sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A sociedade perfeita e o medo do torto

Em meio a uma sociedade que, apesar de falar acerca da diversidade e da diferença, mostra-se inibida em aceitar as contradições que a permeia, o adjetivo torto tende a ser recorrentemente colocado como oposto do reto, ou seja, da ordem, do que concebemos como correto. Portanto, ser torto em uma sociedade maquiada de felicidades e de harmonia, significa se comportar de forma errada, de forma a chocar os padrões e as etiquetas preestabelecidas socialmente.

O que a sociedade precisa é de pessoas que ajam de forma torta. Antes de pensar o adjetivo torto como algo contrário ao que se legitima como correto, eu penso o torto enquanto um processo constante de se entortar. O se entortar implica em reconhecer as contradições que pairam em nossa vida pessoal e em nosso convívio social. Ser torto é admitir a contradição e revelar a contradição. Ser torto não é ir de encontro à ordem, é questionar a ordem por se reconhecer dentro dela.

Portanto, o torto implica em reconhecer que vive a se entortar e que esse entortar implica em repensar as certezas impostas pela sociedade, compreender de forma altera a diversidade de opiniões, mas sabendo que possui preconceitos, e que o fato de questionar a ordem, não significa nem se submeter meramente a ela, mas também não significa desrespeitá-la simplesmente. Ser torto é viver bêbado estando lúcido por reconhecer que vive constantemente a se entortar.

Ser torto é admitir que não necessariamente o que é certo é certo e não necessariamente o fato de se agir errado é errado. Respirar a realidade de forma torta é reconhecer que o nosso cotidiano é permeado de infinitas possibilidades. Ser torto é ter consciência de que apesar de sonharmos com a perfeição, nós estamos constantemente oscilando. Olhar a vida de forma torta é encarar a realidade dos fatos de forma dinâmica caracterizada por inúmeros conflitos, inúmeras contradições.

Agir de forma torta é saber que pode ter o controle das coisas sabendo que o controle se encontra no meio de contingências. Ser torto é admitir classificações, admitindo que as classificações não são plenamente reais por não passarem de meras criações humanas. Porém, ser torto é saber que, apesar das classificações serem construções, elas também são reais, pois é através delas que nos norteamos em nosso cotidiano. Ou seja, apesar de fantasias, elas são reais, e apesar de reais, elas são fantasias.

Ser torto é andar na corda que, apesar de bamba e oscilante, é segura. Por outro lado, ser torto é andar com os pés no chão, sentindo a realidade dos fatos, porém, sem segurança alguma. É enxergar o abstrato e se perder no concreto, é sentir o concreto e se diluir no que não se enxerga. É buscar a virtude sem deixar de lado a convicção de que é também dono do fracasso e admirar o fracasso por saber que é através da experiência com ele que se pode conquistar a virtude.

O indivíduo torto anda, anda e chega ao seu lugar de destino, mas depois de tanto andar percebe que o seu lugar de destino também é outro. O indivíduo torto se localiza no mundo, pois possui uma bússola que carrega para todos os cantos, mas o seu mapa se encontra recortado em inúmeros pedaços. Entortar é sonhar e realizar os desejos tendo convicção de que ao realizar seus desejos, logo se vê diante de outros desejos, de outros caminhos, de novas perspectivas.

É por isso que eu digo que o torto não é algo que esteja vinculado ao que é errado. O ser torto é algo que apavora uma sociedade obcecada pela ordem, além de apavorar uma elite detentora de prestígios que faz de tudo para que os indivíduos acreditem que a realidade é composta de harmonia e perfeição. Contudo, entortar o olhar é reconhecer que o ideal é real e que o real é também ideal. É reconhecer que o real, apesar de aparentemente ser real, também guarda o imprevisto.

Agir de forma torta é se entortar e entortar o outro. O ser torto se entorta a partir do instante em que ele reconhece que transita entre a virtude e o vício, entre a certeza e a incerteza, entre a dor e a alegria, entre o medo e a coragem. Agir de forma torta é se encontrar consciente de que os problemas da realidade não se resolvem da noite para o dia, mas que não significa que essa realidade não possa ser alterada. O torto a questiona, afinal, ele a reconhece como contraditória também.

O adjetivo torto tende a se encontrar vinculado a uma idéia pejorativa, pois o que os donos do poder querem é que exista uma sociedade alienada que enxergue a realidade de forma naturalizada, linear e perfeita. O que os donos do poder querem é que os indivíduos se encontrem apenas submetidos à ordem instituída. O ser torto não se submete, pois ao reconhecer que não é perfeito, ele sabe que a realidade também não é, uma vez que ela é construída por sujeitos como ele.

O ser torto não encara a realidade de forma naturalizada por ele detectar que a vida não segue um rumo previsível e exato, mas sim, permeada de conflitos, desavenças, ambigüidades, poder e exclusão. O ser torto sabe que vive de acordo com as normas, mas sabe que não é por que se encontra submetido a elas que ele tem que aceitar de forma passiva tudo que impuserem a ele. O ser torto sabe que para se viver a vida, ele necessita se entortar para que com isso possa negociar e encontrar novos caminhos.

Antes de associarmos o adjetivo torto como algo oposto ao que se é certo, devemos pensar o torto como um adjetivo que se verbaliza de forma ativa, pois o torto antes de ser meramente torto, implica em querer se entortar e admite se entortar, pois se tem uma coisa que a realidade não é, é coerente, linear e perfeita. Ao contrário. A realidade é contraditória e os valores se entortam a todo instante quando nos conflitamos com o que queremos e com o que a ordem nos impõe.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

olhos de Pollock

olhos
que vem o mundo
desnudos.

olhos ilhados
do seu sistema,
da sua concretude.



* Tela do neo expressionista americano Jackson Pollock  (573 × 364- 1942)

sábado, 20 de outubro de 2012

A leitura nas aulas de sociologia: uma estratégia

Enquanto professor de sociologia da educação básica eu sinto uma enorme dificuldade em fazer com que os alunos tenham um hábito mais corriqueiro com a leitura. Ensinando em Piranhas, município localizado no alto sertão alagoano, o que eu detecto é que esse fenômeno se agrava. Não digo todos, mas eu percebo claramente que em uma boa parte da realidade do discente não se existe o hábito cotidiano com a prática da leitura pela própria família e pelo seu meio social.

É de grande importância se acompanhar a disciplina da sociologia mantendo uma constante atualização com a leitura. Passando por esse problema ainda pensei em escolher textos menos densos, o que se é muito difícil em se tratando da sociologia por ela ser uma disciplina de tradição acadêmica. Além disso, eu pensei em abrir um momento da aula para que fossem feitas essas leituras, mas no meu caso ocorre um agravante, visto que a sociologia só possui cinqüenta minutos de aula por semana.

Outro ponto diz respeito à necessidade de constantes debates. Contudo, além de eu me esbarrar com a falta de hábito com a leitura, com o tempo restrito de aula, existe uma enorme carência com a prática do exercício da reflexão. Esses alunos, por serem reflexos de um sistema produtivista que tem como objetivo atingir resultados imediatos, não demonstram muito interesse em desmembrar certas verdades naturalizadas por eles. Estão acostumados com respostas prontas.

Com essa carência do exercício contínuo da leitura e de reflexões, eu achava que as aulas estavam se tornando entediantes para os alunos por que eles não liam os textos. Porém, eu me perguntei: e quando eles se divertem em seus grupos sociais, será que não existem debates recorrentes entre eles? Por um acaso eles precisam necessariamente buscar o acesso a uma leitura para debaterem acerca dos temas discutidos? Portanto, por que minhas aulas parecem estar entediantes?

A partir dessas questões, eu passei a rever as minhas posturas. Muitas dúvidas me atormentaram, e dentre as mais recorrentes estava à questão da importância dos conceitos trazidos em sala de aula. Eu fiquei a me questionar: se eu deixasse a preocupação com os conceitos de lado e me propusesse a priorizar as provocações vinculadas a realidade deles não seria mais importante? Por outro lado eu me perguntava: mas será que os conceitos também não são importantes?

Com essas questões, eu cheguei a perceber que os conceitos, mesmo tentando ser mostrados com a realidade cotidiana do alunado, não eram lidos por eles pelo fato desses alunos também se encontrarem situados em uma realidade etária que os estimula a buscar novas descobertas. Geralmente nessa idade os alunos estão no início da desvinculação com a dependência dos seus tutores e estão experimentando o gosto por novas aventuras que não os leva a priorizar o tempo com a leitura.

As angustias se acentuavam quando eu comecei a vislumbrar os pontos positivos e negativos acerca da importância dos conceitos e das provocações. Com relação aos conceitos, eu via um ponto muito construtivo, afinal, acredito que apesar de tudo, a educação tem o papel fundamental de transmitir aos alunos os conhecimentos acumulados ao longo da história da humanidade e cabe ao educador mostrar ao aluno esse conhecimento em seu aspecto teórico, sistematizado, formalizado.

Por outro lado, eu via que os conceitos quando eram trazidos, muitas vezes não interessavam a esse perfil de estudante adolescente. Se eles já demonstravam pouca motivação em construir reflexões acerca dos conteúdos, se eles não realizavam as minhas expectativas no que diz respeito à constante atualização com a leitura para a sala de aula devido a sua formação; como adolescentes, eu percebi que eles estavam estimulados em desvendar outras realidades, outras descobertas.

Com relação às provocações, eu sentia que só insistir nelas não seria um bom caminho, afinal, mesmo sabendo que a educação para ser estimulante ao aluno deva se encontrar diretamente conciliada com a realidade dele, mas estimular unicamente a provocação significava apenas reproduzir os modelos corriqueiros que eles vivenciavam em suas experiências sociais. Eu tinha que trazer também a teorização do conteúdo para que eles compreendessem-no a partir de uma perspectiva sociológica.

Mas por outro lado, se eu deixasse um pouco a teorização em sala de aula e me enveredasse no caminho da provocação em sala de aula, eu também poderia promover uma aula mais dinâmica na qual os alunos poderiam reivindicar, problematizar e entrar em conflito com outros diversos discursos que terminam por ocorrer em meio a debates. Isso faria com que eu pudesse inclusive abrir um espaço para que eles colocassem essa instabilidade bastante típica para a idade deles.

Em meio a essas duvidas e a essas tentativas em conciliar uma aula interativa sem deixar de lado um espaço para a leitura, eu cheguei a uma espécie de terceira via que para mim seria o caminho mais promissor diante daquela realidade cotidiana nas aulas. Enfim, terminei por optar com a provocação no início da aula, para que depois de toda a discussão e “algazarra” estimulada por ela, eu entrasse com os conceitos e pudesse mostrar toda a relação daquele debate com os conceitos.

Para isso, eu fiz o seguinte: antes de passar um conteúdo, eu não pedia a nenhum aluno o cumprimento com a leitura do conteúdo. Eu lia o conteúdo que eu selecionava para ser discutido em sala de aula e dentro da minha leitura eu criava uma questão para ser respondida que eu achava que estaria diretamente associada aos seus interesses. Ia para a aula, anotava os tópicos do que eu tinha organizado para ser trazido enquanto conceito, mas primeiramente fomentava a discussão.

Com a problemática sendo exposta no início da aula, a aula começava com um clima de leveza e de muita instigação. Não havia aquela sensação de que os alunos estavam ali simplesmente para mais uma aula. Ao contrário, Os alunos passaram a fazer das aulas uma espécie de divã ao descarregarem suas angústias, suas opiniões, e eu, assim como um analista, passei a pegar os atos falhos, as contradições que eu encontrava nos discursos deles e jogar de volta fomentando novas reflexões.

Depois que o clima de leveza havia sido conquistado, eu passava a articular todas aquelas opiniões com os conceitos trazidos por mim para serem compreendidos na disciplina. Comecei a sentir que a situação começava a se tornar mais estimulante, mesmo sentindo ainda uma grande dificuldade dos alunos em compreenderem conceitualmente o conteúdo exposto. Foi devido à insistência dessa dificuldade que eu encontrei o caminho para que eles passassem a ler o conteúdo.

Além de ganharem notas pelas participações no debate, eu passei a propor atividades escritas. Essas atividades passaram a ter notas acumulativas que no final de cada unidade, seriam somadas junto com as do debate. As atividades passaram a ser propostas da seguinte forma: os alunos produziam um texto acerca da problemática trazida no início da aula, junto com as opiniões trazidas no debate e articulavam esse texto com o texto que eles teriam que ler acerca do conteúdo.

Com essa estratégia, terminei por conquistar um resultado esplêndido em sala de aula, uma vez que a aula, ao invés de se caracterizar por aquela condição entediante ao ser iniciada com a explanação dos conceitos, passou a ser estimulada com a liberdade de expressão do alunado acerca de uma temática articulada com o conteúdo que eu trazia para a sala. Esse contágio inicial da aula terminou deixando as questões conceituais com um caráter mais leve e menos sisudo para os alunos.

Mesmo estimulando uma onda de opiniões sobre questões diretamente voltadas para o cotidiano deles, eu não deixei de trazer também o que eu acho ser de profunda importância na educação que é a relação com os conceitos. Como eu disse, acredito que articular os conceitos teóricos da disciplina é de fundamental importância para que eles enxerguem a realidade de forma sistematizada, teorizada, além de compreenderem o enfoque da disciplina acerca desses conceitos.

Além dessa estratégia não pecar em buscar trazer apenas os conceitos ou apenas gerar o estímulo para as provocações em sala de aula, ela também abriu espaço para uma atualização dos alunos acerca da leitura. Como eu citei mais acima, as atividades propostas eram produzidas de forma a responder de forma escrita a questão provocada no início da aula, articulando o debate com um fichamento acerca do texto proposto para ser estudado na disciplina.

Essas articulações fizeram com que as atividades se tornassem críticas, pois o aluno se via na responsabilidade de praticar o exercício constante do que foi debatido em aula, preocupando-se em compreender o que se estava sendo discutido e promovendo a ele uma capacidade crítica de arquitetar as respostas da pergunta feita em sala, com os debates e com o texto. Isso permitiu com que o conhecimento não tivesse o ar de apenas responder para saber se aprendeu o conceito.

A partir do momento em que eu passei a enxergar como o conhecimento estava sendo produzido, percebi que a sociologia conseguia firmar uma relação entre a teoria com a experiência dos alunos. Ao darem suas opiniões, perceberem a articulação que eu fazia dos conceitos com o debate e depois fazerem o texto articulado com o texto proposto, os alunos passaram a reconhecer que a teoria sociológica estava diretamente vinculada às suas angústias e, portanto, às suas vidas.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A DICOTOMIA DE LE GOFF

RESENHA CRÍTICA Le Goff, Jacques. Antigo/Moderno. In: História e memória. 5 ed. Campinas: Editora Unicamp, 2003. p.173-184. O texto de Le Goff “Antigo /Moderno” trata das oposições entre os pares de sua dicotomia muito parecida com o estilo saussereano. Ao logo de suas 11 páginas o autor mostra os diversos sentidos que os pares recebem ao longo dos processos históricos que se desenvolveram no ocidente. O autor, no final, conclui que com o abandono da tese de um tempo histórico cíclico se consolida com a leitura historiográfica de um tempo linear que privilegia sistematicamente o moderno. O texto está seccionado em quatro secções nas quais, de forma, um tanto rebuscada, o autor expõe suas ideias sobre a dicotomia apresentada. O autor tem como maior objetivo mostrar que os termos “antigo e moderno” usado na historiografia ocidental são convenções construídas culturalmente ao logo dos séculos no ocidente. Para Le Goff o par Antigo/Moderno é uma discussão não apenas ocidental, pois, este está presente em outros lugares, no entanto, foi no ocidente que ele se ligou de forma decisiva as discussões acadêmicas. Esta oposição, segundo Le Goff não significa necessariamente uma oposição ou a negação de um pelo outro, mas, construção de uma discussão sobre os diversos sentidos tomados pelos termos ao longo dos séculos. o que ele observa, em um primeiro momento, é que é um par sobretudo gerador de ambiguidades linguísticas e semânticas. Os conceitos antigo e moderno são construídos pelos homens segundo a força que a cultura exerceu em determinadas épocas do ocidente. Le Goff expõe que o termo antigo passa por uma sucessão de compreensões assim como o termo Moderno. Essas compreensões estão ligadas não apenas a história, mas, a outras manifestações do intelecto humano, como a ciência, a filosofia, a arte e a religião. Para Le Goff antigo e moderno podem ser vistos sob diferentes olhares, pois, quem os ver é o homem, e este ver a partir de seu tempo histórico. É por essa razão que os termos ganham uma natureza polissêmica e sua compreensão está subordinada a leitura que o homem faz de seu tempo. Ademais, o autor mostrou de forma muito nítida que nem sempre os homens percebem seu tempo histórico, portanto, as convenções historiográficas não dizem muito sobre esse homem. As contribuições nas artes, na economia, como o advento do progresso e do processo de industrialização, segundo Le Goff, trouxe mais lenha para a fogueira no que diz respeito sobre o que é antigo ou antiguidade, ou sobre o que é moderno, novo, ou modernidade. Para o teórico francês a questão não é se o antigo é melhor do que o moderno como alguns no passado cogitaram, ou o contrário, para Le Goff, a questão está em o que é, ou o que antiguidade e modernidade significam no âmbito da historiografia e para o conhecimento humano com um todo. Le Goff termina seu texto dizendo que somente com o advento dos homens das luzes que a ruptura com a concepção de tempo histórico cíclico torna efêmera a superioridade do antigo sobre o moderno. A concepção de um tempo histórico linear que surge com o conceito de progresso substitui o romantismo com a antiguidade pela visão linear da história que privilegia o moderno. Desde que Bakhtin disse que o sentido do signo não está nele, mas, nas pessoas envolvidas no circuito comunicativo que muita coisa mudou na compreensão do fenômeno linguístico. Le Goff fez uso de uma dicotomia estilo saussereana em seu ensaio. Isso nos remete a antiga teoria da aleatoriedade do signo linguístico. Isso ele fez, certamente, para mostrar que os sentidos dos pares por ele analisados não estão em si, ou numa abordagem do “em si” da substância linguística que torna possível o processo historiográfico. Ora, se escrever a história é um processo de codificar, ou fazer uso de signos, então, é necessário uma precisão cartesiana ou positivista para que a historiografia tenha credenciais para aceitação pública? Será necessário o historiador impor os períodos históricos como verdades estanques a partir de uma analise política do tempo? Le Goff deixa claro no seu texto que as palavras falam muitas coisas e que essas coisas nem sempre tem uma relação empírica com os fatos. Os componentes culturais que envolvem o discurso linguístico estão plasmados na analise desse pensador francês. Quando ele diz que nem sempre o homem tem consciência do seu tempo, ele está dizendo que o homem tem limites de sentidos para descrever ou falar sobre sua realidade no mundo temporal. Não restam dúvidas, o texto apreciado dialoga com os postulados Jackobsoniano e Bakhtiano de percepção da linguagem, e da importância desta para a produção do discurso historiográfico. Esse texto é recomendado para alunos do curso de história e do curso de linguística ou sócio-linguística. Pois, embora possua uma preocupação com o estudo da história, ele traz conhecimentos da linguística, em particular, a sócio-linguística. Podemos tomar como exemplo, e é o que é mais evidente, as variantes dos pares e as oposições que autor analisa quase que como um trabalho de análise etimológica, ou análise do discurso. Nesta última percepção do texto de Le Goff detectamos marcas do discurso de Bourdie sobre o sujeito do discurso e o discurso do sujeito. No primeiro caso, as mudanças de sentido nos pares opostos, ou uma neutralidade, ou, uma polissemia ocorre porque o sujeito que diz sobre as coisas o diz a partir da posição de prestígio social. Le Goff não cita o discurso popular, todas as suas alusões se referem aos intelectuais de várias épocas. Fica claro que a historiografia por ele defendida não parte da análise do discurso do povo, do comum, mas, da análise dos ditos eruditos. Por isso, não será errado dizer que fazer historiografia partindo dessa via não corresponde muito às expectativas daqueles que ficam sem história porque não tem discurso, ou fala. Quem historiografou a fundo a mortandade das enchentes brasileiras, caso, de preocupação secular? Esses defuntos não tem discurso, portanto, não tem história. Essa preocupação que desponta do texto de Le Goff me lança inevitavelmente a segunda parte de minha análise: O discurso do sujeito. Ora, se a história é o relato discursivo dos fatos e acontecimentos relevantes da realidade humana, precisamos saber ao certo o que é relevante ao homem e quem está dizendo, e uma vez dito, analisarmos, como fez o autor, o dito. Le Goff viu que o dito sobre o antigo, a antiguidade, o moderno, a modernidade, o progresso etc., era construção cultural, e que não se tem, de fato, uma certeza para dizermos se estamos mesmo no moderno, ou se deixamos mesmo o antigo, ou se vivemos os dois tempos numa só realidade como se fosse uma hibridização temporal como ocorre nos discursos. Então, o discurso de modernidade como o de antiguidade traz uma visão de uma parcela da sociedade sobre o mundo e os fatos que nele ocorreram. Portanto, são discursos monológicos, discursos dominantes, assim como o conteúdo dos nossos livros de história oferecidos pelo sistema educacional. Posto isso não posso abrir mão de dizer que o estudo de Le Goff elucida ou ajuda a elucidar a velha tese de meu amigo Sousa. A memória enquanto discurso é seleção e só passa aquilo que as pessoas revestidas de prestígio se interessam. O caráter monológico de nossa educação está, então, presente nos livros didáticos e nas concepções de mundo que são passadas pelos diversos estucadores que se afinam na orquestração de sua sinfonia monológica.

Brega e poder: um debate em sala de aula

Cada classe tem seus próprios valores. As representações, ou seja, a forma como cada uma concebe o mundo, varia de uma para outra. Um quadro considerado bonito para um setor social pode ser feio para o outro. O que é visto para um setor como normal, para o outro pode não ser. No entanto, por vivermos em meio a uma sociedade de classes marcada por setores que são prestigiados e outros marginalizados, o que é visto como normal, é normal dentro da forma como o setor prestigiado aceita como normal.

Em outras palavras, tudo aquilo que é considerado como ofensivo para os valores dos setores sociais prestigiados, tende a ser excluído ou taxado de forma pejorativa como brega por exemplo. Se pensarmos o brega enquanto um estilo de ser, brega termina sendo tudo aquilo que não diz respeito às coisas que são consideradas aceitáveis para as classes prestigiadas. É por isso que eu acredito que ser brega significa agir de uma forma que para o setor privilegiado é vista como subversiva.

Sim, acredito que ser brega significa ser subversivo, pois desestabiliza os modelos que os setores de prestígio querem conservar. Nesse sentido, ser brega significa sair completamente dos padrões considerados como “corretos” para o setor prestigiado. Alguém que decora sua casa ou se veste de forma brega, é visto como alguém que não está se comportando conforme os valores dominantes. Quem é visto como brega termina andando na contramão de tudo aquilo que é tido como coerente.

Mas se o fato de ser brega significa tudo aquilo que vai de encontro aos modelos sociais oficializados pelos setores dominantes, também quer dizer que o querer ser brega significa atender a lógica da classe dominante, uma vez que, se por um lado o setor prestigiado classifica algo como brega por ir de encontro aos seus modelos, por outro, o querer ser brega nada mais é do que querer copiar os modelos dominantes. A diferença é que esses modelos são copiados de forma vista como de mau gosto.

Exemplo: usar o mesmo modelo de roupa da atriz da novela das oito é querer refletir os modelos oficializados pelo sistema, mas o fato de usar o mesmo modelo com tecidos de qualidades inferiores e de preços mais baratos significa ser brega. A lógica do setor dominante é a seguinte: ele cria a ideia do que seja um modelo aceitável para manter o seu poder, e tendo esse poder garantido, ele provoca cobiças dos outros setores em querer fazer parte da camada prestigiada.

A pessoa se comportando de forma a ser considerada como brega termina por atender os setores dominantes, uma vez que nessa cobiça, essa classe ganha por conquistar a admiração social dos outros setores, e faz com que o mercado do consumo continue circulando riquezas para ela a partir do instante em que esses setores passam a sonhar em atingir esse lugar de prestígio. Se por um lado o ser brega foge das convenções, por outro, ele se encontra dentro delas.

O grande problema é que o setor dominante cria uma lógica que faz com que os outros setores, apesar de sonharem atingir a condição de prestígio, não alcancem esse prestígio. Apesar de querer ser cobiçado, o setor prestigiado não quer que a cobiça seja capaz de conquistar esse espaço, até por que conquistando, eles irão ter que dividir a fatia do bolo com os outros, perdendo assim, o seu poder. Eles estimulam o sonho, mas não permitem que esse sonho seja concretizado.

Para mim, a educação seria um espaço muito importante para acionar uma espécie de alarme nessa questão referente ao ser brega. Como eu mostrei, o fato de ser considerado brega de certa forma subverte a ordem por ir de encontro aos modelos oficializados. Esses pontos poderiam ser discutidos em aula para mostrar que apesar da elite esperar que os setores desfavorecidos consumam, ela exclui esse mesmo setor no instante em que o poder aquisitivo é distribuído de forma desigual.

Essa exclusão parte não só apenas com relação ao fator econômico, ou seja, na capacidade aquisitiva de cada classe em poder consumir determinados produtos disponibilizados nas prateleiras da sociedade de consumo, como também com relação ao fator simbólico. Sim, o ser brega não significa apenas não ter condições de se igualar ao setor prestigiado aquisitivamente, mas também diz respeito ao fato de ser ridicularizado por não conseguir atingir os ideais de beleza legitimados pela classe dominante.

Acredito que dentro das salas de aula, o educador poderia provocar questões como: por que eu não posso consumir da mesma forma que o outro? Por que é que os modelos dominantes são os únicos que devem ser encarados como aceitáveis? Quais são os caminhos possíveis para que essa distinção possa ser superada? Por que eu necessito tentar copiar o modelo do outro? Esse outro deve ser visto por mim como um modelo a ser seguido ou como um modelo a ser questionado e criticado?

Acredito que a partir dessas provocações, o tentar ser brega de fato poderia provocar uma subversão mais profunda, uma vez que estimularia novos questionamentos acerca do poder entre as classes sociais, e não por subverter simplesmente pelo fato de não agregar os valores reconhecidos como válidos por uma elite. O importante seria provocar um questionamento intenso sobre o porquê se existe o brega e o chique, assim como o grotesco e o sublime, o vulgar e o refinado.

Mostrar também que o ser brega agride não simplesmente por que é feio. Para isso, seria interessante esclarecer aos alunos que o feio é um critério de classe e que tem como objetivo fazer com que os valores sociais e estéticos se mantenham em seu lugar na hierarquia para que os setores dominantes reforcem seu poder. Seria importante também atentar para o fato de que a elite teme perder o seu poder, e por isso mesmo cria classificações com o intuito de denegrir qualquer setor que venha ameaçar o seu prestígio.

O fato de ser visto como subversivo aos valores dominantes também serve como um caminho pelo qual o educador pode mostrar que, apesar de ser ridicularizado pela mídia e pela sociedade em geral, o setor periférico também representa um setor perigoso à classe alta da sociedade, e que por provocar tensões com esse setor, ele pode reconhecer o quanto a própria elite o enxerga enquanto uma classe social capaz de destituí-la do poder.

Olhando o fato de ser brega e pensando nas possíveis ameaças detectadas pelos setores dominantes, o educador pode abrir caminhos para que esse setor marginalizado conquiste uma auto-estima. Mostrar que o receio que ele provoca é fruto do receio que o setor privilegiado tem dele poder conquistar um lugar de prestígio. Isso poderia abrir uma possibilidade do setor desfavorecido pensar acerca da importância que ele dá aos valores da elite, desnaturalizando assim, a legitimidade que dá para esse setor.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

AVISO

Amigos leitores,


peco- lhes desculpas, mas nao poderei postar no torto essa semana. Vejo vcs na segunda. Abraco, Maira

sábado, 13 de outubro de 2012

O papel do educador acerca do consumo do pagode entre as mulheres do município de Piranhas- Alagoas

As pessoas que trazem um olhar romântico acerca das tradições culturais, ao chegarem em Piranhas, município localizado no alto sertão do estado de Alagoas, na certa se decepcionam no que diz respeito aos hábitos musicais de seus habitantes. Diferente do que esperam os amantes da dita pureza cultural, Piranhas, apesar de turística por ser histórica, é totalmente marcada pela chamada cultura de massa. Essa massificação impera claramente no que diz respeito ao consumo do pagode.

O pagode tem recebido sérias críticas reprovativas. Se pensarmos isso no consumo do público feminino, esses discursos se intensificam, visto que eles criticam o comportamento da mulher por enxergarem a preponderância do machismo contido nas letras dessas músicas. Contudo, eu acredito que, sem negar o machismo contido nas letras, as mulheres consumidoras desse gênero possuem códigos e delimitações de espaços em seus grupos sociais capazes de afirmar moralmente o lugar delas.

Vejamos: para existir grupos, necessariamente precisa haver códigos que sejam capazes de possibilitar formas de comunicação entre seus membros. Esses códigos têm a finalidade de fazer com que os indivíduos não apenas se compreendam, mas também passem a ter um sentimento de pertencimento a esse grupo. É a partir dos códigos construídos e utilizados por esses grupos que os seus membros se assemelham, compactuam formas de ver, pensar e agir. É nos códigos que os indivíduos se identificam.

Pelo fato dos códigos permitirem aos membros se comunicarem e compartilharem de valores, cada grupo termina por delimitar seu espaço. Com as mulheres não é diferente. Através dos códigos, elas terminam colocando certas regras de comportamento, conseguindo com isso, delinear e afirmar o seu próprio território. Essa afirmação pode se estabelecer sobre condições morais, de respeito, de regras que instituem valor à sua posição social dentro desse grupo consumidor do pagode.

Vale também lembrar que consumimos determinadas músicas com relação a determinados ambientes. Eu posso muito bem ouvir determinado gênero musical de acordo com cada circunstância. O fato de se consumir o pagode não foge a regra dessa afirmação. Posso consumir o pagode como mero divertimento. É por talvez puder escolher o pagode como divertimento que eu não consigo aceitar que de forma determinante uma mulher consumidora do gênero aceite literalmente os discursos do pagode.

Pensando na escolha musical para cada circunstância e somando o fato de se conceber o grupo como um espaço no qual os seus membros estabelecem regras para demarcar o seu lugar, o que posso verificar é que não necessariamente o fato de uma mulher consumir o pagode, significa que ela esteja assumindo uma posição de desrespeito com ela mesma. Ela pode muito bem ouvir o pagode por outros interesses circunstanciais e estabelecer regras em seu meio para se preservar moralmente.

Por exemplo: apesar da letra de pagode trazer temáticas referentes ao sexo, não significa dizer que as mulheres que ouvem pagode não se preservem sexualmente. O fato das letras exporem conteúdos referentes à inferiorização da mulher, não quer dizer que socialmente ela se coloque em condição inferiorizada. Uma mulher pode consumir o pagode e afirmar o seu lugar, inclusive reagindo de forma radical a qualquer intenção masculina que tenha como objetivo, denegrir a sua imagem.

Aí é onde entra o papel da educação. Digo isso, pois muitas dessas mulheres e consumidores do pagode em geral são alunos. Não tem como fugirmos da realidade marcada pelo forte consumo da cultura de massa. Os educadores ao insistirem em discursos contrários ao pagode se encontram na contramão do contexto atual. Devemos estar cientes de que, gostando ou não, o pagode é uma realidade bastante presente no cotidiano dos alunos.

Porém, infelizmente a educação insiste em perpetuar um discurso elitista, ao invés de, a partir do discurso dos alunos, buscar encontrar caminhos para avaliar os prós e contras do pagode. Ainda se é muito comum ouvirmos de professores discursos claramente moralistas e denegridores acerca do pagode. Inclusive, ao conversar com muitos educadores, eu percebo que a reprovação é tamanha que eles sequer conseguem visualizar espaços para a utilização do pagode em sala de aula.

Para mim, um educador precisa se adentrar no universo dos discentes para compreender as razões que levam os alunos e especificamente as mulheres a consumirem o pagode. Antes de cair no moralismo e no elitismo, o educador tem que conviver em meio a esse espaço social vivenciado pelos alunos para compreender de forma viva e concreta a forma como eles estabelecem seus códigos e como se comunicam e se compreendem entre si.

Não apenas isso. Os educadores podem fomentar debates referentes ao consumo do pagode dentro do próprio ambiente educacional. A partir desses debates, eles, conjuntamente com os alunos, podem compreender com maior clareza principalmente acerca do consumo feminino em relação a essa música. Ou seja, como as mulheres se enxergam nas letras, quais circunstâncias e quais as razões que as levam a ouvir o pagode, como elas se comportam enquanto mulheres na sociedade, etc.

O ambiente educacional pode trazer provocações acerca do pagode. Por exemplo: sabemos que as mulheres vêm brigando pelos seus direitos enquanto gênero sexual e que isso é válido. Portanto, o machismo deve ser questionado. Mas antes de reduzir o machismo a uma questão meramente moral, o educador deve provocar questões como: as mulheres conseguiram de fato conquistar o seu direito? O que faz músicas de teores machistas conseguirem ainda ser consumidas com tanta frequência?

No que diz respeito ao sexo, os educadores podem mostrar várias facetas acerca do assunto, provocando questões como: a liberdade sexual é positiva? Até que ponto a liberdade sexual pode se tornar prejudicial à sociedade? O sexo exposto no pagode não possibilitaria um acesso mais aberto com relação ao assunto? Em que sentido a abordagem referente ao sexo nas músicas poderiam ser prejudiciais? A família e a escola têm um papel importante nesse debate? Por quê?

É importante que os educadores não deixem que suas verdades concluam as infinitas contradições discursivas acerca do tema. O que vale é estabelecer uma troca, e o educador tem que intermediar o debate respeitando a visão do aluno e intervindo com novas questões para que esse aluno passe a repensar suas afirmações. Por exemplo: mesmo o pagode sendo excelente para se dançar, até que ponto o sexo e o machismo contido nele podem interferir negativamente na sociedade?

O fato dos educadores terem competência curricular, profissional e teórica, não lhes dá o direito de afirmar suas verdades sem ao menos buscar conhecer as razões que levam os alunos a determinados tipos de comportamentos ou escolhas musicais. Não cabe ao educador afirmar uma opinião apenas pelo aspecto moral. Para se haver uma discussão crítica é pertinente que se pense essas questões de forma racional, buscando entender os fenômenos sociais a partir dos fatos, das razões de cada um.

O ambiente educacional tem que olhar o aluno como um ator que participa das experiências sociais. Os discentes não são meros objetos passivos. Eles têm que ter direito à voz simplesmente por que eles têm voz. Eles são sujeitos que possuem opiniões acerca das coisas, assim como detêm subjetividade e escolhas. Se a escola quer se tornar um espaço prazeroso para esses alunos, os educadores devem tornar as salas de aula um espaço para a expressão e manifestação desses alunos.

Só conseguiremos fazer da escola um espaço de prazer, quando nos dermos conta de que os alunos necessitam ter direito à voz. Vivemos em meio a uma sociedade que se encontra ainda marcada pelo autoritarismo.É através dos debates que os educadores podem abrir espaços que quebrem esse autoritarismo e que façam os alunos se sentirem respeitados e questionadores conscientes de suas próprias escolhas, por eles perceberem que possuem liberdade de manifestar seus valores.

Se ao menos os educadores estivessem de fato dispostos a fazer do conhecimento algo diretamente vinculado à realidade sócio-cultural do aluno, se estivessem interessados em estabelecer diálogos com eles, compreendendo assim, as razões pelas quais levam esses alunos a consumir esse gênero musical, se ao menos buscassem averiguar a realidade social, cultural, moral, familiar, estética e histórica desses discentes, o consumo dessa estética poderia ser ao menos mais consciente.

Não é por que o pagode contém assuntos referentes ao machismo e ao sexo, que ele deva ser expelido do ambiente educacional. Os educadores podem a partir disso provocar indagações acerca do papel da mulher, além de outros temas que também são por demais explorados no pagode como exclusões estéticas, por exemplo. A educação tem que abrir leque para discussões que talvez não estejam presentes em seus alunos, para com isso, provocar novas indagações e novos caminhos.

Para concluir, é necessário que antes de precipitarmos nossos discursos acerca do consumo das mulheres em relação ao pagode, temos que observar como se estabelece o olhar delas referente a esse gênero musical, ou seja, como elas se apropriam dos discursos do pagode. Além disso, devemos lembrar que uma escolha musical diz respeito a motivações, circunstâncias e finalidades variadas. Não necessariamente o fato de se consumir o pagode significa que a mulher não respeita a si própria.

Buscando uma compreensão do pagode a partir das mulheres, poderemos detectar a forma como elas se enxergam enquanto mulher na sociedade, como elas se posicionam socialmente, quais são os critérios que elas utilizam para assegurar o seu valor enquanto gênero sexual, qual foi o valor incutido a respeito da mulher em seu meio social, como foi sua educação moral, como se organiza sua família, qual o perfil de homens que elas buscam escolher para estabelecer uma relação conjugal, etc.

É por isso que eu acredito que o educador não deve se precipitar com os seus valores pessoais ou de classe. Ele tem que compreender as opiniões do grupo feminino consumidor do pagode analisando suas variantes históricas, sociais, morais, culturais, sociais. Obviamente que o seu papel também não é optar pela perpetuação das coisas, cabendo a ele, portanto, também provocar questionamentos em sala de aula fazendo o aluno perceber pontos positivos e negativos no pagode.

É por isso que eu acho de profunda importância que o educador, antes de optar pela exclusão desse gênero musical, deva se adentrar nos meios sociais compostos por grupos femininos que consomem o pagode, e através de uma pesquisa mesmo informal, começar a compreender o porquê desse consumo, além de possibilitar um espaço para a discussão em sala de aula acerca do pagode se preocupando em analisar a ótica do aluno para não cair no erro da intolerância e do elitismo.

Não cabe ao educador simplesmente condenar a opção das mulheres piranhenses em consumir o pagode. A prática social estabelecida pela cultura de massa é fato, e quem disse que é por toda ruim? Se reconhecermos a sua existência e sua importância, poderemos detectar pontos pertinentes que podem alterar profundamente a sociedade piranhense, como os traços tradicionais que ainda persistem em seus habitantes, como o sexo e a mulher são vistos socialmente, etc.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Aviso

Caros Tortos,


Estarei viajando nesta segunda, por isso postarei meu texto da proxima semana na quarta-feira. Abracos a todos, Maira

micro-cidade

no universo, os castelos sao construidos por pedras.

os imperios, destruidos pela minuscula latencia.

entre blocos estao os sistemas invisiveis
que suportam o mundo
destrutivel
pela indestrutivel inorganicidade.

domingo, 7 de outubro de 2012

O ALIENADO

- Dona Cosminha já sabe da nova? - Não, mulher. Cheguei ontem de Aracaju. - Morreu mais gente? - Não, mulher. Vixe Maria! - Então, o que é mulher? Deixou-me curiosa. -Tem um estranho na rua. - E é? Mais um para embuchar as moças. Esse povo de Aracaju só gosta disso quando chega aqui. - Que mulher! Ninguém vai querer não! Todo cheio de tatuagem; parece um maconheiro. Nem sei se é mesmo. Olha, se eu sentir cheiro de mato eu chamo a polícia. O Dr. Eduardo veio para Tobias fazer pesquisas arqueológicas nas margens do Rio Real. Sua tese era que, em Tobias, há cerca de dez mil anos atrás viveu uma raça indígena muito parecida com os índios andinos. Embora sem evidências de construções como pirâmides e outros objetos, o pesquisador encontrou potes de barros com os mesmos desenhos geométricos e características bem parecidas. O professor pensou que descendo o Rio Real até Indiaroba ele poderia encontrar mais vestígios desse povo. O problema era que não havia o menor sinal de ruínas de vilas; ademais, o clima da região é muito árido e quente, e isso tornava mais complicada a pesquisa. Como provar que esse tipo étnico acostumado com o frio viveu aqui sob essas condições? - Dr. Eduardo, o povo andino aqui em Sergipe? E logo nos Campos? Rapaz, você deve estar com algum problema! - Dr. Alencar o vaso é real e a data confere. As características são as mesmas. Fazer o que? Preciso de verba pelo menos para dois anos de pesquisas. No final, eu provarei que, se não forem andinos, são parentes bem chegados com os mesmos traços culturais. Foi esse o espírito que trouxe o Dr. Eduardo, Antropólogo e arqueólogo da Universidade Federal de Sergipe para a Vila de Campos em 1993. Eduardo era negro e usava uma bermuda jeans, óculos escuros, cabelo rastafári, e consumia nas horas vagas muita cerveja em lata. O fato de o rapaz usar camisetas tornava visíveis suas tatuagens que ele não tinha a menor intenção de esconder. Eduardo era uma pessoa alienada para os valores conservadores da Vila de Campos de Rio Real. - E esse preto é professor mesmo da faculdade? Rapaz, o negão foi longe! - Pra mim pode ser professor do cabrunco! Pra mim continua sendo um negro maconheiro cheio de tatuagens. Eu não sei como deixam gente desse tipo ser professor de nada? É o fim do mundo! - Calma Telma! Até que o moço tem um rosto simpático! Disse Rafaela – a mulher do padre. Em Tobias, de vez em quando, um padre casa com uma de suas ovelhas. Eduardo continuava seu trabalho com muita dedicação. O moço não fazia a menor ideia das coisas que o povo dizia. Mas, um dia, seu colega de trabalho, Nonato o convidou para uma festa no povoado Peba. Era época de São João, o Peba estava todo enfeitado de bandeiras juninas. Havia fogueiras acesas na frente de quase todas as casas. Na praça principal armaram um palco para receber uma banda famosa da região, “Os rebeldes do Sertão”. As moças queriam Nonato, mas, do coitado do professor, ninguém se aproximava, exceto as de vida fácil; essas estão em todo lugar. Eduardo não percebia, ou se percebia, guardava para si. Tudo que ele queria, mesmo, era terminar seu trabalho e escrever seu livro sobre os andinos em Sergipe. No entanto, a festa do Peba mudaria a vida do moço para sempre. - Veja, eu fico com Nonato e você com o professor, entendeu? - Não entendi nada Santinha. - Num entendeu o que Cleisielma? - Eu Namoro Nonato e você namora o professor Eduardo. - Por que eu com Eduardo e você com Nonato? Vamos trocar! - Deixa de ser besta peste! Ademais, o teacher tem a grana. Cleisielma tinha apenas dezesseis anos; Dona Santinha era maior de idade. Os foguetes estouravam nos céus do Peba. O povo estava cheio de alegria. A cachaça rolava solta por todos os bares e botecos. Havia gente de toda parte do município de Tobias Barreto. Eduardo dançou com a moça a noite quase toda. O professor não sabia que a menina era menor de idade. Nonato ficou com Santinha e com Risodalva. Os três namoraram a noite quase toda no carro que faz frete para o Curtume. Contudo Eduardo não tocou um dedo na moça que lhe fazia companhia. - Como é teu nome menina? - Meu nome é Cleisielma. - Você é daqui mesmo? - Sim. Eduardo falou um pouco de seus projetos, mas, a pobre moça nada entendia e nem sabia da importância para o seu povoado caso ficasse provado a tese dele. A noite terminou. Eduardo foi até o Batom deixar a menina. Deu-lhe um beijo na testa e foi-se de volta ao seu quarto por volta das quatro horas. - O professor num vai querer nada não? - Não Cleisielma! Você é muito atraente, mas, ainda é uma criança. Tá em casa! Durma com os anjos! Cleisielma entrou em casa com a lembrança daquele rosto negro muito gentil e cheio de ideias que ela não entendia. A moça se prepara para se deitar quando alguém bate a sua porta. Cleisielma responde assustada: “Quem é?” A pessoa insistiu batendo novamente; a moça disse na tentativa de afugentar o intruso: “Vou chamar meu pai”. A voz se calou e com o seu silêncio o galo cantou três vezes. No outro dia, bem cedo, os dois pesquisadores vão para a margem do Rio Real cavarem no sítio arqueológico que já estava devidamente delimitado. Agora era só trabalhar e ver no que daria. A tese de Eduardo era que os andinos vieram para Sergipe passando pelo planalto central. Atravessaram a Bahia e se instalaram em Sergipe devido à fartura de comida do agreste sergipano. Eduardo contratara uns peões para fazerem o serviço de escavação. Todos receberam curso gratuito pela Universidade. “Se encontrarem qualquer coisa, me chamem e muito cuidado ao manusear; além do mais, se estiver preso na terra, me chamem que tem o jeito especial para remover a peça”. Os dias de escavação foram longos e muitos. Nada foi encontrado até o mês de setembro de 1994 quando, finalmente, uma urna funerária com inscrições semelhantes aos hieróglifos Incas foi encontrada na margem baiana do rio. O jornal da cidade noticiou o achado que logo se espalhou pelo estado. “Em Tobias teve índio Inca”. Não se falava outra coisa na cidade. Alguns comerciantes colocaram imagens de índios e estátuas na frente de suas lojas. Dona Estelita montou uma pirâmide de isopor e passou a vender as roupas de Caruaru dentro de sua nova barraca-pirâmide. - Rapaz, então, nossos ancestrais, na parte de índio, eram os Incas? - Mas, Geraldo, o que é Inca? - Sei lá, num estudei isso na escola não. A minha professora só falava da Revolução Francesa. Apesar do sucesso do professor e de sua pesquisa, as pessoas continuavam com dúvidas sobre a moral do rapaz. O costume local é a execração de tudo que “num tá nos conformes”. - Hoje, o Padre Filebaldo disse na missa que nas universidades existem pessoas que entraram por cotas e que não deveriam estar lá. “Esses são os representantes da escória social, na maioria dos casos, filhos de mulheres perdidas, pais maconheiros e viciados”. - Mas, mulher, o homem é sabido e até agora num se tem o que falar dele. - Ele deve ser viado! - Por que mulher? - Um rapaz muito novo, e não entra mulher na casa dele? Sei não! Eu soube que na festa do Peba ele andou agarrando uma. A menina depois disso sumiu. - E foi? - E quem era? - Era a Cleisielma, filha da finada Augusta que o marido matou e se mandou no mundo deixando a moça fazer vida no Batom. O Batom era o bairro pobre do povoado Peba, também conhecido como “a favela”. O povo do Batom demorou a sentir a falta da moça. A vizinhança entrou na casa e nada viu exceto que as coisas dela estavam lá. “Bem, ela não viajou, pois, suas roupas e objetos pessoais estão aqui!” Afirmou com um tom sério um rapaz cujo nome era Gladstone – O seu Vereador. Gladstone chamou a polícia, que depois de dois dias, apareceu no Peba. A investigação durou alguns minutos. O delegado plantonista Orfeu Medrado estava convencido de assassinato porque havia marcas de luta e sangue no local. “Usei um produto que a Secretaria distribuiu para todas as delegacias; é um reagente químico que mostra a presença de sangue, mesmo tendo sido lavado o local”. - Porra! O Peba é Miami Vice! Disse Osmário - um criador de passarinhos. - Rapaz! A Briba diz que nos final dos tempos o saber ia se multiplicar. Tá vendo? Até no Peba, tem tecnologia. Tá na hora de aceitar a Jesus! - Rapaz, é mermo! O professor Eduardo estava ocupado analisando as peças encontradas à margem baiana do Rio Real. Eram potes e urnas funerárias datadas com mais de 10 mil anos. O achado era fascinante. O jovem professor havia encontrado provas contundentes que na região da fronteira entre Tobias e Itapicuru existiu uma civilização muito avançada. Foi nesse espírito que Eduardo foi atender a voz que gritava no portão de sua casa na Rua João Alves. - Sou oficial de justiça. Favor assine esse documento! Eduardo viu que era uma intimação para comparecer a delegacia. “Mas, logo hoje!” Pensou o professor. Eduardo fazia planos de descer a ribanceira do rio e fazer um mergulho na parte funda para ver se encontrava mais urnas ou restos de alguma construção. Eduardo foi à delegacia cumprir seu dever cívico. O delegado Orfeu viu as tatuagens e o cabelo do professor. - Por favor, não me leve a mal, mas, ninguém nunca te disse que esse costume de se tatuar é muito mal visto por nossa comunidade? - Não sou dessa comunidade. Estou aqui de passagem, contudo, nada vejo de estranho num costume milenar. - Qual? - O de se tatuar, ou raspar a cabeça, ou usar saia ou calça. Os costumes, as modas, os hábitos são coisas da cultura e tendem a mudarem com a força do tempo. Uns ficam aqui e ali, principalmente aqueles que dizem respeito à sexualidade. - E a sua sexualidade como vai? Perguntou o delegado olhando o professor nos olhos. - Não entendi sua pergunta! - Você está sendo acusado de matar e desaparecer com o corpo de uma moça do Peba. O povo de Tobias soube do ocorrido e a conversa logo rolou a cidade. As opiniões eram muitas: “Eu sabia que aquele negro safado ia aprontar!” “Bem que eu dizia que gente que usa tatuagem usa drogas e é bandido!” “Desde a primeira vez que vi Eduardo eu sabia que ele era um tarado!” “Já pensou, ganha a vida cavando buraco, isso é trabalho de gente?” Para todos os fins, Eduardo havia sido julgado e condenado. A Radio local noticiou no horário de maior audiência – “A hora da verdade” que Eduardo já havia sido preso por porte de maconha quando fazia o curso na faculdade. “Professor arqueólogo é maconheiro!” Assim gritava o âncora do programa. A situação de Eduardo ficou como ele, bem pretinha. Eduardo assistia tevê em sua residência quando o telefone toca: - Eduardo venha imediatamente para Aracaju. O Reitor quer ter uma conversa com você! - Sim, dona Belina, eu irei prontamente. No outro dia, Eduardo toma o carro da universidade e segue rumo a capital sergipana. Na altura da serra do Canine, Eduardo percebe que a polícia vinha atrás com a intenção de prendê-lo. O radio do carro dizia que o suspeito de assassinato havia acabado de evadir-se de Tobias, e que a polícia estava no encalço. Eduardo se assustou e entrou a esquerda na estrada de Campo Pequeno e a polícia foi atrás. Outros carros entraram na perseguição. Passando por Campo Pequeno, Eduardo toma a antiga estrada do Jabiberi e volta para Tobias, no entanto, a polícia continuava em seu encalço. Eduardo segue, agora, rumo ao Peba e a polícia não para de segui-lo. O radio do carro dizia que a perseguição ao professor era coisa de cinema. Eduardo ouviu um disparo. Logo em seguida, sente um frio em seu corpo, um projétil havia lhe varado o corpo na altura do abdômen se alojando no painel do veículo; o rapaz se esforça para chegar ao acampamento onde, segundo ele, teria como se esconder. Sangrando muito, o arqueólogo veste a roupa de mergulho repetindo em sua mente “Vou morrer perto das ruínas”. A polícia cerca o local, e logo em seguida chegam os curiosos. - Num é Zé, se está fugindo da lei é por que deve! - É mermo compadre, o negrão tá todo complicado. Ouve-se um disparo de arma de fogo, era o som de um tiro de rifle calibre 38. A bala arranhou a cabeça do professor jogando-o inconsciente nas águas escuras do Rio Real que separa os baianos dos sergipanos. Seu corpo afundou rapidamente. A uma profundidade de dez metros o corpo encontra o fundo do rio onde as águas eram rápidas e apressadas. A correnteza leva Eduardo inconsciente às ruínas da antiga civilização Aruaxaba, os verdadeiros descendentes dos Incas. Tonto e sangrando o professor nada até a pirâmide no fundo do Rio Real. Entra pela abertura na parede que dá para o Oeste. A câmara no interior do edifício inca não tinha água, o ar impedia a penetração do líquido potável. Eduardo cai e desmaia no solo sagrado no templo inca dos mortos. Em cima na margem do rio, uma multidão de pessoas se juntam as autoridades na captura do professor assassino. - Olha desde que ele alugou a casa que a gente percebia um movimento estranho. Tinha dias que entrava um rapaz com cara de bandido. - Por que você não chamou a polícia? - Eu chamei, mas, eles disseram que não podiam invadir. Só podiam entrar com mandato judicial. - É por isso que sempre defendi a ditadura. Naquela época não tinha isso não. Vagabundo aprontou, o Dops tomava de conta. Disse uma professora de História lotada na prefeitura que respondia pelo nome de Juçarinha. - Tá vendo mulher, o que é uma professora de verdade? Essa sim deve estar em sala de aula. A polícia passou dias à procura do corpo do professor e nada foi encontrado. Em sua casa encontraram uma imagem de Iemanjá e outra de Ogum, o tal São Jorge. Dentro de um potinho de barro, encontraram um pó branco que levaram para a perícia em Aracaju. A Radio local alarmou a notícia no horário de meio dia: “Pó branco na casa do professor pode ser cocaína!” De imediato, a vizinhança associou as pessoas que frequentavam a casa do mestre ao maldito pó dos pirados e noiados. Felizmente, o pó era pemba – um produto usado em rituais afros. - Tá vendo? Deus tarda mais na falha! - É, dona Maria, esse dito é verdadeiro comadre! - Mas, disseram que o pó num era cocaína não; era coisa de macumba. - Eu sabia! Eu sempre desconfiei do cheiro de incenso que vinha da casa dele. - Mas, você me disse que era droga, lembra? - Ah, deixa pra lá! O tempo passou e o corpo do professor não foi encontrado e nem ele foi dado como foragido. O professor Eduardo foi dado como morto. No entanto, a verdade estava no fundo das águas do rio mais importante de Tobias. O ar da câmara mortuária da pirâmide submersa curou Eduardo da hemorragia e ele passou a explorar o lugar. Havia, espalhada pelo chão do templo, um tipo de planta que produzia algo semelhante a algodão, mas, era na verdade comida. Eduardo descobriu, por acaso, o maná dos Incas – aruaxabas. Sua pele recobrou tônus e seu rosto ânimo. Agora o pesquisador tinha tudo para provar sua tese, contudo, lá em cima, a calúnia e o preconceito o aguardavam enfurecido. Nas paredes da câmara mortuária havia placas de cerâmicas com escritas. Eram hieróglifos que certamente contavam a história dos que se enterraram ali. Eduardo comia do maná e trabalhava na tradução das placas. Suas primeiras descobertas diziam: “O iniciado é aquele que possui a lâmpada de Trimegisto; o manto de Apolônio, e o bastão dos patriarcas”. Eduardo meditou nessas palavras por muitos dias, mas, ele não as entendeu. Seria necessário traduzir dezenas de outras ou quem sabe, centenas de azulejos antigos. Porém, certa manhã, ele traduziu esse escrito: “A alma aspira e respira como o corpo, assim, vede em que pensais e com quem andais”. Foi isso que levou o Doutor Eduardo ao entendimento que os escritos se tratavam de um documento esotérico Inca-aruaxaba muito antigo, e que, certamente, tinha ligação com o esoterismo do Egito. “Mas, afinal, como tudo isso veio parar aqui?” “Como atravessou o oceano?” O algodão branco, chamado, agora, de maná aruaxaba, garantiu a Eduardo boa nutrição. O ar sem bactérias ou fungos ou vírus deu ao jovem a aparência de um deus do passado antigo. Definitivamente algo estava acontecendo com o rapaz. Isso foi confirmado, na manhã do dia 13, 70 dias depois do mergulho no rio – o mergulho sem aparente retorno. Ele descobriu outra placa que traduzida dizia: “O mundo está imantado pelo sol, e estamos imantados da luz astral do mundo. O que se opera no corpo do planeta se repete em nós”. Após ler o azulejo, Eduardo entra em reflexão sobre o que seria “luz astral”. No piso da câmara havia um símbolo que não tinha, até então, chamado à atenção do professor. Era um signo formado por duas cobras que formavam um círculo – uma cobra mordendo o rabo da outra. “Mas o que isso quer dizer?” Pensou consigo o rapaz. - Eduardo! O rapaz vira-se para ver quem o chamava. Ele não ver nada. - Eduardo! O rapaz olha em volta. A câmara estava vazia. - Eduardo! “Por onde entra a luz?” Isso nunca havia sido objeto de estudo do rapaz, afinal, havia tanta coisa para entender naquele lugar. - Eu não sei. - Dissestes certo. Não sabes muitas coisas antes e depois de ti. - Quem é você? Perguntou o arqueólogo. - Sou o que sou ou quem sou; sou a soma de tudo e em tudo estou. Eduardo para um instante para ver se havia algo como uma caixa de som, ou fio, ou algo parecido. Nada havia. Depois de setenta dias um contato com alguém ou alguma coisa seria bem interesante. - Não entendo o seu dizer. Por que você não aparece para que eu possa vê-lo? - Certo, não há problema! De repente, um holograma surge diante do professor. A figura nele era a do professor. - Mas, aí, sou eu. Eu pedi que você aparecesse! Mas, você está com a minha forma. É truque! - Mas, nós somos assim. Eu e você temos a mesma forma! Eduardo conversou com sua forma durante meses no interior da câmara. Eles falaram sobre ciência, religião, filosofia, esoterismo, e outras coisas que na terra não existe. A forma de Eduardo estava acostumada com Eduardo e ele com ela. Para onde Eduardo ia a forma ia também. Um dia a forma disse: “Venha comigo!” A forma abriu uma passagem no lugar onde o signo das serpentes estava. Era uma passagem que o professor não sabia; nem tinha como descobrir. Uma escada enorme os levava as cavernas debaixo da terra; lá criaturas horrendas gemiam e contavam suas histórias. O sofrimento daquelas criaturas era tão grande que o professor chorou sete vezes sete vezes durante o percurso. “Por que a forma me trouxe aqui?” A pergunta do pensamento de Eduardo foi respondida de imediato. - De tudo se deve saber. Tudo se deve aprender. Mas, nem tudo se deve fazer ou dizer ou pensar. As formas ganham formas no alto e no embaixo. - Não entendo! - Os seus pensamentos ganham formas e em alguns casos vida. Aqui você está na sua cela. Estas formas são proporcionais aos seus pensamentos. Aqui estão suas vidas. Eduardo saiu da escada e se distanciou de sua forma. O rapaz ganhou coragem e foi investigar a veracidade dos ditos da forma que o acompanhava. Ele viu um menino que chorava a morte de sua mãe. Ele sentia dentro de si uma mistura de dor e de raiva, no íntimo uma cobra fina e pequena se aloja naquela forma de criança. A cobra dizia de seu alívio com a partida da mulher. Mais adiante, em uma cela úmida, estavam várias formas, todas elas riam e zombavam de alguém. Quando Eduardo as olha elas ganham aparências conhecidas; eram colegas de curso, amigos de infância, e todos eles tinha um escárnio para o rapaz. Eduardo se irou ao ouvir o que ouvia no passado. A ira do professor foi tão grande que nasceu outra forma que passou a persegui-lo por entre as celas. Se não fosse a forma boa que o acompanhava não se sabe o que seria do rapaz. Eduardo se livra da forma má criada por seus encantos mentais. Um choro ecoa da sétima cela à esquerda se é que posso dizer esquerda, pois, ali a escuridão era tão densa que nada se podia ver; era preciso crer. Na sétima cela estava uma jovem branca e muita bonita. Uma moça de dezesseis anos. Ela estava sentada segurando sua cabeça. A cabeça, em suas mãos, dizia sobre a moça e cobrava de Eduardo um pagamento ou uma compensação. - Moça, eu estou inocente. Eu me lembro de tudo. Deixei-te em casa e pronto. Os olhos da cabeça da moça olharam para o arqueólogo e disseram. - Você voltou! - Isso é o que todos pensam! Eu não voltei, tenho provas. Meu ajudante viu a hora que cheguei à minha casa. - Você chegou à sua casa, já dia adiantado! E o eu estou na baixada da ponte, entre o Peba e a Lagoa dos Soares; veja se não é verdade! Tobias havia se esquecido do sinistro professor. Joaldo, um catador de lixo, estava debaixo da ponte que separa Sergipe da Bahia – a ponte da Lagoa Redonda. O catador de lixo encontrou deitado entre pneus velhos, caixas de papelão, e outras coisas, um rapaz de uns trinta anos, deitado nu e inconsciente. O curioso, segundo Joaldo, era que ele estava envolvido em uma substantiva parecida com vaselina líquida, mas, que tinha um cheiro muito forte. Levaram o rapaz para o hospital, e descobriram que a substancia tinha a mesma composição do líquido amniótico das mulheres. O rapaz era branco, cabelos claros, estatura média e possuía feições helênicas; e muito confuso mentalmente. Ele dizia que veio de uma pirâmide escondida debaixo da terra, e que por meio dela as pessoas podiam atravessar os continentes. Ele não lembrava o seu nome, nem nada sobre sua família, formação ou coisa assim. A professora Juçarinha se interessou pelo caso do rapaz e o pôs em sua residência – “A caridade deve ser feita a todos”. Quando as pessoas perguntavam pelo rapaz era dizia: “Meu menino está bom, graças a Deus!” De fato, o estranho rapaz foi fazer o curso supletivo o qual terminou em três anos. Casou-se com Juçarinha. A mulher, psicopedagoga dizia poder cuidar do homem. Depois ele fez o ensino médio o qual terminou em dois anos. E finalmente fez a faculdade nos finais de semana. “Vou ser professor como você Juçarinha”. Eduardo se formou em professor de história em dois anos e foi ensinar na rede pública. Todavia as coisas mudam como a cobra muda de pele. A esposa de Eduardo anda muito preocupada com ele, pois, o homem diz que sua cicatriz na testa, de uma hora para outra, começou a coçar. Quando ele coça, a pele cai, e o tecido embaixo dela é de cor negra. Juçarinha tomou um grande susto quando no dia 15 de agosto, no dia da festa da Santa, Eduardo, agora, Luís, tombou da moto e arranhou muito a pele. Após a cicatrização, a pele se regenerou negra. Aos poucos Eduardo ou Luís foi tendo sua cor de volta. Juçarinha ficou muito triste com o caso do marido. O tempo passou; as tatuagens foram aparecendo; os cabelos foram voltando a ser rastafári, e o povo associando o caso à história de outro professor. - Comadre Luís é um homem doente. A pele dele é muito fraca. - Mas, ele vai ficar bom. Ele é um rapaz direito. Deus vai ajuda-lo. - Eu me apego todo dia com minha mãe santíssima! - Amém, mulher! No enterro de Eduardo ou Luís não se pôde ver o corpo. O caixão esteve lacrado o tempo inteiro. O cortejo percorreu a Avenida Sete até a Igreja Matriz. O caixão não pôde entrar porque o novo padre aboliu a extrema unção à porta da casa de Deus – Tempos modernos! Uma figura acompanhava tudo e todos – Nonato. Depois do enterro do amigo, ele foi à Lagoa do Soares e desenterrou os ossos da moça. Com isso sentiu um grande alívio. Os ossos da menina do Batom viraram pentes, enfeites domésticos, pembas para magia negra, e outras coisas. - A criatura humana tem tantas versões de sua história. - E é Calunga! - É. - E a razão? - Que razão? - No final, ninguém tem razão; a morte é a coisa mais certa, e depois dela, as sombras povoam a terra...

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O alojamento do IFAL: uma visão sociológica

Na verdade este texto vem da angústia de um sociólogo. Muitas vezes me sinto bastante discriminado por ter apenas cinqüenta minutos de aula por semana para cada turma. Esse tempo restrito me dificulta elaborar projetos mais complexos em sala de aula. Outro ponto diz respeito à idéia que se faz da sociologia como uma disciplina meramente divagadora, abstrata e sem nenhuma aplicação concreta.

A sociologia não só é uma disciplina aplicável às nossas experiências concretas, como estimula um olhar mais consciente acerca da forma pela qual a sociedade, as instituições, os grupos sociais e a cultura se organizam. Além disso, a sociologia tem um papel claramente político e também abre caminhos para possíveis emancipações dos alunos enquanto sujeitos críticos e questionadores.

Para mostrar que a sociologia não se reduz a meras divagações, eu resolvi apresentar alguns conceitos sociológicos articulando-os com as práticas sociais vivenciadas pelos servidores do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) Campus Piranhas no alojamento cedido pela CHESF. Esses conceitos são referentes à interação, às assimilações e aos conflitos, à organização, às regras, aos papéis e às funções, à diversidade de valores, à cultura e à formação dos grupos sociais.

Pois bem: viver em sociedade implica em mantermos constantemente relações com as pessoas. No convívio social, inevitavelmente passamos a nos interagir com o outro. É diante dessa interação que ensinamos e ao mesmo tempo aprendemos. Ao estabelecermos essas trocas com os indivíduos, temos como resultado novas formulações de valores, uma vez que é na sociabilidade que a gente se apropria e constrói outras visões de mundo.

Não há como fugirmos desse constante aprendizado pelo qual passamos a adquirir em nosso cotidiano social a partir dessas diversas formas de ver, pensar e agir. Apesar de nos encontrarmos em meio à chamada cultura de massa, a qual tem se provado bastante eficaz em disseminar formas de comportamento para todas as partes do país, não há como negarmos que apesar de tudo, cada cultura traz sua particularidade histórica.

É nessa história que os indivíduos ao longo de todo um processo de incorporação de valores, costumes e hábitos, vão construindo sua personalidade social. Contudo, cada indivíduo termina por produzir novos conhecimentos no instante em que passa a unir sua leitura de mundo com novas leituras ao se deparar com uma nova organização social e cultural trazida por outro indivíduo, que assim como ele, traz outros valores.

Se pensarmos essas trocas culturais entre os indivíduos no alojamento da CHESF onde ficam alguns dos servidores do IFAL, averiguaremos que esse diálogo pluricultural é bastante notório, principalmente se tratando do Campus de Piranhas, o qual recebe servidores de todas as partes do país. Cotidianamente se convive com indivíduos da Bahia, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará, Rio de Janeiro, Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais etc.

Cada servidor ao chegar em solo Piranhense, termina por manter diálogos com outras realidades culturais. Além de cearenses dialogarem com mineiros e pernambucanos, por exemplo, também apreendem hábitos, valores, costumes piranhenses, assim como os piranhenses apreendem valores de outras partes do país. É nesse apreender que os valores vão se dialogando, se confluindo e provocando novos olhares, novas culturas.

São nessas trocas que os indivíduos vão agregando em seu repertório vocabular novos termos como gírias, por exemplo, vão infiltrando novas informações, sejam elas religiosas, políticas, artísticas. É nessa diversidade que os sujeitos sociais também convivem com novos sabores através da culinária, assim como também passam a conhecer a história de cada região, seus pontos turísticos, seus problemas comuns ou distintos de suas cidades, etc.

Porém, seria ingênuo afirmarmos que as interações apenas produzem efeitos positivos na convivência entre os atores sociais. Vejamos: se por um lado nós podemos afirmar que a diversidade cultural provoca um intercâmbio plural e rico, uma vez que dialoga com uma imensa gama de formas de conceber o mundo, por outro, nem sempre essa tal diversidade se reduz às trocas. A diferença também estimula o conflito.

Muitas vezes podem ocorrer desentendimentos dentro dos próprios membros que compõe um grupo que pernoita em determinado quarto do alojamento. Isso é inevitável, pois cada indivíduo traz hábitos diferentes, valores diferenciados oriundos de seus meios sociais. Sabemos que nem sempre um comportamento e um hábito de um indivíduo é compreendido ou aceito pelo outro que compartilha com ele do mesmo espaço.

Talvez por se encontrarem em meio a profissionais que atuam dentro de uma mesma instituição, os membros de cada grupo que convive em determinado quarto, podem manter uma espécie de acomodação entre eles, ou seja, reconhecem a convivência de determinados hábitos nem sempre dialogáveis, mas que para se evitar uma possível colisão de valores, terminam por se submeter à rotina.

Mas mesmo havendo a possibilidade de acomodações nas relações sociais estabelecidas pelos servidores no alojamento, podem se haver tentativas de entendimentos entre eles como forma de re-solucionar os conflitos. É nessa busca por evitar conflitos que eles irão negociar novas regras, provocando uma nova forma de apropriação do espaço, alterando a organização e as normas do lugar.

Se fizermos uma análise acerca do alojamento da CHESF, perceberemos que essa lógica sociológica não cai em uma realidade abstrata. Ao contrário. Ela se revela cotidianamente no plano concreto. No alojamento, cada quarto possui um número de servidores. Para conviver entre eles, terminam por estabelecer formas de acordos. Para isso, os indivíduos de cada grupo prescrevem funções e papéis para cada um.

Para que eles possam conviver de forma mais amistosa possível, eles vão ter que negociar as obrigações, assim como, delimitar o espaço de cada um. Nota-se que nessa demarcação e atribuição de papéis e funções, os servidores inevitavelmente determinam regras e organizam o espaço de cada quarto como forma de manter uma convivência mais harmônica possível entre eles.

Como no caso do Campus de Piranhas ocorre uma mudança constante de servidores devido às remoções, cada grupo que se apropria de determinado quarto tende a frequentemente ir modificando sua política de convivência. Nessa alteração o grupo vai redefinindo sua organização, modificando seu cotidiano, assim como sua interação com o novo sujeito. Nessa dinâmica, os papéis e as funções vão ser novamente dialogados.

Vale lembrar que ao longo da convivência, dentro de um mesmo quarto podem se formar uma variável de novos grupos, assim como podem se formar outros grupos com indivíduos de quartos diferentes. Portanto, as composições de grupos não só se estabelecem no interior do quarto, como também fora dele. Externamente ou internamento podemos detectar uma relação de aproximação maior entre determinados indivíduos.

Isso ocorre, pois no instante em que os indivíduos conseguem assimilar os valores do outro, inevitavelmente eles encontram nesse outro uma identidade, compactuando com os novos hábitos e valores, como também redefinindo e atualizando os seus valores a partir das trocas estabelecidas com o outro. É no grupo social que encontramos uma pluralidade de sujeitos que possuem objetivos em comum entre eles.

Por outro lado, como a arena social é permeada por uma diversidade de olhares, aqueles indivíduos que não se identificam entre eles, terminam por pertencer a outros grupos, visto que, cada grupo social, por possuir regras, códigos de comunicação, comportamentos, valores, hábitos e costumes, termina agregando indivíduos que compactuam com esses valores e os que não compactuam terminam por formar outros grupos.

É muito nítido observarmos alguns grupos sociais formados entre os servidores. Claro que não podemos fazer uma idéia rígida e imutável acerca dos grupos, mas é notório que existe uma recorrência muito maior de determinados indivíduos em certos grupos do que em outros. Isso é bastante normal, uma vez que a identificação a certo grupo resulta de opiniões que tendem a ser mais codificadas, aceitas, e, portanto, compartilhadas entre eles.

Como podemos notar, é a partir das interações, dos contatos entre as diversas formas de relações sociais, que ocorrem as trocas culturais, ou seja, no instante em que um indivíduo com visões de mundo diferenciadas e oriundas de sua historia e de seu meio, influencia e provoca novas formas de assimilação no outro, como também provoca conflitos, colisões de valores e estranhamento acerca dos valores e hábitos do outro.

Contudo esses conflitos podem ser negociados entre os sujeitos envolvidos com o outro. Essa negociação assegura uma forma de ao menos se tentar produzir uma convivência mais pacífica com o outro e com a diversidade cultural. Para que essa negociação se estabeleça de forma saudável, os indivíduos buscam criar regras, delimitar espaços, assim como papéis e funções como forma de gerar uma organização entre eles.

Eu tentei mostrar também que em meio a essas trocas e aos conflitos, diversos grupos vão se formando e se configurando de forma diferenciada uns dos outros. Essa proliferação de grupos resulta de valores que tendem a ser mais compartilhados entre determinados indivíduos do que em outros. A tendência disso é que haja indivíduos que se relacionam de forma mais recorrente entre uns do que em relação a outros.

Como eu atentei no início do texto, a sociologia, apesar de ser uma disciplina ainda bastante desvalorizada em relação às outras possuindo míseros cinqüenta minutos semanais de aula em cada turma, deveria ser repensada na grade curricular. Como eu tentei mostrar no texto, as práticas inevitavelmente são de natureza sociológica e a sociologia tem o objetivo de compreender o funcionamento dos grupos e da sociedade em geral.

Antes de ser uma mera abstração permeada de conceitos vagos, na sociologia a vida pulsa, afinal, construímos a sociologia ao longo de nossas experiências sociais, até por que nenhum humano consegue viver fora da sociedade. O processo de sociabilidade é um fato inerente a qualquer um, uma vez que não existem humanos sem valores, e os valores são resultados dos conflitos e das trocas estabelecidas na sociedade.

Não só isso. A sociologia é capaz de fomentar questões referentes à diversidade, à cidadania, uma vez que, a partir do olhar sociológico, nós podemos compreender que a sociedade é permeada por uma pluralidade de valores, e que isso pode servir para colocar os indivíduos a pensar acerca de seus preconceitos e intolerâncias no momento em que eles se reconhecem como parte desse trânsito e dessa troca.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Desordem

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