarquica: os significados sao quebrados e novos sentidos sao abertos, assim como seus significantes. A partir disso, a leitura se faz mais enriquecidas, pois poderemos pensar em diversos, ou melhor, infinitos significados que podem ou nao serem combinados.
Falo de um texto escrito, mas ele pode ser de ordem visual ou ate publicitaria. Os encaixes feito pelas pontuacoes na ordem que estamos acostumados, naturalizamos e dizemos que essa tal ordem e logica. Logica, ao menos, no interesse que o discurso alcancou, tendo como "background", a ideologia em um ordenamento de palavras arbitrarias.
para ser um texto. creio eu, que. nao precisa de um inicio, meio e fim. ele nunca perdera um significado. porque um texto. mesmo feito em um linha. Carrega infinitos sons, significados e indeterminaveis significantes.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Milhões de Outros Mundos

Meu bem, você é muito linda
Se a desejam, e daí?
Se eu sou seu escolhido
E você é linda, meu amor
Que estúpido eu seria
Condenar quem compartilha
Deste meu valor?

Porque são vários olhos
Girando a cada tempo
Em milhões de outros mundos
Porque existem vidas
Querendo desvendar
Seus milhares de sentidos