domingo, 31 de janeiro de 2010

Isto não é apenas um livro

"Em si mesma, toda idéia é neutra ou deveria sê-lo; mas o homem a anima, projeta nela suas chamas e suas demências"
Um dos fenômenos da pós-modernidade é a observação das pessoas a respeito dos objetos culturais que compõem a sociedade. Reduzidas ao fato de pensar que tudo é adequado somente a pequenos grupos compostos por pessoas que possuem interesses afins – elas se encontram a partir do momento que se distinguem umas das outras –, procuram, dessa forma, suspender a sobrecarga de signos que possa haver numa determinada criação, motivadas pela vontade de que, a partir de cada individualidade, tudo seja tangente a compreensão geral, esquecendo-se, entretanto, de que não podemos relevar o poder modificatório – em termos de pensamento – e de criação sígnica que possuem as obras artísticas.

Para que fique mais claro o que está sendo dito, evitaremos a prolixidade nesse pequeno excerto, por isso, por assim dizer, faltarão, nessa nota, termos polidos que alongam o que pode ser dito de imediato e sem muita complicação.

Suponhamos uma obra literária, por exemplo, como um objeto travestido numa tecnologia criada pela ciência – um carro. Quando pensamos nesse carro, nós que somos da academia, diretamente somos levados a falar não só sobre a complexidade que se dá no processo de criação desse carro, mas também pensamos como um artífice tecnológico pode criar, no social, modificações estruturais positivamente visíveis. Ou seja, sabemos que há todo um trabalho de engenharia imbuído dentro dessa máquina de quatro rodas, na qual várias pessoas atribuídas de funções diversas laboraram muito para que essa tecnologia pudesse sair do grafite em papel de quem a projetou para se tornar algo concreto. Mas, por outro lado, não obstando ao fato de se haver a complexidade descrita, pressupomos acertadamente que um carro intervém de diversas formas no que fora até então as nossas vidas, pois ele, além de complexo em quesitos estéticos, recrudesce a sua complexidade ao criar problemáticas quando já em uso. Um carro define parâmetros, estabelece convenções disciplinares e transparece, nas pessoas que tem um, aquilo a que chamamos de poder. Para que seja vendido, como todo objeto, precisa oferecer vantagens, demonstrar ‘comodibilidade’ aos consumidores e estar, é claro, um passo a frente do modelo que o precedera e dos carros lançados por outras marcas. Quando mal projetado, o seu uso, além dos riscos comuns do transito, oferece aos pedestres, principalmente, mais perigos que, com a desatenção devido à confiança que depositamos nessas tecnologias, estão para além dos riscos convencionais oferecido por ele, o carro. Ao observarmos as pessoas falarem sobre o carro hoje, se bem atentos, podemos especular que se deve a essa abordagem muitos dos problemas que persignam a ordem pública, como o desligamento crítico dos agentes, a despeito das melhorias do próprio transporte público, pois se busca a redenção por tantos algozes dentro dos ônibus, nas várias viagens que ao longo das nossas vidas fazemos, se comprando um carro e, logo, deixando de lado o transporte coletivo.

Pois bem, tendo observado todos os encalços que um simples carro pode criar, elucubremos sobre a correlação que há entre um carro e um livro. Tratemos, aqui, a arte pelo termo livro – que não deixa de ser uma obra artística. Quando compramos um livro, e o lemos, algo de novo é acrescido ao nosso pensamento, alguns pontos negros que turvavam a nossa forma de conceber um determinado assunto se tornam claros, e, assim, quando trabalhamos a nossa faculdade reflexiva e acumulamos certo número de leituras, estas se somam e podem criar um quociente cognoscível de relevo ante o conhecimento que obtínhamos antes do hábito de ler. Os pontos negros são esclarecidos não da forma que muitos estejam pensando, onde tudo o que era obscuro, com a leitura, deixa de ser fosco e, de súbito claro, se passa a viver sem os arremedos da dúvida sobre as questões que, antes de lermos, nos embaraçavam. Não, muito pelo contrário, é um esclarecimento que tende a nos sobrecarregar, com diversas outras questões criadas em cima das que já possuíamos, o espírito; em outras palavras, pequenas dúvidas são apagadas para que, sobre elas, sejam postas, com freqüência ascendente, interrogações ainda maiores e mais difíceis de serem elucidadas. É indubitável que por mais raquítica em recursos estilísticos que seja uma obra, por exigir a elaboração de várias sintaxes que se interliguem com coerência dentro de um parágrafo ou estrofe, ela exigiu do seu criador um trabalho considerável. Alguém se propôs a descrever algo, projetando, com a geometria das suas percepções, um tratado sobre um fato, um acontecimento que lhe foi digno de interjeições e, por isso, acha-se que merece chegar ao conhecimento alheio, para que se possa então com isso, sob a vista de mais cúmplices, pôr em atividade um objeto que não dispensa contemplação e depreende alguma idéia.

Assim como o carro, o livro irá necessitar de um meio pelo qual possa se tornar conhecido ao público. Chamará atenção não pelo seu designer – se bem que a arte da capa acaba contando muito –, mas pela descrição dos temas que nele são abordados. Os temas constituem a engenharia interna do carro, são as suas peças que devem garantir a segurança tanto dos pedestres como de quem dirige; quando estes temas vêm a calhar e a maestria da obra esbarra na descrição desta, temos um carro ruim andando pelas ruas, pondo em risco a vida de várias pessoas que dele, quer direta ou indiretamente, dependem. Como o carro, também o livro cria problemáticas sociais, o seu mau uso protela a gênese de uma crítica deteriorada, intimando a aparente coerência de nossas instituições estabelecidas ao júri cáustico do conhecimento que se faz por irresponsabilidade. Ao pensarmos as coisas, podemos achar pontos que, malgrado a visão de moral de muitos, independem de qualquer tour introspectivo para se conceber e são, em efeito, concernentes à ética dos povos mais variados. Caso me perguntem por um exemplo disso, respondo conscienciosamente que um deles se trata da agressão sem motivos. Ou seja, não se concebe em nenhum lugar que se dê um murro em alguém por dar. Isso é furtivo e, em quem não participa do ato, cria-se o sentimento da indiferença. Portanto, é coerente que pensemos que há alguns pontos éticos em comum. Por mais que se diga que a nossa acepção sobre tudo se pauta em preceitos unicamente cristãos, convém dizer que, infelizmente, vivemos sobre a estrutura de um chão moral já cimentado, onde se há regras e pessoas que vivem por elas e, por isso, não podem ser tidas como descartáveis, embora não devam ser tomadas por impassíveis às nossas críticas.

O livro não é um objeto destituído de conteúdo, assim como a música ou qualquer tipo de arte nele estão contidos maquinismos que, em detrimento com fatores que nos estabelecem, podem gerar ou uma pandemia ou algo totalmente frutífero na sociedade. A tecnologia tem como principal objetivo tornar fácil a convivência do ser no seu meio, tirando-o cada vez mais da posição vulnerável na qual, por natureza, se encontra, e suborna-o às vicissitudes dos apanágios do mundo hiper-modernizado. Vive- se sempre em expectativa e se morre com elas. Nada mais que isso. O livro tem como principal função o mapeamento da realidade na qual estamos inseridos, cabendo a ele ou escandalizá-la ou, contrapondo, prodigalizá-la. No entanto, por ser criação de um humano defectível, pode incorrer no erro, jogando o piche verbal sobre a veracidade dos fatos, ou reduzi-los a tal ponto, com a pouca proficiência lírico-literária, e em arranjo com alguma mídia que a enleve, cabendo a nossa repreensão, que as suas palavras acabam sendo tidas como dignas de apreciação.

Portanto, para finalizarmos, se é válido dizer que tudo podemos mas nem tudo nos convirá, pois há coisas que são melhores quando deixadas dentro da gaveta, e o que criamos não se repercute no asseio de nossas interpretações individuais somente, mas se dispõe a uma universalidade de pessoas com intenções e níveis de conhecimento muito distintos. O livro pode ser tão proveitoso quanto um carro, mas a sua existência não pode ser tida com menos importância, afinal, se pararmos para pensar, muitas loucuras já foram cometidas na humanidade por homens de leitura vasta, que teorizaram com sangue o resultado de suas reflexões sobre tudo o que aprenderam – até mesmo fora dos livros.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A matéria etérea (por Roosevelt Leite)

A matéria Etérea.
Entortando a physis.
Durante muitos séculos a humanidade e particularmente, a comunidade científica, pensou ser o átomo uma partícula maciça. A física atual atesta a existência de partículas subatômicas. Pedaços de matéria tão pequenos que são imperceptíveis à nossa instrumentalidade e sentidos. Eles são regidos por leis físicas com postulados diferentes dos newtonianos. As partículas subatômicas têm massa quase inexpressível, contudo, podem provocar fenômenos físicos especiais como a reação nuclear, como de uma bomba atômica. Afinal, por que as partes invisíveis e imperceptíveis da matéria são importantes? E que leis são essas? Muitas dessas leis já estavam escritas nos livros sagrados dos vedas, ou dos egípcios. A bíblia comporta dezenas de citações sobre os fenômenos sutis da matéria. O átomo foi desmistificado passando o homem a ter um entendimento mais holístico da matéria. Isso se deve ao fato de que a matéria tendo diferentes quantidades de massa poderia haver uma partícula com massa mínima. Essa matéria é considerada pelo mundo dos magos como o éter. A física de Newton considerava o espaço, o éter (vazio). O estudo da matéria subatômica possibilitou a descoberta de atividades sutis da matéria cujas manifestações são imperceptíveis aos nossos sentidos. O fundamento da magia é a existência da matéria etérea, ou matéria sutil. A parapsicologia chama essa matéria de fluído ou plasma, pois sabemos que não há vazio como Newton acreditava, mas entre todos os corpos, seja planetário ou minúsculo como o átomo, existem ainda quantidades de matéria e energia. O entendimento que a matéria mínima quase não possui massa e que mesmo assim ela tem leis físicas bem claras e obedece à sua força, nos trouxe a consciência de uma realidade invisível que envolve conceitos de massa e energia. Mas vejam! Massa e energia numa realidade mínima da matéria. Posto o que até aqui foi dito, passemos para outra evidência das manifestações sutis no mundo físico. Os estudos em neurologia e neurociências relacionam a atividade psíquica com a máquina orgânica. O pensamento mobiliza uma quantidade de energia, logo uma quantidade de matéria, uma vez que, não pode haver energia sem matéria. Então o nosso pensamento é uma estrutura psico-orgânica, psico porque representa uma atividade consciente ou inconsciente do indivíduo, e orgânica porque funciona montada numa máquina orgânica, portanto, matéria. Podemos, então, dizer que o pensamento é de natureza psico-material. Do mesmo modo podemos dizer que o pensamento é matéria. Mas como pode ser? Como um ente simbólico pode operar sobre a matéria irracional, bruta como uma molécula? Mas é isso que a ciência diz! O estudo das atividades psíquicas abre um dialogo com a teurgia, a teologia, e as ciências esotéricas. A matéria sutil opera sobre a matéria densa. Essa é a resposta às perguntas feitas atrás. A matéria sutil possui o componente inteligente que por ser matéria está sujeito as suas leis. Esse componente inteligente possuidor de memória magnética é também portador de funções mentais superiores como atenção, raciocínio lógico matemático, e outros, e isso se deve ao fato de ser matéria, logo sujeito as leis da evolução. Nosso organismo desenvolveu órgãos que podem atuar em conjunto com esses componentes simbólicos. As partículas subatômicas que constituem a matéria sutil se manifestam por ondas eletromagnéticas. Isso é fato em física. Assim podemos dizer que o pensamento enquanto matéria pode se propagar em forma de ondas. Como se diz em teurgia, tudo vibra na natureza. Se vibrar, pode ser manipulado, este é o ponto. O espírito humano ou a inteligência individualizada é, portanto, matéria, por esta causa possui uma interfase com o corpo. O espírito humano conecta-se ao corpo físico por meio de uma estrutura composta por matéria sutil e por meio dela aciona a máquina neurológica para comandar o corpo. Pela lei da perda de energia nas ligações atômicas, o espírito humano perde grande parte de sua memória integral (o registro de tudo que viveu fora de um corpo humano ou enquanto habitava outros corpos) sobrando dela, apenas, reminiscências. Esta última teoria, bem colocada pela ciência espírita, abre uma porta de diálogo com a psicanálise (a existência de atividades psíquicas inconscientes). Fato é que os estudos de Freud negaram a possibilidade da existência do espírito, mas o trabalho de Jung deixou uma porta aberta para o espiritismo. Jung vai nos dizer que existe atividade inconscientes que não são explicadas pela ciência, isso sinaliza a possibilidade de fenômenos psíquicos fora do domínio da psicanálise convencional. Alguns exemplos podem clarear nossa mente. Os diversos casos de premonição, de sincronicidade, de telecinésia, e outros. Jung foi um estudioso de algumas dessas manifestações especiais ou extraordinárias da matéria. Existem nesse presente ensaio algumas palavras que são chaves para o entendimento desses fenômenos: matéria sutil, pensamento, inteligência individualizada, interfase, aparelho orgânico. O espiritismo chama de interfase o perispírito, uma unidade eletromagnética que envolve o espírito e se liga ao corpo por meio de um órgão no meio do cérebro, a glândula pineal, esta possui determinados cristais que uma vez vibrados conseguem ativar este software natural na máquina orgânica. Além da glândula pineal, esta teoria apresenta determinados plexos no corpo humano que são responsáveis pela entrada e saída de energia etérea, são sete os mais importantes. Bem, fico por aqui por enquanto até que alguém se interesse e venha fazer perguntas pertinentes ao tema.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Acerca da campanha “Ler também é um exercício” da Rede Globo

Por volta de 2003 ou 2004, perdoem-me a imprecisão da data, a Rede Globo desenvolveu uma campanha de incentivo à leitura, chamada “Ler também é um exercício”.

Antes que me crucifiquem os que enxergam “Além do Cidadão Kane”, não pretendo, com a discussão que tentarei suscitar adiante, inocentar a rede de televisão de todo o sensacionalismo declarado, dos conluios criminosos e outros atributos tão familiares a várias multinacionais mundo afora. É importante, entretanto, contribuir com um debate que, inevitavelmente, será mais explorado ainda neste blog em outros aspectos também culturais; até que ponto nós nos queremos colonizados também?

Antes de começar a redigir este texto procurei vastamente na internet posições variadas, sobretudo de blogs independentes, em relação à campanha. Houve muito reconhecimento pleno, e, claro, o reconhecimento com poréns, aqui houve, inclusive, leviandade das famosas patrulhas das conspirações. Argumentos do tipo “Essa frase não ajuda muito para incentivar a leitura, pois ela passa a idéia que a leitura é algo difícil e desgastante, que deve ser feita, mas não é agradavel” são prova de leviandade, dado que a leitura tem grande característica de exercício físico, uma vez que reserva o aspecto progressivo do costume do ato e traz possibilidades cientificamente comprovadas de uma dignidade no envelhecimento cerebral. Fora que, no contexto em que era disseminada a iniciativa, a frase é totalmente aceitável.

Minha observação, pois, é bem menos cruel em relação à alusão que o título da campanha faz. Lembro-me de ver, como parte da campanha, no famoso "show do intervalo", a Globo exibir cenas em que jogadores de futebol liam trechos de livros e falavam sobre a importância da leitura. Parafraseando Lobão, podemos afirmar que no "país da fofoca" jogador de futebol pode ser formador de opinião (independentemente dos aspectos bons ou ruins desta assertiva). Portanto, até que ponto não deveríamos ver, neste e naquele momento, nossos jovens sonhadores fornindo o conteúdo dos ônibus, das favelas, das coberturas luxuosas e etc de livros abertos?

Não subjugo o poder do colonizador, mas me sinto obrigado a questionar até que ponto o colonizado contribui com a sua colonização, reconhecendo, lógico, que apesar de não ter muito de inédito o meu questionamento, o problema mora em ele ter que reaparecer.

Até que ponto a Rede Globo, em que pese todo seu poder maléfico, sugerindo uma grande vacina ao seu poder zumbificador não estaria investindo uma atitude de confiança numa certa necessidade de ser dominado em seus telespectadores? Um teste? Alea jacta est...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Amar o destino

"O amor está aí para quem quiser amar"
Com grandiosa desatenção nos incubimos de pensar uma sociedade, sempre apegados a pretensão sonhada de que tudo pode ser melhor e de que devemos reclamar por isso. Tão sonhadas chegam a ser as nossas vidas que pressupomos haver, por detrás das instituições, a finalidade que pleiteamos confortavelmente para o nosso bem estar, tendo tudo que se há no mundo de circunscrever, por obrigação, a rota dos nossos imponentes egos, sendo que essa finalidade nada mais é que o estarrecimento do nosso tato de realidade, como se devêssemos sempre ser amparados por algo que nunca nos amparará e, assim, com as nossas faculdades acadêmicas, que promovem em nós a risível cara emburrada e séria da crítica, dissonantes àquilo que nós mesmos fomos educados a ser – pois educação não é só escola e se pesa mais a sedimentação das bases nas quais estamos erigidos, em outras palavras, a família –, damos cabo de levar a um grau sempre mais elevado as necessidades que não temos, facultando mais importância a se viver a metalinguagem de tudo que pensamos ser do que se estar na vida somente por estar.

Depõe-se sobre o outro as expectativas daquilo que desejamos para nós, assim como fazem os nossos pais quando nos jogam por cima das costas uma infinidade de responsabilidades que não existem, como também se refletem nas burocracias impostas para que se perpetuem as amizades tão sinceras, e se frustra e se vive integralmente por isso, pela necessidade boba de se dizer, quando em idade próxima a da morte, que se deveu à labuta constante e ao esforço sem fim tudo que fora construído apenas em virtude de uma velhice menos caduca, onde, desamparados pela nulidade da nossa idade avançada e enferma, se tem uma enfermeira respeitosa para nos levar um penico à cama e nos passar sobre as gofadas que deixamos escorrer pelos lábios um pano limpo, tal qual um bebê pequeno e levado, bondosa e mercantilmente resguardado pelo amor efêmero dos seus pais.

Chega a ser jocoso estar na vida, pois as probabilidades de sermos o que se calcula, estando fora das nossas cogitações as fadas e os sonhos, são muito grandes, quando passamos evidentemente a olhá-las, às nossas vidas, não com a importância que sempre remetemos à elas, mas quando as olhamos como algo mesquinho e que procrastina, malogrando a lucidez, a bestialidade. Um passo a mais é como se deixar parado e não pensar que esse passo é só um passo a mais; nada resiste a brutalidade do tempo senão ele mesmo, que, da pequena janela onde se tem a visão de toda a cela da existência, assiste com risada escarnada ao definhamento dos nossos corpos na asfixia dos pensamentos longos e da labuta séria.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sobre o torto empenado

Antes que venham a fazer uma interpretação apressada do meu texto, julgando-o como uma tentativa de impor um padrão para o que seja torto, pela bilionésima vez eu digo que minha concepção do torto, obviamente está diretamente relacionada à forma como eu considero o torto. Sei que os membros do Movimento, assim como os leitores, farão suas próprias leituras sobre o torto empenado, aceitando ou negando minha concepção.

Existem indivíduos que eu chamo de tortos empenados por separarem determinadas realidades de forma opositiva como bem ou mal, fé ou razão, etc. Digo tortos porque buscam desnaturalizar as verdades legitimadas, mas chamo empenados por “desnaturalizarem” essas verdades, naturalizando por outro lado, novas “Verdades” e novos dogmas, negando enxergar a realidade como um fluxo, criando assim, novas classificações no lugar de outras.

Para o torto, o fato de se contradizer, não é entendido como algo condenável, pois ele não encara como absurdo o fato de vivenciar a realidade de algo que ele condena, assim como de negar vivenciar a realidade de algo que ele aprova. Para o torto, não necessariamente o que é determinado como certo ou errado, é de fato, certo ou errado. O torto tenta avaliar os prós e contras de todos os lados, transitando entre eles.

No torto empenado, a contradição é segregadora e estática, por ela não conceber a relativização, nem o dinamismo das coisas. A contradição do empenado, por não buscar questionar os pontos de vista que não condizem com suas expectativas, nega-se a transitar entre a diversidade de opiniões. A contradição do empenado não é uma contradição viva que se move por se afirmar e se negar; é uma contradição que se anula nela própria.

O torto tem consciência de que, a sua verdade, mesmo sendo justificável para ele, não passa de uma busca de encontrar um sentido para a realidade, por saber que ele não passa de um ser incompleto de si mesmo, incompleto assim como qualquer outro. Para o torto, todos os pontos de vista, mesmo com toda argumentação que tenham, não conseguem encontrar a verdade plena, uma vez que os pontos de vista são humanos, e, portanto, falhos.

Já o torto empenado, assume uma postura partidarista, aceitando um lado e excluindo o outro, sendo incapaz de perceber que a sua verdade é tão refutável quanto à do outro. O empenado tende a se fechar em seu egoísmo ideológico de tal forma que não percebe que, assim como o outro, a sua verdade é requestionada a todo instante. Diferente do torto, o empenado tende a acreditar que seu discurso traz a única verdade capaz de responder pelos problemas encontrados na realidade.

O torto vai se entortando em um constante movimento, tentando transitar entre todos os lados, admitindo que ele é tão faltoso de si mesmo, como o outro também o é, reconhecendo, portanto, que todos os lados possuem suas qualidades, assim como seus defeitos. Já o torto empenado, por se empenar, entorta e fica parado, assumindo posturas partidaristas, legitimando apenas um único ponto de vista como “Verdadeiro”.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Notação sobre o purgatório

"A sanidade mental é para os fracos; é preciso humilhar o intelecto!" Barão Vermelho

Perdoa-me, Senhor, sei que tenho me portado com desdita e despeito diante da sua grande generosidade. É tão imenso o seu amor por nós, seres humanos, que o reflexo da sua mais elaborada criação, os seres vivos, incandesce aos nossos olhos e somos incapazes de olhar-nos uns aos outros. Dissera-nos para amarmo-nos entre nós como nos amara, tendo sacrificado o seu próprio filho em virtude do nosso bem, mas não temos feito nada disso, infelizmente. Muito pelo contrário, transformamos o paraíso, que é a Terra, que nos fora concebido pela vossa grandiloqüente graça num descambado onde adventamos as nossas mais lúgubres distopias, as nossas frustrações individuais que vão de encontro ao bem universal da humanidade e, veja no que deu: confabulamos, agora, em filosofia e arte, com palavras difíceis e símbolos extravagantes, contra o excelso poder que ostentas, e reduzimos a vida a quase nada. É lastimável que tenhamos chegado a isso, facultando pouca importância às catástrofes que se reincidem em cada parte do globo, alimentado com a poeira das vicissitudes o grande desvão das nossas almas. Agora pluralizo a minha voz e peço perdão, também, em nome de todos os meus irmãos que padecem pelo crime que, desde pequeno, tenho cometido. Não posso citá-lo, pois não vem ao caso e ele não tem nome, é conseqüência de nossa atividade laboral e do nosso instinto lúdico. O que seria de nós se não nos fosse deferida a faculdade do sorriso? Carrancudos seríamos, muito mais do que somos podendo sorrir, e justificável seria o fazer de reprimendas à obra complexa que, com a sua matemática celestial, compusera. No entanto, prodigalizaste Bach, essa pequena maquete do que é o senhor, com a dádiva da música e lhe incutira o poder de criação do Contraponto. Ora, Senhor, não bastásseis deixar tal artífice para a música que, ora se enleva e ora se amorna, trazendo à luz do nosso pequeno conhecimento a sublimação por notas musicais e fugas? Não. Fizera da nossa realidade uma sinfonia contrapontista, quando mais fácil seria facultá-la da qualidade de um noturno breve e poético, onde o ritmo discorre leve e em tom delicadamente consensual. Dera aos nossos olhos muito mais do que as nossas cabeças factuais agüentam, fazendo deles espelhos onde se refletem críticas e os impossibilitara de meramente enxergar sem ver. Devo-lhe agradecer, Senhor. Muito bem nos dotara o espírito com o a priori da negação e tudo que dizemos e pensamos são reações motivadas pela instabilidade de vivermos sem que possamos deixar de entrar em detrimento com o espaço aonde nos localizamos. Facultara-nos também o poder da razão e, por isso, vivemos embebidos na decadência do que é a arte, o que nos faz seres miméticos e viciados na contextualização para que possa vir sempre à tona todo o corpo da prova. Acreditaríamos, por acaso, que são feios o poder e a guerra se destituídos fôssemos da inteligência para criar uma arma e da ganância para aviltarmos as relações de troca? Haveria um homem instituído do poder da pintura se contentes fôssemos nós em apenas enxergarmos a natureza? Dir-se-á da literatura apenas um objeto de gozo próprio onde se é reescrita apenas por diversão a realidade? Acredito que, se conformidade houvesse, existindo em tal mundo uma possibilidade de arte, esta seria desenvolvida somente dentro de nós mesmos. Fora preciso que se demarcasse paredes para pontuarmos, cartesianamente, o que descoberto fora na atividade cotidiana, e demos a isso o nome de pinturas rupestres. Victor Hugo precisou ser humanista para que observássemos que, dentro da degladiação da vida, há os injustiçados que, quando livres da galé na qual fora remetido, transforma-se num homem muito mais preso do que quando estivera por trás das grades. Goya tivera de enlouquecer por querer mostrar, através de sua pintura sombria, quão inspirador e impressionista é o nosso mundo. Schubert compusera o amor em tempos onde os homens se matavam por ele. E todos nós, que de alguma forma somos artistas, vamos encorpando a espiritualidade das nossas personagens e damos cabo, assim, desse grande teatro sem cor que é a vida. Perdoai-nos, Senhor, mas o pecado é todo seu.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A samsara, a transmigração...

Para amenizar o ambiente tenso das ideias que têm entortado meu inquieto psique, esta semana deixarei-lhes uma letra de música que compus com meu irmão (Lucas Maia) e que questiona uma recorrência giratória nos fenômenos.

"Gira mundo, porque gira, mente
Girassol concomitantemente
Segue o astro que, inteligente,
Toma a lua por correspondente

Gira a samsara, transmigração
Gira o compasso da exatidão
A recorrência já nos é eterna
E as crianças já brincam de guerra
No warground da sua criação

Eu bem queria fazer um travesseiro dos teus braços
Seguir para sempre os teus passos
Mas minha fé se quebrou
E não adianta esconder seus esqueletos no armário
Sou o amor solitário
Restos que a ira deixou

Acredito que foi por acaso
Outros, já, que foi premeditado
Este crime de se pôr no mundo
O animal do seu próprio fracasso

E, se em mim, constrói-se um fingidor
Vou forjando minha própria agonia
Aquieta-se, então, um amor
Vou fingindo minha própria harmonia
Dou-me ao luxo de agir sem pudor

Eu bem queria fazer um travesseiro dos teus braços
Seguir para sempre os teus passos
Mas minha fé se quebrou
E não adianta esconder seus esqueletos no armário
Não me atordoa o rafeiro...
Morremorreu todo ardor...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Elogio ao banditismo

Há pessoas que, diante das grandes sensações, ficam perdidas, pois, acostumadas que são a se deleitarem com o comensurável, não vêem motivos naquilo que por elas é tido como baixo, simplesmente por tal fator negligenciar os seus desejos premeditáveis e fúteis, pondo abaixo todas as expectativas que foram criadas, numa certeza concreta de realização, por elas. Durante séculos e mais séculos a vida tem nos ensinado coisas que, por medo e zelo pelo orgulho próprio, deixamos escapar, como se o importante fosse somente o que não escusa as nossas considerações concretas, que é consignado para que vejamos apenas prazer na frugal idéia de felicidade, para que morramos com um sorriso que não é tão verdadeiro quanto pensamos ser. Caso pudéssemos retroceder a uma era remota, enxugar todo o tempo que até aqui se somara, e tivéssemos a mesma experiência e o conhecimento com os quais hoje construímos, desenvolvida e perfeitamente, cada hectare de mundo, pondo as nossas máquinas pontuais nas ruas e dependendo cada vez mais delas, nos permitindo somente a vivenciar uma realidade superficial e pouco pensada, atribuindo valor integral ao que merece somente a nossa saliva, ainda assim com todas estas possibilidades, faríamos da Terra o que ela é hoje? Falo aqui sobre essência, são estas palavras uma divagação sobre aquilo que move o espírito humano, é-me impossível, por mais lúcido que eu seja, não fomentar tais idéias sem que, entrevadas nos meus olhos, não caiam as lágrimas. As pessoas são indiferentes àquilo que também lhes confere, passam pela vida como se os sentimentos que por elas são tidos como descartáveis e debandados não fizessem parte de mim, ou de qualquer um que me leia, por causa delas também, que, na cegueira de um sonho abominável, numa monomania irracional digna dos jegues, numa fábula ornada de pérolas e mocinhos e possível, apenas, nas narrativas dos Irmãos Grimm, fazem dos dias um tempo cada vez mais intragável. E você, por ser são e conseguir ver a tudo, por sentir no corpo as síncopes de uma sociedade em convulsão e agonia plena, deve freqüentar as missas e cultos por causa delas, deve ser cordial, ameno e hipócrita por causa delas, deve resguardar valores que fogem do seu querer por causa delas, deve ser complacente e bestial por causa delas, deve amornar o seu ódio e as suas dores, não exibir as suas lágrimas e a sua loucura por causa delas. Mas, creia, isso é ser são: viver reprimido e escondendo a resignação íntima. Mil homens que fossem mortos na minha frente não me arrancariam um pingo de dó; a lucidez não me permite tais futilidades... Penso que a sanidade deve ser paga com a dor alheia, com o sangue do corpo alheio, que tanto me tem feito sofre e pegar no sono, diariamente, as quatro ou cinco horas da madrugada. Fossem-me concedidos poderes extra-humanos, por qual motivo gastaria o meu tempo pondo em arranjo a vida, na acepção literal desta palavra, se a mesma parece primar não pelo fluxo, mas pelo vir-de-encontro-sempre? Poucos conhecem o que é se tumultuar por dentro, como se houvessem filas, com vozes loquazes e pessoas gesticulando longa e bruscamente na parte interna de si, e por isso, com a desrazão com que costumam nos esboçar suas idéias e visões sobre o mundo, nos vêm falar sobre lutas e bem, coisas bucólicas que, desacordados da realidade concreta e dolorível da vida, onde não se sabe de nada e se vive por nada, só são possíveis nos sonhos. As fatalidades são postas de lado e se deve alimentar a espiritualidade de olhos fechados ao pai que estupra a filha, ao miserável que morre de fome, ao velho lambuzado de graxa que sente dores fortes no corredor do hospital; e tudo isso em nome de Deus, o nosso onitudo mestre, pois se deve respeitá-lo e se deve prostrar de joelhos, durante toda a existência, agradecendo-lhe a tudo que temos – essas tantas coisas dignas de nossa mais profunda atenção. E por que não se matar? Ora, bestas, há lugar mais confortável aos tristes, que se deleitam com a resignação, que este maldito mundo? Se me fosse garantido isso após a morte, tenha certeza, não perderia tempo: métodos não me faltam. Mas que garantia tenho eu? Nenhuma. Tudo é uma distração.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Entre a classificação e a relatividade

Duas vias de pensamento tendem a persistir em nosso dia a dia. Uma dessas vias está relacionada aos indivíduos adeptos à postura classificatória, e a outra via se refere aos indivíduos voltados a uma postura relativa. O torto nega essas duas tendências e ao mesmo tempo aceita as duas.

Poderia o leitor se perguntar: por que o torto nega essas duas tendências?

Na tendência classificatória, geralmente os indivíduos têm uma necessidade de agrupar determinados pontos de vista considerados como válidos ou inválidos, como se essa classificação fosse aceita por todas as pessoas. Para o torto, essa é uma posição difícil de admitir, visto que para ele, não somos capazes de determinar o que é melhor e o que é pior. Para ele, é impossível hierarquizar a subjetividade de cada um, uma vez que, o que é reprovável para um, é aceitável para outro.

No que se refere à perspectiva que tende a encarar a relatividade das coisas, o torto também tece suas críticas, visto que nela, geralmente os pontos de vista parecem se interagir de forma tão anti-classificatória, que eles tendem a assumir uma postura sempre harmônica em sua relação com os outros pontos de vista. Porém, para o torto, os indivíduos possuem escolhas, e por isso mesmo, muitas vezes esses indivíduos não se encontram dispostos a compartilhar com outros valores.

O leitor agora poderia se perguntar: por que o torto aceita essas duas tendências?

Em relação à via classificatória, o torto aceita sua postura, uma vez que ele acredita que os valores que temos como bons e ruins são inevitáveis, e que por isso mesmo, o ato classificatório inevitavelmente pertence a todos. No que se refere à via relativista, o torto também admite o seu discurso por acreditar que a subjetividade é inerente a qualquer indivíduo. Não é por acaso que o torto admira e se degusta da pluralidade provocada por essas subjetividades, buscando conviver da melhor forma possível com a diferença.

Como se nota, o torto aceita a relativização, mas por outro lado, por se ver como produto do meio, ele encara essa relativização como ingênua ou cínica, visto que para ele, mesmo admitindo ser importante aprender a relativizar e a conviver com a diferença gerada pela diversidade de opiniões, inevitavelmente temos nossas escolhas e, portanto, nossas classificações. É devido a isso que o torto aceita a perspectiva classificatória, mas ao mesmo tempo ele também critica a prepotência classificatória, visto que essa perspectiva tenta impor uma única classificação, como se essa classificação fosse aceita e desejada por todos.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Aurora das nevralgias

"um coachar de sapos que nutrem
amor pelo segredo é o que te desperta,
e junto com a manhã metálica e quente do sábado
alvorecem matinais todas as suas nevralgias."

Eu simplesmente não creio no homem. Haveria de crer se a este faltasse o excesso de utopia que empoleira os poros do pensamento, e acaso fôssemos condenados a um estado de consciência ilimitada, o que pressuporia que estaríamos desvencilhadas das retificações históricas e começaríamos a fazer dessas mesmas retificações um prenúncio do nosso próprio fim. Não venho aqui exortar-vos à geometria de um cálculo social mal fundamentado, venho sim pedir-vos, como forma de me auto-preservar, para que não creiais nestes números, pois é estúpido e mesquinho que condicionemos as nossas vidas ao rigor científico dos engenheiros que, de sociedade, nada entendem e, estupidificados com a complexidade da criação científica, desenvolvem as suas bestiais e despóticas máquinas a fim de que possamos progredir mesmo padecendo, em espírito, por ficarmos presos integralmente a tais objetos, representando para nós o nascimento de uma dúbia estrutura orgânica que falseia, em efeito, o que nos é deveras mister e substancial. É antes um panfleto que tem como fim a convergência do pensamento verbalista na crença do absurdo. Uma reiteração que objetiva por não costurar com idéias religiosas, de um mau gosto humanista tremendo, os pontos abertos da história das sociedades, é também uma chamada de atenção para que comecemos a enxergar o trágico. Resumem-se a nada as nossas contribuições diárias para que vá a frente o mundo, já que este, enquadrado que está sob uma forma de catre que parece não oferecer uma rota de fuga, tem demando sobre as nossas vidas a tragicomédia de um desespero e mau gosto imensurável, onde se vive pelo dinheiro e se morre pelo objeto. Tiveste crido por muito tempo numa política messiânica que endossou todas as suas expectativas na água-furtada do querer projetar-se-a-si-mesmo, inoculando com a barbárie da indiferença institucional as quimeras que ostentaste para si e para os teus, dando votos a quem deseja por angariar na história, galgando a passos rápidos um lugar confortável no dorso da ordem pública. Querem-te néscio e desprovido da consciência traumatizada, desenvolvendo linhas teóricas que chafurdam o espírito em transe na terapia psicológica, revolvendo das nossas obrigações o aprender-a-lidar-consigo-mesmo e, com isso, incutem-lhe no pensamento idéias clérigas de uma possível redenção e, enfim, vos libertam mercadologicamente do trágico que sempre andará contigo. És nada quando posto ao lado dos preceitos institucionais que subsidiam o ordenamento público, mero grão de areia ante as necessidades egoísticas dos homens que por vós dizem lutar. Não crer em nada e estar em alerta diante das tocais apocalípticas da vida, confabulando contra toda e qualquer coisa que te ofereça eminentes riscos à percepção sana. Julgar-te-ão de doido talvez, estarás à margem dos círculos por isso, chegarás a pensar que de nada vale este auto-proscrever-se dos lugares comuns, deter-se-á, quem sabe, diante dos primeiros gestos lascivos da vida e, como uma meretriz que precisa do orgasmo, entregar-te-á ao primeiro insolente por mero fetiche. Mas, creia, vale estar doido para todo mundo e são para si mesmo, pois é a ti que te conheces e a verdade se vivencia, apenas, dentro do âmbito do seu próprio eu; quando perpassas para o outro e tenta, com ortodoxia, evangelizá-lo com as tuas considerações, como faço agora, estarás a cutucar com vara curta uma fera de dentes afiados. Antes que acabe este excerto que vos ilumina o pensamento, deixo claro que o mesmo não tem como fim o convencimento à força de quem me é alheio, mas é uma simples proposta poética de falar sobre o inferno particular que, como todos, carrego. Psicanalista de mim, terapeuta das minhas próprias enfermidades, navegador dos meus mares íntimos: isto são capítulos da minha dramaturgia; é a comédia da qual sinto vergonha e rio.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Lagoa do Soares


Lagoa do Soares
Ventava muito naquele dia na Lagoa do Soares. Todos decidiram ficar em casa e jogar conversa fora. Jogaram baralho, sinuca, e depois tomaram café juntos. Foi uma noite tipicamente familiar, com direito até a uma oração de cáritas. Já tarde, um dos convidados daquele maravilhoso final de semana se afastou um pouco de casa para admirar a vastidão do cosmo, e brincar com as estrelas. Enquanto o moço se distraía com as Três Marias, um sapo gordo, de cara amarrada, e semblante de quem está zangado coloca-se ao lado do rapaz. Este não o nota portando-se de forma indiferente a sua presença de sapo. O anfíbio divide a cena com o mamífero falante comendo os mosquitos que desapercebidamente voavam pelo local. O admirador de estrelas fora seduzido por uma estrela cadente e sem intenção alguma pisa o pobre sapo. Este dá um pulo curto e vira-se para o moço de cabelo preto cortado no estilo militar e rosto comum, como qualquer um. Inesperadamente o sapo dirige a palavra para ele:
“Olha onde pisa rapaz, cuidado!”
“Nunca vi um sapo falar”. Disse o simpático sergipano.
“Você precisa olhar para baixo, cá tem gente também”.
“E sapo é gente, seu anfíbio?”
“Depende de seu olhar, não?”
“Bem, qual seria o olhar que te faria gente?”
“Sei lá, sou apenas um sapo irracional, você é que é gente mesmo”.
“Então, ao chamar-se gente usou uma alegoria?”
“Não, falei o que sempre escuto”.
“Espera aí, você entende o que gente fala?”
“Sim, positivo, com certeza, tão certo como o sol castiga minha pele”.
“Eu estava admirando as estrelas e não te vi”.
“Sei”. Falou o sapo baixinho, quase sem ser ouvido.
“Como?”
“Não importa, é coisa de sapo”.
“O que é coisa de sapo?”
“Não tenho pescoço, então, é muito difícil olhar na direção do céu”.
“Não fale assim que vou chorar”. Brincou o rapaz.
“A natureza é sábia, você não resiste às invasões micro-bilógicas que enfrento”.
“Seu sapo. É assim que posso chamá-lo?”
“Pois não”. Respondeu o sapo com certa estranheza.
“É verdade que vocês são requisitados para rituais de magia negra?”
“É moço, alguns irmãos sapos optam por isso por causa da desigualdade social no mundo dos sapos.”
O rapaz ficou um instante calado, como que pensasse consigo mesmo, e olhou com muita timidez para baixo e perguntou ao sapo:
“Será que você conhece alguém, aqui na Lagoa do Soares, que pode me quebrar um galho?”
O sapo ficou indignado e saiu pulando como sapo até certa distância ouvindo os gritos de espere do rapaz. O sapo parou, virou como sapo, e disse:
“Não posso te ajudar. Sou um sapo protestante.”
“Rapaz; é só uma informação!”
“Lamento, não dá”.
O sapo foi-se pelo mato, e o jovem sergipano, de estatura fina, pele bonita, com um futuro promissor voltou para casa atordoado. Em casa, em sua cama, ouvindo o ronco de todos, ele adormeceu. Todos acordaram cedo no outro dia. Arrumaram as coisas e retornaram de carro para a cidade. Ainda no caminho, perto de um cemitério velho, ele avistou um ebó, e nele estava um sapo com um charuto na boca ainda vivo. O pobre estava um pouco engasgado, mas respirava. O rapaz gritou: “Pare o carro, um sapo!” Seus amigos riram sem parar não parando o carro. O rapaz constrangido calou-se e fez uma oração pela alma do sapo. Foi um final de semana muito estranho na Lagoa do Soares. Não sei, mas acho que a alma do sapo ainda anda por aí comendo mosquito e fumando um charuto de macumba...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Reforçando o Torto

O movimento torto é formado por quatro pessoas (por enquanto) que não invalidam nada além do desrespeito ao espaço alheio.

Vimos (vamos ser redundantes para ver se fixa por osmose) miseráveis, guerrilheiros, militantes, comunistas, cristos e cia ltda chegarem ao poder e o mundo continuar a mesma porcaria sem democracia de fato. Isto impossibilita definitivamente uma mudança no mundo? Não. Aliás, como bem reforço em meu manifesto que pode ser lido nos textos de dezembro, que as nossas palavras podem virar lixo daqui a um segundo, e que a sociedade pode muito bem se reaparelhar neste espaço de tempo. O que queremos afirmar é que, em posse do exemplo supracitado (poderia dar milhares fora da esfera política) não acreditamos mais em uma posição plena perante esta "realidade" humana que por si só, morando sob tutela de um significante, já mostra uma cara de convenção quase sem querer.

Nossa posição muito provavelmente incomode a muitos. É difícil aceitar esta navalhada tratada a álcool que tem sido a história humana.
Você pode até ser militante ou conservador e ser torto, desde que não assuma a famosa postura proselitista e não pense que porque o outro não se posiciona perante esta grande convenção que é o mundo da mesma forma que você é necessariamente destituído de senso crítico.

Aliás, alguns gostam de dizer que só a história mostrará os resultados. Concordo plenamente. Por isso digo que o futuro é um não-verso poético. E todos estão submetidos a suas surpresas, portanto, que tal respeitar todas as concepções, desde que elas se respeitem entre si?

O ser humano tem a irritante mania de querer que o outro se adeque a suas concepções. Daí, você vê Marcelo Déda, ex-militante fervoroso, mandando, agora como governador do estado de Sergipe, os policiais tirarem à força os militantes que invadiam uma palestra do ministro da educação e se pergunta: ainda querem que eu levante a bandeira de uma ideologia? O movimento torto não condena este levante, mas pede apenas espaço sem condenação aos que não levantam.

Vimos, nos debates referentes ao movimento no orkut, pessoas criando justificativas e se embriagando delas, sem se darem conta, pobres coitadas, de que os parâmetros da justificativa são subjetivos. Podem espernear, mas quem se posicionar como detentor do parâmetro não encontrará aderência da parte de um torto. Isso porque o torto, para seus parâmetros declaradamente subjetivos, está justificado em sua desconfiança.

Por isso o "amo a tudo, mas não me apego a nada". Porque, na nossa concepção, que não pretendemos impor a ninguém, a história humana tem mostrado que seu amor pode exemplarmente virar ódio em dois segundos. Bombas atômicas já estouraram, genocídios sempre existiram, os detentores do cristianismo, doutrina do amor puro, são grandes vilões da intolerância.

Não temos medo de soarmos infantis, porque estamos convictos de que procede a alusão que já fizeram. Fechamos os olhos, quando abrimos o mundo realmente é o mesmo. O mundo cheio de ideologias intolerantes, movimentos fervorosos e etc continua o mesmo. Então, por que não se pode transitar em concepções sem se prender a nenhuma?
Viram como o movimento torto não é tão niilista quanto parece? Ele tem, dentro de seus parâmetros é claro, suas justificativas.

Paz e amor (ops, quase vacilo, já iriam enquadrar o movimento em uma ideologia passada)
Felicidade e tolerância! (assim fica melhor)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Apologia a Andrei Chikatilo

A que trágico fardo nos trouxe a história, tantas laudas de sangue e de glória se tumultuando entre nomes irrefutáveis, auscultando na nossa espécime o viscoso pensamento pútrido de um humanismo que não quer mais um dia, preenchendo com as mazelas insuportáveis excretadas pelo pensamento as lacunas irreparáveis da solidão que é estar em vida... e tudo isso para nada! Pena ser tão reduzida a expressão escrita ante a tudo que desejo por dirimir, exorcizar e dar de chutes. Lamentável ser tão desnecessárias as palavras que buscam a motivação do crime, o corte profundo com a navalha do verbo nas têmporas dos homens. É preciso o sangue e a imundice dos pontos finais cerrando os lábios, uma insurreição onde se conclame o afogamento do espírito burro na metafísca e a malhação da serviência nas asceses onde ela fora erigida. Isso tudo é ridículo e cansa, faz-me sentir um rebelde que luta pela concatenação impossível das duas classes, mas nada tem a ver o crime a que faço apologia com a farfalhada desses pelegos que, para não morrerem no trono seboso da burguesia e da pobreza verbalistas e cotidianas da qual se gabam e desdouram, sentem a necessidade de dizer que lutam por algo. Grande fosso onde já não cabem os espíritos devassos e cheios milites daqueles a quem Suetónio deflorara! Teatro de vacuidades da vida que já não mais me alegra e não estimula o gozo! Ter de ser gente e construir teorias fundamentadas num positivismo enfermo e leviano, levando à clínica dos eufemismos os que merecem o esporro e a absolvição com a morte à navalhadas! Calem-se, não perturbais o desassossego daqueles que não fazem decoro aos gritos que proferem, é desnecessário que se lute por qualquer coisa, assistamos da mais alta concentração do nosso egoísmo o espetáculo raivoso da vida. Abaixo Marx, Adam, Cioran, Hugo, Kant, Hegel, Hume, Hobbes, Platão, Eurípedes, Aristóteles e todo eruditismo! Cuspamos, de modo a não sobrar saliva nas nossas goelas, no bojo da “esquerda” que quer nos educar e na direita que chupa as nossas vísceras! Chega dessa mediocridade toda, passemos o rodo do absurdo nesses contraventores da visão e do alheamento, alvejando com cianureto o corpo nodoado da humanidade... que calhe cada um que diz tomar partido! Por uma negação do pensamento através do atrofiamento da razão! Por um altar à inércia prognosticando a política como loucura!

Observar a felicidade dos que dormitam e, por isso, agradecer-lhes com incontáveis gotas do meu suor por andarem a exibir um cômico que eu não vejo? Não, não, meus senhores, eu hoje estou lúcido como uma dúzia de lanternas recarregadas com baterias novas; sobre o descampado da minha alma os soldados se movimentam diabolicamente em direção aos corpos endossados de lama dos que vêm de encontro, e anseiam, todos eles, pelo choque cruel com as tropas inimigas... há fome de fígado alheio na minha cabeça!

Viver é angustiante porém, quando reflito, num momento de dispersão onde tenho a certeza de estar vendo deus e Maria em coito, penso ser pior o fardo da vida quando não a sinto em toda plenitude do seu mistério e vazio. Angustiar-se é estar vivo, não ter certezas é estar dentro da poesia. Eu sou poeta. Isso também é ridículo. Cuspo em todas estas palavras.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Conversa com Mané Reto sobre o torto

Mané Reto: - Vina, lendo os seus textos publicados no site, o que percebi é que para você, o torto não aceita levantar bandeiras. Levando-se em conta que o torto acredita que nenhuma forma de ideologia ou de crença possui uma verdade segura sobre as coisas, eu poderia dizer que o torto aceita toda e qualquer opinião, certo?

Vina:- Certo, porém, faço questão de esclarecer que, não é por que o torto aceita todas as opiniões, que necessariamente ele concorde com todas as opiniões. Você tem que entender que, apesar do torto admitir que ninguém é capaz de possuir a verdade definitiva sobre a realidade, o torto também possui sua própria forma de conceber a realidade, e que por isso mesmo, inevitavelmente possui opiniões do que acha certo e do que acha errado.

Mané Reto:- Aproveitando essa sua observação, eu queria te perguntar mais uma coisa: sabendo que o torto, mesmo admitindo que todos têm suas próprias razões, e que o torto, apesar de reconhecer isso, não está livre em ir de encontro a uma determinada postura, como você diz que o torto aceita qualquer opinião?

Vina:- O fato de aceitar qualquer opinião, não anula a possibilidade de determinadas opiniões serem criticadas pelo torto. Uma coisa é o torto saber que qualquer argumentação não passa de uma tentativa frustrada de encontrar a tão procurada verdade, outra coisa é o torto saber que inevitavelmente ele possui seus pontos de vista, e que, portanto, sente-se livre em aprovar ou reprovar determinada concepção.

Mané Reto:- Levando-se em conta que o torto pode aprovar ou reprovar determinada concepção, você já chegou a pensar que um dia, determinada concepção possa não agradar ao torto, e ele, incoerentemente, mesmo dizendo aceitar qualquer opinião, venha a agredir aquele a quem ele não aceitou a opinião?

Vina:- Tenho consciência de que muitas vezes isso pode acontecer.

Mané Reto:- Mas como!! Então o ser torto seria uma espécie de adepto à pluralidade, mas com o velho ranço da intolerância?

Vina:- O fato de alguém ser ateu e se sentir ofendido com a opinião de um religioso doutrinário e se defender em suas opiniões, por exemplo, não implica dizer que necessariamente esse ateu vá desrespeitar a rotina desse religioso. Volto a dizer que o torto, por também reconhecer a inevitabilidade de sua relação com os valores impostos socialmente, ele, assim como qualquer outro indivíduo, possui suas morais e seus tabus.

Mané Reto:- Vina, e se o outro agredisse as propostas do torto? Como o torto reagiria?

Vina:- O torto também necessita se auto-afirmar em suas opiniões sobre a realidade, visto que ele, por se encontrar também submetido aos padrões sociais, necessita da aprovação do outro, uma vez que o outro é a projeção dele mesmo, e por isso mesmo, se ele achar determinada opinião agressiva ou não condizente com o que ele acredita, ele se sente no direito de responder como ele acredita que deve responder.

Mané Reto:- Desculpe-me, mas tenho que lhe dizer uma coisa: um torto que aceita a diversidade de opiniões, mas que ao mesmo tempo, sente-se no direito de negar algumas opiniões que não lhe convém, para mim não passa de um torto com uma postura contraditória.

Vina:- Pois é, fico feliz em saber que você chegou ao espírito do Movimento. Triste eu ficaria se eu percebesse que você tinha encontrado alguma essência paralisada nas opiniões do torto. Porém, entenda uma coisa: ser torto não significa ser o oposto ao não-torto. Ser torto é saber se entortar, e quem tende a se entortar, tende a ser contraditório, uma vez que, não só aprova o que acha certo e reprova o que não acha, como também reprova algo que aceita, como aceita algo que ele mesmo reprova.

Mané Reto:- Novamente me desculpe, mas eu não dou créditos a quem não busca encontrar uma verdade das coisas. Inevitavelmente, é nosso dever nos apoiarmos em alguma ideologia.

Vina:- E quem disse que o torto não possui suas verdades? A diferença é que ele percebe que as verdades não passam de lapsos momentâneos. Para mim, tudo, mesmo que não queira é torto. De reto, só o cu, e mesmo assim por que nos disseram que é reto, mas se olharmos nosso buraco por dentro, veremos que nem ele é tão reto assim. No final das contas, somos todos manés.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Pequeno ensaio de amor e descoberta

Quando o amor por uma lasciva fêmea me amarrotava o coração, senti a necessidade de largar o meu feixe de palavras incendiárias a respeito do que julgo ser o homem, de para onde caminha a humanidade e de todo o esterco filosófico que em tantos anos de história fora produzido e levado a sério – tanta cara feia e barbuda para nada. Por esses dias andei paginando Hegel “a negação da negação, a dialética!”, adentrei num labirinto profundo conduzido pela sua tão verborrágica e ilegível filosofia. Palavra por palavra. Um poeta que preza por não ser entendido. Que sintetiza o absurdo do nada dizer num postulado de filosofia e deseja por isso atenção – poupai-nos! O amor era feérico por essa tão jovem moça, observar a decadência das palavras que me eram proferidas pelos “bípedes implumes” e achá-las insuportáveis acabara também deixando de ser coisa rotineira a mim. Admito, eu estava encantado. A observação de Bernardo Soares quando julga que “A terra é um poço mirando o infinito”, nalgumas noites me tira o sono. Mas logo acendo as luzes e vou ter com o brilho das estrelas deixando os meus braços apoiados no patamar da janela. Eu busco a fé e não a vejo, o infinito não me diz nada senão que eu, quando posto ao lado de suas dimensões, sou mais nulo e silencioso que as respostas de deus ao pobre teísta que passa a vida por adorá-lo. “Vem, Deus, vem!” ... E deus não vem, dorme tranqüilo sob efeito do tarja preta recomendado por sua sabedoria devido ao desgastante trabalho de elaborar o mundo. Bela arte, isso é inegável. A arte se torna bela ao passo que nela há o crime, o punhal que enxerta na carne e faz jorrar o sangue, que traz à luz do mundo visceral as vísceras, o acidente e o profundo mistério incoercível de todas as coisas. Ser tudo no crime, diz Pessoa. Sintetiza, com isso, o ideário principal, a sublimação, a catarse, o amor, o ódio, e o panteísmo em uma única frase. Ser tudo no crime, verso incólume da Ode Marítima, que ora vaga pelo que se vê ora pelo que se sente, e abrevia na máxima força dessas poucas palavras o que deve ser a criação artística que subleva. Mas havia o amor e os meus sonos eram tranqüilos, tudo acontecia por dentro como se nada acontecesse por fora; chega a ser constrangedor expurgar essas palavras, mas aqui não omito de expor o que julgo ser a minha verdade: é um exame de auto-consciência pela vergonha própria. Há no mundo milhões de “Srs.K”, que, diferentes dele, dardo d’O Processo, livro de Kafka, sabem o porquê de suas sentenças e permanecem inócuos em relação a isso, como se não houvesse nada, como se a busca pelo pão e pela ejaculação diária lhes vendasse os olhos e lhes impossibilitasse de desejar algo além. Compreendamos: para seres que há algum tempo andavam como macacos, até que evoluímos... corporalmente; a irracionalidade é a mesma e o instinto também. Devo me dizer humanista? Ora, quem cria a síntese e moldura a imagem difusa da verdade são os filósofos. A mim cabe dar-vos a encenação de minha queda na lama, afinal também desejo por ser ídolo. Eles só são amados, os ídolos, quando dão o show, quando dramatizam, à maneira Beckettiana, o espetáculo. A flor do amor fora pisada, amalgamei com poéticas e hediondas lágrimas pétala por pétala; de início, surgem a angústia e o ódio; depois, quando passado algum tempo, vem todo o ar de uma liberdade que não existe; e você se sente livre por não mais haver de se subjugar a nada, só à inutilidade de suas considerações reduzidas sobre a vida, ao arroubo de pensar, que por ter uma soma de pecúlio, é alguma coisa; e a masturbação diária ganha vida com o corpo de uma outra mulher. Sobreviver, eis máxima. Pela sobrevivência eu vivo; procrastinar-se é metafísica e está além dos homens.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O concreto (por Roosevelt Leite)

Quando entramos para a academia somos contaminados com discursos que, infelizmente, em outros cantos, já se foram, coitados de nós todos! O positivismo ainda é um vírus que contamina nossa mente e nos faz acreditar que só existe uma única forma de fazer ciências ou filosofia, e que a apreensão do real só se faz via razão cartesiana, kantiana, popperiana, etc. Não sou doutor em epistemologia, contudo, me atrevo a dizer que sua história é uma história de tentativas, de receitas, de fórmulas, de caminhos, de vitórias, e perdas, erros e acertos. O homem se relaciona com a realidade por meio de uma malha simbólica, o que nos faz sempre espectadores do passado e do não – sentido, como dizia o grande Lacan: O real é o não-sentido, pois damos sentidos a tudo, e quando nos deparamos com algo que num dado momento é real, o despojamos de todo sentido para obtermos o não-sentido, ou o sentido apreendido naquele momento. A relação simbólica que temos com o mundo fora e dentro de nós é feita por meio de códigos que necessitam de outros signos para serem entendidos por nossa máquina mental. Pensando assim, procurar o concreto, é continuar dormindo pensando estar acordado e sem perceber que sua atividade onírica está ali em sua ilusão de uma realidade concreta totalmente objetiva. Isso também é signo, é mera abstração nossa! É enfado! Mas nem por isso vamos parar por aqui. Pois o que move o homem é essa tensão entre o sentido e o não-sentido, entre o construir e o desconstruir, entre a ignorância e o saber. Nós somos, como dizia o velho Modin, um ser auto-transcendente. Superamos a nós mesmos, sempre buscamos algo e nunca o obtemos, pois sempre estamos amando e odiando, pois sempre somos humanos. A negação que faço do mundo é necessária. Afirmar e negar aqui é preciso, sem isso, o mundo continuaria sempre escondido de minha razão. Eu sei que estou diante de um computador, tenho certeza disso. Mas também sei que o que vejo diante de meus olhos é uma ilusão de meus sentidos imperfeitos. A imagem real do computador não é inteiramente igual ao que eu vejo com meus olhos. Os sentidos enganam assim como as verdades concretas e matemáticas enganam. Fazer ciência, o que nunca fiz, é re-simbolizar o dito com um não-dito até então, ou seja, até que o que eu disse seja inevitavelmente consumido por outro dito. E aí a malha continua rumo ao infinito de símbolos e ilusões, o que chamamos na atualidade de ciência ou filosofia. Até um mal dito conta nessa imensa rede simbólica que dialoga com o que chamamos por convenção de presente e passado. Tudo conta, meus caros! Nada se perde. É aqui onde entra o torto. Ele nunca termina o que tem a dizer, pois sua conclusão sempre deixa algo para depois, para fora de hora, para a rua, e sai de sua sala, ou cospe no Macdonald sabendo que adora seu hambúrguer. E daí se creio Nele? Sou limpinho...


(Roosevelt Leite)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O neurótico Alado II

Durante a Missa dos Filhos Ausentes da pequena cidade de Pedantia, Agnasno Timódio acabou se efurecendo no curso do exercício de sua curta filosofia. Fitou o prefeito, o procurador e dois homens cujos cargos não saberia dizer com certeza a priori, pensou: “devem ser aquela viadagem de catedrático!”, eles formavam uma roda de fervente conversa em torno do homem que mais o enfurecia nos tempos de ginásio, Ui Babosa.

Mesmo portando um raciocínio proporcionado por sinapses neuronais tão velozes quanto uma internet discada em dias de chuva torrencial e uma quase metafísica sem querer, Agnasno chegou a uma conclusão que lhe parecia certeira; “este incubado deste prefeito, só me trata bem em época de eleição, porque sabe que minha imagem angaria votos da maioria!”.

De posse desta conclusão, partiu furiosamente em direção ao ex-colega de infância e aos demais daquela roda de densas e opacas ideias e desferiu contra Ui Babosa: “essa coisa que vocês estão falando aí, que quem não lê, não ouve sinfonias ou faz qualquer uma dessas viadagens do cotidiano de vocês é quadrado e blá blá blá é tudo coisa de viado! Um pedreiro é mais útil pra a sociedade que vocês, e se ele não pensar quadrado e não reproduzir de forma perfeitamente quadrada também os cômodos em que vocês vão deitar o cu pra dormir, comer e zombar da burrice dos próprios construtores, vocês são os primeiros a se queixarem!”

Numa cruel guerra interna para conter o riso, Ui Babosa lembrou-se dos tempos de infância em que Agnasno o humilhava no futebol e ele o humilhava nas notas, e, por comiseração inspirada por aquele doce tempo, resolveu responder: “Querido Asninho (seu apelido carinhoso de infância), não há problemas no pensar quadrado em si, o impasse reside em geralmente não se entender as coisas, desde o átomo até o próprio quadrado, como, inevitavelmente, um complexo. Como já dizia o pobre poeta “em vossa cova mental jazeis, e vossa primeiridade preferis”, e aí há espaço para o dogma, para o cego porque não quer ver e outros problemas que são pais de tantos outros problemas da convivência humana. Entendeu?”.

Agnasno coçou o queixo e respondeu: “eu entendi que você é um pseudo-intelectual!”

Ui Babosa, sem hesitar, lhe devolveu: “Muito obrigado e sinto muito”. A resposta nitidamente chocou os demais integrantes da roda e o próprio Timódio, e, percebendo a situação, Babosa resolveu explicá-la: “Ora, senhores, é agora moda entre os que não se dão ao luxo da argumentação elaborada tachar os seres cujos discursos lhes são ilegíveis de ‘pseudo-intelectuais’. Não se tocam eles que expõem facilmente suas frustrações quando aplicam o apelido. Pois, no fundo não tão fundo, o que se diz quase sem querer é, ‘olhe, eu reconheço a elaboração do seu discurso, a construção que está para além da minha pobre capacidade exegética, portanto você é intelectual. Mas, como você está contra mim, e eu aprendi nas aulas de ciências da oitava série que pseudo é falso, você é um pseudo-intelectual!’”.

Todos caíram na gargalhada, exceto Agnasno, que respondeu definitivamente: “Você é um viado!”.

Um garotinho, que observou todo o desenrolar da trama, fechou os olhos e pediu ao transcendental: “não quero ser nem um, nem outro, deixai-me ser um anjo torto!”.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Defloração Torta 2

Antes de suscitar os pensamentos mais profundos, devo prefaciá-lo com a admissão simples de que ele é produto da mais débil fraqueza. Se assim não fosse, ele não estaria sendo redigido como quem põe o coração pelas narinas em horário tão importuno, que é a alta hora onde o mundo se silencia pois é madrugada. Tenho pensado se é pior morrer de fome não tendo noção de que viver é um tédio, ou morrer de tédio pensando que, além de tudo, há a fome e outras tantas virilidades que fazem da terra este paraíso tão masturbado pelos cristãos, como se se tratasse de um prédio alto que fosse construído numa avenida privilegiada onde, com a vista, se alcançasse ao mesmo tempo todas as belezas das sete maravilhas do mundo. Não me dou à obrigação de ir mais além do terreno não tão raso que implica esta indagação, uma vez que pensar, além de cansar, é sem limites, não concretiza nada, e só nos traz a frustração de saber que fechamos uma questão para abrirmos outras vinte. Por isso, porquanto, prefiro viver de perguntas, como um asno que, por ter sido colocado dentro de uma casa com o seu monte de feno de modo que o sono pudesse ser leve, se perguntasse, por não ver as taipas do curral, onde pode dormir sem impacientar aos seus donos. Quem exige respostas, submete a sua vida ao desconforto do achar que sabe não sabendo de nada, circunscrevendo a sua pouca felicidade que desconhece o mundo em carne-viva a que nos trouxe a filosofia, com o lápis escuro das dúvidas nunca ausentes. A educação, creio, seria melhor se nos fossem ensinados os passos de como tornar os nossos cérebros em organismos nulos, atrofiados devido ao uso excessivo dos mecanismos que nos foram dados pela natureza como se fossem dados a quem tivesse traído Medeia; decerto que seriamos menos infelizes, olharíamos o céu não como um poeta doente que precisasse tirar das nuvens a música de suas poesias, mas como um céu tão certo quanto certeza de que dentro de nossas bocas há dentes e de que os religiosos são seres idiotas por serem religiosos e não descrentes. Durante anos longos depus confiança em deus mas, para minha sorte inglória, tive de abandoná-lo como se fizesse da recíproca verdadeira a única lei que pudesse conjurar a nossa relação, tendo eu como servo idiota a dar-lhe lágrimas e orações sem fim, objetando, mais a frente, uma redenção promíscua, por ser tão poeirenta ante a necessidade científica que tenho pelo tátil, algo que é próprio ao homem; e ele, o grande pai, objeto sexualizado pelas massas, saudado e prodigalizado todas as noites na hora em que se reza, o anti-herói, que vendo-se além do bem e do mal pôs, por vontade opulenta do seu ser atroz, erva daninha como um legume da salada para que nos deleitássemos com tal paladar mortífero. Pensar em deus me frustra, pois, apesar de ser tão distante a realidade que nos é imposta pelo império cristão desde o nosso leito de nascença, é um fator que serve de divisa nas nossas vidas, a ética que nos enclausura nas ponderações daquilo que se é esperado de mim o que de mim mesmos nunca esperei. Viver me cansa tanto quanto ter de ouvir as lamúrias de uma jovem moça que, por ter sido largada pelo seu belo amante, maldiz a sorte do pobre por não ter agüentado os impropérios de sua prolixidade e redundância excessivas. Viver me cansa, porque não tem motivos, poderíamos estar mortos e descansados, mas, não, há causas e efeitos a mensurar os fatos com uma régua imprecisa, com a geometria equivocada do conhecimento. Acabo assim, nesse parágrafo mesmo, como se tratasse de uma idéia que tivesse sido excretada em forma de bloco pela mente: concreta, como uma corrente rija que não pudesse ser transmutada e, ao mesmo tempo, absorvente, como buchas com as quais se lavam pratos, afinal, isso somos nós: ortodoxos e abelhudos. E morrer, somente, não basta; é preciso a morte e a vida ao mesmo tempo.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Revisando o torto

Como ficou decidido que segunda-feira é o dia da publicação dos meus textos no site, e já que essa segunda é a primeira segunda-feira do mês, eu resolvi fazer um balanço sobre as concepções do torto que foram expostas por mim ao longo do mês anterior.

Antes de eu partir para a discussão de alguns pontos sobre o Movimento, eu gostaria de novamente relembrar aos leitores que a forma como o torto é concebido pelos textos dos outros tortos, encontra-se diretamente ligada à forma como esses tortos concebem o que para eles é o torto. Não há necessidade de impormos um ponto de vista. No Movimento, o torto para pertencer a esse Movimento, não busca de seus membros um consenso sobre suas formas de pensar. Cada um possui seus próprios argumentos, sentem-se livres em refutar as opiniões dos outros tortos, e nem por isso deixam de se relacionar entre si.

Essa liberdade de cada um manifestar a sua argumentação sobre o torto, deve-se ao fato do torto não acreditar em uma Verdade plena das coisas. No entanto, apesar do torto saber que suas opiniões subjetivas possuem um papel de grande importância sobre suas ações, ele acredita que inevitavelmente, ele possui opiniões do que ele acha certo e do que ele concebe como errado.

Se por um lado, o torto acredita que ninguém possui a Verdade absoluta da realidade, por acreditar que ninguém é perfeito, uma vez que para ele, os indivíduos, assim como ele, são humanos, e que por isso, não estão livres dos seus erros e das imprevisibilidades de seus atos; por outro lado, o torto, mesmo nunca vendo a verdade como eterna, ele tem consciência de que possui suas verdades. A diferença é que o torto admite que essas verdades logo são re-questionadas por outras verdades. Enfim, ele acredita que suas verdades se modificam a todo instante.

Porém, por admitir que é humano, o torto, mesmo buscando lidar da melhor forma possível com a realidade, também é dotado de falhas, e que por isso mesmo, não está livre em vacilar com o outro. Mesmo acreditando na importância de se transitar entre as leis e as subjetividades, ele não nega a possibilidade dele mesmo contradizer suas opiniões. Mesmo admitindo a importância da lei, o torto é falho e muitas vezes responsável por fazer perpetuar determinadas condutas que ele mesmo condena, agindo muitas vezes da forma que ele mesmo acredita como antiética.

No entanto, é bom lembrar que o torto se encontra muitas vezes predisposto a revisar seus atos, assim como seus argumentos. Uso a expressão "muitas vezes" porque o torto, por também ser produto do meio, inevitavelmente possui classificações e preconceitos, e, portanto, sente dificuldades em sempre romper com determinadas crenças e padrões que ele incorporou ao longo de sua convivência com o social, mesmo admitindo a importância de requestionar os padrões que lhe são impostos.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Um parágrafo sobre Deus

Sob os olhares de todos os santos, o texto é oferecido ao exímio Sr. Roosevelt. Se assim não fosse, ele não teria vindo à tona e, se viesse, eu mesmo o denegaria. Pois não seria, como agora, um texto, mas uma idéia fugidia, uma possibilidade futura de pensamento, ou ainda uma atrofia racional motivada por idéias mais elegíacas. Então aí segue o texto desse "doutor em nada e pensador radical":

O hoje é um retrato de ontem, e o que há de diferente entre os dias que se seguem é a variabilidade de posições das imagens que constantemente vimos. Ser estrangeiro, ao mesmo tempo que nos chafurda na idéia de que se haverá por isso o estranhamento, é um processo de recomposição dos signos que ao longo de nossas vidas acumulamos e de contextualização destes com aquilo que se há de supostamente novo. E isso, assim como a idéia da essência numérica levantada por Agostinho, atesta a existência de uma divindade, de uma força superior que, mesmo sem que boa parte da humanidade perceba, concatena a tudo aquilo que faz do mundo um lugar diversificado, onde todos possuem desejos diferentes por tanto desejarem a mesma coisa e, por terem um desejo essencial em comum, acabam se diversificando entre si. Ao mesmo tempo em que essa concatenação enxerta na realidade a possibilidade metafísica da existência de uma força motriz, que perpetua através de uma infinidade de processos a complexidade da vida, só sendo possível a sua concretização por meio do abstrato, ao mesmo tempo também tal idéia se verte numa idealização redutível e acaba, por força circunstancial, se anulando e se transformando em nada. Uma vez que por meio do abstrato se chega a Deus, a existência na qual somos inseridos por um processo de indução do acaso, tendo de escoar toda uma história para que nasçamos e tão logo morramos, é literalmente absurda. O abstrato nos reconforta por sabermos que um ente que mantém relações com outros e exerce funções biológicas não é fruto de um mero aglutinamento de reações e processos descritos pela ciência, mas a complexidade que é descrita pela ciência dentro de outra complexidade aquém da ciência, já que esta, com toda a sua empiria, esbarra em questões fundamentais sobre o nosso princípio vital. Sendo assim, podemos alegar que, dentro do plano metafísico, somos fruto de algo maior e que pode ser concretizado se conseguirmos, por meio da consciência, chegar até ele. Por outro lado, porém, e onde se encontra o âmago do problema, temos um emaranhado de costumes que promovem a padronização da linguagem. A linguagem, da qual falo, não diz respeito somente aos signos verbais que se firmam dentro de uma sintaxe, garantindo o fenômeno da comunicação, mas também ao que está embutido dentro dessa comunicação e que norteará a fomentação da nossa parole(exercício individual da linguagem ou conotação ou idiossincrasia lingüística ou estética individual de linguagem), que nada mais é senão a nossa conduta. Quando chegamos à questão da conduta é que encontramos o nada e, logo, a nulidade da própria existência de Deus através do método acima tratado, pois nos perderemos, por estarmos presos a falta de garantia do que vem depois da vida, tentando descobrir como se viver melhor, e esse é o ponto que temos em comum, além da própria certeza de que todos nós morreremos. Sabemos que vivemos numa realidade complexa, e que essa é a certeza mais palpável que temos sobre a existência de Deus, mas também sabemos que a morte está num plano que não nos é permitido, por sermos um corpo fisiológico e totalmente mensurável dentro de um mundo que possui fenômenos que estão além da nossa capacidade racional e que embaralha a nossa consciência. Portanto, se dentro do plano metafísico eu posso chegar à certeza de que o social são convenções que se ordenam complexamente através de processos internos e fantasmagóricos, a falta de garantia a respeito da seguridade de tudo que fazemos e construímos durante a vida reduz a complexidade da ordenação que Deus deu ao mundo a mero joguete vegetativo. Daí, creio, é de onde nasce a afirmativa de Heidegger “Somos seres para a morte”. Ou seja, mesmo que cheguemos a uma opinião polidamente fundamentada sobre Deus e a sua criação, essa fundamentação continuará limitada justamente por não termos a consciência voltada somente para o agora, e não sermos seres para a eternidade, ou melhor, para a vida, e sim seres que nascem com a certeza do fim. Visto isso, podemos alegar que Deus existe; mas o Deus que pode ser mensurado pela consciência e que não nos fala sobre a morte; que prolonga a complexidade dos processos vitais até os nossos últimos minutos e, com isso, põe em teste a nossa credulidade na essência dessa complexidade toda. E, por isso, alguns morrem fervorosos e outros frustrados. Pois alguns acreditam que o complexo é o que infinita as nossas vidas e outros, porém, o que as reduz a um apanhado de limitações.