quinta-feira, 30 de junho de 2011

O DESPACHO

O DESPACHO

- Mulher não me pergunte mais sobre isso!
- Por que Vasconcelos?
- Porque isso é coisa para ficar guardada!
- Por que Vasconcelos?
- Porque tem de ser assim, entendeu?
- Não!
- Então, traz o pinico aí, por favor, que a coisa tá ruim!
- Você é um cagão seu velho maldito!
- O que? Mulher se conforme pelo amor de Deus!

O dia havia amanhecido em Tobias Barreto. As mulheres estavam varrendo as calçadas e comprando leite. Entre uma coisa e outra, um dedo de prosa sobre a vida dos outros. A Rua Itabaianinha, de manhã cedo, tem jeito de gente. Há uma efervescência de vida. As pessoas saem de casa em busca do que fazer e assim é por toda a antiga Vila de Campos. Tobias Barreto se tornou em um centro comercial na zona sul do estado de Sergipe. Muitos baianos e pessoas de outras cidades sergipanas e de outros estados do Nordeste vêm fazer compras em Tobias. A antiga Vila de Campos do finado poeta Tobias Barreto agora leva o seu nome, em homenagem a sua ilustre pessoa. Vasconcelos de Araujo Dantas era um tobiense da gema. O velho é um arquivo de estórias de um passado ido, porém, bem presente nos arquétipos locais. Sua mulher, dona Germana Alves, havia conversado com Liliane, sua vizinha e amiga de fofocas, sobre o achado daquela manhã. Conta o povo, e aqui, a voz do povo é a voz de Deus, que encontraram um grande despacho de macumba na encruzilhada da Sete de Junho em frente ao Restaurante Trindade. O despacho continha nomes de autoridades e fotografias de mulheres da sociedade.

- Liliane, mulher, você já tá sabendo do despacho de macumba? O sangue de Jesus tem poder!
- Eu ouvi alguma coisa, mas, num to sabendo, não! Disse a moça com um ar de “num sei não”.
- Pois, num é mulher encontraram um despacho na avenida e nele está o nome de muita gente graúda.
- Você já perguntou a teu velho sobre isso? O povo num diz que ele é sabido?
- Não, perguntei não. Encerrou a conversa dona Germana.
Dona Germana retorna ao interior de sua residência e trava mais uma prosa com seu Vasconcelos.

- Tá vendo homem. O povo tá dizendo que você é sabido. - Vasconcelos! Tenha fé em Deus, homem! Desembucha! O que é aquilo na praça?

O velho Vasconcelos Araújo coça sua barba branca e abre a sua boca com pouquíssimos dentes e viaja ao seu passado. Era 1987, Tobias estava de vento em popa, e Vasconcelos tinha sessenta anos. Ele recordou-se da antiga feira da coruja, da enorme quantidade de barracas e vendedores de todos os cantos do estado. As ruas menos movimentadas ficavam cheias de ônibus da Bahia. As pessoas circulando com sacolas na mão e muita esperança em seus corações. Os comerciantes trocavam de carro todo ano e a cidade ganhava prestígio econômico e político no estado. Mas não era só coisa boa não. Havia uma enorme quantidade de falidos e desesperançados andando sem rumo nos becos e vielas da cidade. Naquela época houve muitos casos de suicídio e de mulheres que abandonaram a família para tentar a vida de outra forma.

- Seu Vasconcelos minha menina Natália está com quebrante, não dá para o senhor rezar nela não?
- Dá minha filha traga ela às duas.

Vasconcelos era um rezador famoso na cidade. Um homem de caridade a flor da pele. Muitas foram as famílias que ficaram devendo a ele esse favor divino.

“Em nome da Virgem Santíssima, em nome de Nosso Senhor, saia dessa moça todo quebrante, perturbação, obra do mal”. “Salve a pemba, salve a jurema!” “Tá melhor minha filha?” Quem não conhecia essas palavras mágicas do velho rezador da Rua Itabaianinha? Vasconcelos recordou os tempos em que em Tobias as pessoas não fechavam as portas porque não havia ladrão na cidade. Aquele tempo fora muito bom, dizia o velho rezador.

- Vasconcelos!
- Ham?
- Estava a onde? Deixou-me, aqui, falando sozinha?
- Eu tava me lembrando do passado, você não quer que eu diga o que é aquilo?
Vasconcelos lembrou-se de Coronga. Este era um bruxo antigo que morava na Bahia próximo ao Candial. Coronga era especialista na magia com a cabeça de porco. Era sabido pelo povo que ele tinha uma enorme lista de pessoas afetadas por sua magia.

- Vasconcelos, esse Coronga seu amigo é do mal?
- Sei não.
- Mas ele não faz o mal?
- O que é o mal?
- Sei lá meu velho!
- Então? Se você pede um benefício, este atinge o outro, num é bom para você e ruim para o outro. Todo dia nascem e morrem pessoas, afinal, o dia foi bom ou mal?
- Sei não seu Vasconcelos estas coisas são muito complicadas.
- Eu só queria que o senhor segurasse esse homem dentro de casa, pois, ele está muito namorador.
- Num é minha filha que direito tem você de trancar alguém dentro de casa? O seu bem é mal para alguém, num é?
A jovem saiu das lembranças do rezador por um instante. A mente do velho Vasconcelos andava em tempos muito distantes agora. Ele via a Vila de Campos de 1956. A cidade era pequena e as pessoas mais próximas das outras. Ele lembrou-se de uma velha profecia de um feiticeiro da Lagoa Redonda:

“Chegará um dia em que algumas mulheres de bem de Tobias trairão seus maridos na avenida sete”.

- Será? Germana!
- Estou aqui, desembucha!
- Deve ser a profecia de seu Feliciano, o feiticeiro da Lagoa Redonda. Ele havia jurado que um dia algumas mulheres de bem de Tobias trairiam seus maridos em frente à praça do cruzeiro.
- Que nada rapaz! Está com conversa fiada!
- Então num sei não! Calou-se o velho rezador.

A praça do cruzeiro estava lotada de curiosos para ver o despacho. Tobias, mesmo nos dias modernos, não estava habituada com essas coisas. Tinha seus macumbeiros, mas, tudo bem escondido. Até que se prove o contrário todos eram cristãos autênticos. Ninguém ousava pegar no despacho. O sol foi esquentando, as pessoas foram passando pelo local e a multidão se avolumava. Quem pegaria no despacho para tirá-lo do local. Chamaram o padre, este disse que tinha uma missa para rezar. Chamaram alguns pastores, estes não puderam vir. “E agora?” Perguntou Clemente, um trabalhador da padaria ao lado do restaurante. “Chamem a polícia!” Disse Miranir, vendedora da Avon que passava pelo local. Os reportares das rádios locais vieram para a cobertura do acontecimento. “Isso é um absurdo!” Dizia o âncora do programa “A hora da verdade” “Não temos mais paz!” Disse o prefeito apoiando seus eleitores numa hora muito difícil. Enquanto o povo resolve sobre o que fazer com o despacho uma criança de cinco anos solta-se da mão de sua genitora e corre para o despacho pegando a rosa vermelha da Pomba Gira. O povo grita unânime: “Não! Pelo amor de Deus!” a criança corre com a rosa na mão por entre os adultos e se esconde debaixo de uma carreta de uma transportadora. Nesse instante o povo atônito começa novamente as suas conjecturas.

- Tá vendo? O diabo usou a inocência de uma criança. Disse Eduarda que trabalha no fórum.
- Pois num foi mulher, coitada da criança! Concordou Tereza, uma dona de casa.
- Isso num tem nada a ver não. Deus guarda as crianças inocentes. Disse Pedro, um torneiro mecânico.
- Rapaz tudo tem um propósito debaixo do céu. Esse foi o argumento de Paulo, um adventista do sétimo dia.
- Deve ter sido o carma da criança. Argumentou Herculano Andrade, líder do centro espírita cavaleiros da luz.

As opiniões eram muitas, e o sol já estava no meio do céu e nada do despacho ser retirado do lugar. Todos que passavam diziam alguma coisa. Cada um segundo seu mundo interior. A tarde entrou e o tempo ficou pesado de nuvens. As pessoas foram se dispersando para suas casas. As nuvens cinzentas anunciavam que haveria trovoada em Tobias. Era costume na época colocarem plásticos nas janelas em tempo de trovoada por que a chuva era acompanhada de ventos e a água entrava nas casas. Todo mundo no seu lugar, e o despacho no mesmo local sem ser removido, exceto uma pequena rosa vermelha jogada no calçamento da avenida sete. Os trovões ribombaram no céu do sertão. As mulheres cobriram os espelhos com um pano, “É para não atrair raios”. Disse Almerinda Góis, mulher de Gustavo da Exatoria.

- Vasconcelos! O povo foi embora e não tirou o despacho do meio da rua. Tenha fé em Deus homem! Faça alguma coisa para aliviar a dor do povo! Disse Germana um tanto irritada. Vasconcelos foi para o quintal em busca de seu cachimbo que ele ganhou quando esteve na aldeia indígena que fica no município de Colégio nas Alagoas. O cachimbo estava sobre sua pedra sagrada. O velho gostava de sentar naquela pedra no final da tarde para fazer suas orações aos Orixás. E aproveitava para dar umas cachimbadas e meditar sobre o sentido da vida, ou os sentidos que a vida pode ter como dizia ele. A chuva começou a cair fina, as folhas do pé de sapoti e do pé de carambola não a deixavam incomodar o velho rezador em sua reflexão sobre o ocorrido.

- Pai Joaquim, será que aqui tem algum maluco que arria ebó no meio da rua?
- Tem, meu fio.
- E que diacho é isso meu velho?
- É o povo que pediu dinheiro, sorte no amor, e sucesso na vida.
- Mas por que arriar logo na encruzilhada da avenida principal da cidade?
- O rapaz achou que fazendo assim ia ajudar a todos uma vez que as lojas estão todas por ali.
- Mas que diacho meu velho! Assustou o povo!
- Mas num foi o povo quem pediu?
- É. Sendo assim, por que o povo estranha o que conhece?
- É a natureza humana, num é Vasconcelos?
- É, meu velho...
Um forte trovão despertou Vasconcelos do sonho e as grossas gotas de água caíram pesadas sobre o corpo cansado do velho Babalaô conhecido como “rezador Vasconcelos”. A chuva veio impiedosa e levou tudo que estava em seu caminho. Desfez o ebó, a farofa, as rosas, os cigarros, os charutos, tudo foi levado pela enchente que cobriu toda a antiga Vila de Campos. As casas foram inundadas, os plásticos para nada serviram e após o dilúvio as pessoas se ocuparam em limpar suas casas e fofocar sobre a chuva.

- Nunca mais havia chovido assim no mês de Santana.
- Pois num é mulher!
- Será que foi a mão de Deus?
- Deve ter sido, né.
- Será que morreu alguém?
- Que nada, se tivesse morrido a gente já sabia. Aqui as notícias correm rápido.
- Molhou a minha casa toda.
- A minha também.

A cidade voltou ao normal. Todo mundo foi fazer alguma coisa. O despacho a chuva o levou e até hoje não se sabe quem o fez. Será?

- Vasconcelos!
- Sim, mulher, estou no quintal!
- De novo homem, no quintal?
- Mulher deixa de besteira e traz o pinico que voltei a ficar ruim...


ROOSEVELT VIEIRA LEITE, 09/02/2011

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Os Direitos e Garantias Fundamentais na Constituição de 88

Tais direitos estão previstos no art. 5° da Magna Carta, que contempla, sobretudo, os direitos fundamentais de primeira geração, já vistos aqui como liberdades negativas.

Válido ressaltar que ainda neste mesmo artigo há menção dos direitos fundamentais coletivos, dos quais pode-se tomar por exemplo seu inciso XVI que afirma que “todos podem reunir‑se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio‑aviso à autoridade competente”; ou mesmo o inciso XIX que declara que “as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo‑se, no primeiro caso, o trânsito em julgado”. Aproveitando a deixa de tal análise, devemos chamar atenção para o princípio da igualdade, que contempla a proibição do racismo, a diferença salarial, de excercício de funções e de padrões de admissão por ocasião de sexo, idade, cor ou estado civil, por exemplo.

Ainda dentro do art. 5°, no inciso II, encontra-se o seguinte imperativo: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Tal inciso caracteriza o princípio da legalidade, que se distingue do princípio da reserva legal, por estabelecer este que determinadas matérias sejam reguladas necessariamente por leis formais.
Os chamados direitos sociais, por seu turno, dizem respeito às liberdades positivas, que devem ser compulsoriamente observadas pelo Estado Social de Direito, a fim de aperfeiçoar as condições de vida aos menos favorecidos, tendo em vista a concretização da igualdade material ou substancial. Tais direitos podem ser encontrados no art. 6° e subsequentes da Constituição Federal, e são tratados em muitos outros dispositivos constitucionais, a exemplo do art. 206 que ratifica que “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.

Os direitos que tratam do vínculo jurídico-político que conecta um indivíduo a determinado Estado, fazendo-o capaz de demandar sua proteção e sujeitando-o à realização de alguns deveres, são denominados direitos de nacionalidade. Tais direitos estão dispostos no art. 12 da Lex Fundamentalis, que trata de quem são os brasileiros natos e naturalizados e suas devidas prerrogativas.

Já os direitos políticos tratam do conjunto de normas que disciplinam as maneiras de atuação da soberania popular, a fim de possbilitar ao indivíduo a atuação concreta da liberdade de participação nos assuntos políticos do Estado Democrático de Direito, dando-lhe os devidos atributos da cidadania. Podem estes direitos ser encontrados no art. 14 que dispõe sobre a soberania popular, que deve ser exercida através do sufrágio universal, bem como pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e mediante instrumentos especificados nos incisos do artigo em questão.

Por fim, os direitos à existência, organização e participação em partidos políticos dispõem sobre os partidos políticos como instrumentos imprescindíveis à preservação do Estado Democrático de Direito, dando-lhes a segurança de sua autonomia e completa liberdade de atuação, para atualizar o sistema representativo, como podemos conferir no artigo 17 da Carta Magna, que noz diz que é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os preceitos dispostos no artigo em análise.
Há de se lembrar ainda que no universo da nossa Constituição Federal os direitos fundamentais constituem categoria aberta, pelo fato de poder ser infindavelmente complementada por novos direitos, como também pode-se dizer que se trata de categoria mutável, uma vez que, segundo lição de Paulo e Alexandrino (2010) “os direitos que a constituem têm alcance e sentido distintos conforme a época que se leve em consideração”.

Isto posto, temos que a enumeração dos direitos fundamentais na Carta Polítca brasileira de 1988 não é fechada, dado que podem ser estabelecidos outros direitos fundamentais em seu próprio texto ou em normas diversas.

O aqui já abordado art. 5°, em seu parágrafo segundo, apresenta-nos o seguinte imperativo: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Daí termos uma distinção que se dá entre: a) direitos fundamentais formalmente constitucionais, que dizem respeito aos que estão expressamente previstos na Constituição, em qualquer dispositivo de seu texto; b) direitos fundamentais materialmente constitucionais, que correspondem àqueles que não estão previstos no texto da nossa Carta Magna, e sim em normas jurídicas diversas. Tais direitos não dispõem de hierarquia constitucional, a menos que sejam previstos em tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aprovados nos ditames do art. 5°, § 3°; c) direitos fundamentais catalogados, consistem naqueles que são enumerados no catálogo próprio dos direitos fundamentais, no Título II da Carta Política, que vão, como já dito neste trabalho, do art. 5° ao art. 17; d) direitos fundamentais fora do catálogo tratam-se dos direitos previstos fora do catálogo dos direitos fundamentais, em artigos outros da Carta Magna brasileira, a exemplo do direito ao meio ambiente, conforme lição de Paulo e Alexandrino (2010).

Faz-se necessário, outrossim, observarmos que a Constituição Federal de 1988 determina que os tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos, desde que aprovados em cada uma das casas do Congresso Nacional, por votação dada em dois turnos, obtendo aprovação de três quintos dos votos dos respectivos membros, ganharão força de emendas constitucionais, conforme dispõe o art. 5°, § 3°, EC n° 45/2004.

REFERÊNCIAS
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 6. ed. São Paulo: Método, 2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Músicas e excessos de metáforas

Neste texto eu gostaria de desenvolver as seguintes indagações: o que faz a MPB ser tão consumida entre o setor médio universitário? Quais são as características que contém essa música que justificam a grande intensidade de consumo dela em meio a esse setor? Acredito que a complexidade temática é o maior fator que leva esse setor a se identificar com a MPB, mas por que é justamente essa complexidade que produz essa identificação nesse setor?

Uma classificação convincente é bastante complicada, mas quando falo de setor médio universitário, refiro-me ao setor que possui certo prestígio social por ter capital escolar e não se encontrar na condição inferior da pirâmide, mas não possui a riqueza da elite econômica, pois apesar do certo prestígio, os indivíduos desse setor são trabalhadores assalariados. Um setor que detém de um prestígio social, mas que não possui a maior riqueza econômica.

O que leva o setor médio da sociedade se atrair por repertórios que contêm letras complexas e com excessos de metáforas? Acredito que o fato dos setores médios se encontrarem no meio da pirâmide social obriga-os a aprender a viver experiências ambíguas em seus cotidianos, pois ao mesmo tempo em que não são subalternos e possuem o poder, também não possuem o poder, pois não são extremamente ricos por não pertencerem a elite.

Os indivíduos dos setores médios ao refletirem acerca das experiências sociais pelas quais passam cotidianamente, fazem eles viverem uma rotina conflitiva, pois possuem boas influências tanto do lado da elite econômica, quanto do lado dos setores mais subalternos da sociedade, mas ao mesmo tempo não possui poder nem em um lado, nem em outro. São pobres querendo ser ricos, são ricos sendo pobres, são pobres e ao mesmo tempo também são ricos.

O indivíduo da classe média transita perdido em sua condição intermediária tentando atender tanto o lado mais fraco por ele necessitar do apoio desse lado por ser também mão-de-obra assalariada, mas ao mesmo tempo busca atingir o apoio da elite, afinal, mesmo o setor médio da sociedade não possuindo o prestígio material dessa elite, esse setor está consciente que diferente dos setores periféricos, ele se encontra em situações sociais menos precárias.

Podemos encontrar essa ambivalência nos discursos construídos pelos setores médios. Por um lado eles valorizam as ditas músicas críticas da MPB por dizerem que se preocupam com a realidade social e com os setores subalternos da sociedade, o que não deixa de ser verdade, pois o próprio setor médio sofre conseqüência dessa realidade por não pertencer à elite, mas por outro lado descarta as construções textuais populares aceitando apenas os modelos elitistas.

Enfim, dizem odiar os ditos burgueses, mas admiram os modelos elitistas, afinal, o setor médio, por se encontrar no intermédio da hierarquia, recebe as influências estéticas da elite; mas por outro lado, defendem os desprivilegiados, uma vez que, por fazer fronteira com esse setor, também recebe os valores dele. É por isso que o setor médio se alia com os subalternos e com a elite e ao mesmo tempo se nega a defender tanto a elite quanto os subalternos.

Essa é a realidade dos setores médios da sociedade. Fazem aliança com os dois lados, mas também desfaz aliança com os dois lados. Essa inevitável condição de assumir esses dois lados da moeda sem pertencer a nenhum, faz com que os indivíduos dos setores médios agreguem em seus repertórios, canções de teores ambivalentes, afinal, essa ambivalência nada mais é do que o reflexo político e social vivido cotidianamente pelo indivíduo médio da sociedade.

Como a música é a expressão de uma dada realidade, nada mais justo do que entender o porquê dos setores médios adorarem canções de difíceis traduções e de zombarem tanto das ditas canções simplórias do povão, afinal, para atender seus interesses confusos, o setor médio se reveste de milhões de metáforas, afinal, ele não pode se apresentar apenas para um lado. A melhor forma de o setor médio expor um sentimento é expressando-o em várias direções.

Belle de Jour



Belle de Jour,

Foi rechacada por nao controlar seus impulsos incontidos,
sua paixao violenta extremamente sexualizada.

Belle de Jour, foge todas as tardes a fim de satisfazer as suas luxurias e
escapar da entediante rotina de dama da noite.

Por isso, Belle de Jour foi atada pelas maos e pes e
assim foi, compulsivamente chicoteada pela furia de seu dono.

Belle de Jour, Belle de Jour...





* Citacoes criadas por Maira Lima, a partir do filme do espanhol, Luis Bunel- Belle de Jour (1967) e recontextualizada na fotografia artistica do alemao Hans Bellmer.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Dos Direitos e Garantias Fundamentais (Conceitos e características)

Uma primeira distinção que nos oferecem Paulo e Alexandrino (2010) é a que se dá entre as expressões direitos humanos e direitos fundamentais, mesmo que estas sejam ordinariamente usadas de forma sinonímica.

Segundo Gilmar Mendes (apud Paulo e Alexandrino), “a expressão direitos humanos é reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem”. Há de se notar, portanto, seu caráter jusnaturalista e não fundamentalmente positivado numa dada ordem jurídica.

Já os direitos fundamentais, por seu turno, designam os direitos que dizem respeito às pessoas, e estão inscritos nas disposições normativas de cada Estado. Trata-se, portanto, de direitos que vigem numa dada ordem jurídica, sendo, então, tanto garantidos quanto limitados no espaço e no tempo, uma vez que se efetivam conforme cada Estado os determina.

Há uma segunda distinção a ser observada que se dá entre os direitos e as garantias fundamentais. Os primeiros dizem respeito aos bens considerados em si mesmos, designados enquanto tais no texto da Constituição. Já sobre as segundas, tem-se que são estabalecidas pela Constituição como meios de conservação dos direitos fundamentais. Possibilitam estas, portanto, que os indivíduos façam efetivar-se, em relação ao Estado, tais direitos fundamentais. Assim, nas palavras de Paulo e Alexandrino (2010), “ao direito à vida corresponde a garantia de vedação à pena de morte: ao direito à liberdade de locomoção corresponde a garantia do habeas corpus; ao direito à liberdade de manifestação do pensamento, a garantia de proibição da censura etc”.

As principais características dos direitos fundamentais foram sintetizadas pelo eminente professor Alexandre de Moraes (2008) em tais elementos:

Imprescritibilidade, uma vez que os direitos fundamentais são perenes; inalienabilidade, já que é completamente vedada a transferência dos direitos fundamentais a outrem; irrenunciabilidade, tendo em vista que, em regra, os direitos fundamentais não podem ser renunciados; inviolabilidade, pois não se faz possível a inobservância por disposições infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas; universalidade, uma vez que devem contemplar todos os indivíduos, não importando a sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica; efetividade, o poder público deve tomar por objetivo a efetivação de tais direitos; interdependência, as muitas previsões constitucionais, embora sejam autônomas, apresentam várias intersecções a fim de alcançarem suas finalidades. Logo, por exemplo, a liberdade de locomoção está intrisecamente conectada à garantia do habeas corpus; complementaridade, tais direitos não devem ser interpretados isoladamente, devem, pelo contrário, ser analisados de forma conjunta, a fim de alcançar a efetivação do que foi pretendido pelo legislador.



REFERÊNCIAS
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 6. ed. São Paulo: Método, 2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Com Clarisse

Com Clarisse eu tinha fôlego para gritar palavras de paz. A casa onde nós morávamos ficava longe de tudo e se encontrava em meio a uma colina. No fim de tarde nós dormíamos deitados em nossa rede. Eu sentia o cheiro de seus cabelos castanhos e o calor de sua face adormecida em meu peito. Ficava olhando as montanhas e rios que nos cercavam. Com Clarisse as coisas pareciam ser mais simples e tudo não passava de um momento singelo de espera tranqüila por um outro dia. Enquanto Clarisse dormia, eu andava em volta da vida pensando coisas que só faziam alimentar os meus sonhos. Sentia-me vivo ao deixar me perder com suspiros internos e intensos de paz e ao me acolher no silêncio brando das árvores e da brisa que passava de leve por mim.

Não pensava em buscar desejos desmesurados, pois eu tinha os olhos de Clarisse, eu a tinha todos os dias a dar voltas em torno do espelho a me mostrar seu vestido. Ela era um constante renascer, era uma beleza simples, era um descanso velando minha vontade de viver. Com Clarisse eu não me colocava em dilemas e desgastes, pois não tinha pretensões de voar além de nada do que eu podia sentir como vida, mas por ela eu também voava além dos limites de meus olhos. Quando eu a deitava na cama ao anoitecer, eu me calava diante de seus gestos, de sua preguiça provocativa, de sua timidez ousada de felicidade. Sentia os seus sussurros e cantava o gozo de quem sentia reencontrar o ímpeto que há muito parecia ter desaparecido.

Com Clarisse eu acreditava em meus sonhos e vivia intensamente a minha alegria e minha disponibilidade para amar. Adorava ouvir o seu cantarolar enquanto varria as folhas secas que caiam em nossa varanda, adorava sentir aquele seu jeito de quem não queria perder sequer um segundo da vida, de quem queria se saciar de um amor e que fazia de tudo para nunca deixar morrer a chama que consumia e que alimentava esse amor. Adorava ver Clarisse de cabelos molhados e soltos com seu corpo moreno em volta da toalha enquanto ela se posicionava em frente ao espelho passando a escova para pentear seus fios encaracolados. Clarisse sorria para mim ao me ver faminto pela paz que ela trazia para o nosso lar e me jogava na cama com todo o ardor que nunca se acabava com a sua serena tempestade de todos os dias.

Quando eu saía para colher sonhos do mundo para preencher a nossa casa, eu não parava de pensar em cada detalhe escondido que se fazia revelado em meu dia a dia com Clarisse, mas certa vez ao voltar do mundo, ela não se encontrava de braços abertos para mim. Olhei para o chão e vi um amontoado de folhas secas em nossa varanda e a nossa rede vazia. Não ouvi o seu canto e o espelho não refletia Clarisse com seus cabelos encaracolados. Desci a colina, olhei para todos os lados do rio, subi serras e comecei a chorar. Voltei para a casa, deitei na cama, esperei Clarisse voltar. O tempo foi passando, o céu escureceu, as sombras não passavam de silêncios atormentados. Estirei-me na cama e dormi.

Ao me acordar, encontrei Clarisse sentada na cadeira olhando para o mundo. Ela sorriu e me pediu para colocar sua face em meu peito. Deitamos na rede, sentimos a brisa da noite passar por nossos rostos, juramos palavras de amor e sorrimos. Clarisse dormiu. Fiquei a olhar para os seus seios vacilantes fora da blusa iluminados pelo clarão da lua e para os seus olhos meigos. De tanto velar seu sono, eu dormi também. Depois daquele dia, vários outros se passaram, mas teve um momento em que foi necessário aprofundarmos nosso sono, pois estávamos muito cansados de tanto sonhar. Desse dia em diante, apenas nos acordamos. Clarisse passou a enfrentar sozinha as batalhas e as conquistas de seus próprios sonhos e eu também. Da rede, da casa, do espelho, das folhas, das sombras, das árvores, só nos restaram as lembranças e esse sentimento gerador de forças e de saudades que se chama amor.

Em tom vivo

De salto alto, andado nas ruas escuras tarde da noite.
Pus um batom vermelho- escarlate e retoquei os cilios, com rimel.
Parecia que desse modo, a roupa se ajustava melhor ao corpo,
e as meias 7/8, muito finas davam sinuasidades as pernas.
Os cabelos pesadamente soltos e ouricados
e os peitos inflados, pulavam
a medida que o toc do salto batia no asfalto.

A noite estava quase acabando,
quando andei mais um pouco, olhei para um lado
e vi um espelho enorme quebrado
suportado pela parede rigida acinzentada de um porao.

o riso foi se desfazendo numa infinita descontinuidade,
um dos saltos se partiu,
os olhos melados e escorrendo de tinta preta
as meias desfiavam
os peitos murcharam
a pele enrugava
a boca
a boca do meu porao sangrava...
manchava o inferior da face de
vermelho escarlate.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

AURORA

AURORA

Aurora me diga como o dia será ao amanhecer?
Fale-me dos homens.
O que farão?
A aurora se foi e escondeu-se atrás do monte.

Enquanto o céu engolia as estrelas.
O vidente via uma praça cheia de homens.
Os homens caminhavam em todas as direções.
Mas nenhum saía da praça.

O dia se fez claro.
Os homens faziam a mesma coisa.
Coisas de homem.
Humana humanidade.
Fraternidade de amigos.

Os humanos matavam seus irmãos.
Negavam-lhes um pedaço de pão.
Amaldiçoavam e abençoavam com a mesma boca.
Uma arma na mão, uma flor na outra.

Nasce uma cruz no meio da praça já perto das três da tarde.

Tenha piedade!
Não sabem o que fazem!

Os homens amaram a cruz.
Seguiram-na da palestina até os confins da terra.
Lamento e dor acompanhou sua evangelização.
Encheram de negros os porões dos navios.
O mar testemunhou a morte de um rei.
Amaram os índios até a morte de seu último herdeiro.

Diga-me aurora como será amanhã?
Amanhã os homens vão à missa, vão ao culto.
Suas vestes contracenam com o espetáculo.
Suas palavras são louvores a cruz.
A cruz da praça.
Onde todos passam.
Eles elas juntos de mãos dadas se abraçam.

Uma gota de sangue cai do altar.
Um mendigo chora à porta formosa.
E eu fechei os olhos até dizer amém.

Diga- me aurora sobre o novo dia!


ROOSEVELT VIEIRA LEITE. Tobias Barreto, 15/05/2011

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Dos Direitos e Garantias Fundamentais (Histórico)

Caros leitores, dada a importância do conhecimento acerca dos mais excelsos direitos garantidos pela ordem jurídica, gostaria de trazer esboços acerca do tema. Hoje começo por um breve histórico.
--------------------------------------------------------


O ponto inicial dos Direitos e Garantias Fundamentais, geralmente demarcado por alguns autores, diz respeito à famigerada Carta Magna inglesa, de 1215. No entanto, tal estatuto assecuratório não tinha como ponto nevrálgico a garantia de um espaço irredutível de liberdades aos indivíduos como um todo, e sim, nas palavras de Paulo e Alexandrino (2010), “assegurar poder político aos barões mediante a limitação dos poderes do rei”.

Ainda assim, no entanto, juntamente com a Petition of Rights (1628) e o Bill of Rights (1688), embora nenhuma destas tenha puramente caráter moderno, o que só aparece no século XVIII, com as revoluções americana e francesa, deu-se então a possibilidade do desenvolvimento de regras consuetudinárias comprometidas com a proteção dos direitos humanos fundamentais.

Através do firme caráter de desenvolvimento das instituições inglesas e a assertividade do Parlamento inglês e da jurisprudência, formando a common law, pode se dar a consolidação da reverência aos direitos e garantias fundamentais do homem.

A positivação de tais direitos deu-se, no entanto, com o acontecimento da Revolução Francesa, especificamente com a Declaração dos Direitos do Homem (Déclaration dês Droits de l’Homme et du Citoyen, em 1789), que, segundo José Afonso da Silva (2005), “é texto de estilo lapidar, sintético, preciso e escorreito, que, em dezessete artigos, proclama os princípios da liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade e as garantias individuais liberais (...)”, e de declarações de direitos elaboradas pelos Estados Americanos, quando de sua independência em relação à Inglaterra. Segundo Paulo e Alexandrino (2010), “originaram-se, assim, as Constituições liberais dos Estados ocidentais dos séculos XVII e XIX”.

A aurora dos direitos fundamentais se deu intrisecamente à necessidade de se postar barreiras às possíveis arbitrariedades do Estado, bem como de suas autoridades legitimadas. Daí então, por demandarem um não fazer do Estado acerca da liberdade individual, são chamados direitos negativos, liberdades negativas, ou direitos de defesa.

Havia, portanto, uma demanda por uma abstenção do Estado que deveria assim favorecera plena liberdade do indivíduo, amplificando a esfera individual frente às deliberações do Estado.

Foi somente no século XX, no entanto, que se pode falar em reconhecimento efetivo dos direitos fundamentais de segunda dimensão, que consistem nos direitos sociais, culturais e econômicos, e a partir daí se poder afirmar o caráter postivo de tais direitos, uma vez que se passava a exigir, concomitantemente, a atuação comissiva do Estado.


REFERÊNCIAS
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 6. ed. São Paulo: Método, 2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Perdidos no xadrez

Aracaju não é uma capital preparada para receber turistas. Ela se encontra entre duas capitais de grande peso no mercado turístico como Maceió e Salvador e passa despercebida. Neste texto eu quero falar sobre a precariedade das informações contidas nas placas expostas nas ruas sobre as localidades da cidade, sobre a falta de conhecimento do Aracajuano do nome de seus bairros e ruas e sobre sua dificuldade em direcionar e orientar determinados lugares aos turistas.

Não é exagero o que vou dizer. A Universidade Federal de Sergipe (UFS) fica localizada em São Cristóvão. São Cristóvão é um município de Sergipe. Para qualquer pessoa que more na capital Aracaju, a UFS não fica tão próxima ao Conjunto Augusto Franco. Mas vamos com calma: não é perto em proporção às distâncias dos lugares em Aracaju. De carro, um lugar em Aracaju mais distante do outro fica a 25 minutos, isso para quem estiver aprendendo a dirigir.

Além de pequena, Aracaju com sua forma de um tabuleiro de xadrez, não possui grandes complexidades. Se você estiver dirigindo em uma rua e errar o caminho, basta você entrar na próxima rua. Quando falo dessa simplicidade, eu estou falando de Aracaju apresentada aos turistas. No entanto, mesmo com toda essa simplicidade, nós sabemos que turista é sempre turista e precisa de orientações, mas será que um turista se encontra orientado em Aracaju?

O turista necessita de placas para se orientar, mas se ele quiser ir ao Orlando Dantas e passar pelo viaduto do DIA, ele vai enxergar nas placas apenas Praias e Shoppings. Como ele optará em seguir pelo São Conrado se esse nome nem consta nas placas e nem ele sabe que o Orlando Dantas vem depois de São Conrado? Shoppings? Quais? Um dos shoppings se localiza no Bairro Jardins e outro na Coroa do Meio. Os turistas não têm a obrigação de saber disso.

Sem placas para guiar, os turistas buscam informação dos aracajuanos. Contudo, os nomes oficiais não são iguais às nomeações que os aracajuanos dão as localidades. Isso confunde o turista. Esclarecendo: se um turista em plena avenida Rio de Janeiro pergunta a qualquer aracajuano onde fica a avenida Augusto Franco, é bem provável que ele não saiba responder, pois ele não sabe que a avenida Rio de Janeiro é a própria avenida Augusto Franco.

Além da confusão que fazemos com os nomes oficiais dos lugares, existe um outro grande problema. Mesmo os aracajuanos conhecendo os lugares questionados pelos turistas, eles possuem grandes dificuldades em orientá-los. Acredito que isso se deva a um paradoxo: pelo fato da cidade ser pequena, os nativos não se preocupam em marcar pontos referenciais para se localizarem. No entanto, o turista, por não conhecer o lugar, precisa desses referenciais.

Exemplo: se um turista pergunta a um nativo como se faz para chegar a Avenida Augusto Maynard pela Avenida Barão de Maruim, ele muitas vezes não sabe informar com detalhes as rotas para o turista, dar um lugar como referência para localizar o turista, mostrar quantas esquinas ele passará depois tal lugar, dentre outros detalhes. Em geral, o morador de Aracaju direciona de forma muito resumida como: é só ir direto, é um pouco mais na frente, pra lá, etc.

Talvez se Aracaju fosse maior e tivesse uma complexidade maior de ruas, de curvas, o nativo, por necessidade própria em seu cotidiano, se veria obrigado a demarcar pontos de referências mais precisos para ele próprio, uma vez que ele mesmo sentiria dificuldade de se localizar pelo excesso de imagens. No entanto, como Aracaju é pequenina, ele não se preocupa em demarcar com detalhes determinado lugar, pois tudo se encontra próximo a tudo.

Apesar de acreditar no tamanho da cidade como uma hipótese para justificar o porquê do aracajuano não saber orientar melhor o turista, não acredito que isso seja um ponto que de fato venha a ser o único que traga uma justificativa para esse problema verificado em Aracaju, afinal, existem cidades que são menores que ela e nem por isso deixam de se encontrar preparadas para atender o turista no nível de informação, como também no mercado turístico.

Acredito que essa dificuldade se deva também a falta de conhecimento que o aracajuano tem de seu próprio lugar. Se tem uma coisa clara em Aracaju, é a indiferença e a falta de pertencimento dos nativos com essa capital. Esse não se sentir pertencido talvez provoque um divórcio entre o indivíduo com o seu meio. Apesar de cotidianamente ambos se encontrarem ligados, eles não se reconhecem e terminam por viver um cotidiano distante um do outro.

Com isso, podemos notar que Aracajuinha não se encontra preparada para receber turistas. Pergunto: onde estão os estudantes e os demais profissionais do turismo? Quais são os projetos que andam sendo executados para fazer com que Aracaju seja um espaço aberto ao turismo? Soube que existem cursos de turismo que sequer estudam a história de Aracaju e de Sergipe. Esses cursos existem para servir qual intuito? Qual a contribuição social que eles buscam alcançar?

Uns retratos pendurados na parede

Umas das questoes que me perguntaram na prova de ingles ( claro sem nenhum cunho historico, apenas interesses gramaticais) foi se o passado era relevante para o futuro. Nem me lembro direito o que respondi por minhas ideias serem tao desorganizadas, afinal pensar numa lingua diferente e complicado. Quando respondi, nem pensei e nem sei se fui coerente. Logo apos, passei no Museu de Arte Moderna e vi algumas fotos. Todas elas mostravam a guerra civil que a Irlanda sofreu em 1972 em Belfast.
Belfast se situa na Irlanda do Norte. Nao que aqui exista um Sul, mas o Norte- Irlanda do Norte- serve apenas para diferenciar o dominio ingles. Apesar de boa parte, ter adquirido a independencia em 1921, A Irlanda tem fortes marcas de sub- desenvolvimento. E um tal de subdesenvolvimento desenvolvido, ou seja, qualquer um que vem aqui, percebe que a seguridade social e violencia urbana e muito mais controlada que no Brasil, por exemplo. Mas, se voce se desloca para outro canto, sente que a Irlanda e uma prostituta carente da Inglaterra e sedenta de investimentos de outros paises europeus, como a Alemanha. Indo para Irlanda do Norte e claramente visivel que sua dependencia com os ingleses, la o que corre e o pounds- moeda inglesa- e nao o euro. O irish, so nas comunidades e colonias distantes. A lingua inglesa e imperativa, apesar deles terem um sotaque muito carregado- duublin- e como eles falam.
A tradicao fortemente e autenticamente irlandesa e o paint. Transformando em portugues, um paint corresponde 500 ml de cerveja sabor pesadamente cevado, longe da suavidade brahmesa. Irlandes se acorda bebendo. Turistas apreciam os pubs como principal ponto turistico. Confesso, os pubs- bares- sao os melhores que ja vi. Mas de resto, a Irlanda anda desgracada. Indice relativamente alto de desemprego, ajuda governamental caindo aos barrancos. Quanto a cultura... de modo geral, diria que e una. Una e nao unica. Aqui a globalizacao esta muito perto. Parece que tem um pouco de america macdonizalda onde os estrangeiros nao sao estranhos. Todos falam uma lingua universal, gestos similares, gostos diluidos pela miscelania globalizada. As vezes sinto que Dublin nao e Dublin, para se sentir um pouco da cultura Irish e necessario fugir para as cidades mais distantes.
Vejo isso, como falta de modernizacao ou melhor desenvolvimento. Tudo e importado inclusive os pequenos investimentos. Ate nas simples mercadorias seja no melao ou no morango, tudo e pertencente de outra nacao. O mais interessante e que quando se acha algo autenticamente Irish, se ve uma etiqueta ululante ao lado "por favor me compre porque eu sou irlandes".
O que posso entender sobre o passado e que ele reflete muito o presente. Vejo que a dominacao britanica e preponderante ate hoje. Nao basta ter o titulo de republica, que ironicamente a Inglaterra e uma monarquia, mas toda uma infra estrutura e necessaria para que o pais construa a sua propria autonomia.
Os retratos do museu mostraram que a arte moderna esta no passado. Na fotografia e na guerra, capaz de refletir, ilustrar que as dores do subdesenvolvimento perpetuam nos ares gelidos irlandes.
As fotos nao sao apenas fotos.
As fotos nao retratam um passado congelado no tempo.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

LEMBRANÇAS

A janela de seu quarto era uma moldura.
Moldura de beleza estranha.
Beleza da estranha.
Aquela que se tornou tão íntima que quando me mudei de prédio senti muitas saudades.
Às vezes parecia uma rosa.
Uma cheirosa rosa de todas as manhãs.
Às vezes era um rosto que me suscitava recordações.
Lembranças de alguém.
Além.
Ali.
Ou quem sabe, cá no peito, aqui.
Um dia a janela foi fechada por dentro.
Em vez da moça,
Uma vidraça fria.
Ou quente no meio do dia.
Sol de saudades.
Saudades da moça.
Da janela moldura.
Das lembranças despertadas.
Depois me mudei também.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Do que é o riso, Companheiro?

Texto postado fora do horário habitual, por conta de queda de rede local.

___________________________________________

Quase tudo o que esteja disposto no tempo e no espaço pode me fazer rir.

Isto já foi objeto de análises várias: das mais casuais às mais acuradas, inclusive com afinco por parte daquelas teorias que se assumem limitadas, mas que se arvoram a explicar tudo. Nada feito.

Rio porque rio. Às vezes porque o interlocutor tem a intenção de me fazer rir, muitas vezes porque sua fala acaba me remetendo a outra experiência altamente risível, e, muito mais vezes ainda, porque percebo peculiaridades em sua fala que quebram o que espero por lógico.

Esta última causa pode trazer um corolário interessante. Às vezes estou rindo no momento em que alguém fala, dentro de uma roda de amigos, por conta dos trejeitos peculiares do falante. As pessoas que compõem a roda me observam com olhar médico, como se no meu caso só se pudesse tratar de patologia. Engraçado, quando por ventura faço imitação pública da pessoa que falava, aí sim todos tocam a rir. Deve ser porque a natureza me deu um miolo a menos e uma sensibilidade a mais.

Por mais inacreditável que pareça, na maioria das vezes, ao rir não estou ridicularizando o objeto do riso. Convencer as pessoas disto é que se faz tarefa quixotesca. Talvez por isto tenha as procurado cada vez menos. Se estas me procuram, sabem do risco de presenciarem uma profunda e sincera gargalhada. Mas, devo dizer, não condeno a insegurança alheia.

Muito embora deva explicar que se rio, por exemplo, de determinada idiossincrasia, é porque esta pode estar no momento a me provocar dolorido prazer, a exemplo das cócegas, ou a me remeter a agradáveis lembranças, ou a lembrar-me de certa quebra de discurso ou evolução esperada de algum plano da vida real, ou, aí sim entra o ridículo, me faz pensar que se trata de um estado de excitação por algo desnecessário, ou da indeferença a algo que se deva ser exaltado. Enfim, estes elementos muitas vezes estão justapostos, é tudo muito complexo.

Apesar de tudo, consigo ser coerente. Suporto com paz de espírito a reciprocidade do riso. Não que a coerência deva ser lá tão exaltada, afinal, se a razão luta para suprimnir o instinto, talvez a incoerência seja algo bem mais próprio ao ser do húmus. Parênteses à parte, deix’eu rir pra não chorar!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Adele Song



Eu te amo assim calado
Eu te amo...
E os laços que fizeram você estar aí do outro lado
Não mais estão presentes
Porém o que está perene são os teus próprios pensamentos e sentimentos
Enquanto isso
Estou a malgrado aqui
Sentindo demais
E sem você para me redescobrir
Me amar enfim.

Só tenho o zelo do meu coração
E que tanto te espera
Sem ter uma solução
Para os meus sentimentos

Adele (bis)

Se amar é uma dor
Acharam uma boa superposição
Para esse mais outro ser dialético
Sem nexo (bis)

Ah não!
Não queria estar aqui fazendo essa canção
Ah não!
Apenas queria um terço daquilo que desejo
Não... Não vá me olhar assim
Me derreto nas suas constelações
E o meu sol a brilhar
E os teus olhos a desviar
Do meu tão esforçado brilhar
Sou mais um que espera.

Adele (bis)

* Musica feita no momento ao qual foi gravada, não sou cantor então não se assustem. Tomara que curtam! Abração

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Reencontrando Josellen Bolucha

Só depois de uma semana que minha querida amiga Josellen Bolucha me procurou. Aproveitei e a convidei para tomar umas no Traseiro da Estratosfera. No bar, ela teceu alguns comentários acerca do texto que postei no torto sobre os gordos intitulado “Preconceitos e hipocrisias”. A partir de suas indagações, eu resolvi dar continuidade ao tema só que falando sobre a condição do gordo nos discursos referentes às categorias marginalizadas.

Em nossa conversa, detectamos coisas muito pertinentes. Bolucha me questionou:- nós sabemos que os gordos, como todas as categorias excluídas da sociedade, sofrem preconceitos e têm que conviver com os discursos e com as ações hipócritas do politicamente correto, mas não será a categoria do gordo, a categoria que mais sofre opressão em nossa sociedade? Refletindo sobre sua indagação, concordei e encontramos algumas hipóteses.

Vejamos: vivemos atualmente em uma cultura que tem a obsessão de falar sobre a saúde. Nesse sentido, os gordos se encontram na contra-mão do Ideal intentado pelo nosso contexto atual. Óbvio que não podemos descartar as questões hereditárias que fazem alguns indivíduos se apresentarem à sociedade com suas estéticas de banha, no entanto, o que não podemos negar, o fato de ser gordo remete automaticamente a idéia de não ser uma pessoa saudável.

Enfim, o gordo termina sendo a resposta mais opositiva a uma sociedade atormentada pelo zelo com a beleza e com a saúde. É fato que ser gordo implica uma certa irresponsabilidade com a educação alimentar e com os hábitos referentes a atividades físicas, e é nesse sentido que as baleias, seja por falta de cuidado com a saúde ou com a não preservação de um corpo legitimado esteticamente, tendem a ser colocadas na condição de culpadas e de patológicas.

Aproveitei a décima rodada de cerveja no bar e comentei com Josellen Bolucha acerca de um papo que eu tive com minha amiga Uyara. Para Uyara, o discurso voltado a encarar o gordo como culpado é tanto que ao se falar sobre a anorexia, os noticiários encaram o fenômeno com um olhar de piedade. Quando esses noticiários se referem à condição dos gordos, eles rapidamente os colocam na posição de irresponsáveis e culpados pelos seus corpos.

O mais irônico é que se tratando das categorias socialmente marginalizadas, o discurso tende a ser colocado ou como excesso de vitimização ou como excesso de fetiches. Nesses dois casos podemos citar como exemplo os pretos. Se observarmos bem, eles são coitadinhos e a sociedade recebe críticas por segregarem-nos, mas também os pretos são objetos de cobiças sexuais. Já as baleias não são nem coitadinhas e muito menos cobiçadas sexualmente.

Quando minha alma baleia começou a ficar bastante atormentada, Josellen Bolucha me fez uma observação que amenizou minhas dores: os boluchos pertencem a um grupo marginalizado com possibilidade de reverter seus quadros, afinal, o gordo pode emagrecer, mas reconhecemos que é justamente devido a essa possibilidade de reverter nosso quadro que a condição de nos colocar como culpados assuma tamanha força em relação aos outros excluídos.

Depois desse argumentou eu perguntei a minha querida cachaceira bolucha:- mas e os pobres? Eles não podem um dia se tornar ricos? Eles não podem reverter seus quadros? Por que eles são colocados como vítimas? Segundo Bolucha, a diferença é que no caso dos pobres, a culpa recai no sistema econômico em geral. Já no caso das baleias, a sociedade as encara como culpadas, pois só depende delas a possibilidade de se tornarem as sereias idolatradas.

Nós temos que convir que outras categorias que não são vistas de forma reprovativa pela sociedade já atingiram o estágio pelo menos da hipocrisia discursiva. Isto é, mesmo que no fundo, assim como os gordos, os excluídos dessas categorias não se admirem entre eles por serem educados socialmente a classificar etnias, opções sexuais, etc, eles têm ao menos a admiração da sociedade e podem autoafirmar seus valores de grupos.

Bolucha estava de olho em um macho não-gordo no bar, mas ele estava de olho era no traseiro estratosférico da garçonete preta e não-gorda do bar Traseiro da Estratosfera. Contudo, a garçonete Maria Café tinha quatro irmãos. Dois deles presos, um viciado em crack e outro desempregado. Socialmente nada se alterou, mas todos queriam comê-la. Josellen Bolucha? Pagou a conta e foi para casa assistir as gostosas balançarem seus rabos na TV.



VISITEM

COLUNA DE VINA TORTO SOBRE MÚSICA E SOCIEDADE NO CINFORM ONLINE

TEXTO DA SEMANA: FIM DAS DISTINÇÕES MUSICAIS?

www.cinform.com.br/blog/vinatorto

Por baixo das minhas visceras, o amor

te amo porque te possuo

vejo voce o meu espelho
a minha parte perdida;

te amo porque posso
exercer a minha ditadura
te executo para o meu bel prazer;

falo que te amo para que voce se sinta adorado,
mas oculto o meu desejo incontrolavel de te subjugar
sob o mando das minhas vontades;

o meu amor e uma anarquia
sem leis
sem regras

o meu vicio e a unica condicao
para mais uma dose,
dor,
prazer e
libertinagem;


amo porque tenho voce
como referencia livre
para todos os meus atos;

a minha unica liberdade
de poder ser cruel
sem nenhuma
concessao de
humanidade.


quinta-feira, 2 de junho de 2011

o clérigo

O Clérigo
14 de julho de 2008

Estava escuro na terra grande.
Todos andavam de mãos dadas e mentes separadas.
Todos buscavam a luz.
Toda manhã era noite e o dia nunca terminava.
Todos os meninos cantavam nas praças.
E todas as casas estavam abertas com as portas fechadas.
O clérigo bateu à porta,
Ela não se abriu
Então ele a arrombou.
Os pardais não são brasileiros.
Eles são bichos importados.
Todos os pardais cantam como sabiás.
Todos os brasileiros são como pardais.
A gente sente e não entende;
A gente chora porquê sente;
A gente canta como pardais;
Nas praças, nas árvores, todo dia...
Estava escuro na terra grande...

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Fiasco

Fiasco: eis a mais adequada palavra para o meu desempenho naquela noite preguiçosa, de olhos aos ventos vermelhos de tédio.

Diante de um público que só pareceu dar-se-me conta no momento em que meus afins inauguraram tímidos aplausos. Cantava eu já a quinta ou a sexta canção.

A voz já quase rouca – aquela noite já há muito havia começado-, a assistência parecia diluir cada nota entoada a contragosto. De iguarias, as mesas fartas. Para tais, olhos cerrados.
Hora da ceia! Aproveitei para sair pela tangente, e já desligava o sistema de som e embrulhava improrrogavelmente meu microfone quando me surgira abrupta intervenção.

– Espere!
- Pensei tratar-se de uma escusa, ainda que tardia. Uma tentativa quase simpática de me pedir que bisasse uma das músicas. Uma maneira de dizer: não foi lá tão maçante ouvir tua voz!

Enganei-me. O homem de estatura mediana, pele parda e cabelos brancos pedia-me apenas o microfone para fazer algumas breves considerações que julgava cabíveis à solenidade, antes que se iniciasse a refeição noturna.

A audiência se esforçava para conter suas conversas paralelas e a irrupção do desejo que só conduzia seus olhos letárgicos à mesa de iguarias. Com esforço, houve alguma hilaridade nas piadas mais-que-forçadas do discursante.

Ao fim da ceia, voltaram todos para casa assim: com mais uma noite de conversas ordinárias no currículo e os estômagos abarrotados por horas em detrimento de alguns minutos de prazer.
E eu, diante daquilo tudo, sei que não ganhei, nem perdi.