quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

INQUIETUDE URBANA

Naquela rua me recordo das pessoas sentadas nas calçadas; Das bocas abertas, das línguas ocupadas, das vidas mal faladas. Naquela rua havia uma mulher; uma velha senhora de ar muito pouco para poder dizer. Sua asma a impedia, ou de noite ou de dia de fazer o que seus irmãos faziam sem o perceberem. Naquela rua abri uma porta para viver com homens. Quando me viram fecharam as suas e se pudessem, a rua. Andei pelo calçamento velho, batido por demais sofrido de suportar o peso de tanta gente. A rua, um dia cansou, protestou, gritou a infâmia humana. Aqui é rua de banana, de coentro, cavalo solto, peão e ninguém segura o vento. O vento que levanta a poeira; a poeira que fere os olhos, os olhos que perdem a visão. Um dia arranquei uma pedra da velha rua. Ela não me disse nada. A guardei em meu baú - uma velha e pesada peça de madeira. A pedra foi esquecida. Mudamo-nos. Fomos para outra rua melhor construída. As casas eram de lei, e as pessoas todas bem parecidas. Não havia gente nas calçadas, nem gritos desesperados nas madrugadas. As coisas eram muito bem arrumadas. Tão arrumadas que o tédio tomou conta de mim. Lembrei-me da pedra da rua velha de gente feia, e da mulher asmática. Joguei-a ao chão limpo e bem varrido e fechei a porta atrás de mim...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O Torto: MANDACARUS

O Torto: MANDACARUS: O mandacaru é uma cacatácea muito comum no sertão nordestino. Em Sergipe ele aparece em quase todo o estado. Nossa caatinga é hipoxerófita, ...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

MANDACARUS

O mandacaru é uma cacatácea muito comum no sertão nordestino. Em Sergipe ele aparece em quase todo o estado. Nossa caatinga é hipoxerófita, e isso faz com que as condições sejam favoráveis para o principado das cactáceas. Tanto nas regiões de aridez grande quanto nas de aridez mais branda, o mandacaru estará por lá. De vez em quando, um louco dessas terras ouve algum deles contar uma história... - O professor Rozental tá indo para onde? Perguntou Felipe, um vendedor de vísceras de porco. - Olá Felipe! Estou indo para o Povoado Jabiberi. Respondeu Rozental olhando para a telinha de seu celular. - O professor tem um trocado aí? Pediu um dinheirinho o jovem evadido da escola aos 14 anos, hoje com 21, vende carne na feira e divide o lucro com o sócio, o tal Pedrinho da Barragem. - Não Felipe. Não ando com dinheiro, o amigo sabe. - Vá com Deus professor! Rozental subiu no ônibus amarelo e preto com o nome “escolar” escrito nos lados e na frente. O ônibus estava repleto de alunos e professores que iam para os povoados Batata, Agrovila, e o Jabiberi. O mestre de crianças se sentou do lado esquerdo do carro, o lado que dá para a serra na viagem de ida. A serra do Canine logo surgiu na paisagem daquele sertão. Rozental lembrou-se da revolta dos urubus e pensou seriamente em mudar seu modo de trabalhar. “Acho que a natureza exige uma nova relação com o homem”. No mês de novembro as pedras do sertão gemem e lascam. O sol dialoga com elas e com toda a natureza desse bioma sertanejo. O mandacaru, herdeiro legítimo do trono da família nobre das cactáceas, não se curva perante o astro rei – ele é o verdadeiro coronel dessas terras secas. Rozental se deleitava com a visão de seus olhos. Embora cinzento e seco, o sertão tem pontos verdes espalhados pelo pasto aqui e ali. São os joás ou juazeiros. Eles foram aliados políticos das cactáceas por muito tempo. Mas, depois que Belchior Dias Moreira dominou essas terras, tudo foi repartido e divido por cercas de arame farpado. A ditadura do arame continua até hoje e o conselho dos velhos de cãs e de experiência é: “Cada um dentro de seu cercado”. - Rozental! Rozental! O professor não acorda e parece pálido! Falou um pouco alto o professor Cerqueira. O ônibus que estava se esvaziando defronte a escola do povoado Jabiberi se torna o centro dos olhares docentes e discentes naquela tarde. “O que houve com Rozental?” Alguns diziam uma coisa outros diziam outra e havia alguns que nada diziam apenas olhavam curiosos. Enquanto isso Rozental estava preso a sua visão: Um mandacaru de sete metros, muito robusto, de braços fortes, na verdade ele tinha uns seis braços e alguns toquinhos ainda desabrochando, decidiu caminhar pelos pastos, e conversar com seus familiares. Rozental, em sua vidência via tudo e caminhava pelos campos cercados e pastos do Jabiberi. Os animais não lhe viam e nem as pessoas. Somente os mandacarus percebiam a presença do docente. - Seu mandacaru! - Sim! - O senhor não me leve a mal, mas, o que está acontecendo? - Dizem que Virgulino ressuscitou. As almas que ele prendeu nos mandacarus agora pedem justiça. - Mas, assim, depois de tanto tempo? - Quem te disse que a natureza esquece as ações dos homens? No tempo certo cada um pisará no seu espinho e sentirá sua dor. O espinho do mandacaru pode até matar, depende do lugar que ele perfure no corpo, por isso, Rozental se preocupou, pois, suas crianças lhe eram muito queridas. - Onde está Virgulino? - Ele chegou a Riachão, e amanhã estará no povoado Jabiberi. Com a resposta do ilustre mandacaru, Rozental se entristeceu e desceu até uma baixada onde havia um pequeno riacho, ali, ele pondera sobre os fatos. “Esse sol quente; essa terra seca; deve ser tudo isso junto mais a idade. Acho que estou broco, será?” “Mandacaru falante, Lampião ressuscitado, meu Deus, o que não fazem as cãs!” “Afinal, por que tudo isso? Acho que preciso de médico urgente!” - Rozental! Rozental! - Quem é? - Olhe aqui! Sou eu! O pedagogo olhou em todas as direções e nada viu. Rozental olhou para o riacho na direção da raiz de uma jurema. De fato, uma raiz de jurema rasgou a terra e deu n’água. Nela estava sentada uma moça que segurava uma vara de joá na mão direita. - Ah, agora sim! Meu nome é Lizandra. Eh, como podes ver sou uma ondina. - Pelo nome do Cristo vivo, o que é isso “ondina”? - A natureza é regulada pelos espíritos encarnados nela as ondinas estão na água. Somos elementais hídricos. - Olhe moça, eu não tenho tempo para mitos. Sou um homem racional. Diga-me o que desejas. - Vossa razão é a causa de vossa dor. O alívio que dela advém não se compara a angústia que toda a terra sofre por causa de vossa lógica. A terra deve ter gelo, água, e fogo. A terra deve ter árvores e todos os bichos, pois tudo está em tudo, somos da mesma matéria, única, em todo o universo. As formas reclama justiça! - Perdoe-me moça minha ignorância, mas, estou perdido, nem sei se estou aqui. - Não há distancia entre a lógica e a imaginação; se o pensar é idealizar, isto é, por em forma de ideia as coisas da mente, então pensar é também sonhar. Quem sabe você acorde algum dia! - O que queres dizer então dona sereia? - Você deve comparecer a conferência dos mandacarus que ocorrerá perto da Lagoa Real, o último lugar pisado por Lampião nessas terras do Barão de Jeremoabo. - Por que devo ir? - Porque se sua pessoa não for, a coisa vai ficar pior porque a natureza está buscando o equilíbrio, e se ele não for feito, o povoado pagará a conta. “Devo estar com insolação; deve ser isso, logo vai passar”. Pensou o mestre do interior. A ondina se levantou da raiz e pegou uma cabaça para banhar-se nas águas. Quando água fria tocava em sua pele etérea, pequeninas gotas de água subiam à atmosfera e lá formaram um arco-íris muito bonito. Rozental meditou sobre o sentido daquele arco colorido. Lampião chagou com seus homens no alto do povoado Saquinho em Tobias Barreto. Olhou os campos por onde passara algumas vezes. O cangaceiro sentiu o cheiro do beiju que uma índia Kariri fazia quando ele chegava a esses sertões. - Umbuzeiro, vá ver a índia com os beijus! - Sim senhor coronel! O homem montou um jegue chamado carinhosamente de “Aritana”. Os dois desceram a ladeira até a aldeia que ficava no pé da serra do Canine. A índia os espera com os surrões de beiju. - Diga a seu Ferreira que num faça má não ao nosso povo! - Que é isso bugre feme! Virgulino é boa gente. Poucos caíram por essas bandas. Por que ele fará má a seu povo? - Nosso povo sabe da lenda dos mandacarus e parece que é agora ou nunca. - O que sua índia? Que estória é essa? - Pois, um mandacaru, agora, é o rei do sertão! Diga a lampião! - Essa mulher tá doida! Umbuzeiro e Aritana voltam para o acampamento. Lampião apeava os cavalos para descerem até o pé da serra do Canine, no mesmo lugar onde esteve em 1931 com sua amada Maria Bonita. - Chefe! Chefe! - Isso é jeito de falar Umbuzeiro! - Coroné, a índia tá dizendo que tem um mandacaru alegando ser o grande chefe do sertão! - E eu com isso! Mandacaru não sai do canto, só serve quando a gente precisa espetar alguém, é ou num é Pinga fogo? Seu Pinga fogo, um caboclo forte, balançou a cabeça. Sua mão direita segurava um punhal, e a esquerda uma laranja doce como o mel. - É seu Virgulino, se eles vierem tem, vai ser que nem em Serra Talhada. O bando comia beiju enquanto isso Rozental procura a reunião dos mandacarus na Lagoa Real “Mas, onde vai ser essa reunião na Lagoa Real?” Perguntou Rozental a si mesmo, pois, o lugar era muito grande e bonito. O homem caminhou pelos pastos e pelas águas da lagoa e nada de reunião. “Estou andando em círculos”. Pensou ele novamente. - Psiu! Psiu! Rozental! O homem vira-se para ver quem o chamava e a ninguém viu. - Ei, é aqui! Rozental olhou para uma pedra; era, na verdade, uma rocha metamórfica. Muito dura por sinal. - Você precisa seguir as cercas onde o arame tá quebrado, foi por lá que ele passou. Rozental agradeceu e quis sair da presença da pedra para seguir seu caminho. - Ei, moço! Tá vendo a serra? - Estou. - Pois Lampião chegou com seus jagunços e vão comer beiju no pé de serra onde ele ficava pelos idos de 1931. Cuidado que o homem é perigoso. Foi aqui mesmo, em cima de meus lombos que ele furou um peão de nome Nonato que trabalhava para um povo aí da cidade de Campos. - Mas, dona pedra, esse deve ser seu nome. Desculpe, não tenho o costume de falar com pedras, contudo, preciso entender o que ocorre. Afinal, estou morto, sonhando, ferido, demente, ou o que? - Meu caro professor espere um pouco, pois, preciso estalar. O sol aquece a pedra e com a queda da tarde, um vento frio desce a serra; é nessa hora que as pedras gemem. A pedra deu um estalo, e da rachadura escorreu sangue e água. - Você é uma pedra cristã? - ah, você pergunta por causa do sangue e da água, num é? - Isso! Como você fez isso? - Não fui eu, foi você. Quem diz de nós é a criatura inteligente, vossa fé fez o mundo. Mas, deixa isso para outro sertão. Sim, falávamos da reunião, siga as cercas quebradas que você encontrará a irmandade das cactáceas. Mas, seja rápido, o tempo se esgota! Rozental seguiu caminho, e a pedra ficou no mesmo lugar. Enquanto a ambulância não chegava de Tobias, a comunidade do Jabiberi fazia uma vigília de intercessão pelo velho professor de crianças. Ninguém sabia nada, tudo que se tinha era que seu coração batia. De súbito, Rozental deu um sorriso. Suely, ex – aluna do educador chorou de emoção e disse: “Rozental tá vendo os anjos!” Com isso a comoção do povo foi muito grande. Ruanês, um funcionário público, disse alguns versos em voz alta com a mão direita erguida na direção da Serra do Canine: “Foi de lá que veio Belchior Moreira; O homem tinha sede de prata como se ela fosse água. Atrás dele vieram os vagueiros, e o gado pisando o chão; Daí pra frente, a terra de Campos perdeu seu irmão; E o Kariri foi enterrado na lama do rio coberto com folhas de aroeira”. Rozental caminha seguindo a pista dada pela pedra. De fato, por onde passou o mandacaru, as cercas estavam quebradas. Atrás de seu rasto caminhava o ilustre tobiense Rozental Barreto. Numa baixada, próxima a um ribeiro que alimenta a Lagoa Real estavam todos os mandacarus reunidos. O som de suas falas assustou os carcarás e os urubus que estavam querendo se aquietar porque a tarde virava tardinha. Um camaleão bem verde e grande conversava calmamente com um teiú parente seu. - Por mim, que todos os homens morram! Estou cansado de ser caça. Disse o camaleão alternando suas cores conforme as impressões de seus nervos. - Ah, coisa é comigo! Estou farto de ser caçado nos cemitérios! Vai faltar defunto depois, mas, a gente se adapta, entendeu parente? - Sei meu caro! Por isso, nós que somos natureza pura precisamos nos unir. - Mas, há um problema. - Qual? - A falta de cobra é muito grande. Para construírem os pastos e suas cidades eles mataram as cobras quase todas. Restam algumas famílias aqui e ali. Isso significa que teremos escassez de alimentos por causa dos humanos. - Acredito que o mundo será melhor sem eles. O camaleão viu uma mutuca e foi caça-la, a moça parecia saudável e era uma iguaria muito valiosa para aqueles répteis. O teiú seguiu seu caminho, melhor dizendo, entrou em seu buraco e sumiu. Rozental avista a reunião dos mandacarus. Todo aquele pasto ficara verde, tão verde que não se via o verde do juazeiro. Alguém, na roça falou que eles foram convidados para a reunião, mas, não foram por causa do sentimento que eles têm pelos humanos e seus bichinhos. “Os humanos podem melhorar, tenham fé em Okaru!” Okaru era a deusa mãe que para os índios de lá representava a natureza e suas leis. A presença de Rozental foi sentida de imediato. Um mandacaru vidente viu, olhando num cactos pequenino, que viria até o mundo deles, dois grandes homens com estradas diferentes. Um vinha do presente, e o outro do passado. O primeiro havia chegado – Rozental – o professor do sertão e do sertanejo! - Sua presença desonra nossa espécie. É por causa de vocês que nós estamos desaparecendo e o equilíbrio magnético do sertão está abalado. - Meu caro mandacaru, vejo pelos seus espinhos grandes e afiados que sua pessoa é um homem feito, digo, desculpe, um mandacaru feito. Eu nada tenho a ver com isso, estou aqui somente de passagem, na verdade, me responda, eu estou aqui mesmo? - Vejam a prova cabal do que digo: “Eles não acreditam em seus próprios sonhos”. - Não! Eu acredito! Todos os mandacarus sorriram em coro escarnecendo de Rozental. O mandacaru rei continuou. - Vejam que eliminar o povoado e depois a cidade vai nos libertar das ideias dos humanos, de seu sistema político, e de suas loucuras; eu admito, detesto quando eles põem fogo no pasto, é um absurdo! Um mandacaru baixinho com voz afeminada pergunta ao grupo. - Olha, eu gostaria de saber se isso vai nos trazer alguma chuva porque apesar de ser uma cactácea, eu também tenho sede e não chove há muitos dias. Gente o calor está insuportável! - Isso é uma vergonha! Disse o mandacaru rei. Este tipo de cactácea envergonha nossa espécie! - Por que meu bem? Por que? - Todos temos direitos! Até que fim nós temos consciência, bem! Hoje eu sei o que é ser um mandacaru gay. O grupo inteiro deu risada. As fêmeas se juntaram ao moço sensível e o consolava. - Saiam suas danadas! Vocês estão me espetando! Mas muito obrigada pela gentileza! O mandacaru rei continuou sua fala com o docente Rozental. - Vocês humanos gostam de destruir para construir suas vidas. Será que vocês nunca viram que destruindo o meio onde está a vida a vida seria ameaçada? Nós mandacarus decidimos nos revoltar e vamos impor a ordem natural novamente. - Mas, com todo respeito a vossa excelência, sua magnânima pessoa deve entender que sois poucos atualmente, e vossos espinhos de nada servem contra as armas humanas. Não tens aliados, ou tens? - As garças tem, sim, um interesse forte em se unir a nós. Estou agora mesmo esperando a garça chefe para dialogarmos. Ela produz sons orais incompreensíveis, precisamos de alguém que domine a língua de sinais. O amigo sabe essa língua. - Sim, posso ajudar, mas, não tem como mudar esses planos de atacar os humanos? Penso mais em vocês de que em nós. Nossas armas são quase invencíveis. Concluiu Rozental. - Veja a sua presunção! Mal o mandacaru terminou a palavra, a garça chefe pousa na galha de um pé de aroeira vermelha. O dialogo entre o mandacaru e garça começa. - Precisamos de artilharia aérea. Você garças podem fazer isso? - Com certeza! Temos todo interesse de destruir os humanos. Nossa simbiose com o gado nos diz que os rebanhos se multiplicarão caso parem a matança. Se não tiver gente para comer o boi eles não mais serão mortos. Os carrapatos são nossa dieta favorita. Mais gado, mais carrapato, mais garças felizes! Concluiu ave sinistra. Rozental perguntou, na linguagem de sinais, se não seria melhor uma reunião com os humanos antes do ataque. A garça respondeu que foram muito humilhadas no passado, e que suas existências na terra se explicam pelo funcionalismo “garça come carrapato garça merece viver”, e isso era muito humilhante para um ser aéreo. O mandacaru, nervoso recebe uma visita inesperada. Era a cobra cascavel. Ela contou que soube da reunião enquanto se alimentava de insetos, próximo à barragem, e que logo veio para dizer que essa batalha é dos anfíbios também, “Em nome de todas as cobras mortas por mera diversão e lazer, nós nos rebelamos nesses sertões”. Os mandacarus deram risadas, um pouco apertadas devido aos espinhos que nasceram próximo à suas bocas. A estratégia então seria essa: Exército terrestre – a infantaria de mandacarus; equipe aérea – garças que usariam espinhos envenenados e os atirariam nos humanos. E a equipe rasteira e traiçoeira – as cobras, animais sofredores, caluniados desde o Éden. Rozental foi convidado pelo mandacaru secretário, um tipo de escrivão que registrava tudo, a ser chanceler da natureza e observador para que, em caso de violação das leis de Genebra, ele denunciasse ao Greenpeace. “Estamos em suas mãos Rozental”. Enquanto isso Lampião chega ao povoado Jabiberi. O coronel do sertão e seus homens ocupam a cidade e violentam algumas moças. Depois de violentadas, as meninas andaram como zumbis pela praça do povoado. Dona Quidinha que vendia geladinho, e que segundo Marcos, aluno da escola pública, era o melhor geladinho do mundo, disse para Lampião ouvir: “Todas as almas que você matou foram para os mandacarus e eles vão te pegar”. A mulher mal fechou a boca levou um tiro na cabeça. O povo do povoado estava desesperado. Roselito, irmão de um professor local teve um passamento quando viu o punhal de Corisco. Assim ele comentou: “Meu Deus enfiar um punhal daquele nos outros é muita crueldade!” A noite chegou no sertão, o outro dia seria decisivo para todos. A ambulância demorava a chegar e Rozental estava deitado no ônibus assistido pelas orações do povo do povoado. Ele não sabia que era tão querido naquele lugar. “Deus salve Rozental” Pediu dona Guilhermina que faz bordados. “Meu Deus ajude Rozental, não o deixe morrer!” Pediu com muita fé Dona Maria. Amanheceu com sol forte o sertão de Campos. A população local percebeu rápido que havia algo errado. A terra estava rasgada porque os mandacarus se arrastavam para poderem andar. Seus pés estavam enfincados no chão. As aves iniciaram o ataque aéreo contra o povoado. Os espinhos envenenados surtiram efeito e o povo foi caindo morto. Lampião soube do ocorrido e entrou em alerta. “Mas que diabo é isso?” Perguntou o cangaceiro. Ele tinha cinquenta valentes a sua disposição. “Homens, atirem em tudo que se mover, fiquem alertas, Aqui tem mandinga!” Alguns homens de Lampião morreram envenenados, outros mordidos por cobra, e outros pelos mandacarus. A morte causada por um mandacaru era terrível. Durante séculos eles desenvolveram o espinho encefálico. Quando um mandacaru se aproxima de você ele injeta no seu bulbo craniano ou pelos olhos um espinho de sete centímetros que causa morte dolorosa quase imediata. As pessoas não sabiam. Elas se aproximavam dos mandacarus e os espinhos eram lançados. Rozental soube da presença de Lampião no Jabiberi. Ele disse que parece que o tempo se cruza. O passado se cruza com o presente, é somente os homens acreditarem em seus sonhos. A morte de cangaceiros e de civis sensibilizou o Jabiberi. Esta foi uma das poucas vezes que o cangaceiro Lampião perdeu uma peleja. Contudo, Lampião não deixaria o povoado abandonado. “Em nome do padim do Juazeiro eu vou lutar inté a morte, mas, vamos salvar o Jabiberi!”. De vilão a herói, passou o coronel Virgulino Ferreira. As baixas foram se tornando grande dos dois lados. Os humanos perceberam quem eram seus inimigos, e mesmo sem nada entender partiram para o ataque sistematizado. Uma nuvem gigante de garças cobre o povoado e logo em seguida uma chuva de espinhos envenenados cai sobre a população. Os tiros eram disparados em todas as direções, garças e homens tombavam ao chão a todo instante. Dona Luzia que era Protestante disse que aquilo era a volta de Cristo. Sebastião que era testemunha de Jeová disse que era Deus limpando o mundo para transformá-lo em paraíso novamente. As opiniões eram várias, e as mortes eram muitas. Rozental se angustiou e pediu aos mandacarus que parassem o ataque para um diálogo. Ele aceitou em nome da reputação que sua espécie tem no sertão que, aliás, deveria ser mais respeitada. Lampião reuniu o povoado no mercado atrás da igreja, o cangaceiro aceitou negociar com os mandacarus. O chanceler Rozental intermediaria o encontro das duas forças militares. - Rapaz, que covardia da peste macho, atacar o povo de cima, com espinhos envenenados com veneno de cobra? Coisa feia, macho espinhento! - Em primeiro lugar, peço a Rozental que diga a esse cavalheiro que esses não são modos de falar com uma autoridade. Sua pessoa, Lampião, é um assassino cruel e vem me falar de mortes? Isso é ridículo! - As pessoas dizem o que querem de mim, Uns me dão bondade outros maldade. - Mas, existem os fatos e contra eles não tem argumentos. Você é um assassino cruel com arroubos de bondade. É um quadro psicótico típico. - Olhe seu ruma de pontas, nós vamos acabar com a raça de vocês! Virgulino puxou o punhal e partiu para cima do mandacaru rei, mas, sem sucesso, uma moita de cobras coral apareceu entre os dois. As últimas palavras de Virgulino foram: “Vou levar o professor, ou vocês param, ou amanhã a cabeça dele estará pendurada no cruzeiro na entrada do povoado!” Os jagunços levaram Rozental e o prenderam em seu acampamento. Os mandacarus se reuniram com as cobras e as garças. Viram que o professor era um homem bom e não merecia perder a cabeça. Mas, a situação não podia continuar. Uma jiboia entra na conversa e diz. “Vamos sequestrar o docente esta noite, e depois a gente continua o ataque”. O povo do Jabiberi dizia: “Bem feito, quem mandou andar com coisa ruim, ah, uma escopeta!” Naquela mesma noite, as cobras foram libertar Rozental. O professor estava dormindo quando uma jaracuçu verdinha o acorda dizendo: “Vamos se vista!” Rozental pôs as calças e foi com as cobras. Infelizmente, não se sabe o que houve; sabe-se apenas que um grupo grande de cururus interceptaram as cobras e as comeram; o coaxo anfíbio acordou o acampamento. “Olhem, Rozental está fugindo!”. No outro dia, às dez da manhã, Rozental é executado, sua cabeça pendurada na trave vertical do cruzeiro, na entrada do povoado. Todo o povoado se entristece. O povo chorava a morte do ilustre pedagogo. Os mandacarus, muito emotivos mandaram condolências à família da vítima, mas, não tiveram resposta. Todos foram para suas casas, inclusive o cangaceiro Lampião. - Rozental! Rozental! Gritou o paramédico do SAMU. O homem não dava resposta. - Temos que leva-lo a Aracaju! A ambulância saiu do Jabiberi rumo a capital; nela Rozental continuava sua vidência: Em respeito à morte de Rozental, os mandacarus pararam os ataques; Lampião decidiu subir para Olindina, pois, queria ele acertar umas contas por lá. Logo, logo as pessoas se esqueceram da guerra com os mandacarus e de Lampião. O finado Rozental teve missa de sete e vinte um dias, depois só mais uma, a de ano. Foi nessa quadra que um grupo de alunos da escola pública do Jabiberi se deparou com uma coisa muito estranha. Uma pedra gemia muito. - Uma pedra gemendo? Olhem deixem de absurdo! Parem com isso! Disse o professor Vicente. - Mas, é verdade professor! - Vocês são crianças e estão imaginando coisas. A conversa foi encerrada. Todo mundo sabe que criança é muito leal ao que ver e elas viram a pedra gemendo. No dia seguinte tornaram lá. A pedra que atendeu a Rozental tornara a gemer. A população foi às pressas ver o mistério. - Olha a pedra tem lágrimas! - Veja Ruanês aqui em cima parece uma barriga de mulher grávida. - Rapaz, é mesmo! Quanto mais se falava, mais chegava gente. Uma multidão, agora, cercava pedra metamórfica. - Veja, a pedra está abrindo as pernas! - Tá doida mulher, a pedra não tem pernas! - Rapaz, olha aí! Está se formando. Eu vejo certinho! - Rapaz, é mesmo, e tem barriga também! O povo do Jabiberi entrou em prece pela pedra. A ladainha ia longe. Susana Alves, líder do Grupo de Oração Coração de Jesus, iniciou uma novena in locus pela pedra. Ninguém mais falava outra coisa – “a Pedra parturiente”. Foi numa terça-feira, ao meio dia, com o sol ardente e implacável, que a pedra rachou formando uma vagina. A dor foi grande, escorria água e sangue de suas entranhas. As mulheres experientes disseram: “Rasgou a bolsa, agora é questão de tempo”. Outras disseram: “E se for uma cesariana? Como vão levar a pedra?” Estas e outras questões povoavam a mente do povo quando o céu se torna subitamente cinzento; uma garoa fina começa a cair. Alguns foram procurar abrigo em suas casas, outros continuaram ao lado da pedra. Os gemidos da rocha metamórfica eram agudos e sentidos. As pessoas sabiam que ela estava sofrendo. A chuva ficou mais forte; choveu sem cessar por cinco minutos; os tanque ficaram cheios, os rios, ribeiros e riachos transbordaram, e pasmem! Os mandacarus floresceram, sim, todos os mandacarus floresceram. Quando a chuva parou, o professor Rozental estava todo molhado ao lado da pedra que aos poucos virava areia. Desde então, ninguém mais se lembrou de Lampião nem dos mandacarus rebeldes. O Sertão voltou a ter paz. Todas as estradas levam a algum lugar. A de Rozental o levou ao hospital em Aracaju. - Rapaz que paciente estranho é esse? - Doutor Nonato! Nunca vi em toda a minha vida, uma cabeça humana costurada de volta ao corpo. Alguém costurou a cabeça desse cara e usou algum tipo de instrumento desconhecido pela ciência. Sim, veja aqui! Levaram o pedaço de tecido de pele de Rozental. No microscópio, viram que a fibra que estava no tecido de pele do pescoço do professor, era fibra de espinho de alguma cactácea. Esse sertão tem coisas. Não tem? Tem muita coisa nesse sertão de Deus, mas, também tem gente, tem muita gente...

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

EDUCAÇÃO E MUDANÇA SOCIAL Comentários e apontamentos de citações

Freire, Paulo. Educação e mudança. (p.14). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 Nessa primeira parte dos estudos freireanos optamos por comentar algumas citações da introdução do livro ‘Educação e Mudança’ por entender que Freire abre seu trabalho destacando pontos que considero crucial para o entendimento de seu dialogismo. Ele inicia nos alertando que a pedagogia necessita do olhar antropológico, da compreensão das relações de poder entre os homens, do entendimento de nosso inacabamento como a raiz da educação, de nossa historicidade, da necessidade de ser mais em detrimento do ter mais, e da busca pelo conhecimento em interação com os outros. Freire diz que não somos objetos da educação e sim sujeitos dessa. O objetivo dessa série de estudos é coletar os postulados freireanos que, segundo meu ponto de vista, servem de fundamento para afirmarmos que o pensamento pedagógico de Freire é dialogista. “Não é possível fazer educação sem refletir sobre o próprio homem”. (Freire, 1979, p.14) Para Freire pensar a educação sem pensar o homem é um grande erro, portanto, a teoria educacional exclusivamente apoiada em bases teóricas econômicas, no pensar de Freire, não nos dá uma ideia nítida do que realmente seja esse fenômeno. Porém, não podemos achar que estudar o homem sem considerar os modos de produção e distribuição de riquezas nos dará uma ideia mais lúcida dele. O homem deve ser dissecado, e suas vísceras, uma por uma, estudadas para que possamos apreender, com máxima clareza, esse fenômeno humano chamado educação. Para tanto, o estudo das leis de diretrizes educacionais pode muito contribuir para uma apreensão mais larga da mentalidade brasileira sobre educação, pois, isto significa um olhar para o passado, para a nossa história. O olhar para a história do homem, é o olhar para sua dialética, é dialogar com suas contradições. O olhar antropológico em Freire, de acordo com nosso estudo, é um olhar para o homem enquanto história. Na realidade brasileira, temos o olhar brasileiro de educação, o que felizmente pode ser visto pelas as sucessivas LDBs. Tomemos como ponto de partida à primeira LDB de nosso país: “Conhecida como Lei 4.024/61, a nossa primeira LDBEN garantiu igualdade de tratamento por parte do Poder Público para os estabelecimentos oficiais e os particulares, o que garantia que as verbas públicas poderiam, inexoravelmente, ser carreadas para a rede particular de ensino em todos os graus. A Lei, que ficou treze anos no Congresso, e que inicialmente destinava-se a um país pouco urbanizado, acabou sendo aprovada para um Brasil industrializado e com necessidades educacionais que o Parlamento não soube perceber. A visão de Florestan Fernandes a respeito da LDBEN contrastou com a dos contendores mais citados da época, em especial, pelo lado liberal, Anísio Teixeira, e pelo lado dos setores conservadores, o deputado Carlos Lacerda, bastante conhecido pela sua preleção contrária a todo e qualquer projeto de esquerda, fosse este sob o cunho populista ou sob qualquer outra rubrica. Carlos Lacerda, diante do resultado, disse: “foi alei a que pudemos chegar”. Anísio Teixeira, no Diário de Pernambuco, disse: ‘meia vitória, mas vitória’”. (Ghiraldelli, 2001, p. 90). Paulo Ghiraldelli destaca o seguinte: - foi uma LDB fora do prazo sem qualquer conexão com a nova realidade nacional; - foi uma LDB que nasceu dos interesses representados pelo confronto entre Florestan Fernandes1(lado idealista), Anísio Teixeira (lado liberal), Carlos Lacerda (lado conservador), e o lado não presente na citação, mas, no contexto da mesma, os interesses da Igreja Romana; - Foi uma meia vitória. ‘foi o que podemos chegar’. Disse Anísio Teixeira. Não podemos deixar de ver que a educação em qualquer país não está separada dos interesses de classe como dizia Marx, Althusser e outros. Por treze anos nossos políticos discutiram uma lei que ao ser sancionada não mais representava as necessidades de nossa sociedade. Ao longo de nossa história nos deparamos com fenômenos semelhantes. Portanto, devo acreditar nas palavras de Freire no que se refere, em um primeiro momento, ao aspecto ontológico do homem brasileiro – O homem ser histórico, transcendente, em permanente mudança; num segundo momento, este homem histórico deixa em sua história as marcas de sua personalidade, e de seus interesses políticos. Nossa primeira LDB é uma comprovação dessa tese. Mas, isso nos leva a duas perguntas chave: “Quais foram os interesses que levaram a construção da lei 4.024/61?” “Qual a razão que levou a sua descontextualização histórica?” O presente trabalho não visa responder a estas perguntas. “(...), algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo de educação. [...] Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem”. (Freire,1979, p.14) Para Freire o sujeito possui a capacidade de perceber a si mesmo e ao mundo. Em ‘Educação e Mudança’ ele não nos diz como o homo sapiens chegou a esse nível de evolução, nem ele expõe uma teoria geral sobre a construção do sujeito. Ele apenas cita que somos sujeitos, e que esse sujeito que somos é histórico, por isso inacabado. No entanto, em ‘A Importância do ato de ler’ Freire faz alusão às experiências na fase infantil como base para o surgimento do ‘homem leitor de mundo’, o que para Freire não significa dizer que esse homem principia o processo como leitor de textos escritos; isso me leva a crer que Freire ver o desenvolvimento ontológico como uma relação entre o animal e o meio, e nessa interação surge, então, o sujeito histórico; o elo perdido, a interfase entre o ser animal e o ser humano não é explicado em Freire. A educação, só existe em nossa espécie, porque esta construiu o sujeito, e uma vez no mundo, o sujeito consegue dizer o que ele é, e o que é o mundo. Para a teoria neo-marxista de Althusser, o sujeito é um construto ideológico. Sobre o homo sapiens incidem os conceitos de mundo, de real, de valores, de certo e errado, o peso da cultura, etc. Dessa forma o neo – marxismo entende que são os modos de produção, a forma de organização política e social, e as instituições que disso derivam que constituem o que a psicologia e a sociologia chamam de ‘sujeito’. Ao não definir de forma clara o que é sujeito, a teoria de Freire sofre uma redução muito grande. No entanto, o mérito de dizer que o sujeito é histórico, portanto, educável e dialógico permanece. “(...), o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. (...). O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação”. (Freire, 1979, p.14) O argumento freireano do ‘sujeito em construção’ que confronta de forma cabal o maniqueísmo puritano e o criacionismo calvinista é uma força propulsora para uma abordagem dialógica em educação. O sujeito em construção é o sujeito do diálogo, da experiência, da tentativa – o que faz da realidade uma escola natural da vida. O ‘ser mais’ para Freire diz respeito às descobertas que o sujeito pode fazer de si para melhorar sua realidade; a forma como lida com ela, ou, em outras palavras, a possibilidade de transformação histórica como uma fenomenologia do homo sapiens – nada permanece como é, até as pedras descascam – o homo sapiens é um animal ‘ser – em – construção’. Sendo assim, o diálogo é possível e necessário, pois, o dogma, a verdade inquestionável não pode ter existência material num mundo em experiência. Essa é a força maior que move a ciência e a filosofia. Os postulados filosóficos de Freire sobre educação na introdução de sua obra são os seguintes: A educação é: a. uma resposta da finitude da infinitude; b. (a educação) é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado; c. (isso implica) uma busca realizada por um sujeito que é o homem; d. o homem deve ser sujeito de sua própria educação; e. não pode ser objeto dela; f. ninguém educa ninguém. A educação não cessa, mesmo fora do contexto formal de educação, o sujeito continua na via do aprender e do apreender. O sujeito é um ser epistêmico, gnosiológico. E isto é externado no mundo objetivo pela nossa erotização (não aplico aqui o conceito freudiano de erotização relacionado às neuroses), mas, apenas digo que o homem sente prazer em conhecer, em descobrir; isso o realiza, o dá prazer. O conhecer para Freire é compartilhado, é adquirido e realizado em conjunto com outras consciências. Conhecer para Freire é estar em interação, em diálogo. No processo de aprender e apreender, o homem é sujeito. Se a ordem for invertida, para Freire, não há educação, ou pelo menos, será uma educação opressiva, pois, o homem objeto da educação é o homem alienado por ela. O ‘ter mais’ que forma um par com o ‘ser mais’ diz respeito à ganância dos homens de locupletarem bens materiais em detrimento do oprimido, do pobre. Uma sociedade utópica, solidária está o imaginário freireano. Freire não separa a educação dos processos sócio – econômicos das sociedades e neles as contradições do capitalismo. Para Freire, mais vale uma busca permanente de si mesmo; uma busca que não seja solitária, pois esta poderia traduzir-se em ‘ter mais’. O ‘ter mais’, um ethos capitalista, segundo Freire, coisifica as pessoas; é, portanto, o ‘ter mais’, a causa da miséria no mundo. O coisificar pessoas atua em duas polaridades distintas no pensamento de Freire: O coisificador (dominador) é coisificado, pois, sua consciência passa a achar normal e legitimo o ato de explorar o outro pela via ideológica e material – o coisificador é o dominador que perdeu sua liberdade de andar no mundo por causa de sua ganância de sempre ter mais; essa é a origem das desigualdades sociais e suas mazelas. E o coisificado, acéfalo, alienado – o que está no curral do sertão, o boi para a matança. Uma nação erguida sobre esses pilares não vai muito longe! Pois, os sujeitos que constituem o tecido social enfermam o mesmo; essa doença, como um câncer necrosa todo o corpo. Por isso, a busca pelo conhecimento em Freire deve ser em comunhão para a comunhão entre os homens, onde o coisificador e a coisa se educam para serem livres; dessa forma, homens críticos e cidadãos do mundo. “Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais’ em comunhão com outras consciências, caso contrário, se faria de umas consciências objetos de outras, seria coisificar as consciências”. (Freire, 1979, p.14) Meu caro Souza, eu sou um humilde pedagogo sem muitas pretensões, com toda humildade percebi em nossos estudos sobre o dialogismo que ainda tem muito chão pela frente. Todavia, no final desse pequeno apontamento, separei alguns indicativos do dialogismo em Freire, o que comprova minha tese que esse pedagogo brasileiro compartilhava de ideias muito a frente de sua época. Na presente geração o dialogismo é uma necessidade epistemológica: - o ser histórico dialético é condição precípua para a existência de diálogo no mundo; - a natureza da educação como discurso interpessoal, como processo entre pessoas ou sujeitos; - a necessidade de se não coisificar as pessoas – uma semente monológica está na reificação; - O compromisso ético com o mundo nos exige o diálogo; - a natureza da episteme é dialógica. O conhecimento não pode ter uma única via. Referencias: FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª Edição. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1979. Jr, Paulo Ghiraldelli. Introdução à Educação Escolar Brasileira: História, Política e Filosofia da Educação. Versão prévia, 2001. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23a ed. São Paulo, 1989. [1] Seu comprometimento intelectual com o desenvolvimento da ciência no Brasil, entendido como requisito básico para a inserção do país na civilização moderna, científica e tecnológica, situa sua atuação na Campanha de Defesa da Escola Pública, em prol do ensino público, laico e gratuito enquanto direito fundamental do cidadão do mundo moderno. http://pt.wikipedia.org/wiki/Florestan_Fernandes

domingo, 2 de dezembro de 2012

O declínio da arte?

A arte está em crise? Na verdade, sou da opinião de que a arte, por ser um dos infindáveis fenômenos que implicam formas de expressões da sociedade, anda passando por um momento de perda de apreciação. As pessoas andam em plena correria em seus cotidianos e têm perdido o hábito de entrar em devaneio com a arte. O elemento artístico parece que ficou reservado a um aspecto utilitário. Não me utilizo da arte para transcender. Eu me utilizo da arte para preencher um tempo de descanso.

Basta observarmos no cotidiano social para vermos que as pessoas quando se utilizam da música, por exemplo, têm tido um hábito muito freqüente de ligar o som no mais alto dos decibéis e buscado consumir de forma excessiva ritmos e canções preocupadas apenas com o movimento. Se pensarmos isso nas artes plásticas, uma tela, antes de ser permeada por significações aos olhos do sujeito, serve ou apenas para um enfeite ou para uma autoafirmação de poder, isto é para mostrar que tem um “bom” gosto.

Vivemos em um tempo tão marcado pela correria, pela busca de resultados, que viramos seres praticamente robóticos. Produzimos, mas não refletimos. Esse excessivo ritmo de produção faz com que a gente se mantenha em um estado frenético sonhando com muitas coisas e seguros pelo alicerce do vazio. Com isso passamos temer o silêncio e a brincadeira de nos aventurarmos pelo nosso espírito. Diante de um mundo marcado pelos cronômetros, as contradições devem ser expurgadas de nós.

O hábito de se deitar em uma rede ou de se aconchegar em qualquer outro lugar para sentir a melodia, os acordes, os arranjos, as letras de uma canção, por exemplo, são negados por uma sociedade calada pelo excesso de barulho e pelas intensas ansiedades devoradoras do amanhã e negadoras do presente. Sentir é uma palavra assustadora para uma humanidade que apenas tem cumprido de forma robótica os seus projetos em seu dia a dia. Sentir é pensar e pensar é se confrontar com os nossos emaranhados.

A arte é justamente esse se aventurar no emaranhado de fraquezas que compõem os seres humanos. A arte implora para que seu apreciador encontre seus próprios sentidos a partir do instante em que ele vasculha, se perde e se descobre em seus próprios labirintos. Dialogar com a arte significa se adentrar nos vulcões aparentemente adormecidos de nossa alma, significa transitar em novas experiências, se abster do óbvio e deixar fluir nossas dores e nossas incertezas.

Aceitar a arte significa se deparar com o exercício do diálogo, mas como se dialogar em uma sociedade que não nos dá o tempo suficiente para o diálogo com os outros e com nós mesmos? Estamos inseridos em um contexto marcado pelo excesso de informações, porém, estamos pouco dados ao convívio com o outro. Estamos recheados de conhecimento, mas solitários. Ninguém mais tem tempo para dialogar com o outro e muito menos em se confrontar com suas próprias fraquezas.

Se é para se ouvir uma música, que se ouça de forma alta, afinal, não precisamos conversar, uma vez que conversar é perigoso, pois cai em questões da existência. Em uma sociedade onde o relógio comanda cada passo, existência é uma coisa que não se reconhece, e se reconhece, dói pra caramba. Se é para se ter uma tela em nossa casa, que seja para combinar com a cor do sofá. Se é para se ouvir música em casa, que seja enquanto fazemos outra coisa, pois não queremos sentir a força do que nos maltrata.

Agora eu repito a pergunta que fiz no início do texto: a arte está em crise? Enquanto apreciação, sim. Entretanto devemos sempre lembrar que a arte expressa a sociedade de seu tempo e a sociedade atual, apesar dos grandes avanços tecnológicos, também tem se mostrado em crise com relação ao exercício da apreciação. A arte não tem sido utilizada de forma a estimular a sensibilização e o diálogo, assim como a família tem passado pela mesma situação, a política, etc.

Como recuperar o exercício com a apreciação? Essa é uma pergunta que deve ser repetida e pensada. No entanto eu também me questiono se o parâmetro que eu estou fazendo da apreciação pode se encontrar atualizado com o contexto. Será que não existe apreciação da arte ou essa apreciação mudou sua forma? Será que a sensibilidade com a expressividade do objeto artístico morreu ou a sociedade anda reinventando uma nova forma de convívio e de sentimentos? Perguntas e perguntas...