segunda-feira, 31 de maio de 2010

A maconha e seus mitos

Este texto é um complemento do outro texto que publiquei na semana passada intitulado “Maconha é legal”. Ele é fruto das observações trazidas pelos queridos tortos Alysson e Josué Maia. Não é por ser um complemento, que necessariamente ele não traga outras indagações. Os tortos me chamaram atenção para a relação dos mitos com a maconha, e é sobre esse tema que venho tratar essa semana.

Para mim, esses mitos se encontram entre o grupo dos não-usuários e o grupo dos usuários. Os não-usuários insistem no mito da visão determinista da maconha, como um alucinógeno que progressivamente leva a outro. Outro mito dos não-usuários vem da classificação. Esse grupo insiste em acreditar muitas vezes que os usuários, por fumarem maconha, são viciados, marginais, dentre outras adjetivações.

Já os usuários insistem em uma postura auto-afirmativa de construir mitos em cima de suas imagens por acreditarem que por usarem a maconha, são “diferentes” e “subversivos”. O outro mito é o que eu chamo de mito da naturalização. Já presenciei casos em que neguinho, por acreditar que a maconha era algo normal, sentia necessidade de “naturalizá-la” fumando seu beck em ambientes abertos.

O que eu percebo, é que entre as duas realidades, o desrespeito é evidente. É devido a isso que eu proponho o exercício de entortar o olhar. É necessário analisarmos a complexidade da coisa, relevando o conservadorismo de determinadas posturas, mas ao mesmo tempo, possibilitando a mudança dos valores. Faz-se importante analisarmos as fragilidades e as validades de ambos os discursos.

Com relação às posturas dos não-usuários, é importante refutarmos determinadas visões. Primeiro: a maconha não necessariamente leva a outro alucinógeno. Quando alguns indivíduos passam a consumir de forma progressiva outras espécies de alucinógenos, é por que essa progressão está muitas vezes mais ligada a uma falta de diálogo e a uma formação familiar, do que necessariamente à maconha.

O segundo ponto se refere às adjetivações pejorativas. Faço questão de lembrar que existem muitas pessoas que consomem a lombreira e que nem por isso deixam de exercer suas funções sociais com responsabilidade. Porém, se os não-usuários não reverem suas posturas discriminatórias, a maconha continuará a ser proibida, e os usuários terão que continuar a entrar em bocas de fumo para comprá-la ilegalmente.

No que diz respeito aos usuários, é bom reconhecermos que muitos discursos e posturas praticadas por esses grupos são criticáveis. Quem faz o uso da maconha, consome por que gosta. O hábito em lidar com o alucinógeno é um hábito como qualquer outro. Gritar para o mundo que fica “doidão” ao fumar a folhinha do barato, só dificulta a aceitação da maconha, uma vez que reforça o discurso dos não-usuários.

Quanto à questão da naturalização, é importante o usuário ter consciência de que, se ele quer que a maconha seja aceita pela sociedade, primeiramente ele tem que provar para essa sociedade, que não é por que ele fuma maconha, que necessariamente ele não saiba exercer o seu direito de cidadão. Desrespeitar os espaços públicos, só faz afrontar os valores, ao invés de possibilitar novas visões em relação ao alucinógeno.

Também existem pontos válidos em ambos os discursos. Os não-usuários de certa forma têm sua razão em criar conceitos pejorativos a respeito dos usuários, uma vez que muitos dos próprios consumidores do chicotinho queimado, reforçam a idéia da marginalização ao insistirem em posturas que prezam pela maluquice aborrecente. A visão da marginalidade se perpetua quando insistimos em nos marginalizarmos.

Com relação aos usuários, eu posso dizer que o discurso favorável à legalização da maconha é válido. Como eu disse, esse alucinógeno, apesar de ser considerado ilegal, além de não ter efeitos progressivos para quem sabe usá-lo de forma consciente, é muitas vezes consumido por profissionais que não deixam de cumprir de forma ética seus papéis na sociedade e que são reconhecidos pelo seu trabalho.

Depois disso eu pergunto: será que alguns dos não-usuários estão preocupados em saber que se insistirem em seus discursos discriminatórios, os usuários continuarão sofrendo perigos por terem que entrar em bocas de fumo? Será que alguns usuários estão preocupados em perceber que, consumindo maconha em espaços públicos, eles estão desrespeitando o espaço dos não-usuários? Acho que não.

É por isso que eu acredito que para acabar com esse abismo entre esses dois grupos sociais, faz-se necessário exercitarmos um olhar torto capaz de relevar e criticar esses dois discursos, buscando evitar ao máximo as intolerâncias encontradas entre esses dois universos. Com a intolerância de ambas as partes, fica difícil acabarmos com os preconceitos e com a ilegalidade da maconha.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O JEITINHO E O TORTO

Creio que é difícil algum dos leitores dizerem que nunca contaram com a ajuda de alguma pessoa para adiantar algum tramite burocrático, seja lá em qual ambiente, com a justiça, com a professora, com políticos, ou seja, utilizar a influencia de algum amigo ou mesmo conhecido que desempenha uma função ou ocupa um cargo que venha a solucionar um problema seu. O tal do dar o “jeito” pode ser visto em nossa pratica cotidiana. Os professores devem entender o que eu quero dizer, quando os alunos procuram desesperados em busca de notas para passar: - professor corrija com carinho; ou então, professor considere; ou professor me ajeite aí, por favor. Todos esses exemplos designam o tal do jeito, que é uma prática costumeira e que pode ser considerada como instituição, pois a sua não utilização nas diversas situações que a norma se coloca é uma afronta e o sujeito que não o aplicou sofre sanções morais porque seguiu as leis. O fato é que o jeitinho é bem brasileiro e caracteriza o modo de vida cultivado em suas relações sociais.
Quando falamos sobre as características do Torto em outro texto (Movimento incompleto.) vimos que os sentimentos, valores e pensamentos cultivados na sua ética pluralista se ligam a sociedade moderna, principalmente a demanda de criticidade que as subjetividades encontram constantemente nas suas relações de negociação e conflito com as estruturas. Além disso, ele se propõe a transitar pelas convenções e cuspir na cara dela quando vê a necessidade de fazê-lo. Sendo a reflexividade a sua principal ferramenta.
Em relação ao jeitinho e Torto: Seriam lados de uma mesma moeda? O que o jeitinho tem a ver com o Torto? Será que o Torto finalmente encontrou o seu sentido, sua definição? Vamos aos entortamentos.
Primeiro o jeitinho. Definido por DaMatta, como o “modo de navegação social” do brasileiro, ou seja, o caminho pelo qual o brasileiro soluciona os seus problemas, ou dá os seus “jeitos”, ou seus “pulos”. Esse aspecto da nossa cultura se encontra associado com um longo processo de construção sócio-histórica da sociedade brasileira, em que as elites, desde a colonização fizeram questão de sempre impor os seus modelos: educacional, artes, jurídico, político, conhecimento, econômico e, por aí vai, em sua grande maioria importados da Europa ou dos Estados Unidos. Como forma de situar nesse contexto opressor, o jeitinho foi instituído a partir do fundamento das práticas sociais ou do fazer cultural. Como reação as decisões das elites foi criada uma terceira opção entre o “pode” e o “não pode”, que é o “jeito”. Essa terceira via adentra as brechas do que é normatizado. É uma espécie de acordo tácito com o fim de resolver problemas. Como diz DaMatta, “é um modo pacifico e até mesmo legitimo de resolver tais problemas, provocando essa junção inteiramente casuística da lei com a pessoa que a está utilizando”.
A perspectiva do Torto da critica pela critica, em que o alvo é qualquer objeto que se mova ou que esteja pronto para ser questionado e analisado no campo das convenções e das individualidades se encontra com as expectativas do jeitinho, no tocante a utilização dessa individualização. Com as suas devidas dimensões. O jeitinho dá seus “pulos” no convívio sócio-cultural e está voltado para soluções de problemas práticos. Por outro lado, o Torto questiona-se não apresentando uma satisfação com a situação dada. A solução é o questionamento voltado para a (re) construção de sua subjetividade, sem soluções práticas e nem mesmo discursivas. São soluções momentâneas, que podem ser revistas e contrariadas a qualquer momento.
No questionamento das convenções, o Torto atira para todos os lados e o jeitinho atira para um lado, já que o alvo é burlar as leis e com isso ganhar respaldo, pois essa atitude é o que faz dele pessoa e conseqüentemente ser aceito. O Torto não tem essa preocupação. Ele pode querer ser individuo ou pessoa, dependendo das suas análises e do que seja conveniente naquele momento, que podem ser totalmente contrarias ao que ele já pregou algum dia.
A diferença entre Torto e “jeitinho” está na busca da realização da subjetividade, onde o jeito deseja a solução de um problema pratico, seja um emprego, a agilização de um processo, a dispensa de pagamento de uma multa, ou seja, se livrar dos tramites “burocráticos” representados pela normas. O Torto tem a preocupação de uma realização da subjetividade no que concerne a critica dos valores morais e culturais estabelecidos ou não. Nessa aproximação os dois buscam brechas e assumem personificações de acordo com a busca de uma satisfação, seja ela intelectual ou pratica.

*DAMATTA, Roberto. O que faz do brasil, Brasil? Rio de Janeiro. Rocco, 1986.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Consciência

CONSCIÊNCIA?
Andamos nas ruas e avenidas, entramos em prédios e acreditamos que suas estruturas suportam nosso peso. Todos os dias temos a impressão que tudo ao nosso redor é realmente como parece ser. Vivemos no reinado da razão, ou do que chamamos razão. A maioria das pessoas usa esse termo e nem se quer conhecem de verdade o que ele significa. Usam também a palavra consciência e não sabem que consciência plena não existe. Comem, bebem, brigam, trabalham, cantam, criam, reagem a tudo que está a sua volta, mas desconhecem que tudo isso não passa de instintos psiquificados. O homem é extremamente ignorante sobre os fatos que constituem sua psiquê. Afinal, o que é o homem e a razão que ele defende? Essa é uma pergunta que ainda não tenho uma resposta objetiva. O que tenho são meras conjecturas que passam por vários campos do saber. Limitar-me-ei a dar uma explicação no momento. Somos inconsciência, somos uma inconsciência transmutada em consciência aceitável do que devemos ser no mundo que construímos num processo que chamamos civilização. Contudo não passamos de meros animais que aprenderam por várias repetições a fazer o que hoje chamamos de comportamento normal. O direito se pauta nesta visão equívoca que existe o normal no mundo, portanto legal, por isso tem-se a impressão que existe putabilidade e direito universal. Não posso declinar que devo aceitar o que já é. O mundo é bem mais velho de que eu. Sou um átomo VAGABUNDO vagando na imensidão do nada que damos um nome. Entretanto, um torto não pode deixar passar em branco a oportunidade de dizer que as pessoas dormem pensando estarem acordadas e que nossa tão louvada vida é uma atividade onírica que às vezes é coisa séria outras é uma brincadeira de viver até que a sumária verdade decepe nossas esperanças com sua alfanje implacável. Por isso meu caro, viva o máximo que puder e faça de seu sonho um sonho bom porque o pesadelo sempre fará parte de nossa existência. Ele existe para denunciar que o bicho está dormindo e acordado, de preferência em nossos guetos ou esconderijos sujos de nossos líquidos seminais, seja no anus ou numa velha vagina nova, ou mesmo velha, depende do gosto e poder de consumo...

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Nossos ais

Sâo tão indóceis nossas vicissitudes
Transvasa trôpego um sangue penoso
Num coração de inquietudes

Trêmulas pipas no ar
E a frustração do pequeno
Quem voa sempre primeiro
Não sabe que sempre nada encontrará

Mais chato que um fumante losermânico
Abrindo os braços, discutindo conjuntura
Cerveja velha tal certeza que perdura
Vou deglutindo um estragado pão de açucar

São tão inúteis
Nossas cálidas lutas
Penamos nus sob um sol de ferrões amarelos
Com a vista turva

Pobres saveiros ao mar
Onde undívago sereno
Faz de muletas as nossas angústias
Que construíram Atlântida

Mais chato que um fumante losermânico
Abrindo os braços, discutindo conjuntura
Cerveja velha tal certeza que perdura
Vou deglutindo um estragado pão de açucar

Jazem o Camelo, a minha mula e o dromedário
Num saco novo, mas tão cheio de antemão
E, na cabeça, um inquebrável galpão
E toda a vida condensada num inventário...

terça-feira, 25 de maio de 2010

O passado que salta aos olhos no presente.

No Brasil, às causas da concentração fundiária tem uma gênese antiga, e tem suas raízes, não obstante, em Portugal. No Brasil colonial o modelo de apropriação do território mais comum era o de sesmaria, que provém por sua vez do modelo grego chamado aforamento, o aforamento segundo Abreu (2006) é a alienação territorial que divide a propriedade em dois tipos de domínio: o domínio eminente, ou direto, e o domínio útil ou indireto. O modelo sesmarial tem sua origem em Portugal logo após da expulsão dos sarracenos, com a finalidade de organizar a utilização das terras recém conquistadas pelo Estado português para que estas produzissem. Os sesmeiros eram indicados pelos conselhos municipais (espécie de poder local), para distribuir as sesmarias, já no Brasil á política das sesmarias logo após o “descobrimento”, também era gerida pelo poder local, no caso os donatários das capitanias hereditárias, que elegiam os seus sesmeiros para indicar as sesmarias para os cidadãos portugueses. Porém, houve algumas diferenciações desta política, uma delas que é para nós a mais crucial é que as porções de terra ao qual se intitulava sesmarias ao contrario de como ocorria em Portugal aqui tinha um caráter hereditário e não vitalício.

Assim no Brasil foi se criando uma casta de proprietários de terra, a apropriação do território brasileiro foi altamente concentrada uma vez que a posse das propriedades ficava séculos nas mesmas mãos e tendo em vista que esse modelo acabou no séc. XIX no fim do Império Colonial não é de se estranhar a atual situação. O baixo poder de regulação do governo português favoreceu para que esta realidade se implantasse, porque, além dessa obliteração da carta régia como foi supracitado (do carater hereditario e não vitalício da apropriação territorial), não havia uma regulamentação exata dos tamanhos das propriedades. Por isso desde o início já existiam os posseiros, que eram colonos que chegaram após as primeiras distribuições das terras, e foram se apossando das glebas de dimensões imensas ou desbravando territórios ainda desconhecidos, mesmo tendo depois, muitas vezes, que pagar foro a um nobre que conseguia posteriormente o titulo da sesmaria. Na verdade a própria Coroa incentivou a concentração de terras no Brasil, só direcionando as sesmarias para aqueles que tivessem poder para explorar as terras, notadamente um quantitativo considerável de escravos.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Maconha é legal

Neste texto pretendo abordar sobre um tema bastante polêmico que é a maconha. Não é minha intenção discorrer sobre os outros alucinógenos. Escolho a maconha, pois além de atualmente existir manifestações a favor de sua legalização, conheço pessoas que fazem uso dela, e que nem por isso deixam de exercer dignamente suas funções na sociedade, o que me leva a não compreender o porquê de sua ilegalidade.

No entanto, apesar dos usuários lutarem pela legalização da maconha, muitas vezes o que eu percebo é que esse grupo exige o fim de um tabu que não se pode acabar da noite para o dia, achando-se no direito de desrespeitar o espaço e os valores dos não-usuários. Já os não-usuários, por muitas vezes possuírem uma carga enorme de preconceito em relação à maconha, agem de forma intolerante com os usuários.

Para mim, os não-usuários têm que saber que apesar dos usuários manterem práticas que vão de encontro aos seus valores, cada grupo se utiliza daquilo que lhe convém. Já os usuários devem compreender que apesar deles acharem normal o uso do alucinógeno, existem outros valores que não compactuam com os seus, e que isso deve ser respeitado.

Por falar em respeito e limites,eu gostaria nesse momento de tentar provocar algumas discussões referentes à democracia e a lei. Na sociedade atual, a individualidade, ou seja, a parte, prepondera à coletividade, isto é, o todo. Portanto, será que o respeito intentado pela democracia como a vontade da maioria ainda pode ser aceitável? Uma lei capaz de convergir aceitações para uns e não para outros ainda é sustentável?

Os que não pertencem a “maioria”, também não se encontram submetidos aos mesmos deveres cívicos como qualquer outro? Por que essa parte que não pertence à “maioria” teria que ser excluída em prol de uma decisão “democrática”? Que “maioria” é essa? Será que buscando atender a “maioria”, o ato “democrático” está de fato exercendo seu papel de respeitar as diferenças?

Outra coisa: em um contexto no qual as opiniões são incessantemente reformuladas, como legitimar o que é certo e o que é errado? O que é ilegal? Aquilo que de fato é proibitivo para todos, ou aquilo que desagrada aos valores de um grupo? Em um contexto de profundas mudanças, o que é definitivamente certo ou errado? O que se encontra fora e dentro da legalidade?

Obviamente que as leis são fundamentais para a sociedade, visto que é através delas que os indivíduos se mantêm diante de uma ordem social. Porém, essas leis devem ser pensadas como responsáveis pela tentativa de equilíbrio, de integração da diversidade, e não unicamente como imposição e exclusão. É salutar pensarmos questões referentes ao direito à diferença em um contexto heterogêneo como o nosso.

Para os usuários e aos não-usuários da maconha, novamente volto a observar a importância de entortarmos nosso olhar. O usuário tem que compreender que existem valores diferentes do seu que devem ser respeitados. Já o não-usuário deve estar ciente de que não é por que o ato de fumar não faça parte do seu dia a dia, que necessariamente ele possa se achar no direito de excluir os usuários.

Para mim, a maconha está dentro de uma legitimidade, visto que, querendo ou não, ela é aceita pelo grupo que a consome, sem contar que ela possibilita o surgimento de novos valores sociais, e isso não pode deixar de ser levado em conta. Enfim, os usuários tambem são partes das identidades que compõem a sociedade. Mesmo não estando dentro da aceitação da lei, para mim, a maconha é legal.

domingo, 23 de maio de 2010

Meditação sobre a escrita (Por João Paulo)

A arte de escrever deve suscitar dores profundas. Dores, mais do que físicas, manicomiais, porque a escrita, tendo em vista o seu caráter especulativo e 'indutório', não pretende dizer nada que não seja a denúncia, não deseja ser nada que não um fim para si mesma, não tende a refletir senão os cacos de um vidro que, a cada instante, se esmiuçam e são levados com a força do vento. Assaltado, certa vez, pela felicidade de uma colega minha, que julgava a poesia um instrumento nostálgico e totalmente antitético aos nobres sentimentos carregados por si no seu coraçãozinho alegre e mole, esbocei-lhe um sorriso que, mesmo podendo ter parecido à ela sarcástico, só se fez presente no meu rosto por querer lhe parecer o mais sincero. Ela me dizia que o tom nauseado dos poetas não lhe apetecia, posto que estes senhores, muitas vezes desocupados e bêbados, só sabiam cantar a vida como a mulher extasiada em sua luxúria que grunhe, estridentemente, os seus gemidos no ato do coito. Eu, no meu papel de poeta, e tão estridente quanto qualquer um que faça versos, mesmo não concordando de todo com essa sua acepção um tanto precipitada a respeito dos trovadores, não pude deixar de notar qualquer coerência nesse seu discurso muito próprio à juventude do século 21. Há coerência no que fora dito por ela porque a poesia, em conta do seu papel 'figurador' da realidade, logo, por assim dizer, gerador de uma perspectiva filosófica dos fatos, abordará, tal como os sistemas de pensamento, casuísticas centrais para que se possa chegar a um escopo, à uma libertação do espírito através do excedimento da razão dada por intermédio da linguagem. No entanto, convém que se diga, a demonstração nas formas dadas se dará de maneira distinta. Se na filosofia parece que os dados são coletados e arranjados num quebra-cabeça gigante; em poesia, contrastando, percebe-se que esses quebra-cabeças e esses dados (que são os fenômenos tanto naturais como não) são, de certa forma, desarranjados, desconstruídos para que, em vez de uma síntese, se possa chegar à uma espécie de comoção homérica, fazendo com que pulule do peito nós fechados com cólera profunda. Portanto, que se perceba, a nostalgia não pode ser encarada como fetiche estilístico, de modo que o poeta se contorça, com desmensurado pateticismo, para criar uma dor ou uma revolta que não existem. Embora isso, há, entretanto, os que aderem ao falseamento. Contudo, se formos julgar a questão levando em conta as contingências que se apresentam com freqüência mínima, concluiremos que não há sociedade senão o caos no seu estado mais puro. Pois bem, sejamos científicos. Tentara-se até aqui se diferenciar poesia de filosofia, e estabelecer os critérios que faz uma divergir da outra. Para que não esqueçamos, posso resumir que o que define cada uma dessas não é propriamente a qualidade textual utilizada, mas os fins a que chegam cada uma. A primeira quer erigir, a segunda quer derrubar. Esse axioma, às pessoas críticas, soçobrará, lhes arrancará boas doses de texto, e quem sabe até mesmo eu não me canse com o verbalismo vindouro. Mas, advirto: farei o máximo para ler as contestações. Retomemos, pois, o que nos interessa: a escrita que deve suscitar grandes dores. Para tanto, já que concluímos que a nostalgia poética não é ornamento ou truísmo, demos um passo adiante. Ora, por qual sentimento estaria Kafka possuído (sim, possuído) quando cogitou a possibilidade de fazer com que um homem, revestido por suas carnes e pêlos, acordasse mutado num inseto indeterminado? Confesso que seja um pouco difícil imaginar à que graus, em tal momento de virtuosismo, ferviam os seus pensamentos, sobre quais plagas desvairavam o seu eu, mas, como diz o Edward Hopper a respeito do sentimento de solidão transmitido por suas telas, "não é legal para quem está sozinho". Mesmo que se diga que querer fazer do autor de uma obra, onde se é esboçada a frustração, um frustrado seja, sobretudo para os formalistas, um erro, tampouco nos é acertado denegar que ele seja positivamente um frustrado. Mais do que sapiente, é até lógico que tomemos cabo desse partido, uma vez que, assim penso, só conhece as dores da fome quem dela já foi vítima. E digo mais: talvez a frustração que não queremos remeter ao nosso literato seja muito maior do que aquela que só pretende heroicizar. Todavia, isso não vem diretamente ao caso. Acredito que, em Kafka, se deu um fenômeno distinto, talvez os seus olhos foram acometidos por uma imagem ao mesmo tempo singular e universal, acredito mesmo que possamos atribuir o insight que deu gênese a Gregor Samsa à afeição do seu criador ao nada. Somente uma alma que aspira o nada, e cônscia integralmente do absurdo, pode prodigalizar tais feitos, pode esculpir sobre a matéria concreta os mais variados traços do espírito, dando forma ao que é abstrato, oferecendo um mapa que destrincha uma alucinação a alucinados que até então estiveram perdidos. Julguemos, assim, Kafka como um vanguardista que, embora podendo não ter sido o que viu essa luz primeiro, foi talvez o que teve coragem de contá-la de início, sem lhe amputar sequer um traço, o que poderia lhe amputar um pouco de sua angústia. Sucedendo Kafka, houveram outros; dentre eles, o Beckett que, assim como seu mestre, faz de casos absurdos, palavra que representa quase um chavão, casos praticamente insólitos. Mas Beckett fica para uma outra hora. Para que pudesse ficar concluído o que tem a se dizer sobre as dores que devem causar a escrita, eu seria prático se pedisse que começassem, desde já, a ler Fernando Pessoa, mas como o pequeno ensaio tem como fim servir-se de muleta, caberá aqui algumas palavras minhas sobre esse poeta português único. Pessoa é um caso simplório na literatura, pois, além de extremo, ele é também cansativo. Sim, cansativo; mas cansativo no sentido de que, com ele, a vida parece levar um nocaute ardiloso, onde a tontura se mostra tão grande que, olhando-se para qualquer lado, tudo parece se mostrar turvo e irreconhecível. Poderíamos evocar algumas passagens, trechos de Álvaro de Campos e Bernardo Soares, porém, para que não se torne cansativo o texto, melhor que se faça isso por conta própria. Há em Pessoa uma auto-aniquilação, evidenciando-se um eu que cai no chão, quebra-se, e estas partes se digladiam entre si. As dores dessa queda, se se lê com coração, podem ser sentidas na alma, de tal forma que as palavras de Pessoa se tornam intransponíveis e toda a poesia restante parece evasiva e bestial. Se vemos, no século 19, pensadores, tais quais Kierkegaard, Nietzsche, Dostoiévski, que criticam o modelo de síntese das filosofias racionais, e no século 20, com existencialistas da estirpe de Camus, uma crítica similar, no entremeio destes dois séculos, mais para o 20 que para o 19 porém, há esse tal poeta português que passa quase como uma sombra pelos corredores das idéias. Se Albert Camus, no Mito de Sísifo, diz que nós, tal qual a personagem central do mito, devemos aceitar a nossa pedra, levando-a ao alto da montanha para, então, vé-la tornar a cair mais uma vez, Fernando Pessoa, com o seu heteronimo-mestre Alberto Caeiro, nos mostra que mesmo a aceitação dessa pedra faz parte de um mundo descritivo, onde a morte nos serve de farol e tudo que tenta explicá-la é, assim como o deus de Feurbach, uma espécie de projeção antropológica, um cômodo reconfortante - similar ao nosso quarto - que desejamos para descansar a nossa existência que se cessara. Com isso, contudo, quer-se mostrar que a poesia de Fernando Pessoa, diferente da gnoseologia ao mesmo tempo pessimista e humanista de Camus, aponta para a impossibilidade da própria gnose já que, mesmo com o bucólico Alberto Caeiro, que faz daquilo que se lhe apresenta aos olhos uma imagem que se auto-explica, percebe-se um tédio inequívoco como pano de fundo da vida. Nesse ponto, para que fiquem claras as intenções, nos deparamos, embora as idiossincrasias de cada um, não com a aceitação de ambos ao mundo que devemos aceitar, mas a não conformação com o que ele tem sido. Ora, qual motivo levaria Camus a escrever que devemos aceitar a nossa pedra, e Pessoa a dizer que uma flor é uma flor e pronto senão o desejo de se validar o próprio ponto-de-vista?, o que, todavia, acaba por denegá-lo indiretamente, uma vez que não se aceita a pedra e se tenta explicar o que é a flor. Concluímos, com este último exemplo, que o fim de toda arte e de toda a filosofia é, se não destacar a complexidade estética da própria obra, abrir caminhos para a felicidade, expondo novas rotas a serem seguidas a fim de que o homem não se torne vítima da sua inconstância, à deriva nesse grande oceano de arbitrariedades. Por isso que escrita - ela não deve, ela é - suscita dores profundas, por deixar com que sua proa investigue as águas novas e os lugares mais distantes. A dor, na escrita, em relação às descobertas, é quase nada.

sábado, 22 de maio de 2010

“ÔH LINDA NÃO DEMORE LÁ NO CABARÉ. VOLTE MAIS CEDO QUE EU TÔ TE ESPERANDO. GOSTOSO É VIVER TE AMANDO”

A transgressão bregueira discutida na semana passada será o nosso mote nessa semana, com tratamento para a perspectiva dos sentidos e significados desse o imaginário social. Foi comentado que o Brega é associado ao rotulo de coisa ruim e de mau gosto e que essa posição foi concedida a partir do julgamento de valor que as camadas médias atribuíram a um segmento da música popular e eu levantou algumas questões: Quem define a musica Brega como Brega? Quem atribui o caráter pejorativo que norteia o termo e sua pratica? As características desse estilo musical foram atribuídas de que forma, em qual situação?
Mesmo legitimado pelo grande público, a discriminação ainda existe por parte das camadas média e alta, mesmo essas as negando e as consumindo. O Arrocha, por exemplo, é herdeiro dessa nomenclatura, assim como o vaneirão, a pisadinha, tecnoBrega, o funk carioca, e por aí vai, no entanto as boites. No meu ponto de vista, a musica é construida através do contato daquele que faz música e seu universo socio-cultural, que utiliza como canal de expressão os diversos estilos, que por sua vez se veiculam predominantemente a determinadas camadas sociais. Por exemplo, a música clássica possui uma aceitação maior pelas camadas mais altas e médias do que com as camadas populares. Além disso, a música também funciona como construção de identidades e representações, ou seja, o individuo se auto-reconhece e é recoconhecido. Portanto, numa relação de negociação e conflito.
O Brega é geralmente associado ao ultrapassado, cafona, kitsch, algo que foge aos padrões Por exemplo, utilizar uma roupa que não esteja nos padrões da moda, ou mesmo acessórios, utensilios ou móveis para casa, a utilização de cores extravagantes para as convenções pode vir a receber o rotulo de Brega, representando cultura de mau gosto. Além de termos ou palavras.
Embora possam parecer opostos, o ser Brega e o ser moderno são representações. O Brega surge no bojo da modernidade e que como tantos outros bodes expiatórios da história, ele é elito como a nomenclatura designar uma determinada representação. Será, que podemos assim dizer que ele, O Brega, foi escolhido como bode expiatório para representar um moderno mal feito? Enquanto as informações vão processando vamos falar da característica moral do Brega.
A música Brega incomoda a moral e aos valores das classes mais abastardas pelo fato de, acredito eu, exporem tabus de maneira tão direta. Escutei um amigo falar que o Brega não tem letra, pois trata seus temas de forma direta, na “lata”, sem poesia. Discutir sobre emoções, sentimentos de forma dramática, dizer que vai morrer se a mulher não voltar, se apaixonar por uma mulher de cabaré e sofrer por ela, estar apaixonado por duas mulheres e confirmar isso, dizer que vai ao bordel e que gosta da putaria.
O Nordeste chama também de Brega os bordeis, locais de afronte a moral e aos valores do casamento e da sexualidade. A representação de que o corpo é sagrado e não pode ser violado e que deve ser guardado para uma relação “sadia” entre um casal de heterosexuais. As concepções puritanas, mesmo tendo perdido a força, ainda ronda como um fantasma insistente e presente. O fato é que os Bregas representam o exemplo a não ser seguido, pois lá a forma de praticar sexo não é o esperado e nem o comportamento das mulheres e homens condiz com a idéia de monogamia e moral.

Assim como escolhemos bodes expiatórios como os portugueses, índios, mulheres, gays e negros para fazermos piadas, como forma de expressar fragmentos da nossa moral cristalizada, expondo assim, uma caricatura para representar caracteristicas como baixa intelectualidade, pouca habilidade para realizar tarefas, preguiça, doenças, violencia, perverção e promiscuidade.
O Brega como expressão utilizada socialmente possui conotação pejorativa sendo atribuída a praticas, objetos, expressões e representações. Essa expressão é situada para aqueles que possuem uma outra construção cultural.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Uma torta merda de um merda torto...

Não posso negar minha vocação pelo torto nesta vida que insisto em chamar de minha e viver com os outros e às vezes para os outros. Sei que após cinqüenta anos de tremenda ignorância aprendi muito pouco, e o que digo é uma cópia grosseira da razão alheia. Não devo afirmar alguma coisa nova porque o medo de fazê-lo tem um sentido histórico que me remete a Portugal ou as senzalas que eles acharam uma boa idéia construir por aqui. No entanto, este cidadão de plástico, esta entidade fluida insiste em pensar o pensamento dos outros e tentar encontrar algo dentro de si: Eu sou a soma de todas as épocas e de todos os ditos em todos os tempos. Sou uma alma universal. Isso é quase meu! Confesso que Gustav deve estar orgulhoso de seu velho discípulo. Estou me individuando, estou saindo da adolescência. Já era tempo! Este constante afirmar e negar torto, confesso, me deixou com dobras na bunda e o zipper quebrou de tanto subir e descer. É fato que somos um negando, também, é fato que somos um afirmando, e ainda somos nem uma coisa nem outra, pois somos como macacos imitando o outro a comer bananas e fazerem caretas. Cada um critica a careta do outro porque acha que a sua foi mais convincente. A isso chamamos de filosofia. Símia, primata razão! Não há nada lá fora no mundo. E o que temos aqui dentro são as impressões deste nada que preferimos chamar de mundo. O torto sabe disso. O verdadeiro torto não se perturba com os lampejos de sanidade que temos. Pelo contrário, ele goza um orgasmo profundo quando sabe que tudo é constituído de moléculas vazias e átomos desgovernados, e que o cosmo viaja para lugar algum. O todo, ou o tudo, é um eterno e imutável nada. Acho que um filósofo alemão cagou-se na sepultura neste momento. Nietzsche é pura metafísica diante do torto. Ele foi um torto embrionário, um noviço, alguém que viu o abc, mas não teve vida bastante para entender que o que ele pensava ser filosofar era apenas uma pedra apoiada no vácuo. Ele ainda acreditava na humanidade. O termo humanidade não é a soma de todos os homens e de suas produções. Aqui, humanidade nos remete ao homem enquanto animal. O filósofo irreverente não viu a necessidade de inversão. Ou matamos o homem e instituímos a república do bicho ou não haverá possibilidade de nossa espécie continuar falando besteira por mais algum tempo. Jung preferiu chamar naturalidade, eu, digo, e o faço de mim mesmo, é animalidade. Precisamos sentir o cheiro de nossa bosta, de nossos odores e fluidos, precisamos redescobrir alguém que foi escondido no armário porque a igreja queria o retrato de Deus na parede. Precisamos encontrar o nosso animal e filosofar com ele, e a partir dele, Boa noite galera torta. E salve a merda.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Condensação

Se todos fossem um
Se o cosmo expandir-se a tal ponto de não haver espaços vazios em nosso ser
Se o si fosse ser
Se, contudo estivéssemos em paz
Seriamos a matéria nua
Seriamos a verdade sem dentes rangendo
Se todos quisessem ser o mundo seria o se
Se nada existisse fora do ego comum.

Queimando a centelha de idéias
Vejo formar uma fumaça densa
Espíritos falam bichos voam
As coisas ficam claras
A água se transformou em vinho
Tudo passou
O que sentimos agora é pura contentação momentânea
Somos o ser que não soube ser
E reconheço que somos pequenos o bastante para não querer não ser
E despertar os sentidos não aparentes em nós
Pois então, por outro lado
A quimera crua é o que consumismo o ser é esse aí em ação.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Novela "Viver a Vida": fragmentos articulados

Muitos andam encarando a cultura de forma apocalíptica. Tudo significa fracasso, vazio e falta de sentido. Todo o olhar se converge para a morte do homem, para a morte de deus, da fé, da razão, etc. Para eles, romperam-se todos os laços e todas as tradições. Porém, acredito que mesmo diante da mudança rápida dos valores, existam rituais e costumes que ainda agregam os homens.

Neste texto eu pretendo discutir essa relação dos laços sociais e das tradições em meio a essa cultura atual caracterizada pela rápida circulação de informações, pela pluralidade de valores e pela intensa mudança cultural e social. Para isso, eu resolvi trazer alguns exemplos que percebi na última semana da novela das oito da Globo chamada “Viver a vida” de Manoel Carlos.

Apesar da maior parte da novela se passar no Rio de Janeiro, ou seja, em uma capital marcada por sua complexidade social, além da intensa mobilidade cultural trazida e reformulada a todo instante em seu dia a dia, o que pude perceber é que, ao longo da trama, os seus personagens ainda traziam uma bagagem de costumes muito forte, fruto de um legado de tradições que antecederam as suas complexidades cosmopolitas.

No casamento de Luciana e de Miguel, personagens interpretados por Aline Moraes e Mateus Solano, por exemplo, percebemos uma preservação dos rituais do casamento. Jogar arroz nos noivos depois do casório, a noiva jogar o buquê de flores, o noivo ficar proibido de encontrar a noiva até a hora do casamento, o sonho em ter filhos para perpetuar a espécie animal bípede, etc.

Nota-se que não é por que os personagens vivem em uma realidade complexa como a do Rio de Janeiro, que necessariamente eles não são capazes de articular suas práticas sociais atuais a toda uma tradição deixada pela humanidade. Os indivíduos, mesmo inseridos em um ambiente heterogêneo, não deixam de aplicar em seus cotidianos, valores construídos e acumulados pela história de seus antecedentes.

Podemos questionar: e se esses valores expostos na novela tenham apenas como fim, perpetuar os valores, isto é, evitar grandes mudanças morais? Mas será que a Globo, mesmo tendo esse intuito, construiria uma trama com esses valores se o público não estivesse predisposto a aceitá-los? É bom lembrarmos que a Globo tem que atender o seu público que é consumidor de seus produtos, do contrário, ela vai a falência.

Não é por que a dinâmica cultural e social seja muito maior do que em tempos atrás, que necessariamente não possa haver formas de integração entre os indivíduos. Apesar de haver uma fragmentação de valores, há uma articulação entre eles. Porém, devemos reconhecer que de fato, os princípios que norteavam com maior intensidade os indivíduos andam se declinando como a família, a Nação, dentre outros.

O importante é não termos perspectivas extremistas sobre o mundo e entortarmos nosso olhar. Ou seja, nem acreditarmos que os indivíduos vivem apenas carentes de sentidos, visto que inevitavelmente eles necessitam de códigos; nem acreditarmos apenas que os valores se encontram preservados, pois se assim fosse, a cultura não mudaria e não faríamos história.

O que temos que compreender é que a cultura preserva e modifica. Por atuar entre a conservação e a mudança, ela não é apenas o passado imutável em um formol, como também não é apenas um fluxo desvinculado de todo um sistema de costumes e tradições. Enfim, ela se caracteriza pelos valores que foram deixados pelas gerações anteriores, mas também como um constante requestionamento desses valores.

domingo, 16 de maio de 2010

O Ser e o Eterno (Por Miguel Ângelo)

O que sente e finge crente
aquilo que percebe e não acredita
ama da mais absurda à sublime escolha
da sua trágica fraqueza oculta
e a trai com a própria vontade
reconhece a pequenez
e os inimigos com a sua leve sinceridade
o que não se surpreende
que leva tudo ao eterno ser
e ignora o “ter-de-ser”,
a razão, o imaginário, os valores, o belo,
o fútil, o virtuoso, o bem, o mal,
a regra, a poesia dita bela,
a cosmologia simbólica e a moral
possui a liberdade de não querer,
não se arrepender, não ganhar, de buscar,
vencer, perder, superar,
se espremer e gritar
rir da miséria da alma
abraça e espanca o eidos da existência,
o espírito liberto
rompe os juízos de valores
que nos caracterizam meus senhores
levando-o ao infinito dos próprios atos
com o qual está no mesmo universo eterno a girar no existir !

sábado, 15 de maio de 2010

“NÃO TOQUE ESSA MÚSICA QUE EU NÃO POSSO OUVIR”

O estilo musical denominado de Brega apresenta um conjunto de temáticas, em que a exacerbação sentimental se apresenta de forma “escancarada”. Certa vez ouvi Tom Zé comentar em seus shows sobre agir através de sua música no contemplativo do público. Estimulo estético que atinge a área de nosso cérebro onde se situam as emoções. Ele fazia essa diferenciação com o conteúdo de musicas que agiam sobre o cognitivo, que seria o lado racional, critico e tenso. Tom Zé não está na classificação de artistas Bregas, é verdade, mas a idéia de estimulo das emoções e sentimentos que comumente as canções populares passam é fonte de inspiração para diversos artistas e nessa primeira parte fará parte de nosso debate.
Por meio de uma linguagem direta, permeada de sentimentos que chegam aos extremos da alegria e da dor, situações extra-cotidianas e relacionamentos inusitados para os padrões estabelecidos fizeram do Brega possui grande respaldo entre as camadas populares. Esse estilo musical serviu e ainda serve como rotulo para algo ruim, de mau gosto, fora de moda e por aí vai.
Assim como o Brega outros estilos musicais foram rotulados a quatro décadas atrás, a Bossa-nova, a jovem guarda e o Tropicalismo. A grande necessidade do mercado em descobrir e fabricar produtos na nascente Indústria cultural brasileira também criou estigmas. O momento político e cultural do país contribuiu bastante para que o estilo fosse execrado e rotulado como acrítico, alienado, pobre esteticamente. Naquele momento era promovida uma divisão que redesenhava uma alteridade pontuada pela política e pela cultura, em que uma parte dos artistas da geração engajada de esquerda, filhos e pais do CPC, sentimentos anti-americanos, esquerdistas propunham a união de forças contra o governo militar e esse mesmo grupo fez questão de identificar aqueles que não estavam do lado da libertação do país. Com isso, aqueles que não fizessem canções atacando o sistema eram alienados. Os artistas populares foram automaticamente enquadrados nessa condição justamente pelas composições que falavam de amor, mesmo com a defesa feita pelos tropicalistas e por outros artistas posteriormente. Vale lembrar que a relação de alteridade é sempre delicada e que a história da humanidade também é marcada pela busca de bodes expiatórios para afirmar conceitos, poderes e diferenças.
O paradoxal discurso dessa classe média “esclarecida” seguia os passos contrários aos do “povão”. No campo da música os artistas doutrinados pelo CPC buscavam sua referencia na cultura popular, a resignificavam para ser consumida pela classe média. No entanto, essa arte coletada do “povo” para outras camadas sociais não sensibilizou as camadas populares que se identificavam com os artistas que tratavam de temáticas próximas a sua realidade. Diria que com um conteúdo marginal para a moral-cristã, para a herança iluminista e politicamente duvidoso para os engajados, o gênero musical tocava deixavam cada vez mais confusa a visão cega profética da classe média e embalava os corações das camadas populares.
Embora a sua construção estética seja um hibrido de influencias de ritmos diversos suas letras eram vistas negativamente por conter letras pobres, com rimas abjetas, execução musical simplória sem grande elaboração. O fato é que a estética do brega ainda é um golpe nos rins ou um chute nos quibas (testículos) da classe média. Os outros rótulos MPB e o rock que chegaram a serem vistos com desdem passaram a serem reconhecidos como modelos e/ou sinônimos de “música de qualidade” ou “música boa”, expressões essas que designam claramente uma inclinação de juízo de valor sobre esses estilos musicais. Por outro lado, o Brega, passou a carregar o significado “pejorativo” de “música de mau gosto”. Essa bifurcação valorativa foi intensificada durante toda efervescência cultural dos anos sessenta e setenta, em meio ao surgimento de propostas estéticas e musicais daquela época.
As temáticas passavam e passam por assuntos políticos, como o incentivo do uso da pílula que afrontava o programa de controle da natalidade incentivado pelos militares (música de Odair José), a paixão por uma cadeirante (Fernando Mendes), por empregadas domésticas, além de traições femininas e masculinas escancaradas, histórias de amores impossíveis, homens que resignam a sua postura machista para declarar seu amor a uma prostituta ou por sua ex-esposa que havia fugido com outro homem. O fato é que o Brega é transgressor, pois alcança as subjetividades por meio dos valores morais e culturais, dos sentimentos e emoções, e que incomodam a tentativa hegemônica das convenções de cultivar o moralismo, a ciência, a razão, o engajamento político na busca de estreitar o que é largo. Essa imposição de valores sempre incomodou aos valores e ao falso moralismo da classe média e da sua paradoxal postura política revolucionária alienada totalizante cristã. Na próxima sexta vamos conversar mais um pouco sobre o Brega analisando os seus sentidos e significados em sociedade. Valeu e até sexta!!!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A sala vazia ou quase vazia

A sala vazia ou quase vazia

Ele estava em uma sala grande com pouca mobília, apenas um sofá no canto direito e uma mesa com quatro cadeiras. A mesa era de madeira envernizada, este já estava um pouco gasto. Entrou, olhou em todas as direções. Não havia ninguém. Sentiu um cheiro distante de éter. Pensou: “Deve ser um hospital”. Ficou sozinho naquela sala até aparecer uma senhora morena clara, cabelos lisos, presos por um lenço branco. Ela usava uma roupa comum. Mas o que o chamou a atenção foi seu tênis. Este estava em plena desarmonia com o resto de sua vestimenta. “Mas, não tem nada. Hoje tudo é assim”. Pensou ele. Ela falou-lhe sobre sua vida, seu passado, seu marido, etc. Ele a ouviu por educação. O que o interessava na verdade era a sala vazia. O que ele estava fazendo ali?

- Os homens perguntam sobre tudo, não é?
- Sim. Isto é verdade. Sempre querem saber mais.
- Onde cessa este fluxo?
- Não sei. Talvez em algum sepulcro por aí.
- Não é uma forma muito tola de falar sobre o conhecimento?
- Deve ser, mas, na verdade, por-que esta sala está vazia sendo tão grande?
- Deve haver alguma razão.
- Claro que sim. Há razão para tudo. Pelo menos damos razões a tudo. E quando nos faltam explicações, dizemos que foi um acidente ou a imaginação. Sempre terminamos explicando, mesmo que seja o inexplicável.
- O inexplicável é um conceito explicando alguma coisa, concorda?
- Sim.
-O que não temos referências para falar é desconhecido.
- Sim, não consta nos textos escritos sobre quase tudo ou o que achamos ser tudo ou quase tudo?
- E esta sala. Qual sua função estando vazia?
- Deve ser um estado temporário, em breve chega alguém.
- O uso temporário dela, não significa que ela não fica a maior parte do tempo vazia.
- Sim, sua colocação faz sentido.
- Além do mais, a sala é grande, mas tem poucas cadeiras. Apenas quatro, e um sofá para três pessoas. Esta sala é estranha você não acha?
- Não. Definitivamente não. Você é que é estranho.
- Por que sou estranho?
- Alguém se preocupar com uma sala não é normal, não acha?
- Qual a diferença em preocupar-me com uma sala vazia e as pessoas usarem as coisas como se fossem pessoas ou os animais como se fossem gente? Tem gente que gasta uma grana com um gato, mas não dá um pão a um mendigo.
- Sei, mas isso é socialmente aceito e as pessoas são assim.
- Sei, eu sou assim, digo, me preocupo com a função das coisas e o porquê delas estarem aqui. Digo, em algum lugar.
- Entendo.
- Entendo sua posição. Ela é bem comum, não?
- Como? Desculpe, eu estava olhando a sala.
- Sua posição de indiferença às coisas é comum.
- Acho normal. A sua atitude é que não é.
- Por quê?
- O que é uma sala vazia?
- Espere, é quase vazia, por que agora estamos nela. Mas quando cheguei, ela estava vazia. Contudo em relação ao seu tamanho, e a nossa presença ela é, digamos, uma sala vazia.
- Certo.

Novamente ele ficou só na sala vazia ou quase vazia. Caminhou até a janela e olhou através de sua vidraça embaçada de sujeira e umidade. Estava muito frio. Não havia carros, nem pessoas. Apenas uma rua vazia. As lojas estavam todas abertas, mas não havia clientes. Ele não ouviu nenhum som vindo de lá. Sentou-se à mesa e ficou um tempo esperando alguém aparecer.

- Você ainda está aí?
- Sim, estou.
- Onde foram as pessoas lá em baixo?
- Quem?
- As pessoas da rua.
- Ah, sei. Todas estão preocupadas com suas vidas. Estão sem tempo.
- Sei. Hoje em dia o tempo é curto.
- É mesmo, ontem não tive tempo para nada.
- Sei. Deve ser assim há muito tempo, não?
- Não sei. Minha vida é tão curta.
- Mas você gosta de saber sobre as coisas. Estava pensando sobre uma sala vazia. Pensei que poderia me responder sobre isso.
- Que comparação! A sala está aqui, o tempo é imaginação.
- Você pode provar que a sala está aqui?
- Claro, seu idiota, eu a vejo, mas o tempo é invenção e não há argumento contra. É fato.
- Não me chame de idiota!
- Desculpe.

Ele levantou-se da cadeira e deitou-se no sofá. O sofá era confortável, mas cheirava a mofo. “A coisa pública nunca presta!” Pensou ele. Ficou naquela posição talvez por horas, e ninguém aparecera. Não percebeu, mas o sono o pegou e dormiu. Acordou cansado e dirigiu-se à porta para ir embora, tentou abri-la e não conseguiu. Chutou a porta inúmeras vezes e nada. Ninguém respondia do outro lado. E agora?

- Os anos vão passar e você ficará preso aqui.
- Você, de novo?
- Não é assim, todo movimento tende a inércia sem motor para mantê-lo vivo?
- A vontade é o motor da vida. Mas reconheço a morte como fim.
- Pelo menos concordamos em alguma coisa.
- Sim.
- Mas, sua vontade não abriu a porta.
- Acidentes acontecem; alguém esqueceu de mim, mas, logo aparecerá.
- Tem certeza?
- Claro?
- Você tem baralho?
- Não.

Ele andou a sala infinitas vezes. Sentou-se outras tantas. Cansou-se disso. Finalmente descansou de seu cansaço. “Até ficar cansado de estar cansado é um saco”...

- Ei, acorde!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O repente do bom homem

O sol de Pedantia o despertou bem-humorado
Deu o braço à velhinha
E ajudou o delegado
A efetuar o flagrante
Mas o pobre meliante
Nada tinha de culpado

Era comiseração
Forma e cor de seu espírito
Decidiu fazer o bem
Decidiu seguir o Cristo
E aos pobres se juntou
E o vento ele jantou
Ao nada deu prejuízo

Mas um dia todo errante
Seu colega mendicante
Irritado com seu fardo
Quis seu vento degustar
E apreciando o gosto
Não foi humilde, nem torto
Decidiu tudo entornar

Aquilo lhe despertou
Uma ira descomunal
De cristão passou a bicho
Puxou um velho punhal
E abriu’o ventre do amigo
E mesmo hoje arrependido
Foi o bem que trouxe mal...

Só queria dar as rosas
E esqueceu que era animal
E o mundo indiferente
Com a fantasia causal
Mostrou que a surpresa existe
Independente de moral
Pois o bem lhe trouxe o mal...

terça-feira, 11 de maio de 2010

Os meninos que fumavam cigarro.

Meu dia começou com um pouco de cansaço em minhas costas, a labuta cotidiana excede muitas vezes a sua vontade de viver, o homem que vive os tempos da revolução técnica-informacional ganha uma vida com o compasso dos carros apreçados. À tarde encontrei um grupo de jovens do meu antigo colégio o CEFET-SE (Centro Federal de Educação Tecnológica de Sergipe) hoje IFS (Instituto Federal de Sergipe). Este encontro me inspirou muito para escrever para o Torto, pois me deparei com outro panorama de público do meu antigo colégio, certo que a batida do tempo é firme e com ela as coisas vão se transformando, porém me deparei com uma mudança drástica para 2 anos que eu me desvinculei da instituição supracitada. Tive contato com jovens de 15, 14, 16 anos que viviam praticamente com sintomas de adultos, bebendo e fumando, porém, sem muitas perspectivas ou quimeras para o futuro. A juventude de grandes ideais de conquistas e mudanças me parece que prenuncia na melhor das hipóteses a sua crise.

Achar a chave dessa questão é um pouco complicado, porém vejo que o problema é sistemático e complexo, pois possui muitas facetas. Uma coisa que podemos apontar é que o modelo de família como mosaico, onde as referencias ao qual o individuo projeta sua empatia e personalidade ficam meio atrapalhadas (famílias monoparentais, com país e mães com outros parceiros e muitas vezes outros filhos), está causando serias mudanças no comportamento desses aspirantes a adultos. Pais omissos por conta do tempo ao qual o mercado lhes pede também pode ser uma chave para essas mudanças. Na verdade a intensidade do tempo que esses pais dão aos filhos não possibilita muitas vezes um investimento narcísico suficiente causando certas fragilidades no processo auto afirmativo dessas crianças ou desses adolescentes. Vejo também que vivemos um período de crises intensas no mundo, ambientais, sociais e etc. Isso a meu ver interferiu muito na visão de mundo e na projeção dos anseios dessas pessoas, corroborando para um sentimento de descrença em um futuro mais solido, dentre outras coisas.

O que indagamos é como esse jovem que está imerso nesse mar de símbolos e valores vai se desenvolver, e quais seriam os pontos positivos disso. Talvez uma tolerância maior a diversidade ou do contrario essa falta de um modelo mais centralizado pode gerar ainda mais estereótipos e grupos cada vez mais fechados e vastos, por conta dessa carência de referenciais. A dimensão dessas mudanças que citamos e que vivemos ainda creio eu, não são certas, o que sabemos é que estamos em tempos de transição para diferenciações drásticas tanto sociais quanto ambientais. Como lidaremos com nossos futuros filhos? Qual seria o tratamento mais correto? Com qual perfil de aluno nós professores lidaremos? Não quero suscitar aqui uma visão apocalíptica, mais pretendo trazer para o torto esse debate que, assim como torto, transcende definições e perspectivas categóricas. Essa é a saga infinda pela tão ufanada identidade, ou como fala a malhação ID.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Paquerando e entortando

Semana passada encontrei dois conhecidos. Um assunto que foi prolongado, referia-se à relação imprevisível da mulher em relação ao homem. Eles disseram o seguinte: ou o homem ao paquerar a garota, aproxima-se manifestadamente dela e ela o rejeita, ou o homem assume um distanciamento claro, e ela termina por olhá-lo unicamente como amigo.

Depois dessa conversa, percebi o quanto o exercício de se entortar é importante na paquera. Não é minha intenção mostrar um modelo de como se paquerar, até por que isso não existe em uma perspectiva tão imprevisível como a do torto. Vários fatores contribuem em um momento desses como as escolhas estéticas de cada um, o estado de espírito das pessoas no momento, as várias personalidades dos indivíduos, etc.

Neste texto eu me proponho a falar sobre as paqueras heterossexuais do homem em relação a mulher. Gostaria de analisar o jogo entre os sexos opostos, pois, apesar das mulheres terem conquistado seu espaço em relação as suas igualdades jurídicas, culturalmente elas ainda de certa forma são educadas de forma diferente dos homens e isso implica comportamentos diferenciados entre eles na sociedade.

É devido a essa diferenciação que eu percebi que os homens tendem a reclamar da falta de autonomia da mulher no ato da paquera, mas eles próprios condenam a postura das mulheres quando elas agem de acordo com os discursos prezados por eles. Os homens cobram a liberdade feminina, mas quando elas agem de forma desligada das convenções, eles tendem muitas vezes a encará-las de forma pejorativa.

Por outro lado, as mulheres necessitam externar um discurso liberto das expectativas preconceituosas dos homens, mas por outro lado, intimidam-se em agir de acordo com a liberdade que elas externam. Não estou querendo romantizar as mulheres, mas temos que convir que uma boa parte delas ainda se sente acuada em agir livremente, uma vez que a sociedade ainda é machista.

Eu acredito que a melhor forma do homem em lidar com a paquera deve ser de forma torta. Como assim? Bom, se os homens agem com uma aproximação declarada, as mulheres podem recuar por achar que eles estejam desrespeitando-as. Se os homens agem com um afastamento declarado, as mulheres por não perceberem o investimento masculino, podem encará-los apenas com um olhar de amizade.

A perspectiva torta vai encarar a paquera de forma instintiva e cultural. Enfim, inevitavelmente as mulheres possuem tesão, mas por outro lado, elas necessitam se preservar diante das convenções. Acredito que os homens devem manter uma aproximação afastada e um afastamento próximo para que as mulheres manifestem seus reais desejos, mas que não sintam seu espaço ameaçado.

O ato da paquera implica uma associação entre interesse e confiança. Se o homem ao paquerar uma garota, mantém uma postura não tão descarada, ele pode propiciar uma confiança nela, por outro lado, o homem, ao estabelecer um laço de intimidade com uma garota, possibilita com que ela deixe seu interesse transitar, visto que a confiança já foi construida na relação entre os dois.

Obviamente que isso não significa uma certeza da conquista. Como dito no inicio do texto, existem várias variáveis que podem interferir no ato da paquera. No entanto, acredito que a melhor forma de estabelecer uma estratégia tendo como fim a pegação, deve partir por essa perspectiva, afinal, desejos e restrições andam de mãos dadas. É necessário se entortar.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

...Movimento Incompleto

Antes de escrever para o blog cheguei a ler vários textos sobre a definição do torto, além de assistir aos vídeos. Isso me fez buscar a compreensão do que seriam aquelas concepções e idéias e, no melhor estilo torto, buscar as minhas próprias definições. Nessa tentativa deixei derramar algumas palavras na página em branco para ver se eu conseguia encontrar um caminho. Deixei um arquivo gravado para remexer as idéias e o retomei nessa semana. Então me veio a idéia de construir um texto e colocar a minha posição em relação ao torto.
Seguindo a série movimentos resolvi nessa semana ser mais pontual e discutir diretamente sobre o torto e a sua proposta de movimento incompleto. Como o torto lida com a incompletude do ser humano? E como se dá a relação entre seus valores e os valores cultivados pelas convenções?
Primeiramente gostaria de situar o torto numa perspectiva de movimento que mergulha na idéia de democracia. Ancorar em portos diferentes faz da trajetória do torto um escolher livre do porto mais confortável para o seu momento. A idéia de estar livre para dizer o que pensa, mesmo que as cristalizadas convenções digam não, é tomar a liberdade de expressão como principio fundamental, já que a subjetividade para se realizar necessita do contato com o mundo e com outras subjetividades. A frase de Voltaire que diz “posso não concordar com nenhuma palavra que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”, pode-se dizer, é a realização da idéia de liberdade concedida ao e pelo outro e que não teme a oposição, ao contrário, permite o direito de fala que o outro tem, tanto quanto ele possui. Ser democrático não corresponde nessa interpretação a um regime político apenas, mas enquanto prática.
A reflexividade é outra característica do torto. É um fenômeno da modernidade que se expressa no ato de refletir sobre a própria razão, ou seja, sobre o pensar, sobre as práticas. O torto utiliza a reflexividade como uma das ferramentas fundamental da sua existência. Como dizia Roosevelt em sua definição sobre o torto: “o movimento torto é autodegenerativo”, ou seja, ele usa e abusa dessa ferramenta para a (re)construção de suas idéias. Ou como diz Vina Torto:
Acredito que é isso que torna o Movimento torto fantástico. Transitamos livremente, percorremos os caminhos de acordo com nossas motivações e nossos interesses, mas admitimos que inevitavelmente somos Movidos, pois que eu saiba, nenhum de nós se encontra fora de todo um conjunto de hábitos e regras instituídos pelo contexto no qual estamos falando. Enfim, somos o Mover-se e o Movidos. Somos produtores e produtos”. (Vina torto em comentário do texto ...Movimento, move mente, move gente, instiga sonhos, futuca idéias...)
A entrada e a saída das galerias do cognitivo fazem o torto percorrer a trajetória do dentro para fora e de fora para dentro como um jogo em que o ser é esse mediador. Não deu pra entender, né? Pois bem, a reavaliação do ser põe em questão seus valores, suas crenças, suas concepções e posturas constantemente, onde o ponto de partida é o ser e sua relação de negociação e conflito com o mundo. O que o torna um movimento extremamente critico/autocrítico. Outra característica marcante.
Tendo a leitura critica do mundo joga com a provocação e a resposta do provocado. O torto faz questão de se posicionar dizendo o que pensa, o que sente, podendo desfazer toda a concepção construída, caso veja em outra posição a mais coerente. O torto não tem vergonha ou trauma em desdizer o que ele mesmo disse. O pensar entortado possui como sustentáculo e ponto de partida o ser humano na sua aceitação complexa de finitude, de subjetividade, de contradição, enfim, de ser humano.
A aceitação de faculdades humanas que nos aproximam e nos afastam de outras subjetividades atribuindo a isso seus complexos, seus sentimentos, suas angustias, sua eterna crise de existência, sua reflexão e situação diante do mundo. O fato de ser humano já é um precedente para ser um entortado.
Por mais que o torto critique, ou transe gostoso com as convenções, ou nem queira vê-la por algum tempo, a idéia é viver a dinâmica da subjetividade (suas emoções , valores e pensamentos), pulsando no pulsar. Ser coerente com a incoerência humana.
O torto lança reflexões sobre o mundo sem a preocupação de que essas estejam de acordo ou não com um padrão de valores não aceitos ou que sejam legitimados. A intenção é que a subjetividade saia de sua toca e diga o que realmente pensa e sente, sem amarras. É permitir que a subjetividade resolva seus problemas ou aumente suas angústias.
O movimento torto em minha opinião é um movimento incompleto no sentido de que não busca um ponto final, mas uma busca constante na critica e na revisão das suas próprias opiniões que podem mover-se ou serem movidas. Porém, mesmo que se prive pela pulverização livre desse olhar dançante, vejo no movimento fundamentos que ligam esses dançarinos.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Pedra sobre pedra

Pedras sobre Pedras

Meditar sobre os costumes é nos fazer retroceder aos contos de fadas. Sempre nos alegramos com o fim da estória. O herói está sempre presente quando se mais precisa. Ele sacrifica a si mesmo, é abnegado e indulgente, sempre disposto a tornar o mundo mais calmo, mais em ordem, e, sobretudo prender ou destruir o inimigo e seus associados. O Cristianismo tem essa visão escatológica: “No final, todos serão felizes e o mal será finalmente derrotado”. Temos um herói que deixou tudo e se sacrificou numa demonstração de auto - anulação sem precedentes na História: O Cristo. Ele se tornou, então, no modelo de homem ideal, ou herói ideal, “aquele acima de todos”, que não pode ser acusado de nada e que deve ser imitado por todos sob pena, em alguns casos, de perda da salvação. A sociedade dita cristã, por conclusão, é a que mais tem este privilégio de seguir os exemplos do mestre carpinteiro. O tempo, cujos séculos já se casam de ouvir o assobio do vento, é testemunha que a humanidade, mesmo tendo internalizado a moral Grego-Judaica como regra de conduta, sempre falhou em conter o pulsar de uma outra moral que nos confere a identidade de elementos da natureza. E sendo fora da natureza que cogitamos sobre nosso futuro, não podemos nem por um instante se quer lançar um olhar para o nosso eu - real. O eu, que consciente de suas limitações, e com menores pretensões, consegue ser feliz com os prazeres que a carne oferece sem arrependimento, e sem angústias de pecado na expectativa de uma punição eternamente cruel. Saindo um pouco deste foco, o conto de fadas da moral atuante, aquela ortodoxa, que não perdoa um ponto ou vírgula fora de lugar, nos leva para uma outra questão! Será que todo o rebanho acertou o novo caminho? Freud, ao analisar essa questão nos diz que há na mente saturada dessa moral uma redução de sua capacidade de julgamento; o indivíduo renunciou a razão para olhar o real pela crença, pela fé, desta forma, seu olhar é para fora, e quando olha para dentro de si não consegue tirar as lentes que se encravaram na sua visão. Seu eu - real torna-se refém de um superego tirano e dominador. Aquele herói que prometia a libertação e vida melhor, longe dos males, dos tiranos, é o mesmo que na inversão do olhar, tiraniza, oprime, proíbe, dita as leis do melhor ser. Paradoxo da moral ocidental cristianizada! O que foi posto aqui é válido para as demais formas de amansar o animal – homem. O que, de fato é real, é que há sempre uma passagem pela cerca, um buraco no teto, uma brecha na porta, sempre a verdade aparece, doa a quem doer, e não deixa pedra sobre pedra do edifício construído.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Agnasno no Júri

Na alvorada, tempo-lugar em que os pulmões estão ásperos e toda poesia esvaiu, acordou Agnasno Timódio, sempre áspero e sem poesia, precisamente às quatro e trinta e cinco.

Não havia tempo para procedimentos hollywoodianos, muito embora lhe causassem sensação nostálgica os filmes que reservam tempo para o barbeado desleixado de seus protagonistas. Para Agnasno, supervisor de carreira na PetroJaz, o tempo era curto, a água dantescamente fria e a barba um patrimônio histórico.
Depois da gélida e pertubadora experiência do banho, arrumou-se metodicamente e fez um bom gargarejo enquanto ouvia no rádio em mono a Estação Deus AM.

Já no carro, tentava seguir as canções com sua voz ainda rouca. Era bom cantor, teria chegado ao sucesso não fossem “- os viados dos meus irmãos, por quem tive que trabalhar desde muleque”.

Chegou ao trabalho. Lançou um olhar cheio de libido e culpa em direção ao traseiro de sua analista preferida –até que ela se virasse, claro, quando abruptamente ele lhe desejaria bom dia com um sorriso pesado de sono. “- Bom diiiiiiia, seu Timódio!”.
Aquele sotaque do semi-árido e aqueles traços sertanejos estranhamente lhe aumentavam o desejo. Talvez porque toda aquela aridez coadunasse com a sua própria aridez e o resultado fosse um corpo em ebulição profana e culpada.

Seguiu. No intervalo do almoço discutiu com seus subalternos, como o fazia ritualmente, sobre futebol , política e religião. Era um grande orador. Aprendeu a mais rebuscada retórica nos três livros que leu. Encontrou num deles, inclusive, a sua máxima permanente “quando se está feliz, o universo conspira a seu favor”. Era sagaz em suas colocações, vomitava axiomas. Uma máquina de silogismos perfeitos, e, por tal talento, julgava-se próprio juiz de sua perfeição, portanto era plenamente e eternamente perfeito debatedor. “-Vocês viram aqueles dois viados querendo adotar um bebê? O fim dos tempos está próximo, amigos!” ; “Bom era no tempo da ditadura! A educação era perfeita! Os governantes tinham moral!” ; “Aqueles viados vêm com aquela coisa de direitos humanos, mas ninguém leva bandido pra casa!”.

Depois de esbanjar com propriedade todo seu sistemático discurso, era hora de voltar pra casa.

Os meninos do vizinho brincavam perto da sua porta. Entoavam todos a uma só voz:
“Que coisa alienígena!
Que coisa intrigante!
Cheirar Lança-Perfume e peidar Desodorante!
Gererê! Gererê! LSD!!!”
Pensou: “ – Viados sem educação! Ai, meus tempos de palmatória de ferro! É o fim dos tempos… É o fim dos tempos…”

Entrou em casa, ligou a televisão e prestou alguns segundos de atenção ao debate entre um sociólogo e um psicólogo acerca da criminalidade. “-Merda!”. Desligou cheio de raiva. “Eu passei fome e nunca precisei roubar! Esses viados só sabem falar e falar e defender bandido! Talvez porque não tenham sido criados à base de fome e de bala cantando em seu quintal! Ai, se essas mãos de moça tivessem pegado numa enxada!”.
Lembrou-se da vontade que tinha, quando criança, de roubar os suculentos tomates da barraca de Seu Afonso, na Feirinha dos Agricultores da pequena cidade de Pedantia. Entretanto, ele conseguia resistir. E sobrepujar a desiderabilidade era uma recompensa. Afinal, muitas vezes se arranjava farinha e café, e se poderia bater no peito e esbravejar.“-Eu num fizzz! Tenho dignidade!”.

Mais tarde, após umas duas horas ensaiando as músicas que cantaria em sua igreja no domingo, foi deitar-se.

Já no outro dia, compareceu à constituição de um júri popular. Era um homem de ilibada reputação, não tinha antecedentes criminais. Aliás, por perceber que se tratava de um homossexual no banco dos réus, desejou calidamente ser sorteado. “Essa bicha maconheira vai pra a cadeia, em nome de Jesus!”.

Foi sorteado. E, aliás, por seis votos a um, a “bicha maconheira” foi condenada, ainda que as provas fossem discutíveis e rarefeitas. Afinal, pensou Agnasno, “- Quando se é bicha não se tem deus, como se vai amar ao próximo?”.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Das Periferias.


Ando escutando muito Jazz esses dias, e vejo que para o torto o jazz trás muita colaboração. Percebo que o jazz possui uma liberdade, que ás vezes me parece que todos os instrumentos estão tocando individualmente independente de qualquer outro instrumento da banda, a guitarra com seus acordes infinitos que não param de vibrar, o sax como um ataque fulminante a atmosfera de qualquer lugar, parecendo que vai cortando o ar, livre e rasgante. Seria uma liberdade centralizada, pois enfim, respiram os instrumentos a mesma harmonia. O torto, a meu ver, é como o jazz, que se dilui no ambiente e vai cortando as certezas construindo-as, reconstruindo-as e demolindo todas elas se for preciso. Mas a ordem e a coesão, no entanto, fica circunscrita nas palavras dos tortos, esse voyeur jazzístico.

Não acredito que o torto seja um movimento periférico como o jazz no seu inicio, musica de bêbados e drogados negros das periferias estadunidenses. Para mim o torto é esse voyeur aí que transita entre a periferia e a elite da intelectualidade,ou seja, é legitimado/deslegitimado. Legitimado porque fatalmente o conteúdo do torto tem maior acesso ás casas dessa elite intelectual letrada (não encarando o termo de forma totêmica é claro) e deslegitimado, muitas vezes por não apresentar um conjunto de idéias salvívicas para o mundo, e nem uma idéia categórica das coisas, pois ele está em transito. Também não saberia afirmar se o torto nasce da periferia dessa elite, contudo vejo que ele conjuga com os totens dessa elite a sua afirmação e a sua negação. Não por prepotência, mas mesmo se for Nietzche ou Karl Marx, temos o gostoso prazer de contradizê-los, porque eles são seres humanos animais bípedes como eu. Só porque não falam nos seus textos: Falou velho! Não quer dizer que não sejam passiveis a erros, e creio que nenhum deles desejou que suas idéias ficassem inertes inquestionáveis, sobretudo Marx que me lembro bem que a minha professora de Sociologia falou na ultima aula que o próprio Marx não se alegava marxista, uma vez que ele não queria criar dogmas ou verdades irrefutáveis. Se toda filosofia ou ciência é uma tentativa o torto também o é.

O jazz na sua pluralidade traz para o torto a seguinte idéia: que nem sempre o acidente é um erro, nem sempre um erro é sair da ordem, e nem sempre a ordem é coerente, e também nem sempre sentimento é só paixão ou livre pulsar de coisas (afinal por detrás do filling dos jazzistas havia muita técnica). Nem tão pouco por ser livre é estritamente efêmero, mas digo que as idéias e os sons as imagens que levantamos são intensas carregadas de incertas verdades, que são verdadeiras na sua intensidade e no seu sentido para o universo humano que criamos. Por isso creio que ser torto é se diluir, é uma catarse (para mim) para que eu me dilua nas minhas certezas, que crie assim como no jazz centelhas intensas de idéias que são pulverizadas no ar. É esse se perder....se encontrando no pulsar.

Obs.: Autor do quadro desconhecido, foto encontrada na web.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Além dos lados

Quero escrever este texto para alguns leitores que costumam buscar ansiosamente catalogar sempre um depois. Para os leitores que mal sabem revelar o que passou e insistem em mapear o futuro. Para aqueles que pensam em comer o pão no momento em que a padaria ainda se encontra na maquete do arquiteto. Para aqueles que acreditam pensar a vida como um constante pulsar em busca do diferente, do inovador

Quero também escrever este texto para os leitores que por viverem a se degustar ilusoriamente do passado, necessitam enganar os seus olhos para o que explode em vida no agora. Quero escrever para os leitores que por vitalizarem unicamente o ontem, negam-se a se vislumbrar com os projetos do amanhã. Para aqueles que acreditam pensar a vida como constante formol do tempo, em busca do mesmo sempre.

Penso a história não apenas como as tintas rabiscadas pelos pintores humanos em uma tela chamada passado. Penso no passado como uma tela revisitada aos olhos presentes, olhos esses, insaciáveis em denunciar a incansável falta que persegue, que perseguiu e sempre perseguirá todos os homens.

Penso o presente como a eterna delicadeza imperfeita de tudo aquilo que pensamos expor em nossa tela. Penso o presente como uma falta que sempre deixamos para o depois. Mas essa falta não se apressa em pular de um lado para o outro, pois no meio de tal intuito, percebe-se que a falta não pode ser cumprida sem antes ter de passar pelo abismo que liga os dois universos.

Ai é que para mim vive o humano. Nunca um lado ou outro, mas sempre um lado em busca do outro, um lado que para se fazer compreendido, necessita voltar atrás, e um lado que para encontrar novas respostas, necessita pensar adiante. Somos o meio da esperança, da alegria, do medo, da fantasia e da desgraça. Somos os eternos sedentos e detentores de gananciosos projetos, porém, somos os eternos frustrados pela total concretização do que planejamos.

Quando em dias tristes, eu me ponho a enxergar de longe a riqueza ardente e intocável do sol, eu percebo que duas opções precisas é o que não darei conta em atingir. Quando em dias transbordantes de sede por sonhar, eu percebo o quanto sou capaz de sentir toda a exuberância esplêndida da grandiosidade advinda do mundo, mas no mesmo instante reconheço que a grandeza real não me passa de vontades em atingir a incógnita jamais alcançada que circula o meu ser.

Se eu fosse deveras diferente em tudo o que eu faço e o que construo, meu coração, alarme nostálgico e aventureiro de mim mesmo, não se daria ao rigor impreciso de me excitar a voltar a tocar as flores que há muito são minhas, mas que há muito não as tenho. Se eu fosse deveras rotineiro em tudo, jamais o sol, as estrelas, as árvores, os sorrisos amargos e vislumbrantes bateriam em minha casa chamada “Peito Alheio” para me trazer a excitação em me afogar em novas buscas.

Querer ser o novo me faz apenas reformular o que passou e colher os frutos do após, afinal, eu bem sei com o meu soturno ser, do quanto para ser novo eu necessito aguar as novas plantas de meu velho jardim. E eu, enquanto idoso de mim, bem sei do quanto necessito em buscar respostas para as coisas, pois dentro de minha antiga morada, aparece sempre um novo e conhecido visitante a me amaldiçoar com dosagens de esperanças e de saudades para que meu corpo não vacile.

Quando a criança raíz bate em minha porta, eu noto o quanto a sua origem se expande e se perde com seus olhos para o que se encontra além do corredor que nem mesmo eu sei o que guarda de mim e do mundo, mas que nem por isso essa criança deixa de morrer para novamente aplaudir aquilo que ela já percebeu não poder saber sonhar.

Quando o caule ancião me deseja paz e tranqüilidade, eu o admiro e o escuto como quem nunca pudesse ter deixado a voz da serenidade embarcar, mas ao ver os olhos do ancião perdidos, eu sinto a sua experiência unida ao seu velho medo de não ter a criança para saciá-lo com a pulsação estimulante e gratificante de sua raiz.

Eis isto tudo justamente por não ser chegada ou inicio, ou adiante ou passado, e sim, por ser o incansável vulto insaciável merecedor dos gritos e do silencio, afinal, quem cala também sacia, e quem sacia, resguarda-se em seus infindáveis amores dopados de tédio para aprender a reviver através do veneno pulsante, a alegria indecisa de se estar vivo.