quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Cisne Negro

Acabo de ver um filme cuja protagonista deveria ser duas em sendo ela mesma.

Aquela frágil bailarina acabaria atormentada pela mais voraz de suas inimigas; aquela que aparecia no espelho em fidelidade a qualquer de seus movimentos.

Pensei em interpretar o fenômeno à luz de um já tão vulgar mapeamento patológico, mas me dei conta de que se trataria de antecipar uma patologia que, em verdade, não era mais que meramente minha.
Não, ela não era duas. Ela era ela até onde se poderia permitir ser-se.

Lembrou-me uma poetisa que há pouco se suicidara, cravando um punhal no próprio peito. Mais uma vez a patologia ficara por minha conta. Eu, admirado com tamanho desejo de sincera liberdade.

Eu, que por vezes ponho em evidência o grau de sinceridade do que escrevo, já que ainda não tenho coragem de deixar que os corações de meus versos possam bombear sangue real.

8 comentários:

  1. Perfeito!!!

    Você definiu muito bem o que para mim, pessoalmente, é poesia. Um desvio do plano real ao papel, daquilo que às vezes é indecifrável, daquilo que atormenta, daquilo que o nosso recalque não nos permite, seja ao desejo visível, a violência, a vida, a morte, independente do objeto, a poesia compreendendo como uma arte, por sua vez livre num plano paralelo ao concreto. Vejo-me no livre arbítrio de sublimar minhas emoções, aquilo que me perturba, aquilo que sufoca.

    "O retrato de Dorian Grey" é um livro que possui personagens interessantes para colocarmos a arte num plano de análise. A atriz que suicida-se ao perceber que o objeto de desejo (Dorian Gray) do seu plano real não existia mais, pois tinha lhe dado um fora. A atriz então viu que sua inspiração (objeto) que era o amor não existia mais, tornara-se uma péssima atriz, consequentemente se suicida.

    O Erly (Psicanalista) afirma que o plano real é uma outra peça encenada pelos indivíduos, tudo bem. Imagino que o que provoca nesse caso desses personagens são perdas simbólicas a tal ponto, de não suportarem um depois no plano real e ético. Então, costurando a sua colocação, nesses personagens romanticos (ou kamikazes) que ainda perambulam pelos livros e filmes. Vejo o suicídio de um artista como a transcendência da arte e do real à destruição do seu mundo, seria um fim senão, dionisíaco. Não mata somente a si, mata a arte, mata a moral, mata a ética cristã, e cada um de seus familiares!

    É uma pulsão EXTREMA para a mais sincera realidade. Transforma a poesia em um lixo inútil.


    "Ela era ela até onde se poderia permitir ser-se.”
    “Eu, admirado com tamanho desejo de sincera liberdade."

    Perfeito,

    Os doentes são eles que são livres, ou eu, que sou acorrentado à dor?
    Perigoso esse papo, hein? hehehe

    Não poderia deixar de falar no meu querido Skylab:

    "Eu me mato.
    Eu te mato?
    Não, eu me mato.
    A morte é sua?
    Não, a morte é minha.
    Se fosse fácil se matar,
    Todo mundo morria.
    Eu me mato.
    Eu te mato?
    Não, eu me mato.
    A morte é sua?
    Não, a morte é minhaaaaaaaa!!!!!!"

    São perspectivas, acredito que muitos de nós temos um pouco de curiosidade ou admiração às escondidas sobre morte no inconsciente. Como colocadas a nossa postura de moral cristã, ver o suicídio como ruim, hesitamos, ou se seguirmos a idéia do eterno retorno do mesmo como fala o bigodão, Sartre também fala que a mesma responsabilidade que temos na vida, temos perante a morte, os filósofos contemporâneos defendem muito a morte como um plano a ser pensado associado diretamente a vida como ela mesma.

    Leonardo Boff diz: O sentido que damos à morte é o sentido que damos a vida. E o sentido que damos à vida é o sentido que damos à morte. O sentido da vida está ligado a uma totalidade maior que se chama cultura.

    Os Românticos suicidam-se, o suicida também, claro, no entanto, sou um medíocre artista que sublima as impossibilidades a uma poesia e musica de merda

    Desculpe-me, se por acaso fui demasiadamente viajante!
    Eu iria postar um tema semelhante a esse hoje, desisti para falar de globalização, só agora vim me tocar nisso.
    Saiba que sou seu fã de carteirinha Josua!
    Abraços meu querido.

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  2. Josué

    Eu penso assim: temos vários lados em nós mesmos. Esses diversos lados se articulam formando uma espécie de rede. No entanto, essa rede se articula, o que é diferente de se unir. Por estarmos contactados e ao mesmo tempo nao unidos, em meio a um lado e outro, deixamos revelar uma falta de simbolização precisa acerca de nós mesmos. Essa carência de simbolização precisa, provoca uma necessidade emergencial da gente em buscar sentidos para o que nos falta. Porém, como estamos ligados sem nos unir, sem nos encaixar perfeitamente de um lado ao outro, caimos novamente no nosso próprio exílio.

    Ai é que para mim se mostra o sentido de nós que você expos com tamanho enriquecimento: uma válvula de escape na qual se produz novas ideias através de incansáveis sublimações com o intuito de dar sentido ao que não se tem. Parece um tanto estranho essa falta de sentido acabada e precisa, mas é por que na verdade somos as bailarinas refratadas e voláteis em nossos intensos movimentos despedaçados que se esvoam em novos sentidos o tempo inteiro. Vivemos diante de um espelho que somos nós mesmos verdadeiramente ilusórios à nossa própria capacidade de definirmos com clareza até que ponto somos o que você bem expos em seu texto da semana passada, o ponto exato de um ponto que não se faz ponto e de uma curva que é curva mas que em nenhum momento se mostra enquanto curva.

    Muito bom!

    abrsços

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  3. Caros amigos,

    Fico emocionado em ter despertado tantos juízos estéticos, tantas reflexões tão férteis com tão brevíssimo texto.

    Os dois trouxeram colocações sensacionais, verdadeiras poesias à parte. Como este trecho de Vina:

    "arece um tanto estranho essa falta de sentido acabada e precisa, mas é por que na verdade somos as bailarinas refratadas e voláteis em nossos intensos movimentos despedaçados que se esvoam em novos sentidos o tempo inteiro."

    E de Miguel:

    "Os Românticos suicidam-se, o suicida também, claro, no entanto, sou um medíocre artista que sublima as impossibilidades a uma poesia e musica de merda"

    Que sintetiza exatamente o que pretendo passar com a conclusão do texto.

    Abraço!

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  4. Meu caro Josué,
    Gosto muito de sua escrita e seus textos sempre despertam reflexões. Essa é uma de suas marcas. Com muito trato sua pessoa se articula entre as outras sempre deixando sua opinião sem rasgar feridas. O bom crítico é aquele que destaca o material literário sem estrangular o autor. Afinal, todos tem seu dom. O seu é o de fazer crítica séria e concisa sem perder a classe. parabéns, cisne.

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  5. Desculpe tomar este espaço seu no momento, mas sei que vais gostar. Quatro contos meus serão publicados para amostra internacional em um livro de antologias que será lançado parece que é em abril. A autora do livro fechou comigo. Abraços tortos.

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  6. ola josue!

    poxa q incrivel a sua sensibilidade em captar o filme. não posso dizer muita coisa, poisi nfelizmente não assistir. só me atenho a dizer q suas palavras são geniais!

    um beijão

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  7. Meu caro, Josué. Sua poesia é instigante e belíssima. A extração do que é a essência da reconstrução poética da realidade. Fernando Pessoa chegou a escrever que "...o poeta é um fingidor. Finge tão completamente que finge que é dor a dor que deveras sente...". A condução rítmica da poesia nessa busca auto-critica do eu-lirico em tomar para si a busca da verdade real. Essa busca da subjetividade pela sobrevivência existencial elabora interpretações que podem vir a se tornar em princípios.

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