domingo, 31 de outubro de 2010

Verdade e Política: elucrubações sobre a consciência atribuída e a utilização do marxismo como trampolim político

Por Anderson Couto

Sempre tive certo incomodo com a teoria da consciência atribuída com a qual os militantes marxistas trabalham para de certa forma explicar o fracasso e a estratégia de divulgação das teses comunistas. Nessa teoria os operários padecem de uma miopia acerca de sua condição enquanto explorados pela máquina capitalista. A relação do operário com a realidade é viciada pela própria condição do meio em que se encontra inserido, nas relações de produção e meios de produção. A teoria do fetiche, a teoria da alienação, a teoria da reificação tentam demonstrar que o mundo do capital encontra-se anuviado por certo conjunto de discursos através dos quais fica escondida toda espécie de exploração. Existe no plano das idéias, uma representação apenas ilusória daquilo o que realmente está disposto no real enquanto relação de classe. Cabe então aos militantes marxistas mostrarem e desmistificarem o encantamento do mundo através de um discurso e prática condizente com uma espécie de "realidade", de uma "representação" que capte o objeto em sua dialeticidade.
O papel do Partido fica justificado, dentre alguns teóricos, como uma espécie de objetivação de uma espécie de consciência de classe, cabendo divulgar e tornar acessível ao grosso da população a mensagem e propostas condizentes com a classe dita e descrita ser a operária. Mas quem descreve e determina quais são aqueles que no processo social estão explorados e são operários? Se os operários estão inseridos na máquina, sem oportunidade de alçar ao conhecimento dos mecanismos de sua exploração, como podem de repente tornarem-se conscientes de todos os percalços do sistema? O marxismo sempre contou com dificuldades em torno dessa problemática. Sempre foi perigoso esse tipo de raciocínio e foi ele que deu possível surgimento a uma espécie de burocracia de intelectuais e técnicos que tomaram para si "as dores" dos pobres explorados do sistema. A “intelegentista” russa surgiu embrionariamente na teoria da alienação e da ideologia. Nada mais condizente com a tradição ocidental de trabalhar o conhecimento e valorizar os indivíduos a partir do capital intelectual.
Aristóteles, na Grécia, chamava os escravos de instrumentos vocais. Ele dizia que os operários manuais são como um corpo que queima porque não sabem os motivos e as causas pelas quais fabricam ou produzem os produtos. Ele queria elevar aqueles que detêm os conhecimentos a um patamar superior àqueles que são colocados a trabalhar a partir da técnica sem saber o porquê, os trabalhadores manuais. Nesse sistema Aristotélico quem detinha o conhecimento deveria ter eminência já que tinha acesso ao conceito e as essências das coisas, porque captava a realidade dos objetos. Tirando a dialeticidade com a qual os marxistas descrevem a materialidade das coisas, a tese de Aristóteles não soa muito diferente da tese da desmistificação do discurso ideológico propalada aos quatro ventos pelos militantes das siglas de esquerda. Os marxistas defendem que seu discurso capta o objeto que descrevem. O conceito abarca a realidade material no seu processo de dialeticidade e relação com o próprio homem. Resta saber somente se do mesmo modo relatado por Aristóteles, os teóricos marxistas devem está no mesmo patamar dos trabalhadores manuais? A "realidade" e a história contam-nos algo muito diferente. Os marxistas mais ingênuos dirão que seus militantes estão imbuídos com o mais genuíno sentimento de alteridade. Penso o contrário. O marxismo per si é fruto da visão moderna de conhecimento instrumental não pode ser descrita dessa forma, preocupada com o outro, tendo em vista que simplesmente tem preocupação com o plano descrito racionalmente.
Platão, da mesma época de Aristóteles, falava de uma ilha de conhecimento somente acessível a uma espécie de casta que teve contato, antes da vida, ao mundo das idéias. Uma espécie de tese de rememoração. Somente poderia ter acesso ao conhecimento quem antes tivesse tido contato com esse mundo. Platão disse que esses iluminados sofreriam perseguições acaso se permitissem divulgar e ordenar o mundo de acordo com o plano mais fiel da essência encontrada através dos raciocínios técnicos. Segundo Platão, o mundo sensível deveria ser ordenado no plano pragmático de acordo com o plano. Além das coisas vistas serem representações de uma realidade transcendente, além delas, aquele que governa e age deve gerir os fatos com base em raciocínios e discursos verídicos, somente acessíveis aos conhecedores da verdade. Na República, livro de Platão sobre a Política, o governo mais perfeito é aquele que se conduz pelo conhecimento e pelos mais sábios. O resto da população deve seguir, por conseguinte, segundo esse sistema teórico, o conhecimento do chefe já que ele tem acesso ao mundo da verdade. Ou seja, aquele que tem a porta de entrada do conhecimento, deve mostrá-lo ao resto da população, com obrigação de ditar aos seus concidadãos tudo àquilo que descreve como normal. Por que para Platão a maioria da população é descrita como assombrada com as aparências de verdade e é subjugada por farsantes. No caso de Platão, os farsantes são chamados de sofistas.
No caso dos marxistas os farsantes são chamados de burgueses. Eles devem ser desmascarados como Platão fez com os sofistas na Grécia. O discurso dos burgueses é tachado de ideológico e deve ser substituído pelo discurso de referência do materialismo histórico. Quem garante que o marxismo traga (trouxe) a verdade e não uma aparência de verdade (realidade)? Há correspondência entre discurso e objeto? Algo problemático. Forma-se então um círculo vicioso. O que sempre fica é essa vontade de planejar os despossuídos do conhecimento, os sem-terras da verdade, sempre manipulados pelos melhores curadores de seus anseios, os quais são descritos e manejados por um conjunto de pessoas além deles próprios, uma casta de iluminados.
A filosofia sempre trata (ou) a massa de forma pejorativa. A luz da verdade deve abrir os olhos dos iletrados. Não era a meta do próprio iluminismo, o conhecimento ao acesso de todos os membros da sociedade e a ciência como benfazeja do mundo? O marxismo, inserido no projeto moderno, não fugiu a regra. Falam em dialeticidade e anseiam por planejar o futuro das pessoas, de doar um caminho de felicidade. O marxismo nada mais é que o amor pelo plano que se apresenta de forma sempre matizado no ocidente. É o governo e amor pelo saber, é a vontade de verdade sempre renovada. O marxismo surgiu de uma briga interna das elites - tese ousada - que sempre se renovam e entram em atritos entre si. O governo dos sábios não precisa, para se firmar, sempre dos mesmos assuntos. Ele basta–se do papel emprestado ao sábio e da conjuntura histórica de surgimento das teorias através das quais se concretiza enquanto espaço de elites políticas. O certo é que a figura do sábio (conhecimento) sempre foi uma elite política benquista no mundo ocidental e sempre acorreu para justificar seu comando apesar de assumir diversas formas.
O marxismo na Europa apareceu como trampolim para subida ao poder de certo grupo. O manejo no discurso da verdade para ingresso nas carreiras políticas por jovens que não tinham acesso pelas vias normais significou o aparecimento da corrente materialista histórica. Através do discurso da piedade o marxismo se fez a via de entrada ao poder, com a manipulação sempre ordeira daqueles que sempre foram descritos como imersos na escuridão, o grosso da população. Por isso, a tese da consciência atribuída. Ela significava a adoção dos interesses dos operários por um conjunto de burgueses traidores. Mas por que alguns burgueses traíram (riam) sua classe? Piedade ou Solidariedade? Interesse ou hipocrisia? O discurso marxista significou o manejo e substituição dos sábios (conhecimentos) de outrora com ganho correlato a partir dessa prática dos benefícios de ganhar para si a pecha de verdade. O discurso verídico tem seus encantos. Gera dividendos políticos. E o marxismo sabia que os famintos eram o força política da vez. Tinha a força do número e do fanatismo. A necessidade vital quando chega não responde por qualquer grau de alter ego. Os militantes assim se fizeram ver, substituíram o discurso em prol da burguesia pelo discurso em face dos operários. A mesma "verdade", embora com interesses diferentes, mas efeitos iguais. A verdade que planeja, que comanda e traz conseqüências e dividendos políticos àqueles que a operam. O marxismo foi um cristianismo com novas roupagens.
O marxismo surgiu de uma elite sequiosa pelo comando e empunhando o discurso verídico dos famintos. Nada mais épico. A história transformada em arma de luta política e abertura de espaços onde parecia está saturado oportunidades para novos nomes. Posso ser acossado. Nunca vi um teórico do marxismo na frente das turbas desorganizadas. E o marxismo nunca foi o motor de revoltas. O móvel das movimentações políticas sempre foi o desespero trazido pelo não atendimento das necessidades mais básicas do ser humano. O marxismo somente utilizou e na maioria das vezes pacificou as revoltas. O plano e seus sarcedotes sempre fizeram coro para os limites escritos no evangélio. Lembro-me agora dos porquinhos da Revolução dos Bichos de Orwell, a melhor descrição do funcionamento dos partidos marxistas, somente preocupados com os espaços abertos de poder e exploração de seus parceiros menos letrados.
Não é que essa prática virou a moda política do momento. Use a piedade e a hipocrisia durante a juventude. Seja marxista e entre na política. Com o passar tempo, perante suas ovelhas finja ser um sacerdote fiel. Depois, com maturidade política, cerre fileira com os tosadores e com os exploradores. Duas elites em colóquio. Depois coloque as massas no ostracismo e sempre "a migué". Esse é o quadro. O problema é que a verdade não é acessível a todos. O governo do conhecimento não compactua no ocidente com o governo democrático. Esse tipo de política não é típica somente dos partidos marxistas. Os quadros técnicos pululam em todos os partidos que fazem um loteamento da máquina pública como se ela fosse um feudo. Platão quando idealizou o governo não sabia que suas teses teriam vez no mundo e para sempre. O governo do conhecimento centraliza as decisões nos melhores e o governo democrático, nos piores e na quantidade. Quem deve mandar a qualidade ou o número? O interesse descrito pelas elites intelectuais ou o interesse descrito pelo povo? O povo sabe governar sem uma burocracia técnica? Quem determina o que o povo quer e merece: uma elite pensante. O marxismo é assim, é antidemocrático, como todo governo que se vale de uma burocracia e dos partidos que fazem lotes dos cargos públicos para os agregados. O povo, por exemplo, não tem poder sobre uma decisão do Banco Central que afeta todo país. Digamos, então, que vivemos numa aristocracia ou oligarquia, menos numa democracia.

Sugestão de leitura para debate:
"Ciência e Política: duas vocações - Max Weber", "Que fazer - Lenin", "Caminho do poder - Kautsky"

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ventania e mariana

Laranjeiras era parada obrigatória de muitos vendedores de escravos. A antiga terra de Sergipe Del Rei era lugar de muito dinheiro e de movimento de muita gente. As pessoas passavam por lá vindo de muitos outros lugares. Algumas delas deixavam suas vidas, outras nem souberam por que ficaram por lá. Laranjeiras era também parada de muitos contadores de estórias. Dona Marocas era uma delas. Essa mulher viveu na laranjeiras do início do século vinte. Era filha de agricultores que juntaram uns trocados e foram morar na sede. Dona Marocas estudou o curso normal em Aracaju e depois foi ser professora na rede pública. Maroquinha como muitos a chamavam era uma contadora de estórias de todos os tipos e para todas as idades. Ninguém nunca soube ao certo como tudo começou. Diz-se que ela sentiu uma forte dor de cabeça e depois de quatro dias de cama saiu contando de tudo.
- Marocas, mulher, tenha fé em deus! Pare de falar tanta coisa! Estou sem suportar!
- Você sabia o que houve no alto da igreja do Bonfim em 1882?
- O que é que eu tenho a ver com isso? Respondeu sua irmã mais velha irritada.
- Foi o Ventania mulher! Ele beijou Mariana lá no alto na noite da missa de Reis.
- Sabe, Marocas, não suporto mais tuas estória imbecis. Disse sua irmã. O tempo passou e Marocas tornou-se Maroquinha da tapioca. Da tapioca porque seu finado esposo vendia requeijão e outros produtos dentre eles a tão falada tapioca de dona Maroquinha, agora uma senhora aposentada da sala de aula. Dona Marocas era uma mulher fora de qualquer suspeita. Uma professora que se dedicou a educação de jovens e adultos por toda sua juventude. De volta a sua terra em meados de 1964 em uma praça de sua cidade natal ela se deparou com um grupo de jovens jogando capoeira.
- Meninos já contei para vocês a estória de Ventania?
- Não, tia Marocas ainda não!
- Vocês querem que eu conte um dia?
- Sim, sim, dona Maroquinha! Conte hoje de tardinha!
- Tá bom, tá combinado, de tardinha eu volto aqui e conto, mas juntem mais rapazes.
- Certo!
Dona Marocas continuou sua estrada até a casa velha do engenho. Era estranho, mas a velha gostava demais daquele lugar. Ali ela passou a manhã, lendo e olhando o tempo, depois foi para casa. Próximo ao prédio que hoje é a Universidade, Marocas tombou ao chão, virou-se em torno de seu corpo e olhou para cima. Todos estavam lá lhe olhando os olhos. Uns diziam uma coisa, outros diziam outras coisas. E havia aqueles que nada diziam, eram apenas curiosos.
- O que houve com a velha professora?
- Não sei, eu estava aqui e ela caiu sozinha.
- E foi, parece coisa feita!
- Uma mulher idosa, mas cheia de saúde.
- É sim, veja como ela está corada!
- Pois num é mulher, e se ela morrer; vamos ficar sem a tapioca dela.
- O pior é que eu gosto muito de suas estórias.
- Dona Marocas, dona Marocas!
Marocas acordou falando sobre o que viu perto do engenho. Dizia ela que Ventania se encontrava com Mariana nas ruínas do engenho velho. Os dois se amavam muito. Um amor que custou muito caro a ambos. Os negros sempre levavam seus donos nas costas. Um dia Ventania levava o coronel Zé Maria e sua mulher, Catarina, à Igreja do Bonfim, era missa de Reis. No alto, bem no oitão da Igreja Ventania beijou Mariana a primeira vez. Os dois já estavam se olhando a tempo. Quando Mariana viu que o negro havia chegado com seus pais no alto do morro, e sabendo que ele ia dar uma descansada atrás da Igreja, furtivamente, a moça passou por todos e chegou ao moço. Este estava de cabeça baixa olhando a silhueta da cidade lá embaixo. Ela diz:
- José?
- Sim.
- É você? Tá bem?
- Sinhazinha já viu argum negro bem?
- Não se revolte Ventania! Tem gente aqui que gosta muito de você. Os olhos de Mariana se entregaram na primeira olhada. O rapaz hesitou por um pouco, mas depois assumiu seu amor. Ele a beijou com intensa paixão. O desejo de ambos extrapolava o limite que a vida os dava. Os dois estavam presos um ao outro pela força do amor.
- Dona Marocas, continue a nos contar esta estória!
- Qual? Meus filhos.
- A de Seu Ventania e Mariana.
- Ah, sim. Era noite em laranjeiras todos estavam na Santa Missa de Reis. Era o ano de 1879. Laranjeiras estava cheia de filhos ilustres que haviam voltado de outras terras. O coronel Zé Maria discutia com seus amigos sobre não abolir os escravos. A cidade tomaria um baque muito grande.
- O que vamos fazer com a lavoura? Esses abolicionistas!
- Eh, seu coronel, o senhor fala em nome de todos nós, homens de bem desta terra. O que será do Cotinguiba sem a mão escrava?
- Pois é. Por isso é preciso eleger logo um deputado que lute junto ao Imperador mostrando-lhe os perigos que estamos correndo, nós e seu império. O Brasil sempre será escravista e pronto, as coisas sempre foram assim e nós da lavoura, nós que produzimos as riquezas deste país, dizemos não a José do Patrocínio e sua corja. Falou o coronel com muita firmeza.
Ventania e Mariana não se deram conta que algumas pessoas que estavam na Missa dos Reis os viram beijando-se. Pouco tempo depois a estória correu pela pequena Laranjeiras. “A filha de Zé Maria estava a beijar-se com o escravo do mesmo chamado Ventania. Dizem que este é um capoeira muito perigoso. Isso lhe justifica o nome”.
- Eu não garanto por que não vi, mas dizem que dona Mariana namora um negro do coronel.
- Também escutei isso Floresval. Mas e qual é o problema, o amor é lindo. Falou Maria do Amparo.
- Não sei não, acho que vai sobrar para o negro.
Ventania foi preso na quarta feira da outra semana após a festa dos Reis. Dois jagunços do coronel foram à senzala e trouxeram o rapaz. Zé Maria colocou o negro três dias no tronco. Enquanto isso pensaria no que era mais justo. Mariana nada sabia até que seu pai a chamou.
- Mariana, minha filha. Disse o coronel Zé Maria ao ver sua filha entrar no recinto.
- Sim, meu pai, o senhor me chamou? Respondeu Mariana.
- Você está crescendo, eu acho melhor providenciar um marido para você. Disse seu pai com ar de preocupado.
- O senhor está preocupado com uma coisa que eu nem me lembro. Não penso em casar agora. Penso em estudar.
- Mariana! Não seja tola! Você acha que estudar é coisa de mulher?
- Acho que todos são iguais, homens e mulheres, negros e brancos.
- De preferência o da senzala de seu pai, não é?
Mariana ficou sem jeito perante seu pai e sentou-se de cabeça baixa. Zé Maria havia ferido sua presa no ponto fraco. Mariana amava José, o Ventania, e agora ela sabia que seu pai os separaria.
- O que o senhor vai fazer com ele?
- Isso não é de sua conta, mas vocês não se verão mais, entendeu?
- Sim, certo. Respondeu Mariana com a voz rouca de tristeza. Aquele dia fora o pior da vida daquela princesinha. Mariana era uma princesa em Laranjeiras, era isso que o povo dizia. Seu coração era bom, e seu jeito amável de ser, conquistava logo as pessoas. O povo dividiu-se em torno da estória de amor proibido. Mariana casa ou não com o José Ventania, escravo de seu pai? Enquanto dona Marocas contava a estória o povo ficava embriagado com suas palavras e as pessoas aos poucos iam procurando um lugar perto da velhinha contadora de estórias.
- Agora, essa parte de nossa estória se torna mais triste, eu comparo isso ao sofrimento de Nosso Senhor. O coronel mandou pôr o Zé Ventania na praça principal para ser punido em público como exemplo e teve o apoio do padre e do juiz da comarca. “A disciplina deve ser severa para que este caso não se repita com outras pessoas”. Ventania apanhou por trinta minutos sob o olhar de toda a cidade, brancos e negros. As prostitutas da casa de bordel que ficava atrás do mercado choravam e gritavam enquanto Ventania agoniza ante o peso da chibata. Após o açoite, os homens do coronel o levaram de volta para a senzala. A mente de Ventania manteve firme a imagem do momento do beijo. O cheiro da moça ainda enchia o olfato do rapaz. “Parece que o amor não tem cor, você não acha dona Marocas”. Perguntou um rapaz magro de cabelo ruivo.
- É meu filho. O amor uniu os dois mesmo estando em lados opostos, agora a sina do destino os alcançaria no fim de 1882.
-Como assim tia Marocas?
O ano se passou. Mariana não casou e foi estudar com as freiras. Ventania foi vendido para uma fazenda em Alagoas, uma fazenda de um amigo de Zé Maria. Era o tal coronel Manoel Ferreira. Um homem muito poderoso em Alagoas e aliado dos monarquistas. Ventania passou esses três anos pensando em um jeito de fugir e roubar Mariana da casa do coronel. Não sei como, esta parte da estória nunca foi bem contada. Mas, o povo mais velho dizia que Ventania fez pacto com o coisa ruim. Havia na senzala um Babalaô; Babalaô é um tipo especial de sacerdote do culto negro. O seu nome era Joaquim. Pai Joaquim, como todos o chamavam. Pai Joaquim havia visto nos olhos de Ifá que Ventania veria Mariana novamente, “e o destino seguia seu curso como a corrente de um rio”.
- Bem, eu não sei de nada, mas o tal Joaquim era um feiticeiro velho, mexia com o coisa. Falou espantada dona Marocas.
- Não fale sem saber mulher. Respondeu seu Martinz, um umbandista morador de Laranjeiras.
Ventania sumiu da senzala de Ferreira. Foi morar em um quilombo perto da barra dos coqueiros. O tempo passou e o capoeira resolveu visitar Laranjeiras. Era noitinha de 22 de outubro de 1882. Ventania de barba grande e cabelo de tranças caminha pelas calçadas de laranjeiras. Ele segue em direção a igreja do Bonfim, no meio do caminho ele rouba um cavalo preto como a sua cor e tão forte quanto ele, com ele estão dois outros capoeiras. Havia um culto lá no alto. Ventania sobe a maldita ladeira e fica a espreita para ver se encontra Mariana. Mariana estava dentro do santuário. Sua alma estava em paz na presença de Deus, mas sua intuição dizia que algo muito bom estava para acontecer, de fato, aconteceu, Ventania entra santuário adentro montado em um cavalo e aproxima-se de Mariana e diz a moça: “Mariana, venha comigo, e seremos felizes”. A jovem moça foi embora com o negro na frente de seus pais e de toda a sociedade. Nunca se sabe o que um coração apaixonado pode fazer. Ventania deixou dois amigos do lado de fora caso houvesse tiros, e de fato, um dos capangas do coronel atirou para cima por que temeu acertar o tiro em Mariana. Na mesma noite, os dois tomaram uma condução para São Cristovão. Pernoitaram lá e depois desapareceram no mundo como fugitivos. Zé Maria chorou muito a perca de sua filha, principalmente pela forma como tudo aconteceu, a mãe de Mariana, se apegou com o seu santo até o dia que o divino a levou de volta para o lar celestial.
- O que aconteceu com Mariana dona Marocas?
- Ah, meu filho, você não perde por esperar, mas essa estória é muito bela.
Mariana e Ventania foram morar em Rio Real. Naquela época a cidade era acanhada, mas a semelhança de Laranjeiras tinha muito o que se fazer lá, mesmo para um negro recém alforriado como Ventania, digamos, alforriado por imposição. Ventania colocava água nas casas e Mariana costurava para as pessoas. Fazia remendos a princípio, depois o povo se apegou ao seu trabalho e foram procurando a moça. O lar deles, apesar das diferenças várias entre eles, era feliz. Os filhos foram aparecendo. Deus, o divino os abençoou com três filhos. Duas mulheres e um rapaz. O rapaz nasceu primeiro, era o Leandro, e as meninas eram Catarina e Beatriz. A vida de Mariana e Ventania foi como a de todos. O amor era grande. Os anos passam e com eles o implacável peso da idade chega. Ventania morreu primeiro. Deu uma dor nas costas e dessa dor, o negro arriou. Mariana ainda viveu uns dias. Quando Catarina sua filha teve o primeiro neto Mariana ainda pensava em José Ventania. Ela morreu e nunca se arrependeu do que fez.
- Que estória esquisita dona Marocas! Chega me arrepiei toda. Disse a menina Flavinha, filha de seu Amarante.
- É, minha filha quando eu tinha sua idade, eu costumava ver um velho contando essa estória. Um dia me aproximei dele e perguntei qual era o nome dele. Então ele disse:
- Por que vosmercê pergunta meu nome?
- Por que acho que já te vi em algum lugar.
- Fia carece saber o que?
- Só o seu nome.
- Olhe minha fia, no dia que Ventania chegou à senzala de Manoel Ferreira, eu sabia que ele era filho de Ogum. Sua mãe era Oxum, então, ele estava com a espada de Ogum e o amor de Oxum com ele. Eu entreguei a ele o oráculo e disse que sua vida seria como qualquer uma sobre a terra. E não foi assim? Ninguém espere nada além do que a terra pode dar, pois o que é, é isso. A cidade de Laranjeiras cresceu. Muita coisa mudou. Não tem mais dona Marocas. A igreja do Bonfim ainda está lá. As ruínas do engenho velho também.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Forças

Morri? Que cansaço é esse?

Membros e pensamentos não respondem

Desejo, olho... Isto é água?

Estou totalmente consumido

Busco comer a vida, mas ela parece me repulsar

Tapando com sua mão a minha boca faminta

Perco as forças e a resposta do corpo

Quero seguir! Recuso-me a parar!

Não quero te dizer adeus!

Quero te ver todos os dias

Cheirar as flores que brotam no jardim e no esgoto

Quero me deliciar dos momentos de prazer e desprazer

Porém, parece óbvio a imprevisibilidade previsível

Que não tem mais graça rir e sofrer, depressão? Não

Alguma doença psicogênica? Talvez

Mas assim que te ver... Abraçarei e darei mais um bom dia

Andarei com essas pernas arrancadas

Mesmo que rasteje sem estimulo

Recuso-me a parar!

Quando olhar para trás, perceberá o quanto cresci

Não quero morrer nas desilusões

Apenas passar as estações e não mudar o que já fiz.

Quero mesmo viver o eterno círculo do existir.


http://www.serousoulivre.blogspot.com/

Na Retina

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Um dia qualquer entre árvores

Um dia joguei uma pedra em uma lagoa, olhei fixamente para as leves ondulações que o impacto da pedra gerava na água. Levemente as ondulações no seu fluxo e refluxo oriundas das sucessivas pedras que jogava, iam formando o cenário da minha infância, minhas primeiras epifanías.

Se eram cândidas ou não, o meu peito já ensejava elucubrações não muito naturais a uma criança de pouca idade. A lagoa formava meu mar. Era na amplidão que minuciosamente aquele ambiente formava uma amalgama. Uma lagoa e efêmeras pedras, como as pedras de todo o mundo, arquitetadas ou não, em grandes monumentos ou em cachimbos mortais. Eram pedras, que estavam no caminho porque assim o caminho se fez. Pedras de varias gerações, no caminho haviam pedras, sem muitas perguntas.

Era o momento de um jovem rapaz, 10 anos de idade. Caminhar nos fins de tarde para ir à mata que se encontrava atrás do seu bairro. Seu primeiro contato com a poesia, seu primeiro conflito entre o que é e o que se construiu. Lá dentro desse lugar, havia um chão batido, pequenas árvores espinhosas, semi-árido. E nas poucas manifestações de água reunida em algum lugar, eu estava lá parado. Certa vez olhava o contraste entre o riacho mais a frente e a lagoazinha que eu estava. Como a vegetação era distinta! O verde pujante do riacho cercado pelos limites da propriedade de um fazendeiro local.

Verdade! As pedras não falam, mas se elas forem eu? Que agora falo a elas, Deus meu! O que sou? Uma solução aquosa de pedras falantes? E as perguntas do menino iam se calando gradativamente, no cair do dia, no cantar dos pássaros. O tom alaranjado do fim de tarde o confortava, e a simples certeza de voltar pra casa, ter cuscuz e café na mesa, já suplantava o frenesi de suas perguntas. De noite, imaginações nunca respondidas pela ciência. Eram a cama do menino se movendo, um transe e conversas amedrontadoras com a sua própria “imaginação”. Os personagens que habitavam a cabeça do menino variavam como as pedras no caminho. Coisas sem respostas.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Em um show de forró

Era um mega show de forró eletrônico.

Pra variar, ela estava linda com aquela sua calça apalpando todas as dobras carnudas de seu rabo. Naquele dia em especial, ele percebeu algo a mais. Ela ao se virar pra tomar sua caipirinha, postou-se bem próxima a ele com uma blusa tão justa que apertava os seus seios quase que para fora.

“- hum, que delicia...” ele pensou.

Ele já tinha visto a divina provocação carnal em alguns lugares, mas nunca em um show de forró. Na verdade, ele nem gostava de show de forró, mas tinha resolvido cair na muvuca daquele show, pois tinha como objetivo, encontrar um lindo pomar pra comer as frutas que pudessem aparecer em seu caminho.

Acontece que ele já conhecia a linda carne de muitos anos. Ela estudava no mesmo colégio em que ele estudava em sua adolescência. Porém, no tempo que ele estudava no tal colégio, a menina era simplesmente uma menininha brincando no parquinho e correndo a beijar sua mamãe cheia de areia acumulada das brincadeiras com seus amiguinhos, arrastando sorridente sua lancheirinha pelo chão.

Sim. Ela era uma menininha. Era apenas uma menininha. Porém, a areia do parque ficou apenas na lembrança dele e a lancheira passou a ser o que ela trazia como um delicioso lanche aos olhos de muitos meninões.

Ela sabia o quanto ela era gostosa, e bem sabia o quanto muitos garotos depois da labuta técnica do mundo, trancavam-se no banheiro e descabelavam o palhaço suadinhos e escorados nos vasos sanitários. Por ela saber o quanto ela era cobiçada pelos seres famintos das ruas, ela optou por aparentar ser uma garota difícil (pra não dizer, inalcansável).

Depois de ter ingerido muito álcool na cabeça, ele resolveu chegar junto dela no seu grupinho de amiguinhas forrozeiras. Tentou estimular algumas opiniões, mas ela se portava apenas como a mulher mais impossível do universo. Ele inclusive falou que lembrava dela estudando no seu antigo colégio, porém, ela não respondia nada. Sequer olhava ou dava dois minutos de diálogo com ele.

De forma muito clara, ela foi puxando o grupinho para outro lado do show. Ele terminou ficando novamente sozinho no meio daquela multidão (se é que em algum momento, ele conseguiu se socializar com alguém)

Acabado o show, ele foi até o estacionamento se sentindo extremamente frustrado e humilhado por ter se deixado submeter-se às vaidades dela, ao invés de poder ter investido em tantas outras garotas tão gostosas quanto ela que estavam naquele show. Ao sair com seu carro, ao virar à direita, ele viu uma garota sentada no acostamento do estacionamento com as mãos cobrindo com suas próprias mãos, seu rosto avermelhado de tanto chorar.

Ele estava de saco cheio das pessoas e do mundo, mas como viu se tratar de uma garota deliciosa, ele resolveu exercitar sua postura humana de amor ao próximo.

Encostando o carro mais próximo da garota, ele perguntou: a menina linda quer ajuda? A menina linda era justamente a menina que antigamente era simplesmente uma menininha. Sim, a mesma garota tão prepotente e vaidosa.

Ela estava chorando porque seu ex-namorado a tinha humilhado em meio ao público. Ela estava muito bêbada. Tão preocupado com a situação da linda mulher, ele ofereceu uma carona para ela. Depois de conversarem bastante, ela resolveu aceitar a carona. Cambaliando, ela se levantou do acostamento. Ao entrar no carro, ela pôs a mão no bolso e percebeu que tinha perdido a chave. Ele bastante preocupado com a indefesa mulher propôs:

- Bom, como já está tarde, você dorme em minha casa. Você dorme em meu quarto e eu durmo no sofá da sala.

Como ela a partir daquela conversa passou a acreditar na boa intenção do rapaz, aceitou dormir em sua casa sob aquelas condições.

Por eles terem conseguido construir uma intimidade naquela ingênua e doce amizade, começaram a conversar sobre as aventuras vividas por eles no colégio no qual eles haviam estudado. Ela falou de suas melhores amiguinhas, de suas tias e de suas traquinagens. Ele falou de suas brincadeiras, das peladas com seus amiguinhos, etc, etc, etc.

No fim, ele perguntou se ela tinha saudades de sua infância. Ele afirmou com aqueles intensos olhos brilhando de saudades. Para tornar a noite mais agradável, ele propôs que eles se lembrassem de algumas brincadeiras da infância. Empolgada, ela aceitou. Ele mandou ela fechar os olhos pra adivinhar o que ele tinha em mãos. Ela acertou tudo que ele tinha encontrado para ela descobrir.

Porém, foi no momento que ele pôs um pirulito em sua boca que ela mais gostou. A partir daí a noite se tornou inesquecível, uma noite nostálgica de lembranças da infância, com muitas brincadeiras e muitas traquinagens.

Depois de se cansar de tanto brincar, a menininha olhou para ele, sorriu, foi fechando aos poucos seus pequeninos olhos vermelhos de tanta cachaça e dormiu.

É, ela cresceu.

Levantando-se do lado da cama, ele foi ao banheiro, olhou-se diante do espelho, olhou para baixo e pensou: - eu também cresci, mas ele também cresceu e como cresceu!



(Este texto foi publicado pelo autor no site www.euautor.com.br no dia 14 de novembro de 2009)

A demanda cíclica do capital

Acredito que um dos grandes símbolos da crise na economia foi a quebra da bolsa de valores de 29. No dia 24 de Outubro deste ano, a "Grande Depressão" iniciou a sua derrocada no mercado financeiro. Na noite da famosa "quinta-feira negra" os valores de ações na bolsa de valores de Nova Iorque, a New York Stock Exchange, caiu drasticamente. Da noite para o dia, a grande quantia de dinheiro de milhares acionistas tornou apenas papel sem a menor condição de uso. A partir daí, já sabemos onde tudo terminou. Houve grande inflação e queda nas taxas de venda de produtos, causando o fechamento de inúmeras empresas comerciais e industriais, elevando drasticamente as taxas de desemprego. A causa disso tudo muitos especialistas especularam que poderia ter sido a desenfreada política liberal de mercado, outros diriam que é a natureza cíclica da economia. Parece que Marx foi um deles a acreditar nessa concepção. Para ele o capital tinha seu próprio crescimento e queda no intervalo de 40 anos. Talvez esteja certo quanto essa essência cíclica do capital, mas não num intervalo tão espaçado.
Não que haja algum tipo de determinismo no qual a crise atravessaria na mesma proporção todas as nações do globo, até porque o Tio Sam está aí para nos comprovar o contrário. Este fato demonstrou o consumo desenfreado nas diversas camadas sociais e a explosiva produção da indústria. Afinal os EUA saiam da Guerra como os maiores credores do mundo. E isso foi decisivo para a população adquirir daquilo pouco visto na história. Consumo, consumo e consumo. Bem estar social. O poder da american way life.
Depois da Segunda Guerra, esse intervalo foi se reduzindo rapidamente. Em pouco tempo algum país pedia socorro, desencadeado sob efeito dominó para outros continentes. Diante desses fatos Marx foi preciso, não no sentido de ser determinista, até porque ele não foi, mas na sua capacidade de enxergar a regularidade da crise financeira. Ele saberia que ela iria aparecer de acordo com as demandas de cada época.
Vemos na contemporaneidade que o conceito de crise se tornou muito mais abstrato. A textura que define o capital é muito mais aquosa que nas décadas anteriores. O financeiro remete às especulações. Não sabemos de cédulas nas transações comerciais. O dinheiro está onde ninguém vê ou mesmo toca. A globalização catalisou os processos econômicos. Estamos no tempo de hoje e do agora em que o cartão de crédito, cheque especial resolvem os problemas de contas do dia. Perante esses fatos, creio que não faltarão especialistas para especular novas maneiras de como lhe dar com a política econômica global. Se o neoliberalismo é inevitável ou se a intervenção Estatal, mesmo que mínima, é plausível diante das demandas explosivas do capital.

domingo, 24 de outubro de 2010

Comunicado

Leitores e autores,

Venho, por meio desta, comunicar meu afastamento do posto de autor regular. Obrigado a todos que liam e sentimentos aos que apreciavam. O movimento é, sem dúvida, uma grande fonte de informação e não foi pouco o aqui adquirido com os textos e críticas.

Sorte e sucesso para os demais nesta empreitada e a amizade, assim espero, continua.

Abraços!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

SOBRA

Subverta-me ao menos uma vez, meu bem.
Não permita que eu sufoque o seu eu.
Afinal, meu coração não sabe das razões que seu coração espera.
Ainda não vá, espere mais um pouco a aurora desse novo dia, tudo promete ser diferente entre fato e poesia.
Meu coração é um lago de quimeras e, inseguro, não vê que o mundo dá voltas e, em volta de você existem muitos “eus”.
Não quero mais esse caminho “troncho”, torto, calado. Recolho-me num canto e em silêncio dou gritos abafados.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Apolo e Dioniso

Codificar é o caminho...

APOLO E DIONISO
Todas as tentativas de inocentar o passado e apostar tudo no diverso, no multicultural só apenas complica ainda mais o que, para mim, já está complicado além da conta. Uma manifestação de fé trás consigo o germe de sua filosofia e de sua teologia. Pensar diferente no contexto da Umbanda é olhar de forma retrógada, é ver o passado com romantismo, e deixar a coisa rolar até nos inquirirem sobre o que somos, então, tantas respostas contraditórias e diversas haverá que nós chegaremos à conclusão que ser umbandista é pertencer ao mundo do incerto, do duvidoso, do oculto, do assustador, pois tem muita coisa tenebrosa no meio dessa tão elogiada diversidade de formas e conceitos. A primeira forma de diversidade é perfeitamente tolerável, é a forma, a doxa, e como tal não afeta o todo de maneira trunculosa, pode de certa forma contribuir para o enriquecimento do movimento. Contudo as diferenças de conceitos, estas implicam, para o olhar atento, um perigo enorme para a religião enquanto Instituição. Reflitamos sobre este último conceito: instituição. A Umbanda enquanto religião é uma Instituição, e não pode ser vista com outro olhar, ela é uma Instituição – uma entidade construída por seres humanos que interage no fluido social, e é aqui onde ela tem perdido sua grande batalha, portanto, é neste fluido que ela pode tornar-se religião de quintal uma vez por todas. A sociedade só assimila o que ela quer e o que ela quer quando o assunto é religião é entender o que é aquilo. Ir a um centro, fazer uma consulta e depois um trabalho não torna a pessoa umbandista. Note que após resolver seu problema a pessoa retorna para sua igreja, pois lá ele sabe onde pisa. Mesmo os mais desligados internalizaram elementos racionais daquela fé, pois esta se preocupou ao longo do tempo em repassar de forma coerente seus ensinos. Nós optamos pelo segredo, pelo iniciático, e por tabela pela ignorância de uma massa que precisa urgentemente de uma classe de catecúmenos de Umbanda. Mas como ensinar algo tão diverso? Tão diverso que no mesmo quarteirão podemos nos deparar com duas umbandas tão diferentes e tão opostas entre si, que achamos que uma das duas não é o que diz ser ou as duas não são o que dizem que são. Retomo a questão da matança de animais: Trabalho em um centro que corta para todos os Santos, trabalho em outro, que corta só para Exu, e em outro onde fui iniciado, não corta para ninguém. No primeiro a vela de Ogum é vermelha, no segundo é azul, e no terceiro é laranja. Se isto não faz diferença nenhuma, então, o uso magístico de velas e da Menga animal são apenas tradições sem nenhum valor prático no ritual de magia de Umbanda. Agora, meus mestres do passado, a coisa pegou, pois a vela indica a vibração magnética de tal entidade e como o operador deve processar esta vibração. Sem a vibração, sem a corrente eletromagnética não há magia, e se estou operando a cor errada com certeza algo errado vai acontecer. Caso contrário o que faço é apenas uma panacéia de elementos sem força alguma. Isto nos transforma em superticiosos de carteirinha porque conferimos valor magnético ao que não tem e não existe, se existe preciso saber o certo. Quero levantar a questão apolínea e a questão dionisíaca em Umbanda. Os antropólogos e sociólogos relacionaram o movimento de Umbanda ao processo de expansão urbana. A religião crescia na proporção que a cidade crescia principalmente no eixo Rio-São Paulo. Entretanto este crescimento não trouxe um Continuum religioso, e nós fomos enquadrados na marginalia religiosa do Brasil. Alguém diria: É por causa do etnocentrismo – está ligado a pessoa do negro e seu estereotipo. Será? As imagens de Exus com chifres na cabeça, e quero frisar que Exu não tem chifre e nem é demônio, tornou nossa Umbanda na visão de muitos estudiosos, uma religião dionisíaca – a religião do subversivo, do marginal, de Dioniso (grego) com suas bacantes ávidas pelo sexo e pelo vinho. Quantas giras de Exu terminam em uma bebedeira interminável, quantos rituais escabrosos em nome da caridade. É isso o diverso? A diversidade das formas de Umbanda é perfeitamente aceitável, porém as contradições diversas não! Contradição significa um sintoma na instituição, como a dor no corpo; tem algo errado! As palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas precisam ser ouvidas em todo o Brasil, e a Umbanda necessita dialogar com Apolo. Apolo representa a religião institucionalizada, que viveu sua Genesis e elevou-se ao patamar da racionalidade e aceitação do Estado e de suas instituições. E o Estado agradece, uma vez que toda instituição religiosa deve colaborar com ele(até onde for possível, é claro!). Apolo fazia oposição a Dioniso, e vice-versa na antiga Grécia. O culto a Apolo era reconhecido pela sociedade e possuía todo um aparato intelectual envolvido. Com Dioniso não era diferente, porém, por ser estrangeiro e por contrapor-se a moral em moda era um culto proibido e marginalizado. Já compararam nossa Umbanda ao culto a Dioniso. Por-que? Perguntem a alguns Pais e Mães no Santo e eles responderão. Suas praticas, sua pragmática umbandista de fato se aproxima com o que ocorreu na Grécia antiga, e tudo em nome do Axé e da força da casa. O mistério Exu merece respeito e toda atenção dos praticantes de Umbanda Sagrada. Não pode e nem deve ser dionizado como tem sido. A ignorância é amiga do fracasso; os números do IBGE, no senso de 2000 sinalizaram uma queda de 50% no movimento umbandista no Brasil, de 0,6% para 0,3%. Penso em pensar a Umbanda porque entendo que como toda religião já surgida neste planeta ela precisa de uma teologia e com ela um repasse de informações que transceda a tradição oral. A oralidade discursiva é perigosa. Todo discurso é um conjunto de discursos que se contaminam uns aos outros. O discurso matriz perde sua força e não pode ser referência para a construção de um código como o Kardequiano, por exemplo, ou como o Calvinista. Nós temos tradições, mitologias, práticas de terreiros e uma literatura que tende a expandir-se se os Pais e Mães no Santo não se opuserem a leitura como fez o Movimento Pentecostal Brasileiro que hoje, embora seja, o maior do mundo, não levantou um único pensador, resultado: veio o neo-pentecostalismo trazendo uma nova frente de crescimento para o movimento Protestante sem que a comunidade se quer soubesse o que fazia na época. O problema é que tanto o primeiro como segundo são movimentos que não foram pensados pela igreja, mas pelos sociólogos, antropólogos e estudiosos da religião. Foram na verdade pensados pelos doutores anglo-saxônicos que viram na religião uma forma de dominação das massas marginais do capitalismo por eles imposto pela ditadura militar, época do boom Protestante no Brasil e da decadência do movimento Umbandista devido a postura proselitista das religiões de matriz anglo-saxônica calvinista, portanto capitalista. A tendência de não pensar é coisa de brasileiro! E na nossa Umbanda não esta sendo diferente. Pense nisso com carinho: Em 2010, segundo projeção do IBGE, o Protestantismo terá alcançado metade da população, poderá eleger mais deputados, senadores, vereadores, e quem sabe um presidente. O que será da Umbanda em face de uma mudança tão significativa e nociva ao movimento, pois para eles somos bruxos e possessos. A caça as bruxas foi liderada pelos puritanos (protestantes) tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, isso pode ocorrer por aqui por meio de leis e mudanças na constituição.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Saco Cheio

Estou de saco cheio do academicismo
De saco cheio da pós-modernidade
De saco cheio da musica
De saco cheio do capital

De saco cheio do vácuo
De saco cheio da beleza
De saco cheio da dopagem cotidiana
De saco cheio do imoral e da moral

De saco cheio da filosofia
De saco cheio do celular e da comunicação
De saco cheio do eu e do mundo
De saco cheio da escatologia e do Platão

De saco cheio da maldade e da bondade ainda mais
De saco cheio da compaixão
De saco cheio do cimento e do excremento
De saco cheio da ciência, artes e religião
De saco cheio!

http://serousoulivre.blogspot.com

Mal-Estando

No princípio, eram apenas impressões e extasiar-se com elas. Que árduo deleite ver! Que fabulosa descoberta ouvir! E o cheiro que emanava daquela tez! O degustar infinito daquele seio, que em apalpá-lo se encerrava toda ideia do mais benéfico delírio!

Mas logo lhe veio o dia em que aquilo lhe foi negado. - Como assim? Não poder tê-lo?

- Um homem portando uma pomposa mala roxa lhe teceu um verso ao ouvido: SOU EU, O REAL!

E como lhe doía aos tímpanos a voz deste senhor! E que dor perceber-se condenado à insuficiência eterna!

Prosseguiu.

Passando por uma feira plena de desesperados e convictos, abriram-lhe uma mala e lhe venderam a promessa de uma nova plenitude. A esperança encheu-lhe o peito do leite que não é leite. A boca mastigava o pão que não o era: - Preciso frenquentar aquele local todo domingo e ler seu milenar manual com apurada regularidade...

Não demorou muito para o pão virar sangue e o leite secar.

- E não se trata de um milagre!

Descobriu nova plenitude fumando e cheirando o que paradoxalmente tachavam de droga. – Este mundo é pelo avesso, de fato!

- Mas a saída deste tipo de experiência causava-lhe dor bem menos suportável que a primeira e insuperável perda de sua vida...

Desistiu.

Decidiu peitar a corrente. Deu um salto tão peculiar da ponte que ninguém entendeu seu estilo, e, consequentemente, não houve aplausos. Mas, a partir desta linha, não se sabe dizer se ele mais perdeu ou se enfim ganhou...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Diário amoroso de um Rei Bosta

Estava eu senhor Rei Bosta, a procurar internamente algo em mim, algo que suplantasse uma lacuna existencial enorme, esse algo era nada mais que um par de olhos brilhantes e inteligentes. Minha fissura por mentes fantásticas é um caso velho, meu pai deixou esse legado ignóbil, porém que me gera apresso sobremaneira quando manifesto em mulheres. Joguei-me embasado por um estereótipo consagrado por meu cunhado, a um bela moça que mora em uma cidade um tanto excitante aos meus olhos. Esse maldito estereótipo somado a minha predisposição a encará-lo como verdade me projetou para uma paixão explosiva e estonteante.

Falo que me apeguei ao estereótipo porque, simplesmente o que encontrei foi um poço em que o senso comum resvala sobremaneira. Mas seria pedantismo meu, julgar uma pessoa por uma simples ação mecânica do cérebro ou uma simples apropriação de um aparato técnico e teórico de retórica. Já embriagado então, busquei ver os talentos e aptidões, bem como, é claro, o caráter dessa moça. Obviamente por outro lado, suas aptidões cognitivas que se sobressaiam não poderiam ser também um determinante para me fixar a um alguém, sem que se possa contar o quesito “caráter”.

Contarei um pouco da historia desse processo. Tentei levar a coisa com a mais perfeita hombridade, tirando relapsos momentos e falhas pontuais minhas, tentei ser fiel aos meus sentimentos e erroneamente transparente. Mas, o que a garota processou de tudo isso foi um ser para suprimir sua carência interna. Afinal, o que se pode pensar de um ser que mesmo posta as claras que o Rei Bosta está apaixonado, reconhecendo o momento do outro coração que contempla, explica seus pontos, se esforça para deixar claro que queria algo a mais mas entendia a conjuntura e portanto se abstinha de cultivar coisas futuras; mesmo com esse esclarecimento todo, recebe ressalvas que solapam seus sentimentos. - Olha Rei Bosta você é apenas meu amigo! Nos acariciamos, mas é só isso! O Rei Bosta se pergunta: Mas não tinhamos conversado isso?

Rei Bosta finalmente descobre que está diante de um coração convulso e confuso, tenta esquecer em outros colos, relações efêmeras instantâneas, porém descobre que seu castelo ruiu, e que assim como ele existiram outras pessoas que passaram e que passam simplesmente. O Rei Bosta finalmente tenta se distanciar e se abster do sofrimento, a aí é cobrado pela moça, onde está tuas palavras meu Rei Bosta? Onde escondes os teus carinhos? Pois bem o Rei Bosta retorna a tortura emocional.

O Rei Bosta compreende que infinitamente, por motivos idiotas as mulheres não se sentem a vontade com homens que expõem suas deficiências, pensamentos, emoções, desejos e etc. Ele compreende também, o quão efêmera se baseava toda a conjuntura do seu relacionamento com a moça, pois a contradição entre o que se colocava diante dele (no caso os tratamentos dóceis, a carência pela atenção) e o que a moça sentia de verdade, era tão brutal, que chegava a ser convulsivo, nojento e outros adjetivos mórbidos que se possam dar.

Chega-se a ter pena da pobre moça, afinal como ela irá continuar a viver, enganando a se mesma por um quinhão de carinho, corroborando para efemeridade de se mesma. Afinal, doar o corpo é diferente de doar afeto, esse que no caso não necessariamente precisa ser real, apenas simbolicamente entendível ao outro, como foi supracitado, carinho, atenção, palavras, atitudes e gestos. Afeto para o Rei Bosta seria a demonstração dessas coisas. E tal moça, aos meus olhos não conseguia equalizar tais afetos. Pois bem, o Rei Bosta acabou se encontrando em um estado hermético, seus afazeres de bosta o trancaram na clausura. Contudo, ainda restavam 2 mg de fé que algum respeito e carinho existiam na moça, afinal em um lugar de bosta, no centro da cidade de merda, ouviu palavras bonitas sorrateiras da moça, que a todo instante demonstrava seu carinho, e além disso perguntava: estás apaixonado seu bosta? Responde: claro que sim moça. O que me fez rir foi a nossa despedida, pois sabia da falsidade das palavras da moça, mas ela fez questão de reforçar uma coisa que não existia: Gosto muito de você Rei Bosta!

Continuando sem tempo, o Rei Bosta se isola mais ainda, e continua sendo solícito ao sentimento que o escravizava doando seus pensamentos e ligações para a moça. Um belo dia, ocorre de haver uma brecha em seu tempo, acaba indo para um tal lugar, lócus do primeiro encontro do casal, nesse mesmo lugar o Rei Bosta vê a moça com outro Rei Bosta, os dois Reis Bostas se falam se compreendem em uma sinestesia perigosa. O Rei Bosta que vos fala, ri de toda situação, pois se concretizava tudo que ele havia pensado, afinal por debaixo de tanto afeto que a moça o depositou, com direito a reforçar que a mesma lhe tinha um carinho mesmo que não fosse paixão, a moça apropriasse de outro Rei Bosta sem o menor tato, receio, preocupação com todas as palavras ditas e inferidas do Rei Bosta que vos fala, tão pouco com os seus sentimentos saturadamente expostos.

Eu que não sou besta, usei meus artifícios artísticos e pedantes e quis ao máximo ficar na presença dela disfarçando meus sentimentos, e ouvindo ela sussurrar – Amiga leva o Rei Bosta daqui! Ah! Isso foi um gozo pra mim, afrontar a moral dela, pra que ela pudesse ver a efemeridade que é um beijo, e que diferente disso trair a se mesmo é muito mais deplorável , trair suas palavras de forma tão hedionda ao menos fosse por inconsciência... Daí o Rei bosta ria, por que enxergava a efemeridade humana, a contradição de um discurso fundamentado em dois meses. Notou-se por fim, que a moça não era mais uma moça, era uma Rainha Bosta que atira no pé pensando que atira nos corações alheios.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A lei e a imposição

Por eu atuar em salas de aula, tenho visto grandes dificuldades dos educadores e do corpo administrativo em geral em lidar com os desejos e angústias de seus alunos. Nas reuniões, eles aparecem com problemáticas referentes ao uso de uniformes, ao horário de entrada na sala de aula, aos famosos namoros entre os jovens estudantes na escola, a displicência desses alunos nas disciplinas etc, etc. Depois da decisão tomada na reunião, os alunos recebem as decisões como se fossem um manual do estudante com todas as regras que devem ser seguidas. Essas regras de conduta aplicadas aos alunos tendem na maioria das vezes, a não surtir efeitos desejados. Por que?

Acho que os educadores e os profissionais vinculados à ordem administrativa deveriam refletir com maior interesse a seguinte interrogativa: os limites impostos pelo corpo administrativo e pelos educadores de uma escola são limites que também respeitam os desejos de seus alunos? Será que essas leis impostas estão ligadas aos anseios do corpo discente?

A lei, enquanto uma construção humana, é saudável para a sociedade. Se pensarmos bem, a lei é fruto de uma negociação. Ela funciona com o intuito de tentar atender às exigências sociais. Na minha concepção, um sistema normativo só se torna eficaz a partir do momento em que ele atende aos interesses de todas as partes que estão inclusas nesse sistema. Como posso eu, um educador, exigir o respeito a uma ordem imposta por mim, se essa ordem foi imposta levando em conta apenas os meus interesses?

Além da imposição vinda das instâncias “superiores” sem qualquer abertura para as manifestações dos discentes, muitas vezes a categoria de educadores prefere assumir uma postura rígida diante das resoluções legais da instituição educacional por uma questão de alienação e de comodismo.

Digo alienação, pois acho que esses educadores não têm questionado sobre sua condição de sujeito, ou seja, sua condição subjetiva, conflitiva, imprevisível, re-questionadora, e, portanto, transformadora. Quem se pensa enquanto sujeito, passa a compreender que ele próprio é resultado de inúmeros conflitos, de vários limites, e, portanto, de infinitas leis, e que por isso mesmo, não lhe cabe o estatuto do homem das definições eternas e imutáveis. O indivíduo que aceita apenas a lei pela lei, não se reconhece como um forasteiro de si mesmo, ou seja, um ser em constante modificação. Enfim, é um alienado.

A comodidade para mim deve-se ao fato de que muitas vezes é mais fácil para o educador evitar se adentrar nos emaranhados contraditórios e inesgotáveis dos conflitos humanos, e se acomodar no discurso "assim diz a lei". Mas ora, a lei é fruto de debates e infindáveis opiniões de diversas partes, ou seja, ela é originada dos conflitos. Portanto, se ela vem dos conflitos, como não ser conflitiva? A lei surge para ser quebrada, e não para ser comodamente eternizada, intocável e sacralizada.

Os profissionais da educação deveriam rever com mais cautela se as boas intenções para com os alunos não passam de ideais de melhores intenções apenas para eles mesmos. Se o amor aos discentes e ao aprendizado não passa de resoluções acomodadas e confirmadas por leis impostas de cima para baixo. A lei será atendida espontaneamente quando deixarmos essa lei ser pensada por nosso interesse e pelos interesses dos alunos.

( Texto publicado pelo autor no site: www.euautor.com.br no dia 06 de maio de 2009 )

eterno retorno

os donos pensam
eles reproduzem
o o o o o o o oooo ooo oo o
as indústrias produzem
O O O O O O OOOOO O OO OO OO O O
A PROPAganda defende
*~^
eles consomem
ooo OOO *** --- ~~~ ooo OOO *** --- ~~~
as meninas se divertem
eles continuam
consumindo
os donos pensam
....
eles compram
as cifras se reproduzem
$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$
eles aprovam
os donos pensam
elas sorriem
os donos pensam
eles revendem
os donos pensam
eles apostam
os donos pensam
os donos pensam
os donos pens
os donos pen
os don p
os d
o..................

sábado, 16 de outubro de 2010

ME DÁ UM DINHEIRO AÍ?

No contato com a realidade social, deparamo-nos com um complexo contingente interpretativo de relações sociais e simbólicas. A construção das visões de mundo se relaciona com a origem social dos indivíduos. Não podemos descartar a contribuição de Marx no tocante a influência ideológica que as classes diretivas estabelecem para a constituição dos valores e das normas. Afinal, as instituições tomam como referência um conjunto de crenças, valores e idéias que partem da sua formação enquanto pertencente a uma classe reproduzida para toda a sociedade como “verdade” coletiva.
Podemos seguir esse raciocínio trazendo o argumento de Bourdieu sobre Capital Cultural. As explicações sobre o desempenho escolar e ocupação de cargos de planejamento e poder ganham a interpretação social reforçadas por instituições como família e escola, onde são constituídos os padrões de distinção entre as classes.
Os sentidos e significados são apropriados a partir do contato com uma complexa rede de intenções. Alguns pensadores chamam de estilos de vida, modos de viver, sobrevivência, relações de poder, entre outros. O fato é que todos esses critérios são reproduzidos e utilizados, dependendo da situação, a fim de alcançar intenções.
Defino as modalidades de mendicância sem intenção alguma de tornar pejorativa a forma de busca pela sobrevivência dos atores sociais que trabalham nos sinais – guardadores de carros e crianças –, mas procuro analisar o sentido que foi atribuído à concepção de trabalho e de como esse é utilizado como forma de manter uma relação simbólica e de interação entre os grupos sociais e suas visões de mundo. Por um lado, existem aqueles que possuem o capital cultural e que usufruem da posição que seguiram o caminho traçado pela sua origem de classe e reproduzem conceitos obtidos, ou seja, ideologia.
Os vários grupos sociais com suas práticas e visões de mundo diferenciados, com seus padrões de comportamento e maneira de como lidar com a sobrevivência se apropriam dos discursos ideológicos a fim de conseguirem o caminho para o encaixe no processo de interação das relações sociais. As transformações nas variedades de mendicância correspondem à modificação no sentido que a prática e a intenção se encontram.
Parto de dois pressupostos. Primeiro: o perfil dos pedintes foi modificado, principalmente o daqueles que ficam em avenidas movimentadas ou próximas a bairros de classe média/alta. Estes se adaptaram aos valores esperados por aqueles que doam. Segundo: os pedintes ajustaram-se ao contexto e utilizam a interpretação acerca do trabalho para construir, de formas diversas, arranjos para a relação com o sistema capitalista e com as camadas sociais mais abastardas.
Ainda é comum encontrar nos sinais crianças ou mesmo adolescentes pedindo sob o olhar fiscalizador de um adulto. Assim também o fazem os deficientes físicos e pessoas idosas. As transformações deram-se por meio da percepção que esses grupos mais pobres têm da valorização do trabalho que as camadas mais abastardas possuem.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Educação III

Quanto mais os anos passam mais vejo que o que Modin escreveu em seu livro Antropologia Filosófica é real. É bem verdade que dizemos coisas e que elas nos servem por um longo período de tempo até que alguém perceba que existe mais alguma coisa. Um homem pode ser visto como um ser auto-transcendente de diversas formas. Em todas elas, ele se manifesta como um novo fenômeno que surge diante de nossos olhos. Vemos que a criança pequena fala consigo mesma, trava um diálogo consigo como se existissem duas pessoas. Esta fala rudimentar serve para organizar o pensamento e ajuda a planejar ações. A fala egocêntrica, dizia Vygotsky, marca um momento de construção de uma subjetividade. Um momento de colocar os signos no lugar, experimentá-los e perceber que para dialogar com o mundo elas precisam de mais palavras. Embora não consiga fazer distinção de significado e significante, ela entende o que é dito a si mesma, e orienta-se no mundo por mediação de seu diálogo. Após esse período, a criança consegue elaborar outro tipo de linguagem, aquela em que as perguntas e o desejo de saber mais sobre as coisas e o que elas são, são marcas muito visíveis de sua natureza. O homem quer saber. O ser “aprendente” aparece no mundo dialogando consigo e depois com o mundo, e mais a frente percebe que é portadora de um monólogo e de um diálogo. A fala egocêntrica se transforma em uma voz interior que permanecerá conosco até o último suspiro. Essa voz interior recebe muitos nomes: Consciência, eu, anjo da guarda, Deus, etc. Mas para Vygotsky é apenas uma voz, a voz da mente, um resultado de nossa relação com o outro, de nosso aprendizado da linguagem, do uso dos primeiros signos, de funções cerebrais agindo sincronicamente com a atividade psíquica. Carl Gustav Jung pensou num fenômeno muito interessante. A nossa atividade visceral (Hormônios reguladores de funções orgânicas), e os nossos instintos produzem sentidos que se constituem em imagens psíquicas em nossa psiquê; os instintos são psiquificados. O instinto de procriar não tem mais um valor semântico apenas, ele pode representar outros e provocar emoções de todos os tipos. Parece que retornam para a atividade visceral, podendo transformar-se em uma sintomatização, uma patologia. O sujeito uniu-se a matéria de tal forma que não consegue viver sem ela. Só a morte os separa. A criança após o aprendizado da fala brinca de desenhar o mundo, começa a entender que pode riscar seus pensamentos no papel. O aprendizado da escrita na visão de Vygotsky deve levar em consideração que no início a criança não sabe a diferença entre o desenho e a escrita. Assim a escrita é outro desenho, um tipo diferente, é o desenho das palavras que ela fala e que o outro fala. A criança tenta desenhar o mundo que escuta e vê ao seu redor. É uma descoberta revolucionária para o pequeno aprendente: “Eu posso riscar meus pensamentos, a minha fala, a fala do outro”. O homem aprendeu a materializar o pensamento de forma tão natural como o organismo aprendeu a transformar emoções em energia orgânica que pode ser positiva ou negativa. A felicidade provoca a segregação de hormônios relacionados. Com o medo ocorre o mesmo. O nosso quadro psíquico é determinado por fatores viscerais e ao mesmo tempo o sujeito provoca a segregação de substâncias viscerais. O sujeito e a matéria ocupam o mesmo espaço. A criança aprende o código escrito e cria asas até o céu. Podemos assim perceber que a Educação é fundamental para o desenvolvimento da subjetividade humana, logo, o tipo de pessoas que constituem uma nação passa por esse caminho. A consciência de uma nação é forjada no binômio família/escola. Considerando a realidade sócio-econômica da maioria de nossas famílias, vejo a necessidade da inclusão da família nos projetos pedagógicos, e nas ações de governo. A família pobre necessita de amparo das autoridades quando seus filhos estão na idade da escola. Os projetos existentes melhoraram muita coisa, contudo, não são eficientes para solucionar o problema. Abraços tortos.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

My Love Generation

**********Aos leitores, meu turno de postagem é a tarde. Esta postagem se deu excepcionalmente à noite. Falhas técnicas...

______________________________________________________________________________________________

Seja por mim o que nunca fui mas agora sou
Sem controle
Transmute o intransmutável
Contemple toda vontade
De resser
E de sempre ser
De se ausentar
E presenciar
E abstrair
Nestes jogos complexos do mero existir
N’intendo como se dá toda est’eficácia
Mas em seus fios correm todo o plasma
Daquela velha
Minha desgraça
E você transmuta
E me deixa ser
Tão livre de mim
Rodando qualquer
CD, DVD
Mídia que vier

Eu e o Verbo

Vou, volto, busco, acho

Perco, retorno, sigo, nado

Reencontro, fumo, cego, acabo

Caminho, chego, finalizo, começo

Penso, quero, corro, jogo

Roubaram, rasgo, desencanto, odeio

Tenho, abstenho, nego, afirmo

Repito, conserto, amo, termino

Circulo, circulo, quero, querer

Falo, mudo, vejo, viver


http://serousoulivre.blogspot.com/

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Pomba Vermelha

A luz acesa da lamparina em um bordel
Me lembra a cura de uma linda feiticeira
Às vezes é rosa branca
Às vezes rosa vermelha
São as cores do seu vivo alumiar
É o sexo dos seus rumores
Que nos barracões são consagrados.

Se borda lagrimas em seus seios
Outros nos seus peitos vão derramar
Candido olhar soturno
É fruto maduro e faca amolada
Sua vulva casa em eras cultuada
Distinta do seu coração humano e trovador.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Entortando os relacionamentos conjugais

Ao vivenciarmos os relacionamentos, queremos deles apenas o Ideal de Perfeição. Achamos que estar com alguém, implica apenas o convívio com a felicidade, e quando essa felicidade não aparece em algum momento, já achamos que a relação se encontra em declínio e terminamos. Sei que a falta de diálogo finda as relações amorosas, mas eu acho que essa crença na plenitude também provoca rupturas entre os casais.

Para mim, a paixão, sentimento mais emotivo, e o amor, sentimento mais racional, fazem parte dos relacionamentos. Não é por que eu estou definindo de forma separada a paixão do amor, que eu os encaro como sentimentos distintos. Acredito que ambos, ao mesmo tempo em que se complementam, anulam-se e vice e versa. A separação me serve como forma de explicar mais claramente como eu vejo cada um desses universos.

Portanto, para mim, a paixão significa o impulso, a emoção preponderando à razão e possui uma natureza imediatista e destrutiva. Na paixão, o agir individual é marcante, uma vez que a paixão, por ter uma natureza mais egoísta, sente dificuldades em aceitar a diferença do outro, e por isso mesmo provoca ciúmes e conflitos entre os cônjuges. Para mim, a paixão pende mais para a instabilidade.

Já o amor implica elaborações previamente projetadas de ações, a razão é preponderante, os projetos são de longo prazo, além de ter uma natureza mais construtiva. No amor prepondera o coletivo por haver uma negociação entre os cônjuges. O amor tende a compreender mais as posturas do outro por ser mais racional. Portanto, acredito que o amor pende mais para a estabilidade.

Na paixão se ganha pelo excesso de emotividade, mas também se perde, uma vez que esse excesso leva o indivíduo a desilusões com qualquer ato que seja contrário às suas expectativas. No amor o individuo ganha pela forma mais racional, mas perde, pois o uso do racional implica em necessitar perder também parte do encanto que se tem pelo outro para que o excesso de encantamento não mais o machuque.

Eu acho que devemos tentar entortar a forma como entendemos os relacionamentos, pois entortando, saberemos que ao escolhermos alguém, nós nunca seremos completamente felizes, visto que não teremos a satisfação plena com o outro justamente por alimentarmos o egoísmo da paixão; e nunca seremos plenos com nós mesmos, pois o amor castra uma parte de cada lado para atender o egoísmo da paixão de ambos.

Por outro lado, saberemos que ao nos relacionar com alguém, nunca seremos completamente tristes, uma vez que por sermos apaixonados, através do amor buscaremos à harmonia e a estabilidade com o outro; assim como nos sentiremos amados justamente por nos apaixonarmos, ou seja, por conflitarmos com o outro, e portanto, fazermos com que o relacionamento seja sempre renovado, e não rotineiro e cansativo.

Exercitando entortar o olhar, perceberemos que no final das contas, os relacionamentos não podem ser resumidos a um Ideal de Perfeição, veremos que uma relação implica perdas e ganhos, realizações e lacunas, assim como satisfações e novas buscas, afinal, como bem disse o cantor Odair José ao falar sobre relacionamentos conjugais, “todo dia a gente ama pra ver se alguém aparece”.

os seus reflexos

aquilo que se vê no espelho são apenas imagens.
imagens retorcidas, difusas
frutos da sua percepção delirante.
procura-se outra coisa qualquer que te possa completar
seja um lápis, um cigarro, uma bebida
ou um alguém.
sabe que te falta, mas não sabe exatamente o quê.
o umbigo atesta uma ferida
um corte
uma cicatriz
uma marca infrigida pelos deuses.
Está condenado a não ser o que é
E ser aquilo que não se espera.
Essa é a lei relativamente absoluta
que te rege.
o que te resta é a espera de uma imagem
que te afronte, que te subverta
que faça te esquecer
qual seria o seu real pertencimento.

sábado, 9 de outubro de 2010

Lulu consensual ou será o Bolinha? Parte I (por Tatiana Aragão)

Lá vai a Lulu...
Que planeta ela permaneceu?
Calma! É uma alma purificada.
Ela acordou para dormir numa ilha de pessoas diferentes se relacionando para levantar ao amanhecer. Pensa em buscar uma realidade que ofusca a visão do todo em pedaços ramificados.
O que encontra Lulu? A mesmice mecanizada dos comportamentos? A Lulu se cansa de defender uma bandeira para encontrar-se. Cansou de vitrines glamour e tudo envolvendo a mídia estilizada por consenso. Os seus olhos viram a queima de um sutiã que de certa forma quebraria com grilhões na mente povoada do homem vil. As baladas da noite não te agradam e se tornou comum. Suas botas já não convencem. Já as armadilhas masculinas alucinam seu pobre coração. Confunde-se com as inversões dos papeis sexuais. Virilidade versus feminilidade.
Segue a Lulu consensual procurando em velhos jornais resquícios do que houve. Esquecer-se é um ato falho, encontrar-se é corajoso em um mundo que se fecha em plantas carnívoras. Unir-se vegetalmente com os seres traz a Lulu para a realidade cheia de possibilidades, planos ancestrais. O que fascina Lulu é viajar para o Egito e tirar das janelas da alma sonhos e concepções de mundos místicos e cheios de imaginação.
Do outro lado lá vem o Bolinha desconstruindo a percepção lógica dos substratos da mente humana. O Bolinha não vai mais ao encontro de Lulu, ele não ver mais sentido para impulsionar os desejos contidos. Passa pela cabeça dele os atos impróprios de Lulu. Em contrapartida, Lulu sonha em encontrar um homem que idealiza, sendo que Bolinha está longe da suas perspectivas.
O que deixa Lulu mais tranqüila é que seu trabalho paga a suas excentricidades.
Em uma estação Lulu espera Bolinha. A cabeça de Bolinha está num estacionamento vago conflitando com a existencialidade que ela não sabe lidar.
Lulu busca sentido para a sua conexão com a biodiversidade. Ambos esperam por algo extraordinário que equilibre a suas vidas sem sentido
A Lulu não é mais sex. O Bolinha deseja apaixonar-se novamente e esquecer as amarguras do desencantamento.
Num instante de súbito Lulu quebra o salto, visto que, as coisas não foram como ela pensava.
Bolinha enche a cara...
Alguns dias passaram...
Lulu foi convidada para fazer parte da equipe de cientistas da Nasa. Já o Bolinha passou em um concurso público, fez mais uma tatuagem e voltou a fumar, acostumou-se com a vidinha de servidor público fazendo sempre o feijão com arroz.
Depois de um tempo Lulu não tem mais vida social, ela esquecer-se em nome da ciência.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Pior do que está não fica

Os resultados das eleições 2010 apresentaram surpresas. Vimos à impressionante subida de Marina Silva que alcançou quase 20 mil votos. Com uma campanha modesta e com discursos pautados no desenvolvimento econômico sustentável, Marina demonstrou simpatia e foi elevada ao patamar de uma terceira via em relação aos candidatos do PSDB e PT. Por outro lado, algumas figuras repetidas se elegeram, a mulher de Paulo Maluf, em São Paulo e a família Sarney continuam com a dinastia no Maranhão. Mas nada chamou mais atenção do que o fato de o candidato a deputado federal Tiririca ter sido eleito com mais um milhão de votos, sendo assim, o deputado mais bem votado do país.
Com uma campanha digna dos programas de humor que o palhaço está acostumado a fazer, funcionou como marketing eficaz para que o eleitorado digita-se o 2222, com a música de fundo Florentina. Houve quem dissesse que a candidatura foi uma estratégia do partido para aproveitar a popularidade do palhaço e puxar outros candidatos por meio da legenda. Isso realmente aconteceu. Por outro lado, falou-se em votos de protesto do eleitorado brasileiro. Alguns consideraram até que a eleição de Tiririca foi o símbolo de revolta da população brasileira diante da política brasileira e o seu histórico de falcatruas.
Não discordo da possibilidade dos votos de protesto, mas generalizar mais de um milhão de votos como de protesto constitui para mim um exagero tremendo. O fato é que o nosso eleitorado ainda utiliza diversos parâmetros para votar e, muitos desses, pouco afinados com o regime democrático. Refiro-me a democracia como prática cultural e não apenas a imposição/execução de normas. Seja da idéia reproduzida pelo senso comum que vê os políticos como corruptos; ou das práticas de compra e venda de voto; ou mesmo, das práticas coronelistas, em que eleitores são coagidos a votarem pela troca de favor por um cargo para o parente ou amigo. E isso ocorre independente de classe social.
De outro lado, aqueles que pedem votos se utilizam da sua empatia ou da empatia do candidato para convencer o eleitorado. Ou seja, os padrões democráticos de voto intransferível e das campanhas incentivadas para que sejam conhecidos os históricos dos candidatos ficam em segundo plano. A característica relacional ainda fala mais alto na hora do voto. O nosso tratamento com as eleições ainda está distante do que possa vir a serem eleições com práticas democráticas. E para existir revolta ou protesto, essas ferramentas teriam que ter um domínio de ambos os lados, tanto de quem elege quanto de quem é eleito. Por ora, somos uma jovem democracia aprendendo a engatinhar.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Educação II

Somente em 1984 o Brasil conheceu o pensamento de Lev Semmenovick Vygotsky. As teorias apresentadas por esse gênio russo marcaram as pedagogias do mundo inteiro. Educar para Vygotsky não é um ato mecânico, um evento isolado, sem relações com o social. O discurso monopolarizador do professor ditador estava com seus dias contados. Para o psicólogo russo, educar é um processo de relações mediadas. O foco maior de sua teoria é a criança no início de seu aprendizado. A criança aprende relacionando-se com o meio, o termo meio é entendido como um meio semiótico. Os estímulos variados do meio em que a criança vive provocam o afloramento de mecanismos inatos como a tendência para o social. O professor ou mediador pode ser uma pessoa mais velha ou um colega mais sabido. A educação concebida por Vygotsky é a educação formal, aquela que é sistêmica, seriada, gradual, aquela que ocorre no ambiente escolar. A educação vista como um processo sócio cultural, um processo mediado, que ocorre em um meio semiótico nos leva a ver a importância da linguagem no processo de ensino/aprendizagem. O mediador maior é o código. Em seu núcleo está o que Bakhtin chama de heteroglossia: o conjunto de todas as formas de expressão social, ou os modos de retórica que as pessoas usam no curso de suas vidas diárias. O que Vygotsky quer dizer é que todos os tipos de discurso são válidos na educação porque eles são portadores da cultura. A criança interage com meio, logo, a criança aprende a cultura. Por dedução vemos que o termo educar nos remete a interiorização do social. A construção da mente social, do sujeito que entrou no ambiente dos signos, e das relações com o mundo, ocorre nas relações com o outro. Educar, então, é um processo dialógico. Educar é dialogar. Bakhtin entende a linguagem como um diálogo. Ele diz que tudo na linguagem nos leva a idéia de um diálogo. No mundo há o falante e o ouvinte e eles interagem. O mesmo ocorre no processo ensino/aprendizagem. O professor que usa a postura da imposição e da não negociação peca contra a natureza dos fatos. Ora se educar é dialogar, é estar em contato com a linguagem em suas variadas expressões então ela ocorre também de forma informal. A educação informal é mais poderosa que a formal. Aprendemos a falar o nosso idioma de forma informal, ainda não conheci um brasileiro sadio que tenha desaprendido o português. É de forma informal que internalizamos o mundo. Cabe a academia e a escola o saber científico e filosófico, porém, não são maiores que o mundo. O que Vygotsky via era algo que não está delimitado apenas ao saber pedagógico; a psicologia precisava entender como são constituídas as funções mentais superiores, ou quando o homem tem consciência de si. As funções mentais superiores são: auto-observação, intencionalidade, planejamento, capacidade de pensamento abstrato, metacognição. Portanto não é errado dizer que educar um ser humano é despertá-lo para o mundo, para si mesmo; é preparar o sujeito para fazer e saber no mundo. É acordá-lo, é despertar sua consciência e apercepção das coisas. Educar é preparar o homem para enfrentar o “discurso”. O termo enfrentamento não deve ser visto como ação, violência. O discurso vive na esfera da linguagem, é abstrato, é naturalmente ideológico. Bakhtin via na pluralidade das formas de linguagem e de retórica um monólogo, a linguagem pode ser monológica. Os discursos expressos por várias linguagens se diluem em um só, e em torno de si mesmo. O discurso do poder, aquele que impõe a ordem. Educar é prepara a mente para a crítica, para ver as contradições na natureza. Posto isso, posso dizer que a educação vestibularizada e a de adestramento como os cursos técnicos não se enquadram nessa percepção de educação. Um abraço torto.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O Crepúsculo na sexta-feira do proletariado e o inocente

Certa vez estive a procura dos documentos para o meu primeiro emprego, na minha volta para casa durante o fim da tarde naquela típica sensação de término das obrigações semanais. Deparei-me pela primeira vez com as pessoas que estavam a minha frente no ônibus. Elas tinham expressões bastante surradas, com a cara de derrota em pleno fim do ultimo dia do trabalho daquelas pessoas, funcionários do serviço de limpeza municipal, empregadas domésticas, de supermercado, trabalhadores das próprias empresas de transporte público, pessoas que fazem bico e demais trabalhadores.

As mesmas me passaram expressões bastante assustadoras, olhei para elas como se estivesse olhando num espelho do qual me destina em parte, no exato momento em que estava inocentemente eufórico atrás da minha papelada para o primeiro emprego. Me deparo com aquelas faces queimadas do sol, suadas, surradas de uma longuíssima jornada semanal. Muitos com seus filhos nas costas para alimentar com seu curto salário, outros com os filhos, a necessidade, mas sem o salário. As mulheres dormiam extremamente cansadas, um homem cabisbaixo com a farda do setor de limpeza buscava a mínima sensação de prazer no seu celular com rádio tocando asas morenas. O homem do seu lado estava com sua pequena grade de cervejas para matar pelo menos um instante aquela sensação de não-consumo da sua vida.

Todo aquele meu sonho foi reconfigurado do qual estive agarrado na certeza da independência financeira e do qual estaria entrando para uma etapa da qual estaria mais liberto e que seria uma grande conquista. Mas outras realidades caíram cruas em minha frente, consegui enxergar parte daquilo que se torna de fato. Libertamo-nos de uma prisão para entrar em outras dependências a todo instante, os problemas que acabam são apenas a gênese dos problemas posteriores. Estas impressões transformaram bruscamente o valor daqueles papéis dos quais eu segurava com tanta certeza, tornou-se algo mais duro de engolir.

É um ciclo do qual estamos a fadados a entrar queiramos ou não, mesmo cansados, ou mais explorados, alguns possuem seus filhos para educar, sua casa para administrar. Outros solitários como eu também estudam com a perspectiva de melhorar e renovar os problemas, ou seja, o nosso tempo está sempre consumido por obrigações para nos manter com valores que internalizamos e às vezes não percebemos que outras pessoas também lutam para um dia conseguir a suposta "tranquilidade."

http://serousoulivre.blogspot.com/

Do Tic e dos Tiques

Não seja fiel a esta alma que tenta te desafiar
Queria-te como te tem o Artista
Mas tic-tá que tu me perdes de vista
Ó, tempo! Me obrigas a desafinar!

Tempo de Trabalho
Tic! Na torneira!
Tempo Desperdício
Temo o tempicídio

Temo e tememos todos
Tememos e Choramos todos

A alma em Tétano

O mercado do tempo
É temporalmente inexistente
Muito Infelizmente

Mas o tempo do mercado
É hoje, aqui e sempre
O Tempo atemptado
Constritivamente

O tempo de Ação
Temptação
Atentado ao pudor
Do pobre cristão.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Rosa Elze e UFS: um relacionamento aberto

O Rosa Elze é um bairro que possui uma imagem muito atrelada a Universidade Federal de Sergipe (UFS), e seu processo de diferenciação sócio-espacial a tem como ponto de partida. Apenas com uma simples observação podemos constatar que o solo urbano do Rosa Elze se valoriza ou se desvaloriza, dependendo da aproximação com a universidade. O comércio que se estabeleceu em frente à universidade denota isso, que não obstante, possui serviços que atendem a demanda da própria universidade e não necessariamente ao dos moradores do bairro.

Quando chegamos à praça observamos que, serviços mais diferenciados como o de venda de materiais de construção e de móveis, já se estabelecem, a meu ver, apesar de não serem serviços restritamente voltados para universidade como casa de xerox, papelaria, restaurantes e lanchonetes; tais serviços diferenciados que se encontram na praça principal do bairro se valorizaram por conta do referencial da universidade, uma vez que, a demanda por serviços de construção e moveis se atrela a povoação do bairro, que se intensifica a partir da Universidade. Porém, observamos que os serviços das mediações da praça e da própria praça têm uma demanda mais exógena a UFS, como padarias e pequenos supermercados.

A cabo que entramos na zona mais afastada da UFS, o que se vê é um nítido contraste, que a mascara da zona mais valorizada próxima a UFS esconde. Ruas sem calçamento, pessoas paupérrimas, esgotos a céu aberto, um verdadeiro processo de marginalização sócio-espacial. A interface entre o centro do Eduardo Gomes, que tem o G Barbosa como referencial e o Rosa Elza, é uma zona onde casas precárias, pobreza e problemas sociais diversos se estabelecem.

A população do Rosa Elze, tendo como referencial a pequena amostra que observamos, possui um contingente grande de estudantes universitários; migrantes do interior do estado; moradores antigos; a população na sua maioria é mestiça ou negra. Além disto, percebemos que o Rosa Elze já possui uma estrutura urbana semi-complexa, já possuindo instituições: religiosas, político-comunitária, de serviços e educacionais (além da universidade). Mesmo que necessitando de outros bairros com relação a serviços burocráticos do estado, ou mesmo, alguns recursos bancários e de serviços em geral, já possui uma vida interna que não necessariamente se aliena a outras localidades. Podemos destacar em termos culturais e econômicos, a realização nas quartas feiras de uma feira livre no bairro, que começa ao cair da tarde, na praça central do bairro.

Tentamos por fim, observar a totalidade desse espaço urbano em seus aspectos econômicos, sociais e brevemente seus aspectos culturais. E fazemos questão de enfocar a má relação da universidade para com o bairro, uma vez que, é exíguo o conhecimento que a universidade produz que chega até o bairro. Não conseguimos observar nenhum projeto social, educacional e etc. Apesar de saber por colegas estudantes da existência de alguns, mas acreditamos que isso se dê de forma pontual.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ridículo de merda

Pisei na bosta e escorreguei. O grande problema é que quando escorreguei, nem lembrei da bosta. Fiquei foi esparramado em cima da ética com aqueles olhos irritados de mãos dadas com a ordem! Fiquei na desordem. Atravessei a rua meio desligado de tudo. Na verdade, aquilo ao meu redor me doía por eu pensar em como me esquecer da bosta por causa da bosta da ética da ordem de merda.

Chupei uma bala. Não, na verdade a mordi e a triturei insaciavelmente sem lembrar que nessa vida existia gosto. Nesse desconcerto total, encostei-me em qualquer parede de esquina e comecei a pensar:

“Meu Deus, afirmo pra Ti com todo o receio, receio esse, que sei que o Senhor enquanto meu Pai entenderá, mas não tem outra vida, nem alma rodando, nem céu, nem 1000 princesas, a não ser estrume de nós mesmos enquanto vivemos. Esse ar é gosmento, essa gola, essa manga interrompendo a definição do limite do seu corpo te incomoda seriamente a ponto de você mandar o seu grande e eterno amor tomar no cu e ele pensar que você não o ama. Teria outro espaço pra eu me aventurar e perambular de novo?”

“Por favor, diga que minhas eternas dúvidas e meu falho reconhecimento de que se estou vivo é só aqui e depois eu viro pedra. Diga!!! Por favor, se for pra voltar pra isso que chamam de vida, deixe-me ser uma pedra!!! Prometo deixar me pegar, me rumar no meio do mato, ser utilizado para quebrar um vidro ou para qualquer brincadeirinha inocente de amarelinha das lindas crianças. Se eu for uma pedra eu permito tudo.”

... o grande problema é que fiquei asfixiado e sem compartimento no mundo quando escorreguei na merda mesmo sabendo que já estava na merda.

... se eu fosse uma pedra poderia até ficar em cima de uma merda, mas sem tempo, sem fluxo, sem tudo, sem nada. Mas não. Foram justamente essas mãos de cidadão que quebraram uma vidraça do meu peito ao me apedrejar com ressentimento do ridículo de merda.

Para onde vai o nosso voto?

Ontem foi dia dos eleitores irem às urnas para cumprir com o seu dever cívico. É. Dever. Porque se fosse um direito, o voto não seria obrigatório. Enfim, o que vejo é que as questões sociais se super sensibilizam nesses momentos. A população repensa sobre os seus direitos de cidadão enquanto que os candidatos enunciam as suas promessas magnânimas. Promessas que são incabíveis para serem cumpridas em um tempo determinado, principalmente, quando o dinheiro não escoa no seu devido lugar.
Ultimamente vimos nas entrevistas à condição atual do Brasil. Um país cheio de promessas, futuro e crescimento. Desde de anos 80, esse país avançou em níveis não esperados. Eu acredito, e mais ainda quando se desloca ou se sabe dos países por aí a fora. Foi isso que ouvi ao ter me esbarrado acidentalmente na sala de desembarque com vários alguéins que se diziam especialista. O aeroporto é um lugar onde estão cheio deles. E a maioria não falava outra coisa a não ser que este país está em ritmo contínuo de crescimento. Vejamos, a Europa quase inteira está lesada pela crise financeira, os americanos se recuperam da barrocada dos bancos, os latinos andam com a moeda enfraquecida, claro, exceto, nós brasileiros. Contam que isso foi o reflexo da política lulista. O presidente de popularidade invejável em relação aos seus antepassados. Um ex- sindicalista que soube fazer história de amplitude internacional.
Mesmo dono de tantas adjetivações, vejo que o problema continua. O país ainda se sustenta na linha do subdesenvolvimento. Desde muito tempo, a política é regida pelos ditames do assistencialismo. Não faltaram planos para erradicação da pobreza. Fome Zero, Bolsa Família e entre outros, como se o problema fosse resolvido por uma questão de alguns reais a mais, posto na conta do zé ou da maria que vive muito feliz com a mão amiga do populista. Fora os incontáveis escândalos no planalto que ele desconhecia. Ah! Mas não sejamos injustos, como disse o Lula numa entrevista coletiva internacional, não é ele que manda no país, o Brasil está nas mãos do senado e da câmera dos deputados. E por isso, ele não pode fazer muita coisa com os dólares encontrados nas cuecas, nas malas, nos redutos ou até mesmo nos paraísos fiscais.
Voltando ao crescimento econômico do país, realmente as coisas podem está andando muito bem. Devido à alavancada das ações da Petrobrás. Foi uma injeção de capital, também incentivada pelo governo. Ao todo ele investiu 75 bilhões na compra das ações as quais serão revendidas no mercado acionista. Espero ansiosamente, eu e os milhões de brasileiros, que esse dinheiro seja redistribuído em saneamento básico, segurança e infra estrutura. Porque esses indicadores ainda estão em processo muito lento. Principalmente em relação aos indicadores sociais de outros países. Não precisamos ir muito longe para ver que a falta de segurança é gritante, os números, sempre eles, apontam que os muchachos mexicanos andam assaltando em proporções menores que nós, brasilenõs. A falta de saneamento é uma realidade que reflete em várias regiões brasileiras. E a educação, nem se fala...,o nosso amigo Roosevelt explanou muito bem em um dos seus textos publicado no Torto como anda essa situação.
Quanto ao presidente que será eleito, não espero muita coisa, pois mudança sempre ocorre para qualquer político que esteja no poder, independente das suas inclinações e legenda. Como robalheiras e escândalos irão existir. O que acho que decisivamente precisaria ser repensado é a nossa consciência política. A nossa capacidade de reagir às manobras políticas desses pequenos grandes homens que dizem ser representantes dessa nossa democracia ensandecida.

sábado, 2 de outubro de 2010

O Torto é normal? (por Cleone Rodrigues)

Ao ler o último artigo de VINA “As brigas do Movimento Torto” no site do mesmo título, bem como alguns comentários de leitores acerca do assunto, pude observar certa querela entre autores, querelas estas não entendidas, ou talvez, não aceitas pelos leitores, e daí, abrir-se um leque bem colorido de questões. Foi aí que me entusiasmou a entrar nessa discussão. Contudo, tentarei me limitar a colaborar, se possível, na compreensão, pelo menos neste momento, na questão se ser torto é normal e se é o normal.

Permitam-me, inicialmente, um comentário a respeito da Expressão “TORTO”. Embora a compreenda no contexto do movimento, não me soa agradável talvez dado ao aprendizado nos meus pesados anos de vida ter aprendido que torto é o oposto de certo, o que se soma a minha formação em Ciências Jurídicas, cujo conceito é o mesmo.

No mundo social, jurídico, religioso e moral, o ideal do movimento é tudo de que necessitamos, nem que para isso seja dado o sangue ou “uma libra de carne”. Se em nossa sociedade, cada um contribuísse com esse peso, seguramente viveríamos bem melhor, o que na expressão do Movimento, entendo, seria o entortar-se.

A verdade é que o entortar-se dói. E quem diz o contrário? O mal estar, o sofrimento, nas sociedades do século passado, se centrava no “conflito psíquico” nas quais se opunham sempre o imperativo das pulsões e as interdições morais. Na contemporaneidade esse imperativo se evidencia nos registros do corpo e da ação, ora de forma violenta, ora de forma sublimada

O que se pode observar do “Movimento TORTO” é uma filosofia de vida que possibilite amenizar o impacto dessas novas formas de mal estar sobre as subjetividades contemporâneas no sentido de que ao menos possamos viver socialmente possível, já que é visível a caminhada da violência, em decorrência, me parece, da dificuldade de ordem racional.

A dor e o sofrimento causado ao entortar-se implicam naturalmente numa necessidade de descarga libidinal, e os escritores do Movimento o fazem muito bem, de forma sublimada, e é tudo de que a nossa sociedade necessita.

Falo assim, no sentido de poder se viver em sociedade, mas é preciso se entender que o humano, como sujeito, quando atinge a alteridade, a dor e o sofrimento consequentemente serão bem menor, já que a qualidade da reação agressiva quer seja ativa ou passiva se deve naturalmente a um modo de identificação do sujeito a que se denomina de “narcísico”, nas suas várias faces. Ora valorizando a sua imagem, (crença na sua verdade como única) ora o objeto de escolha (apaixonamento pelo seu objeto como o único belo e perfeito). Vemos regularmente, nas religiões, na ciência, na política, nos times de futebol, chegando às últimas conseqüências.

Feitas as considerações acerca do tema tentarei colocar o meu ponto de vista, iniciando pela questão: Ser Torto é o normal? Antes porém devo expor, mais uma vez, o meu pensamento sobre o termo “Torto” Penso o torto aqui como uma posição constante, prefiro o entortar, que transita de um lado para o outro, assim como os Gira-sóis que estão sempre à procura do sol, da vida.

Dito isto, eu, particular e lamentavelmente, não vejo o humano sequer, tentando se entortar. Mesmo porque vivemos numa sociedade do narcisismo, do espetáculo, do consumo exagerado, enfim, do imaginário. Uma sociedade sem rumo, onde a lei é insubsistente, uma vez que, o estado que cria leis morais ao mesmo tempo esses representantes, descumpre-as grosseiramente, roubando a olhos vistos uma sociedade faminta; as religiões, igualmente pregam a moral e tem seus representantes praticando todos os tipos de delito: a pedofilia, a sonegação fiscal e tantos outros; as instituições privadas por sua vez, de forma perversa, sonega o estado, explora o empregado e por aí vai.

O que ainda faz a gente ter esperança é o comportamento de jovens como a turma do “Movimento Torto” (escritores e leitores) que estão aí pensando, simbolizando, e recriando valores.

Quanto a segunda pergunta: Ser Torto é normal? Com as observações devidas à expressão Torto, penso que o estático, torto ou certo, não passa de delírio, daí, deixo com Lacan a resposta: “seguramente a certeza é a coisa mais rara para o sujeito normal.” (O Seminário livro 3 das Psicoses, pag. 90).

Nota: Cleone Rodrigues é psicanalista.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

VASCULHANTE

Os dias passam.
Os anos dizem adeus
E a cerveja seca no copo
A noite já não é a mesma

As paredes não falam.
As luzes apagam: e a minha mente acesa, assiste ativa,
a noite fugaz de todo dia que entra pelo vasculhante.