sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A collage surrealista nas aulas de sociologia

Vivemos em uma sociedade marcada por regras que, além de propiciarem uma melhor convivência com os seus membros, retiram deles a liberdade e a capacidade inventiva. O bloqueio da criação termina se externando em sala de aula com alunos que têm medo de criar e refletir. Neste texto eu vou propor o uso da collage surrealista nas aulas de sociologia como forma de romper com esse medo do criar, buscando formar um aluno questionador e consciente de seu lugar na sociedade.

Quando nascemos, deparamo-nos com um meio inserido em uma sociedade permeada de regras. Estas, além de sinalizarem formas de comportamentos ditos aceitáveis, também implicam uma série de limitações aos nossos atos. Por isso que a criança, por ainda não se encontrar inserida plenamente a esse meio e a essa sociedade cheia de regras, tende a estabelecer comportamentos que são vistos como inaceitáveis para uma boa convivência social.

Não é por acaso que enquanto nas crianças geralmente existe a sinceridade, nos adultos, ao contrário, nós constantemente nos deparamos com a falsidade e com a hipocrisia. Isso acontece pelo fato de que o adulto se encontra bastante permeado de regras de boa convivência social. Enquanto a criança expressa o que de fato ela quer por não haver ainda nela essa dívida com o social, os adultos tendem a camuflar suas opiniões com intuito de não provocar conflitos na sociedade.

Portanto, se enquanto crianças nós possuímos a liberdade e a criatividade, depois de termos infiltrado as regras e estarmos inseridos na sociedade, essa nossa liberdade e criatividade tende a ir sendo lapidada. Essa expressividade espontânea no futuro tende a ir dando lugar à preocupação com o social. Ao longo de nossas experiências com a sociedade, todo aquele nosso comportamento existente na infância passa a ser cada vez mais limitado pelas regras da boa convivência.

Contudo, as limitações das regras sociais não podem ser reprovadas. Para se viver em sociedade, os indivíduos estabelecem regras para que possam conviver de forma mais harmônica possível. Se não houvesse essas regras sociais, a sociedade não funcionaria, inclusive desde a comunicação entre seus membros, uma vez que a comunicação significa formas de estabelecer diálogos capazes de gerar um entendimento e uma organização entre os indivíduos.

Mas por outro lado, as regras sociais também provocam algumas conseqüências negativas. Muitas vezes as regras sociais deixam de buscar apenas a ordem e a busca pelo consenso entre seus indivíduos, para gerar formas de opressão, castrando assim, a espontaneidade da criação. As próprias regras com suas limitações obstruem a capacidade imaginativa dos indivíduos, formando assim, pessoas alienadas e com dificuldades de fazer uma leitura mais profunda do mundo.

Essa excessiva lapidação pela qual passa o indivíduo em sua convivência social termina trazendo realidades bastante precárias na educação. Os alunos muitas vezes não conseguem se utilizar da imaginação até mesmo para recriar novos caminhos para encontrar soluções aos problemas dados nas disciplinas, sejam elas voltadas à área de humanas, exatas, biológicas, etc. Isso decorre devido a esse acúmulo de imposições e castrações à sua liberdade e criatividade em sua experiência com o social.

Devemos pensar a educação, não apenas enquanto um lugar serviente a mera reprodução do conhecimento. A educação, antes de ser uma instituição reduzida à transmissão de um repertório de conhecimento acumulado ao longo da história da humanidade, diz respeito também a um caminho de formação crítica pelo qual o indivíduo precisa passar para que com isso ele possa se tornar um agente social questionador, atuante e consciente de seu papel na história e na sociedade.

Entretanto, para que esse indivíduo passe a se tornar um sujeito questionador e crítico, é necessário que ele reconquiste essa capacidade inventiva a qual foi tão importante e forte em sua infância. Sem a capacidade inventiva, o indivíduo terá enormes bloqueios de encontrar novos caminhos e estratégias importantes para a superação de um determinado problema. Só a partir do olhar questionador e liberto é que o indivíduo vai passar a ser autônomo e dono de sua própria opinião.

É evidente que a busca pela re-apropriação da liberdade e da capacidade inventiva do individuo não pode ser reduzida a uma mera liberdade sem limites. Como dito anteriormente, as regras sociais são importantes. Porém, é válido que essa liberdade perdida com a intensa castração das regras seja reativada, e que ela possa ter a capacidade de saber dialogar com a criatividade gerada pela leveza da imaginação e com a ordem responsável pelo funcionamento da sociedade em geral.

Levando-se em conta que estamos em meio a uma realidade educacional permeada de alunos massacrados pela opressão das regras sociais as quais obstruem suas capacidades espontâneas de criação e de liberdade; sabendo que a educação tem que ter uma preocupação em tornar os alunos sujeitos politizantes, atuantes, autônomos, questionadores e críticos, quais estratégias seriam possíveis para devolver a capacidade de criação e de posturas conscientes nos alunos em sala de aula?

Acredito que o uso da collage surrealista é algo bastante pertinente. Com ela o professor conseguirá fazer com que o aluno re-aproprie a sua capacidade inventiva, como fará com que esse aluno passe a exercitar um olhar crítico e consciente acerca de si e do mundo, uma vez que a collage, a partir do uso dos recortes, faz com que o indivíduo perceba na prática que não existe a verdade em si, e sim, inúmeras formas de verdades construídas a partir da ótica de cada um.

A collage surrealista busca retirar o significado usual dos objetos. A partir do recorte de uma determinada imagem ou de um determinado discurso, por exemplo, o sentido original das coisas se altera. Com o sentido alterado, o indivíduo, a partir da junção de recortes escolhidos por ele mesmo, passa a criar uma nova significação. Com esse exercício, o aluno coloca em prática a sua capacidade inventiva, assim como percebe que a verdade, antes de ela existir por ela mesma, pode ser recriada.

Com isso, podemos perceber que, ao mesmo tempo em que a collage provoca o estranhamento do indivíduo por ele se encontrar diante de uma nova realidade, ela também termina estimulando seu senso crítico por reconhecer que os sentidos que damos as coisas, antes de serem meramente naturais e reconhecidos como verdades absolutas, podem ser alterados. Portanto, os valores sociais podem e devem ser reconstruídos por não significarem verdades eternas.

Esse recurso é muito válido para disciplinas como a sociologia, por exemplo, visto que um dos grandes objetivos dela é provocar no aluno um questionamento acerca da sociedade da qual ele faz parte. Para isso vai propor um estranhamento do indivíduo com o seu meio para que ele passe a reconstruir seu olhar acerca da organização e dos valores que permeiam a sua realidade social. A sociologia, assim como a collage, tem como objetivo, a desnaturalização dos modelos e das verdades.

Para que esse aluno passe a desnaturalizar essas verdades, ele terá que refazer seus olhares acerca de determinadas verdades legitimadas pela sociedade. É aí que entra o processo do estranhamento estimulado não só pela collage, como pela sociologia, pois a partir dele, o aluno fará uma re-elaboração acerca dessas verdades, conseguindo assim, reformular suas opiniões e fazer uma nova tradução acerca delas, revendo os valores e concepções de mundo que permeiam a sociedade.

O que a sociologia vai propor em sua grade curricular é um olhar crítico do aluno. Sabendo questionar as verdades oficializadas pela sociedade, esse aluno vai se formar enquanto um sujeito questionador e autônomo. Além disso, a sociologia vai propor ao aluno um repensar acerca dessas verdades. Essa área do conhecimento vai insistir na idéia de que as verdades são resultados de interesses de classe e que estes terminam sendo conseqüências das relações de poder impostas por essas classes.

Com a sociologia, o aluno passa a compreender que as verdades, antes de serem aceitas como algo meramente natural e eterno, são resultados de interesses que estão diretamente vinculados às circunstâncias históricas. As verdades legitimadas se alteram constantemente de acordo com os interesses sociais de cada momento histórico e que esses interesses são muitas vezes construídos por interesses dominantes os quais têm como finalidade, a perpetuação de seu poder na sociedade.

Portanto, com a capacidade da criação estimulada pela collage, o educador pode fazer com que o aluno retome o exercício da imaginação castrada pelas regras, assim como pode torná-lo pensante e questionador. Juntando a prática dos recortes estimulada pela collage com os debates colocados em sala, os alunos poderão perceber que as verdades ditas legitimadas pela sociedade implicam interesses, e muitas vezes esses interesses estão ligados às classes prestigiadas.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

PEDRO E O BARALHO CIGANO

Enganoso é o coração do homem. Quem o esquadrinhará? Quem dirá dele com ciência e sapiência? Queres ser um sábio? Conheça-te a ti mesmo! Anabela viveu com Pedro muito bem. A felicidade batia a porta sempre. O casal se entendia cada vez mais. Anabela era uma moça muito bonita; a moça agregava em seu corpo as formas da beleza sergipana padrão. Branca, olhos um pouco claros, estatura média, lindas formas, e uma sensualidade sem igual. De fato, Anabela era muito desejável. De seu marido não se pode dizer o mesmo. Pedro era um nordestino de traços rústicos. Sua aparência não era muito agradável. Contudo, era um rapaz de ouro; dava a sua mulher todo o espaço possível para que ela vivesse de forma plena. Renunciou a muitas coisas para que sua amada fosse feliz. - Anabela, eu confio em você. Tudo que é meu é teu. - Eu sei meu bem. Sou muito grata a Deus por tudo. Mas a vida é um palco onde as pessoas apresentam diferentes personagens. No entanto, Pedro continuou sendo o homem fiel e leal à família e ao lar. Seu horário de chegar sempre era o mesmo, seu ciclo de relações era muito restrito. Podia-se dizer que a rotina de Pedro não dava brechas para acidentes morais. Certo dia, o animal de estimação do casal, um coelho adoeceu. Anabela foi à procura de alguém para ajudar o pobre bicho. - Anabela, no Siqueira tem um rapaz que não é veterinário, mas, dizem que ele ajuda a muita gente. - Oh, mulher, obrigada! Quem sabe Deus use esse homem para salvar a vida de Bart. Anabela levou o coelho Bart à casa do falso doutor. O rapaz a recebeu muito bem. Anabela não ia só à casa do homem; sua cunhada, dona Margarida, a acompanhava a todas as consultas. O falso veterinário descobriu a causa da doença do animal. Após alguns dias de lutas, Bart se levantou, graças aos esforços, sobretudo do pseudo doutor. A alegria foi muito grande para todos, menos para Pedro que via na relação da cliente e do profissional amador algo além do que os olhos podiam provar. Certo dia, em uma visita, a casa do casal; o veterinário e Anabela trocam olhares enquanto seguravam o coelho para lhe aplicar uma injeção. - Calma! Calma, rapaz! Ele ainda vai precisar de mais duas injeções; elas são caras, mas, eu acredito que surtirá efeito. Tenha paciência! - Obrigado! Desse dia em diante, Pedro pedia a Anabela para mudar de veterinário. Mas, ela não o ouviu. As idas à casa do homem passaram a ser um terror para Pedro. A jovem Anabela, mesmo sabendo disso, não atendeu aos clamores de seu amor. - Meu bem, não gosto do jeito desse rapaz, nem da forma como ele se apresenta na rua. - Deixe de tolice Pedro! Ele tem me respeitado, e minha cunhada sempre me acompanha a casa dele. Os dias passaram e se transformaram em meses. Na mente de Pedro havia alguma coisa no ar. Sem evidências, Pedro decidiu arquivar o caso. Entretanto, algo sempre brotava em sua mente aqui e ali. Anabela não era mais a mesma na cama, evitava o pobre rapaz; se tornou uma mulher agressiva e impaciente. - Acho que nós não damos certo. Preciso de um tempo para pensar. Disse Pedro com um tom triste. - Por que meu bem? Te amo tanto. Respondeu Anabela aos apelos de seu amor. A vida sexual do casal estava num abismo sem fim. Os dois que outrora se desejavam tanto passaram a se evitarem. Anabela passava muito tempo sem querer nada com o pobre Pedro, e ele, sem paz na alma, pois, esta estava doente devido ao vírus da desconfiança não a procurava também. Anabela tinha compromissos todas as tardes; as ocasiões em que coincidia do casal estar em casa, o mesmo não se encontrava no leito do amor. Definitivamente, para Pedro, sua amada estava tendo um caso. “Mas como vou provar isso?” Questionou o jovem a si mesmo. Sua finada mãe era uma cigana que em seu tempo na terra trabalhava como cartomante. Pedro lembrou-se do velho baralho da falecida. Um dia, ao meio dia, antes de retornar ao trabalho, Pedro vai ao quarto dos fundos de sua casa onde as coisas velhas eram guardadas e encontra em um baú vermelho, a roupa, a bola de cristal, e o baralho cigano de sua mãe. “Isso tudo é bobagem; nunca acreditei nessas coisas!” Pensou Pedro, logo em seguida disse baixinho: “Perdoe-me mãe”. Os dias passaram; o quadro da família não se revertia; Anabela continuava do mesmo jeito. “Vou ver se as cartas falam mesmo” Mais uma vez o rapaz se constrange e deixa essa história de cartas para trás. O conflito de Pedro resistia há quatro meses. O casal vivia um clima terrível de desconfiança. Anabela com suas saídas e chegadas impacientes em casa. Mais uma vez o rapaz pensa em ver no baralho. “Se Anabela está fazendo algo errado, se tem alguém, por favor, me mostre!” As cartas foram embaralhadas muitas vezes, o coração do rapaz queria saber a verdade. Contudo seu coração queria que as cartas falassem que era tudo um mal entendido. “Se tem homem na jogada me mostre”. A carta 28, a de um homem de terno se apresenta para o rapaz de forma tão nítida quanto o sol ao meio dia. O coração de Pedro gelou ao ver o homem de terno com o chapéu na cabeça lendo um bilhete. “Mas, isso foi coincidência, vou jogar novamente” O baralho apresentou outra carta. O rapaz, então disse para si: “Tá vendo como foi uma coincidência”. Embora ele dissesse sempre que foi coincidência seu coração continuava a acreditar que sua desconfiança tinha fundamento uma vez que nada havia mudado em casa. Certo dia, seu patrão liga avisando que os computadores da empresa estariam em manutenção e que ele ficasse em casa. Sua filha, vendo o pai em casa o pediu para leva-la à escola. Ao sair de casa, Pedro tem um deja vu. Ele via que se encontraria com Anabela e perto dela estaria o veterinário amador. Isso aconteceria numa esquina no Siqueira Campos, próximo à escola Presidente Vargas. Ele levou a filha à escola e depois seguiu na direção de casa. Na dita esquina estava sua amada falando ao celular. Ele diminui a velocidade do carro pondo-o em macha lenta. Aguarda um pouco deixando sua mulher dobrar a esquina. Pensou então Pedro: “Vou fazer a volta para pegá-la de frente”. Ao fazer a volta no quarteirão, Pedro se depara com sua mulher a alguns metros a frente do veterinário amador. Este seguia na direção oposta a dela. - Meu bem, o que você está fazendo aqui? Perguntou Anabela ao seu marido. - Não foi trabalhar? Continuou Anabela com um ar de surpresa ou desconfiança. - Anabela por que você está aqui e por que este homem estava aí bem atrás de você? - Que homem? Não vi ninguém! Anabela não admitiu que tivesse falado com o moço. Nem disse que o havia visto naquela tarde, naquela esquina. Pedro sabia que seria para o resto de sua vida a sombra da desconfiança. Muitas vezes ele disse para sua mulher: “Mulher, vou te deixar, pois, não está bom viver com essa lembrança na cabeça, essa dúvida na mente”. Sua mulher, por sua vez, dizia para ele: “Quando você me conheceu sabia que eu gosto de resolver minhas coisas, gosto de sair, e eu não vou dar satisfação a ninguém; eu num devo nada”. Pedro se sentia muito mal em alimentar o ciúme. O rapaz então toma uma decisão radical. O verão de março quase queimava Aracaju, a princesinha do Nordeste. O calor era tão grande que as pessoas desmaiavam nas ruas quando chegava perto do meio dia. Pedro decidiu sair de casa e morar sozinho. A princípio, sua família não entendeu o rapaz, e nada ele comentou sobre sua mulher, ou ex-mulher. Dois anos passou rápido, Anabela se juntou com o veterinário; os dois colocaram uma clínica no bairro Luzia. Pedro quando soube do ocorrido nada disse, apenas sussurrou baixinho: “Eu sabia que um dia tudo ia aparecer”. Pedro seguiu o curso de sua vida. Um dia decidiu por baralho para as pessoas. O baralho de Pedro ficou conhecido em Aracaju. Pessoas de diferentes classes sociais o procuravam para saber a sorte. - Pedro, eu queria saber de minha mulher? Disse um homem de chapéu na cabeça e feições simpáticas. - Eu conheço sua pessoa de algum lugar? Perguntou-lhe Pedro. - Não acho que não. Pedro jogou o baralho para o moço. As cartas disseram que a mulher do homem estava saindo com o amigo dele. - Mas, isso não pode ser! Eu confio demais em minha mulher. Ela deixou até o marido para ficar comigo! - É, mas, as pessoas mudam com o tempo, às vezes, para o bem, ás vezes, para o mal. - Mas, Pedro, minha mulher não dá a menor bandeira, não há nenhuma evidência. - Então, por que você veio jogar nessa intenção? As evidências podem estar diante de seus olhos e você nem imagina quais são. Ela está fazendo amor com muito fervor? - Por quê? - Porque algumas mulheres quando encontram um amante fora de casa se tornam mais viçosas. Isso ocorre quando ela gosta do marido. Nesse caso, a traição dela, é, na mente dela, um socorro para a relação. Ela deseja a segurança de um casamento, mas, quer ter sua aventura fora de casa para satisfazer sua libido. Não se engane! O mundo caminha para a expressão plena da sexualidade feminina. A imagem da mulher ‘Maria’ está com o tempo contado; muitos homens, machos, terão seu machismo esmagado pela manifestação da mulher solta, livre como uma pomba que voa, e gira. - Sim, eu nunca vi Anabela desse jeito. Desde que ela deixou o marido que ela não fazia amor com tamanho entusiasmo. Quando Pedro ouviu o nome Anabela, seu coração disparou. Pedro fingiu não conhecer a mulher. Pedro não tratou mal o rapaz. Pedro voltou para casa, para suas coisas, para sua vida, e nunca mais ouviu falar de Anabela...