quarta-feira, 30 de junho de 2010

RatoSSS

Ratosss
Que não róem, mas sssomem
Assim
Na imensidão submersa,
Ao sono do SSSOL

Talvez eu os tttema
Tão tanto
Assim
Por
Me terem tirado
Tamanho TTTESOURO
E o terem afogado
Na goela do esgoto

Pois,
Tão rápido o rapto
Assim
Me desnorteou
De um jeito
Que este clichê
Tão livre e tão raro
Tão solto e tão rato
É livre e é solto
Mas tão asssonaaante
E tão alittteraaado

terça-feira, 29 de junho de 2010

Meu texto

Eu como de te leio falo

gosto e não GOSTO penso faço e aconteço

Imagino que:


MEU AMOR É UM TEXTO

revoluciono

amasso Contigo bebo de ti


amo odeio Através convenço alieno


PALAVRA

Breve prosa para convivermos com as diferenças

Para iniciar minha participação no Torto proponho um tema de grande importância atualmente, porém ainda muito confuso quanto à sua concepção: a diferença cultural. Afirmo, desta forma, que todo ato de diferenciação é efêmero, mas, de outro modo, ele deixa ‘marcas’ para vestirmos ou desnudarmos o cotidiano no entretempo de nossas vidas. Afirmo também que os exemplos aqui citados não são suficientes para tratar do tema, são triviais, apenas um pequeno pontapé para inscrevê-lo.

Lembro-me quando estudei há uns 15 anos em um colégio particular de Aracaju, desses mais tradicionais, e no 2º semestre havia pintado os cabelos de cor acaju. Tinha cabelos nos ombros e curtia muito rock’n’roll. Ao adentrar os portões do colégio o fiscal me encaminhou para a diretoria para que eu pedisse permissão de usar aquela cor naquele espaço educativo. Tal foi o espanto da diretora que prontamente digitou uma carta para o meus pais, ‘indicando’ minha suspensão por 2 dias e ‘aconselhando-os’ a conversar comigo para que eu não perdesse o rumo de minha vida. Tudo isso por causa da cor do cabelo! Foi um grande alívio ela não ter notado os brincos nas minhas orelhas e não ter perguntado se eu ouvia rock ao invés de pagode, ou se eu tomava café ao invés de Nescau. O problema agravou-se porque era dia de prova e reclamei que precisava fazê-la. A diretora aceitou na condição de que eu voltasse para casa logo após a prova. Entretanto, no percurso até a sala, muitos alunos me seguiram fazendo grande burburinho. Cheguei a ouvir gritos como “maluco”, “maconheiro”, “viado” etc.!!!

Resultado: no dia seguinte fui convidado a me retirar do colégio!

Não tenho ideia alguma se a administração deste colégio é a mesma ou como esta instituição lida com estas questões (também não sei exatamente como as escolas estão lidando com os novos estilos de vida juvenil), mas há 1 mês passei por lá para ver meu sobrinho jogar futsal e notei alguns alunos enunciando suas diferenças, seja com cabelos pintados, usando brincos e argolas de todos os tipos e não só nas orelhas, expondo discretamente suas tatuagens (lugar-comum para os adolescentes), provocando um contra-senso naquele espaço educacional-repressivo da liberdade de ser e estar. Opa! Este discurso libertário pode ser deturpador. Não é bem assim. Vamos com calma para não defendermos ideias sem levar em consideração alguns porquês.

A diferença cultural é enunciatória e conflitiva. Ao passo que tenciona cotidianamente enunciar estilos de vida que diferem dos valores socioculturais e políticos sancionados por uma sociedade mais tradicional, ela expõe os conflitos contemporâneos da sociabilidade democrática. A diferença enuncia que o outro é aquilo que você não é. Diferença é, então, aqui tratada não como diversidade multicultural dos grupos sociais tendendo a uma coesão e aceitação ou política da diferença que ocorre com a organização de grupos e entidades sociais com lutas e objetivos definidos, mas como publicização de identidades sociais muitas vezes dissonantes. É, numa palavra, a visibilidade dos estilos de vida.

Imaginemos então como os colégios, que tem o papel de transmitir os valores sociais e educacionais para a compreensão da vida social, muitas vezes estimulam a intolerância por meio de práticas pedagógicas tradicionais voltadas somente para o vestibular. De outra forma, a incompreensão dos alunos sobre o significado maior da educação também estimula os conflitos. Alguns alunos (e pais) abstêm-se de ler as normas do colégio que estudam e por isso passam por constrangimentos e sofrem ações repressivas. Fui um deles! Talvez hoje, pensando com meus botões, eu não teria pintado o cabelo... Enfim, menos pelas normas e mais por não gostar de transgredir os lugares-comuns.

Na contemporaneidade as instituições sociais sentem dificuldades reais em lidar com a ‘diversidade’ de diferenças socioculturais. Por outro lado, o mercado comemora e aproveita para lançar novos produtos, bens e serviços variados para o novo público. Desta forma, cria-se novas especialidades de trabalhos e atividades criativas entre os jovens que cada vez mais procuram desenvolver trabalhos diferentes dos pais. Falando em pais, estes convivem com o conflito familiar, tendo grandes dificuldades para aceitar o filho em ter várias identidades (estéticas, sexuais, profissionais etc.), usos e práticas cotidianas diferenciadas.

Acredito que chegamos a uma época de indeterminação do sujeito. Conviver com diferentes identidades não é uma tarefa fácil para ninguém. Quanto mais cosmopolita é a sociedade, maior pode ser o conflito ou a abstenção. Mas em sociedades/comunidades mais fechadas, mesmo com toda disseminação de informações, a abstenção é algo praticamente impensável. As discriminações passam a ser mais excludentes e desconstruí-las não é tarefa fácil. Assim já experimentaram os grupos sociais que lutaram pelo respeito à diversidade sexual e pela liberdade feminina. Hoje, com a maior visibilidade das identidades culturais que estão cada vez mais dinâmicas, visto que não fixamos nossa identidade a apenas um modo de vida, a diferença cultural, ao invés de determinar objetivos e coesões sociais, ela apenas enuncia espaços de indeterminações da nossa condição de vida pautada em valores morais comunitários e instituicionais (religião, família, educação etc.).

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Música brega é torta (parte 2)

Neste texto eu quero dar continuidade a relação da música brega com a perspectiva torta. Como venho dizendo, o torto transita entre a ordem estabelecida e a esfera marginal. Ele não só tece suas críticas ao sistema, compactuando de muitos discursos contrários a sua estrutura; como também não se nega em obter alguns prestígios que possam ser facilitados pela ordem vigente a qual condena.

Novamente eu encontro aspectos da música brega com essa postura torta. Os artistas dessa estética, ao mesmo tempo em que aceitam fazer parte das estruturas oficiais, assumem formas de condutas que vão de encontro aos modelos moralistas e legitimos da sociedade. Enfim, enquanto se submetem espontaneamente às convenções, submetem-se espontaneamente ao espírito underground, isto é, marginal.

Aproveitando o ensejo, vamos começar nosso debate fazendo uma relação da música brega com as esferas marginais. Em minha opinião, uma das coisas que mais desagradam a elite cultural, é a relação espontaneamente subversiva que os artistas bregueiros expressam em seus repertórios. O público também provoca choque nas morais intelectualizadas na forma como eles interagem entre si.

Esse universo musical constrange as expectativas cristãs e higienistas da elite intelectual. Não é por acaso que ouvimos discursos que julgam a música brega como responsável pela precocidade sexual nas crianças, pela objetificação da mulher, etc. Certo ou errado, o grande lance é que a música brega possui um comportamento marginal desviante de condutas validadas socialmente.

Outra postura claramente marginal se refere ao momento da criação, do consumo e da circulação de seu produto. Apesar da música brega se encontrar diluída nas diversas realidades sociais, ela tem como maior público, os indivíduos das camadas menos prestigiadas. Por esse público não ter um acesso fácil ao sistema, seus trabalhos circulam em ambientes fora da estrutura oficial do mercado.

Só para tomarmos um exemplo, basta lembrarmos do tecnobrega em Belém do Pará. Os seus artistas, por não conseguirem se adentrar nas programações oficiais das rádios, resolveram estabelecer sua própria organização, estabelecendo laços com os chamados donos das aparelhagens e os camelôs. Os artistas têm seus trabalhos consumidos na base do mercado informal, isto é, da pirataria.

Partindo para uma análise da música brega com a esfera oficial, vale lembrar que esse gênero musical, mesmo desestabilizando os sistemas morais da intelectualidade, e circulando muitas vezes informalmente, não vomita discursos contra o sistema. Os artistas da música brega não se negam em nenhum instante em enxergar o seu trabalho sendo vendido e consumido no mercado oficial.

Enquanto o discurso crítico dos intelectualóides fica com suas eternas obsessões em achar que para tudo se deve ter um projeto que tenha como objetivo, uma rejeição a dita alienação do mercado; a música brega não só transforma a sociedade, uma vez que desestabilizando os valores, possibilita novos questionamentos sobre eles, assim como se adapta aos interesses mercadológicos do sistema.

Enfim: a música brega transita entre a esfera marginal, visto que ela não só possibilita a revisão dos valores legitimados, assim como a sua própria forma de criação, divulgação e consumo, passam longe das estruturas oficiais. No entanto, a música brega também se manifesta como uma tendência musical muito bem disposta a se adaptar ao sistema, basta que apareça algum profissional para projetá-la.

Portanto, a música brega tem uma relação muito semelhante com o torto, pois o torto, ao mesmo tempo em que se acha no direito de provocar polêmica, ou como diz nosso torto Roosevelt, de dar sua beliscada torta em determinadas concepções que não são do seu agrado; não nega que adora a possibilidade de poder usufruir e de se adaptar ao sistema que ele tanto critica.

A cegueira branca chegou até nós

Faz dez dias que o grande escritor da literatura portuguesa se foi. Grande, não só pela genialidade impressa em seus escritos os quais lhe garantiu o prêmio Nobel, mas pela sua destreza ao falar sobre a decadente natureza humana. Em "Ensaio sobre a cegueira", obra única de Saramago adaptada para o cinema, Meirelles soube sintonizar na película o desapontamento do escritor sobre um mal infiltrado que nos conduz a barbárie, presente tanto nos movimentos caóticos dos grandes centros urbanos quanto nos simples e pequenos gestos dissolvidos nas relações: a cegueira branca.
Em uma cidade conturbada, todos são atingidos por uma epidemia de uma desconhecida cegueira, exceto a mulher de um médico que apesar de ter o privilégio da visão, o famoso ditado popular "na terra de cegos quem tem um olho é o rei" não se aplica, pois ela não está salva, para o seu desespero, da selvageria do próximo, onde todos se encontram sedetos pela salvação. Assim, estaríamos nós, imersos em uma civilização que tem como máxima o individualismo e o oportunismo, em que o outro seria uma ferramenta para os nossos maiores interesses. Não sei até que ponto o "amor ao próximo" seria um antídoto para contenção das nossas tenebrosas tendências.
Aí está, o reflexo da nossa "sociedade pós-moderna" a qual o conceito de civilização ganha outros sentidos, talvez mais afastado daquilo que nos foi passado constantemente. A bárbarie e a civilização se apropriam de terrenos limítrofes, podemos perceber uma estreita cumplicidade de ambos desde tempos remotos, o que diferencia na contemporaneidade são os refinamentos dos dispositivos, seja através de armamentos ou nos holofotes publicitários, para espetacularizar
a crueldade. Assim, seria o humano, cruel que sem um Estado hobbiesiano, as relações não se sustentariam? Ou seria ele dócil como na concepção de Rosseau?
Enfim, esse é um dilema antigo, curioso até, que qualquer um que se pronuncie a falar sobre tal questão sempre surge um contraponto. Nos palcos, Diderot acreditou que os "bons valores" do homem estariam no núcleo familiar, contrapondo a essa idéia, na década de 50, o teatro do mal de Nelson Rodrigues abordaria as relações familiares como corrupta, onde o indivíduo seria tão deploravél quanto o seu próximo.
Uma questão tão antiga, que foi pensada por muitos, mas tão presente em nosso cotidiano. Estamos cercados de "outros", os quais depositamos expectativas de solidariedade e não sabemos se é o nosso próximo ou mais um que nos esbarramos na multidão. Um outro, assim como eu, tão frágil e tão cego em uma cidade perdida de destino ainda desconhecido.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Vai uma dose aí?

O espírito religioso que permeia o mês de junho com a comemoração dos santos ícones dessa época (Santo Antonio, São João e São Pedro) e o seu santo bastardo: Luiz Gonzaga, se tornam alvo de praticas culturais hibridas, como falei em textos anteriores. Ou seja, o sagrado indica o dia de cada santo, no entanto, os atores sociais tratam de conceder-lhe outro sentido a partir de várias motivações, sejam elas oriundas de suas crenças, valores morais e/ou culturais, ou de sua formação ética. No caldeirão dos valores também há espaço, com certeza, para as estratégias e táticas dos sexos e das sexualidades.
Nesse espaço social em que danças, olhares, toques, palavras e códigos se misturam com objetivos diversos, sejam para diversão gratuita ou de uma aproximação mais intima, a bebida é um componente que também tempera essas estratégias e táticas. Esses dois termos pego emprestado de um colega das ciências humanas chamado Michel De Certeau que, em resumo, trata as estratégias como a arma dos poderosos para afirmar seu poder, seja por meio do poder econômico, político ou cultural. Por outro lado, as táticas, são a arma dos sem poder. É como eles se viram para afirmar os seus desejos e realizar objetivos nessa desigual relação com os poderosos e suas estratégias.
Essas definições podem ser melhor esclarecidas nas fantásticas obras de Certeau nos seus dois volumes de “A invenção do Cotidiano”. Nessa definição teórica das relações de poder, um outro colega sociólogo me disse que utiliza o instrumento dos sem poder, as táticas, na prática da conquista. Em que ele busca na analise dos comportamentos e na aproximação desprenteciosa sua principal tática, diferente da aproximação que se utiliza da apresentação física e das cantadas que colocam a mulher como um pedaço de carne suculento exposto no mercado dos prazeres, é a de buscar a atenção para mais a frente avaliar se existe ou não uma sinergia entre os dois. É um modo que envolve autoconhecimento e analisá-la, se aproxima e inicia uma conversa aparentemente despretensiosa.
Com relação a isso existem formas e formas de como fazer. Mas voltando ao nosso assunto acerca da bebida como elemento simbólico das comemorações, a mesma está presente e pode contribuir para conduzir as relações sociais para novos caminhos. Partindo do pressuposto que cada subjetividade possui motivações particulares quando em estado “normal”, em uma festa, por exemplo, essas podem se ligar objetivamente ao coletivo por motivações diversas sejam essas para compartilhar afinidades, espairecer, distrair, “pegar” alguém ou mesmo para se sentir incluído no grupo. Assim, as motivações para beber também seguem de acordo com o que as subjetividades desejam. Lembro que no texto passado (vamo botar pra bulir!!), comentei acerca das estratégias utilizadas para a aproximação do homem diante da mulher, pois bem, a bebida desempenha essa função fazendo com que relações de trabalho se tornem mais amigáveis e sociáveis, que pessoas mais sisudas fiquem mais alegres, que declarações venham a tona.
O que podemos ver nos festejos juninos é o desfile para degustação de bebidas diversas, desde as mais corriqueiras, presentes em qualquer festinha, como cerveja e smirnoff, até as especificas da época como quentão, licor, cachaça. O fato é que a mistura instiga a sociabilidade ou mesmo um estado de recolhimento. Essa pontuação de extremos compõe o cenário das ações dos atores e suas motivações, em que as amarras que a formalização nas relações sociais nos coloca. Nas relações de trabalho, as festas de confraternização podem ajudar a fortalecer as relações interpessoais, nas celebrações de família a fortalecer os laços, nas de amigos a fortalecer as afinidades.
Não quero dizer que a bebida seja elemento determinante para que isso aconteça e que ela será o meio para a solução de problemas de ordem psicológica, mas não há de se negar que diante da rigidez relacional que o mundo social nos coloca, na relação normativa das instituições, nos modos de produção, egos e superegos da vida, ainda resta a válvula de escape das sociabilidades e seus códigos e símbolos, como diria outro colega da área Georg Simmel.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sonhos

- Sonhe!
- Como?
- Eu disse, sonhe!
- Você diz fingir não estar acordado?
- Sim.
- Por quê?
- É bom sonhar, não?
- Nem sempre. Os pesadelos me apavoram.
- Existem tantos sonhos bons.
- Sei.
- Existem sonhos vários.
- Prefiro ficar acordado. Na luz do dia vejo com mais clareza.
- Por quê?
- Isso me dá mais certezas.
- Os homens buscam certezas. Como não as encontram, criam as suas.
- O direito é uma certeza.
- Quem cria as leis?
- Ah, não me venha com essa!
- Todos recebem o que tem direito?
- Claro que não. Isso não ocorre. Tudo tem suas falhas.
- Um dia sonhei que os homens conseguiam controlar as forças da natureza.
- É claro que os homens não controlam o mundo.
- Então o mundo está fora do poder de suas mãos. Os sonhos; nunca sabemos de sua origem, eles são como o vento. Os sentimos, mas, não sabemos a sua casa. Os homens controlam as palavras?
- Não. Falamos o que não sabemos. Falamos de nosso mundo como o vemos. Mas não podemos confiar nos olhos.
- Os sonhos, às vezes, são avisos que algo está errado. Outras vezes são brincadeiras de nossa mente.
- Sim.
- Reconheço sua idéia. Mas, prefiro não sonhar. A vigília é mais interessante que o sono.
- Sei. Nunca te ocorreu estar sonhando acordado?
- Como? Não entendo.
- É pena, tenho que ir.
- Para onde?
- Para onde sempre vou. Não é assim todos os dias. Em todos os lugares?
- Sei. Estou com sono. Vou dormir.
- Entendo.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O ciclo de Maria

Em homenagem a este período tão regional, eis uma poesia minha tão regional...



Estende Maria a sua trouxa eterna
De roupas lavadas com suor da terra
Do sangue de velhas veias freáticas
Que, por força do acaso, driblaram as fábricas

E belo é seu homem, de enxada na mão
Tão guenzo, tão pobre, mas fiel cristão
Bebendo do talvez eterno que São Pedro dá
Vivendo no lodo da vida, mas sem reclamar

Seu palco é a seca, mosaico febril
A terra banida do verde Brasil
Seu céu já não chora, seu chão se separa
Seus meninos morrem, sua vida acaba

E, no fim, a morte a transforma em grãos
Grãos como estes que compõem o chão
Que mesmo, por sina, ao se fragmentar
Trará sua vida ao mesmo lugar

terça-feira, 22 de junho de 2010

A Brasa Acesa

Ainda sentia o cheiro forte da brasa; no final da festa os pássaros começavam a se posicionar para alvorada, a roça descansava do trabalho do dia. Havia nessa terra seres encantados, sombras da realidade; sombras para o mundo moderno. Houve muita brincadeira naquele lugar, cachaça, batuque... O Brasil suava em cada samba, bradava no canto, ria com suas moças, sabia que o amanhã guardava a luta infinda da humildade e pobreza. Mas a brasa me deixa o rastro. Ela guarda a memória do que um dia vibrou no coração da gente, do que embalou a nossa alma. Esta brasa que ainda queima, mesmo fraca, se ascende quando se sopra um outro Brasil encima dela. O meu nordeste, onde o Sol brilha como Rei, imperando no coração da nossa gente. Nesta pequena povoação andam pernas que embalam o chão seco de batidas fortes. Mesmo chão que brota o tronco da nossa árvore mãe a nossa vaca leiteira. Vai taiera, sambas, cheganças a beira mar, cocos e cantadores. Vai nossa brasa tocar teu peito agora, meu leitor; somos do nordeste e viemos pra queimar teu coração com fogo ardente de samba, forrofiando a sua alma. E por hora irá descobrir:

Que somos do Nordeste
Que se espalha como peste
Na terra que come gente
E também nasce a fulô.

A árvore se esfriava na noite escura, as pernas das jovens não mais se entrelaçavam no embalo da cigarra. A fogueira soltava apenas á fumaça que prenunciava a ressaca. No topo da árvore havia um velho a olhar a brincadeira que a fumaça fazia ao subir aos seus.

– Quando agente dança, meu fio, parece que a tinta da alma pinta a noite escura, e o acalanto do fogo o gás da fornalha do corpo.

O que restava agora era uma paisagem desnuda, alguns gemidos e o olhar da noite precisa embalando a imaginação do velho. A noite no sertão de Tobias Barreto é fria e guarda o balançar da cobra e um encarnado perfumado.

- O medo, meu fio, nada mais é do que aquela árvore lá ao longe, tá vendo? Sabe o que tem nela? Algo que a noite comeu e que só o dia dá, e essa revelação é apenas mais uma forma que árvore da vida encarna.

A barra do dia já se soltava no céu, os passarinhos já não se aquietavam mais, e rompeu o dia! Barulhos burburinhos, uma nova fumaça se levantava com cheiro de leite e café fresco. As pernas agora se davam a se molhar todas e lavar seus encarnados da noite passada. Um cheiro contingente do gado no curral, as arvorezinha mirradas ao longe e o lombo da serra sempre alta. E a voz do boiadeiro no pasto dizendo: Tudo passa! Com amor ou com cachaça! Se tu estás assim agora é porque o rio não corre pra trás. O velho se intrometeu indagando, boiadeiro a quantas anda sua vida? Tu em tudo faz ligeiro e não consegue amarrar uma cobra arisca, eu devagarzinho dô um nó, que nem um bom laçador como você, vai conseguir desatar. O boiadeiro que já amarrava o cavalo olhou assim pro veio e disse: O mistério de tudo está contido na pedra, se o bichinho pequeno entende o segredo, forma uma brasa acesa e tudo isso engole o mundo. Minha mãe veia dizia que tudo tem seu tempo, e o menino novo que a tudo quer conhecer vê as cô da lagarta misturada, pega nela e se queima. Mas como tudo no mundo é movimento, cada dia é a chance de uma nova certeza. E como tudo na natureza, as certezas se calam no tempo e se espalham na terra e se escondem nas árvores, na noite, na pedra, na cobra, no vento...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Música brega é torta (parte 1)

Pretendo abordar a relação da música brega com a perspectiva torta. O torto, por conceber a inevitabilidade das convenções, tende a encarar a realidade como algo visível, ou seja, algo com códigos que provocam entendimentos sobre ela. Por outro lado, o torto, por saber que a realidade é uma construção humana, mesmo encarando as validades das convenções, tende a pôr em dúvida a certeza dessas convenções.

Para o torto, a visibilidade pode gerar dúvidas, assim como a invisibilidade pode ser visualizada. Assim é a música brega. Ela é visível, uma vez que nós convencionamos determinados artistas como bregas, mas ela é invisível por ninguém chegar a um consenso sobre a sua real existência. Porém, mesmo sendo invisível, notamos a sua existência, mas mesmo visibilizando-a, não enxergamos a sua concretude.

Antes de entrar mais afundo no tema, proponho fazer um breve histórico sobre esse gênero musical. Surge na década de 60, no Brasil, o Centro (Popular?) de Cultura da UNE. O CPC tinha como objetivo, “conscientizar” o povo sobre a sua condição alienada. Para essa galerinha cepecista, toda a música que não se encontrasse diretamente vinculada à militância estudantil, era tida como alienada.

Pela década de 70, vai se consolidando no Brasil, a chamada indústria cultural, projetando artistas populares rotulados pejorativamente de bregas. Como historicamente o Brasil se caracterizou pela sua imensa maioria de indivíduos oriundos das camadas baixas, esses artistas atendiam a expectativa da maior parte da camada brasileira, gerando grandes lucratividades em vendas de discos.

Portanto, a musica brega nem era tida como uma música vinculada aos interesses políticos-ideológicos da elite intelectual, como também não era vista com bons olhos por se encontrar associada ao lucros das industrias fonográficas. A militância sempre entendeu o lucro como algo associado à ideologia burguesa, e tudo que gera lucro a burguesia, tende a ser considerado como alienante.

Eu acredito que um dos pontos que tornam a música brega invisível se deva a carga pejorativa imposta pelas elites intelectuais. As pessoas nunca entram em consenso a aceitar o que é brega pelo fato da denominação implicar juízos de valor. Ora, como denominações pejorativas só servem para aquilo que necessitamos reprovar, se eu aprovo determinado artista ou canção, como posso dizer que é brega?

Porém, a música brega, tem provado cotidianamente, que assim como qualquer tendência inserida no contexto global, mescla dentro de seu universo, uma miscelânea rítmica oriunda de todas as partes do mundo. Só a nível de exemplos, poderíamos elencar o mambo, a lambada o merengue, o cha cha cha, as baladas românticas, o bolero, o samba, a música eletrônica, etc.

A partir disso, surge o outro lado invisível da música brega: sua heterogeneidade musical. Se encontramos uma infinidade rítmica em seu universo, como podemos definir com clareza as linhas limítrofes da música brega? Uma coisa sou eu dizer que a música brega possui determinadas características, mas como a música brega é plural, qual seria de fato, a característica que eu poderia definir essa música como brega?

Em se tratando de sua visualização, acredito que dois pontos se fazem pertinentes. O primeiro se refere à inevitabilidade da classificação. Vejamos: ao procurarmos determinados artistas, previamente temos uma classificação sobre o seu gênero musical. Mesmo sendo frágil, a classificação norteia a nossa compreensão sobre as nossas escolhas, como também nos gera sentidos de valor e de identidade.

O segundo ponto se refere à institucionalização da música brega em relação ao seu público. Mesmo não sendo reconhecida em sua plenitude, a música brega possui determinados traços que a diferencia das outras estéticas. Esses traços estão marcados na forma como se constroem suas temáticas, em suas indumentárias, em sua forma de interpretar, na forma como ela estabelece a relação com o seu público, etc.

Portanto, podemos dizer que a música brega é torta, visto que essa tendência musical, ao mesmo tempo em que é visível por demarcar o seu território em relação aos outros gêneros musicais, assume um aspecto invisível devido a dificuldade de definirmos com exatidão a sua existência enquanto tal. A música brega por ser vista, não é atingida, e por não ser visível, concretiza suas características aos nossos olhos.

Para mim, a perspectiva torta, está dentro do mesmo processo da música brega. Assim como a música brega, o torto significa ser alguma coisa sem ser. É como termos a certeza de que avistamos uma ilha, e que por isso mesmo essa ilha não deixa de ser uma miragem; assim como reconhecemos que determinada ilha não passa de uma miragem, tendo a convicção de que deixaremos nossas pegadas em seu chão.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

VAMO BOTA PRA BULIR!

Depois da proposta do quarto santo junino é hora de botar os santos para entrarem no forró e cair no rala coxa. Como dizia uma música catada por Alcimar Monteiro, “Eu vou bulir com tu, eu vou bulir”, inclusive essa frase poderia ser aplicada facilmente aqui no Torto, afinal esse movimento já gosta de bulir com os outros. Como estamos no ciclo junino, um dos ciclos que mexe principalmente com o Nordeste brasileiro, vamos analisá-lo por dentro, no meio do forró, da dança, das relações culturais e das canções que compõem esse caldeirão.
Sou um péssimo dançarino e nesse meio, a dança, é um dos meios para promover a inserção em grupos e até mesmo para iniciar relacionamentos. A regra é estar alegre de qualquer maneira, o tempo todo e a qualquer custo, até parece Salvador (a terra da alegria constante e, diria, contrastante). Diante desse espírito qualquer face mais séria pode ser um sinal para perguntas do tipo: você tá triste? Tudo bem com você? Tá se sentindo bem? Aconteceu alguma coisa? Como se uma face sem sorrisos avulsos fosse uma condição de protesto silencioso ou que você é chato mesmo que devia ficar em casa.
A dança é um excelente instrumento para arrumar namoro, pegação, divertir as pessoas, tirar onda, fazer e fortalecer amizades. O fato é que dançar forró faz você pensar. Claro que não é aconselhável que você pense nos passos, senão, meu fio! já era! É pisão, erro no compasso (ops!)... e você passa a ser motivo de gozação e pode ficar mal com a figura desejada. Mas Como estava dizendo... o forró faz você pensar.
Quando se quer pegar alguém, a primeira coisa que você faz é rapidamente pensar na estratégia de como vai fazer para catar a criatura. Daí você pensa: - vou chamar pra dançar. Geralmente as mulheres se amarram em dançar, juntando isso a mente criativa masculina para idéias permissivas e sexuais acaba sendo um prato cheio. Pois, a dança acaba sendo um mediador para duas satisfações, por um lado, a da mulher de querer dançar e do homem de se aproximar com o intuito de alcançar o seu objetivo. Claro que, as mulheres não são inocentes a ponto de não perceberem a movimentação. Porém, a dança é instrumento de diversão e de aproximação.
Depois que o convite para dançar foi aceito, vem a etapa do impressionar. Nesse jogo de aproximação e contato é que inicia o rala coxa. Para que os passos mais difíceis possam ser executados, os corpos se encaixam numa sintonia das pernas, em que as coxas ocupam o meio das pernas numa espécie de busca de uma sincronia dos corpos. A essa altura o rapaz, para impressionar, começa a fazer passos mais ousados (se souber fazer, claro) joga para um lado, joga para o outro, mexe, suinga, mexe, vai até o chão, mexe e mexe. Já dá pra entender o por que de algumas expressões como ralar o bucho, ariar a fivela, melar a cueca, entre outras. Inclusive essas expressões delimitam o jogo sensual que remete a processos de acasalamento.
Além da dança, existem outras coisas gozadas nesse ritual. De acordo com os discursos dos “entendidos” em forró existem duas categorias: as musicas de duplo sentido e as de único sentido. As de duplo sentido são aquelas que ludibriam o entendimento imediato, deixam a certeza e a dúvida do que está sendo dito, buscam burlar a moral, por meio do jogo de palavras e dos artifícios que a língua portuguesa proporciona. Por exemplo, “ela tá de olho é na butique dela”; “eu só fumo no cachimbo da mulher”; “Karolina hum!hum!hum!”; “seu delegado pega o Tadeu, ele pegou minha irmã e...”. Por outro lado, aquelas, as de sentido único, falam escancaradamente sobre o que querem dizer, ou seja, em uma linguagem direta apresentam a situação que é afrontosa aos valores morais, ou seja, elas “extrapolam” o que a moral permite. Alguns exemplos, “na sua boca eu viro fruta, chupa que é de uva”, “Eu vou dar lapada na rachada”, “senta que é de menta”,
O conteúdo sexual está nas duas canções, a diferença é o padrão estético e os valores morais, afinal todas surgiram em um determinado momento influenciados pelo contexto.
Tenho minha preferência musical pela linha de Gonzaga, mas em muitos momentos a incoerência na critica do forró eletrônico traz mais conflitos de valores morais do qualquer outra coisa. Mas por que os (pseudo)intelectuais seguidores de Gonzaga, ou do pé-de-serra, não são acusados pela moral vigente de carregarem conteúdos sexuais e consequentemente afrontarem aos valores morais estabelecidos?
Quero dizer com isso que o palco está armado, os ingredientes estão postos (forró, dança, bebida, suor, mulheres e homens), misturados em cada encontro festivo. E para encerrar de verdade, estava num forró caju desses e uma das bandas de vaneirão (forró eletrônico para alguns), vi e ouvi o vocalista cantar várias letras sensuais, “vou pra putaria”, “ela sai de saia de bicicletinha, uma mão no guidon e outra tapando a calcinha”, além das vozes orgasmáticas das cantoras e do balanço das dançarinas semi-nuas no palco, no final de tudo, o cara ainda abençoa tudo e diz: fiquem com deus e até a próxima. Eu também agradeceria. Você não?

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A bela dona da praça

A bela dona da praça
Certo dia eu estava na Praça Fausto Cardoso como era de costume. Eram nove horas da manhã e o sol implacável estava como naqueles dias, dias quentes de Sergipe Del Rei. A praça estava decorada com bandeirolas juninas; era época de São João. Muitos que passavam carregavam o espírito junino. Sempre gostei da nostalgia da Praça Fausto Cardoso. É um local onde as pessoas se encontram, contudo as pessoas se perdem no anonimato das cidades grandes, são como águas engolidas pelos seus bueiros. Ás vezes alguns homens de idade se reúnem com sua sabedoria. Falam de tudo e sobre tudo. Outros passam por ela sem sentir sua história. Mas naquele dia minha atenção voltou-se para alguém que se sentou em um de seus bancos como eu havia feito. É certo que não temos mais a tranqüilidade de outrora, as coisas mudaram muito ao longo dos anos; a praça é a mesma, mas os personagens são outros. Pela noite adentro, varando a madrugada aparecem fantasmas, vampiros, vaga-lumes que fazem do local trajeto de suas caminhadas.
Bem, como dizia, era manhã; era um dia de sexta-feira. Alguns engraxates faziam seu trabalho. Muita gente bonita passava e nem notava minha humilde presença no lugar. Os pardais faziam uma festa com os restos de comida dos seres humanos que apreciavam estar ali. A razão; não sei se era igual a minha; cada cabeça tem seu mundo, portanto, sua praça. Disse eu para mim mesmo observando as aves: “Elas nunca voam para muito longe de seus ninhos”. Naquela manhã os deuses conspiraram contra mim, pois já cansado de meus dias, vi com meus olhos velhos e turvos de tanto enxergar as coisas, uma mulher de meia idade, muito bonita, na verdade, uma bela dona sentar-se a três bancos distantes do meu. Seu vestido era belíssimo, um tecido de gente rica, todo decorado de rosas de cima a abaixo, era como se fosse uma peça só trabalhada por mãos de artista. Seu perfume me encheu o peito de saudades do meu povo, o povo de minha mãe África. As silhuetas de seu corpo apareceram quando ela sentou-se e cruzou as pernas delicadamente como uma princesa, uma solitária princesa na Praça Fausto Cardoso. Seus olhos grandes e castanhos claros faziam com seus cabelos da mesma cor uma harmonia estética que bem caracteriza a beleza da mulher sergipana. Nunca me esqueci daquela boca vermelha que falava sozinha como que estivesse irritada por alguma coisa. Fiquei quieto para ela não me ver. E não me viu mesmo. Devo admitir sua presença arrebatava o coração de qualquer um. Todos que passavam a olhavam, uns diziam baixinho “gostosa”, outros mais tímidos, contendo-se em si mesmo, nada diziam. Mas, afinal, o que ela fazia ali? O mesmo que eu? Certo que não. Como eu não tinha nada para fazer, entendi ser melhor passar mais tempo na velha praça que me faz recordar muitas estórias e histórias do passado. A mulher movia seus lábios enraivecida:
- Seu filho da mãe, nunca cumpre o que promete. Se ao menos ele chegasse aqui e dissesse a verdade. Os homens são todos iguais.
Havia no chão em um buraquinho no ladrilho da praça um ninho de escorpiões. Eles se abraçaram uns aos outros antes de saírem em busca de alimentos.
- Cretino! Safado! Oh, meu Deus, mas, eu gosto dele. Disse a pobre dama com lágrimas nos olhos. Frederico, seu filho da mãe, apareça! Falou ela com um tom um tanto mais alto.
Os escorpiões se alimentam de tudo. São sobreviventes. A praça era um lugar de fartura para eles. Seus exércitos estavam por todo lugar.
- Frederico, por que você não me disse antes, por que, seu cretino. Bradou a moça com muita força dessa vez.
As horas avançavam e ela nem percebeu, já estava perto das dez horas. Então vi algo mudar no seu semblante. Seu rosto estava brilhando, embelezando ainda mais as suas linhas, e um sorriso surgiu do nada.
- Frederico, até que fim! Disse a moça ao ver o seu amor chegar.
- Tive problemas para sair. Você sabe, a escola está fechada, não tinha um álibi. Desculpa-se Frederico como pode.
- Sei. Disse a dona bonita com ar de decepção.
- Não será assim para sempre, não se preocupe. Continuou Frederico.
Ela respirou profundamente e pegou-lhe a mão e ele a deixou acariciá-la.
- Sabe Frederico, eu não nasci para ser a segunda.
- Entendo. Disse o rapaz.
- Não suportaria esta situação por muito tempo. Você me enganou e me feriu. Mesmo sem divórcio no Brasil, quero uma solução. Você me ama? Então vamos morar juntos.
- Mas, meu bem, não é assim tão fácil. Argumentou o moço.
- Como não Frederico? Você diz que ama e me quer; isso não basta?
- E as crianças? O que fazer? Ela não vai me deixar ver meus filhos. Você não entende o coração de um pai. Argumentou novamente o rapaz.
- Isso é desculpa de cabra safado. Replicou a bela dona muito zangada.
A moça continuou e gritava tão alto que os pardais se assustaram e voaram para o cume das árvores.
- Eu não quero ser puta! Eu não quero ser puta!
Os escorpiões estavam por toda a praça e sempre estavam unidos. Eram laboriosas no que faziam aquelas criaturas horrendas, mas de muita sabedoria. O divino mestre criou tudo para uma finalidade na terra. Será que estou enganado?
- Olha querida, nunca te prometi nada, portanto, devo dizer que continuo sem prometer. A situação vai ficar como estar.
- Seu filho da mãe. Tu és um canalha, um safado. Saia da minha frente. Desapareça da minha vida. Disse a bela dona com dor cortante em seu peito; um pedaço de si estava sendo arrancado sem piedade.
Frederico se foi deixando sua amante em prantos. O moço nem olhou para trás. A Praça Fausto Cardoso é assim. Ocorre de tudo por lá. Na verdade a vida passa por lá.
Eram onze horas quando isso aconteceu. Todos os moradores improvisados da praça vêem coisas que lhes fazem por vezes mais humanos, ou lhes endurecem o coração como o chão da mesma. A moça permaneceu sentada por um instante. Calada ficou como se não acreditasse naquele fim tão frio para um amor tão quente.
“Os escorpiões atacam quando se sentem ameaçados. Caso contrário, eles nem ligam para tua existência”. Pensei eu. A praça sempre teve mendigos. E eles são muitos em todas as épocas do ano, haja festa ou não, eles estão lá. O meio dia se aproximava e certamente a barriga de muita gente sentia a agonia da fome. Uma criança vestida em trapos com o rosto sujo e aquele fedor de falta de banho aproxima-se da mulher e diz:
- Dona Maria me dá um dinheiro para eu comer!
- Perdoe, não tenho nada. Respondeu a bela dona sem prestar atenção.
- Dona Maria me dá um dinheiro para eu e meus irmãos comermos!
- Perdoe-me meu filho, não tenho trocados. Disse ela novamente.
Os olhos da criança fitaram os da mulher como que implorasse por misericórdia. A dona da praça sentiu-se perturbada.
-Por que me olhas? Toma teu rumo: Disse a mulher.
Os escorpiões lutam entre si, contudo, não se separam e dividem bem a comida.
-Saia moleque! Deixe-me em paz!
A criança sentiu a tristeza da mulher. Lembrou-se de quando sua mãe era viva, do pouco do tempo que passaram juntos.
Safira era uma mulher de bem embora tivesse feito vida. Tudo que ganhava dava para os filhos, até que um dos seus clientes por causa da bebida a espancou até a morte. Desde então Gil vive na rua com seus dois irmãos.
-Por que você está chorando? Perguntou Gil. A criança viu a mulher bonita, bem vestida, por certo, tinha dinheiro. Então porque tanta tristeza?
-Não estou chorando. Se manda menino, você está fedendo!
-Eu? Eu não. Respondeu Gil. A moça está chorando por causa do homem que falou com você.
-Não se meta! Já disse, por favor, vá embora!
-Me dê uma esmola pelo amor de Deus. Estou com fome, disse Gil novamente.
-Está bem, tome! A dona abriu uma carteira de couro puro e tirou uma cédula de cinqüenta cruzeiros.
-Obrigado, Deus te abençoe, disse Gil.
A criança se foi. Juntou-se aos seus e comeram aquele dia. O resto deixado em um canto da praça chamou a atenção dos escorpiões. Eles gostam de resto de coisas. A humanidade cria seus bichos, não é verdade?
A bela dona da praça levantou-se e caminha em direção ao seu carro estacionado defronte ao tribunal de justiça. No percurso ela se depara com as três crianças que estavam com as mãos e bocas meladas de comida recente. Gil o mais levado disse:
-Oi moça, obrigado, você matou minha fome.
Olha meu caro leitor, esse velho não mente, posso até enfeitar, mas o que eu vi eu vi. A mulher colocou as três crianças em seu carro e os levou para casa. A casa da dona da praça era muito espaçosa e toda decorada à moda antiga. Móveis coloniais e retrato de parentes por todo o lado. Gil e Tomé ficaram em um quarto, Margarida em outro. Eu fui até lá e vi tudo. Desde aquele dia na praça a mulher nunca mais chorou. Casou-se com um advogado que legalizou a situação das crianças. Estas cresceram, Gil foi trabalhar na Caixa Econômica, Margarida casou-se e foi morar com seu marido que era pediatra. E Tomé, ah, esse foi bem curioso, tornou-se um Babalaô de Umbanda. Não sei por que, e não me culpem por nada. Os escorpiões continuaram na praça como sempre. E muitos anos passarão até que alguém seja picado e diga: “Tem escorpiões aqui”. Fazer o quê?
Joaquim se retira e se junta ao seu povo em Aruanda, ele gosta de contar estórias. Esse velho é sabido. Acucurucaia!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Homo Angustus

O Uno me emprestou esta visão
E me largou
Na Vívida Avenida em Nova Iorque

E o espírito repleto de talvez
Enviesou
Sem captar a essência é que se morre

Fenômenos à vista do poeta
Que não sou
Certezas: reino do símbolo do Cobre

Pois não sabemos do que não sabemos
Quem de fato somos
Ou será que podemos
Penetrar o onto?

terça-feira, 15 de junho de 2010

Nu com a mão no bolso

Conversando ontem com um conjunto de amigos, foi colocado em questão um fato muito interessante. Discutia-se se alguns atos chocantes devem ser considerados como um ato pedagógico, no tocante a gerar pelo choque uma tomada à reflexão e por sua vez a “consciência”. Especificamente o que estava em jogo é o estar nu em público, no lugar estavam alguns estudantes do movimento estudantil da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e um musico amigo meu também estudante da UFS, porém apenas uma pessoa defendia o nudismo como forma de gerar uma ação pedagógica conscientizadora. A partir dessa questão se gerou um debate ferrenho entre o grupo e o colega.

Penso eu que hoje em dia vivemos um momento histórico onde alguns tabus em relação ao corpo estão sendo requestionados, porém o que vi na postura do colega foi algo muito aquém da nossa cultura cristã ocidental, estava clara a falta de noção de alteridade, o que por sua vez oblitera a meu ver qualquer ação que geri uma reflexão no outro, pois a única coisa que geraria era uma estigmatização desse outro e não uma tomada de consciência afinal, o que está imbuído na mente de quem presencia essa ação são valores já sedimentados que muitas vezes não passaram por um trabalho previu para que se gerasse um entendimento do ato, e mais difícil ainda a aceitação. Creio que, não explorando aqui a motivação psicológica de quem comete o ato, essa aceitação parte de um egocentrismo gerado por um ideal de comportamento que só afasta o publico para o qual se pretende efetuar uma tomada de consciência.

Essa situação nos leva pensar que sem um dialogo com a ordem, e com as diversas culturas que se manifesta no seio da nossa sociedade, a universidade viverá em um infinito debate inócuo, adensando ainda mais relações de poder e de estratificação simbólica, mesmo aqueles que buscam um dialogo e um mudança a partir do povo ou da classe trabalhadora, digamos assim. O que não podemos esquecer é que nossa sociedade vive um conflito entre culturas baseadas na oralidade e outras na textualidade, que por mais díspares que sejam não podemos criar aqui uma valoração estratificada, afinal cada uma possui suas especificidades e qualidades diferente, o problema é que não conseguimos enxergar essa diferenciação de forma analítica. Com isso essa elite intelectual que se diz preocupado com o povo, estigmatiza essa classe que ele mesmo defende, crendo que através do choque ou por belos discursos iram modificar as bases dessa cultura. O ideal então se forja no entender cada particularidade entendendo também que você faz parte de uma cultura que possui seu arcabouço valorativo. Assim se torna necessário uma tomada de consciência não só da grande maioria da nossa população que vive em uma cultura baseada na oralidade, bem como da elite intelectual letrada, para que possamos gerar então um dialogo e não um monólogo onde o poder simbólico prepondera.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Movimento Torto: uma tendência? (Por Vina TorTO)

Se perguntam para mim: o movimento torto é uma tendência? Eu poderia dizer que o ser torto implica inevitavelmente em algo tendencioso, visto que, o fato de evitar optar levantar bandeiras para um lado ou para o outro, ou de ter inevitavelmente opiniões sobre as coisas, já implica em dizer que estamos tendendo a alguma coisa, porém, essa forma de tendência se manifesta de forma diferenciada da forma como muitas vezes concebemos o que seja uma tendência nos movimentos.

Geralmente ao falarmos sobre tendência nos movimentos, referimo-nos a algo que busca seguir uma linha de raciocínio. Ou seja: geralmente nos movimentos, encontramos um roteiro de leis que delimitam determinadas formas de comportamentos e idéias a seguir, fazendo com que o indivíduo que não compartilhe de suas perspectivas, sintam-se obrigados a sair deles tendo que criar outra tendência.

No Movimento Torto, não existem sistemas de leis e de comportamentos impostos. Mesmo que determinado indivíduo se negue em compartilhar com as idéias do Movimento Torto, ele pode se manter no movimento e criar suas próprias concepções, sentindo-se livre em acreditar no que ele achar ser mais pertinente. Se ele achar que o termo torto não seja adequado com a forma pela qual ele acredita pensar, ele pode criar outras denominações dentro do próprio movimento, sem se sentir obrigado a ter que sair dele. O individuo também pode compartilhar com o torto e não se sentir obrigado em participar do movimento.

Se a palavra tendência for usada como um sistema de pensamentos a ser seguido, posso afirmar que para o torto, a palavra tendência é inadequada. No Movimento Torto não há lideres, nem indivíduos que detenham a verdade do mundo. Inclusive, os próprios tortos se colidem em suas próprias opiniões sobre o torto, assim como vão de encontro às opiniões dos outros tortos, sem necessariamente se acharem na obrigação de ter que sair do movimento.

Que existem formas de condutas as quais somos educados a conceber como verdades, isso o torto não duvida, visto que ele mesmo admite ter expectativas sobre elas, uma vez que ele, assim como qualquer outro, é produto do meio. No entanto, o torto acredita que apesar de nos encontrarmos submetidos a determinadas formas de verdades, cada um de nós é capaz de criar a sua própria verdade, e que essa verdade varia de acordo com as novas experiências que cada um de nós se confronta em nossa história de vida.

Concluindo: levando-se em conta que a perspectiva torta admite que possui opiniões a respeito de determinadas coisas, podemos reconhecer que cada torto, apesar de ser adepto da pluralidade, inevitavelmente possui uma tendência, isto é, uma forma que o possibilita a olhar e a justificar a realidade de forma própria; mas se levarmos em conta que o torto não se acha no direito de cobrar determinadas linhas de comportamentos, uma vez que ele mesmo se perde em suas convicções, poderíamos dizer que não há como pensar o Movimento como uma tendência.

domingo, 13 de junho de 2010

A linguagem e o surgimento da metafísica ( Por Anderson Eduardo do Couto)

A linguagem é uma técnica criada pelo homem para facilitar a vida em meio as turbulências da natureza. A comunicação necessita da linguagem e através da linguagem surge a com-unidade. Os relacionamentos intersubjetivos necessitam de uma unidade de sentido, de um catálogo de mundo sintático. Existe, portanto, uma ligação intrínseca entre o surgimento da linguagem e o surgimento da sociedade.

A linguagem é o estabelecimento de um conjunto de significados estáveis - mesmo que assistamos a flutuação da língua - para que as pessoas consigam se unir e dominar a natureza. Ela é (foi) uma técnica de fortalecimento da espécie. Entretanto, com o tempo, os homens, depois de convencionado o catálogo, não conseguiram (em) mais sair da estrutura nominal sintática da língua, desse mínimo de sentido criado, e ficaram (am) aprisionados na própria teia lógica dos nomes e construções frasais. A língua, de técnica, tornou-se o mundo possível para todos os integrantes da sociedade.

Surge um mundo além do mundo existente. Se o mundo existente é em devir e multifacetado, o mundo da linguagem é sobremaneira estático. A metafísica surge por causa da linguagem. A teoria do ser aparace em sintonia com a necessidade de comunicação. O nome, técnica de união de membros de uma espécie, transforma-se no ser enquanto ser e na substância. Começa o processo de deificação da técnica e a estabilização dos limites para o pensar humano. O mundo da língua torna-se o real e o real existente torna-se uma cópia da língua. Inversão de mundos. O convencional torna-se o verdadeiro e o real, em devir, o fictício. É mundo das ideias de Platão!

Pensem nisso!

sexta-feira, 11 de junho de 2010

DIALOGOS JUNINOS OU O QUARTO SANTO JUNINO

Os festejos juninos já chegaram e isso significa que os costumes, hábitos, alimentação, lazer canalizam seus esforços cognitivos e contemplativos (parafraseando Tom Zé) para os festejos juninos. Comer os alimentos derivados do milho, festejando a colheita abençoada pela chuva enviada por São José lá nos idos do 19 de março. A mistura de tradição e modernidade começa a se encontrar... na modernidade. Isso mesmo acreditem! Foi uma ação dos conservadores defensores dos antigos costumes e tradições contra a ação avassaladora do iluminismo que ia de encontro aos antigos costumes. Um colega, Renato Ortiz, que me passou essa informação. Sim, voltando aos alimentos feitos de milho que abundam ao longo das festas juninas. É canjica, pamonha, bolo de milho, milho verde, milho assado, além de amendoim, pipoca, bolo de puba e de macaxeira e por aí vai.
Essa época também apresenta o lado sagrado, com os santos da igreja católica. Santo Antonio, São João e São Pedro. Cada um com sua função a desempenhar para glória, misericórdia e satisfação de deus e por que não dos seres humanos. Afinal de contas os santos são uma parte da hierarquia do céu que se assemelha ao assistente social, pois eles têm que interceder junto a Deus para que as vontades de seus devotos sejam concedidas e ele, o devoto, possa permanecer como bom cristão, seguindo ou... buscando aos trancos e barrancos obedecer aos preceitos do ser um católico cristão nesse mundo hedonista e individualizado.
O que penso é que é muito difícil ou quase impossível de seguir a risca, mas isso fica para outra crucificação. E, claro, o santo vai buscar satisfazer essa necessidade para que a relação não seja abalada. Outra semelhança é que eles, os santos, é que servem aos menos favorecidos, concedem o direito de continuar ou ser fiel ao devoto.
Por exemplo, Santo Antonio é responsável por conceder um enlace matrimonial a pessoas que desejam esse amancebamento oficial, mas que não conseguem sozinhas ou talvez por que precisem de uma ajudinha. Aí o povo faz diversas simpatias para chantagear o santo. É isso aí que você tá lendo! também acontece. É uma relação de intrigas. É novelesco. Antonio pode ser posto de cabeça pra baixo até que realize o tão sonhado desencalhamento. Simbolicamente, só pra gente soprar na Antropologia, as mulheres tocam num pau de sebo carregado por vários homens, assim reza a tradição. O toque nessa forma fálica daria sorte para o tão sonhado encontro. Podemos ver que Antonio é acionado mesmo na data dos outros santos.
Agora vamos a João. Reza a lenda cristã que a origem das fogueiras vem de uma comunicação entre Maria, mãe de Jesus, e Isabel, mãe de São João Batista, que mais tarde batizou o primo famoso. A intenção era a de Isabel deixar Maria ciente do nascimento de seu filho e, além disso, contar com a sua ajuda no pós-parto. Caros leitores essa fogueira pode vir a estar ligada ao nascimento. E eu que pensei que fosse paixão, fogo, sabe... fogo de putaria, mesmo.
Pedro era o apostolo mais fiel de cristo e que quase foi o primeiro a traí-lo (Judas chegou primeiro), quando o negou por três vezes. O dia dele fica no final do mês. Que inclusive me faz lembrar da festa do mastro em capela, onde, principalmente as mulheres que não satisfeitas em buscar a ajuda de Antonio apelam para o mastro de Pedro para arrumar casamento.
Temos também um quarto santo nesse mês. Pois é, temos um quarto santo. Quem é ele? Luiz Gonzaga. Esse homem é ovacionado pelo povo, pela critica e pelos músicos. Experimente buscar nas estações de rádio, principalmente nas estações AM, logo estará vocês encontrarão as músicas dele sendo tocadas ou alguém tecendo altos elogios. Outro locais que se pode encontrar o som dele é nos diversos forrós que acontecem em toda parte no Nordeste, que se não me engano começam no mês de abril e só vão parar em julho. Toda banda pé-de-serra toca Luiz Gonzaga, todos falam em Luiz Gonzaga. Confraternização de firma, forró dos idosos, a festa junina da rua, nos mega shows, também. Ele é homenageado de todos os lados. Não sei por que o Vaticano ainda não canonizou esse homem. E o melhor de tudo é que a devoção é regada a muito forró. Ah, esqueci de dizer que nesse período ainda sobra espaço para compromissos religiosos desses santos. - Mas será que alguém lembra?

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O bom ateu

-Pois bem, a condução vai nos atrasar.
-Sei. Mas com fé em Deus chegaremos lá.
-Que bom que você tem fé.
-Fé? Não é isso, é apenas desejo.
-O desejo é um tipo de fé.
-Sei.

-Não me importo com essas coisas.
-Você é ateu?
-Deve ser essa a palavra: Ateu.
-Pois bem, viva como queiras. Mas, eu creio muito em Deus e na Virgem!
-Eu respeito seu ponto de vista.

Ambos conversavam no ponto de ônibus defronte ao Tribunal de Contas. Veio um ônibus velho e parou, dele desceu um rapaz com ar de bandido, no entanto, até que se prove o contrário todos são inocentes.

-Não é aquele o seu carro?
-Não.
-Puxa! O meu está atrasado.
-Veja! Não é o Várzea Grande?
-Graças a Deus!
-Mas você não é ateu?
-Foi apenas um hábito lingüístico.
-Sei...

O bom ateu é aquele que se entrega no seu momento mais crítico.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Ui Babosa no Crucifixo

Após a conclusão de um pós-doutorado em Língua Portuguesa, o eminente professor Ui Babosa retornou à sua verde Cidade (Pedantia) para integrar honorariamente, a convite do prefeito, a primeira turma de Direito da primeira universidade pública que ousou pousar por lá. Não lhe causava receio juntar-se aos nascituros acadêmicos - embora lhe causasse.

Eram todos pacíficos, não obstante o fato de observarem o pós-doutor com um olhar que, sem dúvidas, fundamentava-se no critério da senilidade. Havia um abismo etário, embora alguns outros gatos pingados estivessem também na casa dos sessenta anos.

A primeira aula de Introdução ao Direito já estava a ponto de virar um filme de simbolismo tão enigmático quanto a verdade sobre a sexualidade de seu diretor (isto aos olhos dos já citados calouros) quando foi surpreendida por uma discussão progressiva e engajada entre Babosa e o professor Mimquer Reales.

- Vós quereis afirmar, portanto, que devo eu abster-me da utilização de meus haveres críticos não execrando a depravação mórbida por parte de nossos homens da política?
- Peço-vos apenas que vós vos abstendes de tão prévios julgamentos! Uma vez no Direito, tatuai em vossa alma: nunca julgar antes de ler os autos do processo...

A erudita discussão parecia afogar-se cada vez mais num poço interminável, e, fosse pela profundidade das águas da erudição das partes envolvidas, poderia durar dias. Mas como dependia simplesmente da convenção em torno do tempo, acabou em poucos minutos, quando se iniciaria já a segunda aula. Bem , mas é válido informar que, como era de se esperar (pelo menos para mim, e pra você leitor, diga-me?), nenhuma das partes desconstruiu sua opinião.

Não demorou mais que um dia para que esta discussão se revelasse tal qual fora recebida pelo resto da turma. Tratava-se, para os unidos, entusiasmados e humildes calouros, de não mais que um show de exibição de quem buscava na verdade a atenção da turma para a sua distinção intelectual. A partir dali, Ui Babosa ouviria até mesmo no vácuo os criminosos cochichos ao seu respeito.

Maaasss, como felizmente (ou desgraçadamente?) sempre acontece, Ui Babosa ganhou a admiração real por parte dos dois ou três mais aplicados da sala. Estes vieram comunicar ao sábio amigo que já houvera tido até mesmo quem ligasse a uma sexualidade mal resolvida de Babosa esta sua suposta necessidade de “se amostrar”. O nosso eminente pós-doutor passou a segurar todo e qualquer tipo de comentário às explanações dos professores, sob pena de piorar sua reputação, soltando o que soaria como mais uma de suas verborragias homicidas.

Cada vez mais arrasado com as especulações surpreendentes acerca de sua personalidade ou mesmo de seu caráter, Babosa decidiu então deixar o curso ainda no primeiro mês. Refletia todo santo dia: - Deus, mas isto tudo apenas porque expus meu comentário numa linguagem mais sofisticada? Será que já havia algum boato sobre a minha pessoa se espalhando por aí? Meninos que até então eu não conhecia sequer de vista especulando desta forma criminosa as minhas atitudes e a minha concepção moral?

- Foi então que resolveu fazer uma retrospectiva e acabou desejando que as pessoas introjetassem em seus miolos rarefeitos apenas uma frase daquele seu professor que fora seu oponente naquele debate (vocês lembram?): antes de qualquer julgamento leia SEMPRE os autos do processo...

terça-feira, 8 de junho de 2010

Clausura e Temporalidade Abrupta

O transplante da canção para as nuanças do pensamento
É engraçado como sopra a musica do mar
E como vibra nosso coração no vibrar de todo o fluído
O problema é o desassossego do carro, da porta, da palavra...
- Fale rapidamente coerentemente com tudo que temos dito
É a alma de um todo replicante voraz.

O mar fala na janela lá de casa
E a mulher sopra o vapor do seu corpo suado
nU quarto ao lado
A seis horas da tarde estou cansado e olhando pro relógio
A mulher é alegoria e eu sou a maquina que fala
Nos neons do transito.

Quero me enraizar
Falar no tempo da areia e da árvore
Transitar apenas nas energias que troco com a matriz de nós
É utopia fugir do produtivismo
Mas eu apareço no escuro
O apreço no escuro
Nu no escuro
O escuro aparecer
Para ser
Nu.

Olá senhor cidadão!
O que tem a dizer senhor cidadão?
Na clausura e na temporalidade abrupta.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sobre o terralien

Meu objetivo neste texto é falar sobre algumas idéias que me inspiraram em criar a denominação e a posição terralien do torto. A primeira delas é a que eu denomino certeza falsa da verdade; a segunda diz respeito à verdade ideal; e a última é o eu desterritorializado.

A certeza falsa da verdade segue a seguinte lógica: quando nós justificamos para nós mesmos determinadas formas de conceber o mundo, antes, faz-se necessário fazermos determinados questionamentos para confirmamos nossa opinião. Nossos questionamentos não existiriam se não houvesse dúvidas. Se perguntarmos: se isso é assim, por que isso é assado? Se acharmos um argumento convincente para essa pergunta, é por que graças a nossa dúvida resolvida, chegamos a aparente verdade.

O que eu quero dizer com isso? Que essa verdade, por mais certa que possa parecer, já veio de uma dúvida, e que, portanto, ela inevitavelmente não pode ser tão absolutamente correta assim. Na melhor das hipóteses, ela é verdadeiramente duvidosa. Portanto, por essa verdade ter vindo de uma dúvida, inevitavelmente essa verdade será novamente posta em dúvida, gerando de forma incessante, outros formas de verdades e, simultaneamente, outras formas de duvidar essas verdades.

A partir daí surge o que eu chamo de verdade ideal. A verdade ideal é uma tentativa incansável do sujeito em alcançar o Ideal. O indivíduo nunca desiste de tentar encontrar a verdade por ele se encontrar sempre diante de uma possibilidade de construir novos caminhos para encontrar o enigma existente entre as suas lacunas. Essas lacunas seriam o Ideal. Porém, essas lacunas nunca são preenchidas, pois por mais que os nossos pontos de vista acreditem encontrar uma convicção sobre a verdade que se busca, as duvidas, nunca deixam um espaço suficiente para acalentar essa verdade.

Levando-se em conta que a verdade é fruto de questionamentos, e, portanto, das dúvidas; e que por isso mesmo, a verdade não passa de uma mera tentativa frustrada de alcançar aquilo que ela acredita ser o Ideal; o individuo não passa de um eu desterritorializado. Por que um eu desterritorializado? A resposta é simples: se buscamos através das verdades, aquilo que não alcançamos, pelo fato das verdades não serem absolutamente verdadeiras, uma vez que elas são oriundas das dúvidas, aquilo que nós acreditamos ser, não passa de uma mera máscara que tentamos fazer da gente.

Portanto, se elencamos várias características para definirmos o que somos, o que de fato somos, não passa de infinitas tentativas combinatórias de concebermos o que somos. Se a verdade vem da dúvida, e não passa de uma tentativa frustrada de atingir o Ideal, o fato de ser terráqueo, por exemplo, não passa de uma mera verdade que nos foi imposta, e, portanto, de meras verdades falsificadas verdadeiramente de sermos terráqueos.

Levando-se por essa lógica, se de fato, nos dizem que somos terráqueos, a primeira coisa a duvidarmos, é se de fato somos terráqueos. O melhor é pensarmos que estamos no planeta Terra por que assim foi convencionado, mas andamos com os pés fincados no chão e com nossas cabeças pertencentes a um outro universo que não o planeta Terra, do contrário, não questionaríamos a vida, o destino, a morte e o próprio planeta Terra.

Por isso que entortadamente prefiro admitir que somos TERRALIENS.

domingo, 6 de junho de 2010

Um banho diferente e o incenso da caixinha roxa (por Laiany Santos)

Ele chegou em casa com um vinho na mão e pensando na hora de encontra-la, dentro de casa tinha cheiro de incenso da caixinha roxa (sem saber porque, mas roxo era a cor preferida e achou o cheiro bom), toalha de banho caída no corredor e a porta do banheiro aberta.
Passou pelo corredor com passos surdos para não assusta-la olhou o banheiro com vidros embaçados que entendeu depois, apressou o passo para vê-la, mas em momento nenhum gritou seu nome.
Seguiu o cheiro, não mais o do incenso, e a viu jogada na sua cama com um sorriso repleto de desejo, o vinho que trouxera se tornou perfeito e a ansiedade com que ela terminasse de beber era transmitida através de suspiros e carícias.
Pensava estar em qualquer outro lugar do mundo menos dentro do seu quarto, e tão cheio de desejo começou a senti-la, o cheiro, o gosto, o rosto, os cabelos (talvez estivessem com o cheiro tão bom quanto o do incenso), e ao encontrar-se nela se perdia desesperadamente.
Parece que já não imaginava mais nada, agora era um bichinho que percorria pelo seu corpo que se molhava no outro e que se escondia em meio aquela essência mágica.
Dois corpos, um ser, provavelmente se encaixavam perfeitamente, pois se entendiam muito bem. Cada toque, cada beijo, cada mordida até mesmo o cheiro do incenso. Viajaram juntos sem sair daquela cama, ali parecia outro mundo até serem levados às alturas.
Na volta, apenas dois corpos espalhados na cama, suados, secados, com a respiração ofegante e ela ri e volta ao banho que não tinha terminado...

sexta-feira, 4 de junho de 2010

POR DENTRO DA INTIMIDADE...

Estava a conversar com uma amiga sobre o relacionamento que ela estava vivendo e, pra mim, foi uma surpresa, pois já tinha ouvido falar sobre maneiras diversas de se relacionar amorosamente e eroticamente, mas nunca tinha ouvido falar sobre o que ela chamou de RENI (Relacionamento Não Identificado). Já tinha ouvido de modalidades como namoro/casamento aberto, ficar, amor livre, poligamia, orgia, suingue e o tradicionalíssimo namoro/casamento monogâmico, mas o RENI foi a primeira vez. Segundo ela, essa modalidade está entre o ficar e o namoro monogâmico. Nessa modalidade, está implícito valores monogâmicos, pois as partes saem para programações afins se apresentam juntas em locais públicos, mantém contato, mas não fecham o compromisso como um namoro.
As modalidades não convencionais centradas na idéia do amor livre e perspectivas hedonistas como a orgia, suingue, troca de casais e os relacionamentos homossexuais são os principais alvos das convenções. Vou trabalhar com a perspectiva de que os relacionamentos prescindem de “acordos” entre os envolvidos que podem ser dois ou até mais de dois e que esses “acordos” podem estar implícito ou explicito. O que está em jogo é a busca dessa subjetividade por uma satisfação biológica e/ou sócio-cultural.
A idéia de amor livre surge no bojo das idéias anarquistas que questionavam a monogamia, porém, o amor livre ficou taxado pelas convenções como relação promíscua, principalmente, quando da revolução sexual dos anos sessenta promulgada pelos hippies. O amor livre na sua cartilha de princípios prega a espontânea relação entre as partes, ou seja, que elas possam livremente decidir da sua união ou da sua dissolução sem necessitar da oficialização por meio do casamento, pois esse pode vir a criar sentimentos de possessão e de dependência psicológica. Além desses, outros eventos como a invenção da pílula anticoncepcional, a ampliação dos direitos de união legal para homossexuais são exemplos de relacionamentos que aqui chamaremos de não convencionais.
O fato de que essas modalidades de relacionamento não convencionais ganharam projeção por meio de páginas na internet, sites de relacionamento e na vida prática, isso cria um choque com os valores estabelecidos e leva a discussão sobre a perda de valores morais. Esses valores que “estão se perdendo”, na verdade corresponde ao processo de transformações sócio-culturais que a humanidade já passou em outras épocas. Por exemplo, a mulher não tinha o direito de demonstrar prazer em Grécia antiga, cabia a elas a função de procriar, assim como, a escolha de casamentos que ficava a cabo das famílias.
As mudanças nas formas de relacionamento proporcionaram a emersão das individualidades, em que essas gozam do direito de escolher seus pares e projetam suas fantasias para os relacionamentos que assumem, tendo como possíveis motivações a realização dos desejos individuais, afirmação das identidades e realização da satisfação por meio do cultivo do espírito hedonista que está diluído em nossos tempos.
Uma das modalidades que parece ter sido aceita pelas convenções é o “ficar”. Aceita pela como estágio para firmar compromissos impostos pelos valores estabelecidos. O “ficar” é permitido com ressalvas, como disse, ele é autorizado com a condição de ser um estágio e não um relacionamento permanente, para isso, acontece a vigília dos amigos, pais ou de uma das partes que relembram os valores monogâmicos e a visão pejorativa que uma mulher pode vir a carregar por ter que namorar com homens diferentes. Por outro, essa modalidade reforça o lado masculino, no tocante a virilidade e a condição de macho.
Pois bem, sejam nos relacionamentos convencionais ou nos não convencionais todos prescindem de acordos. Além disso, a idéia de pluralidade, quando o assunto é sexualidade, abre um leque para possibilidades de relacionamentos outros que vão (re)construindo no dialogo entre a satisfação do ser social e da sua subjetividade.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Um Arteiro em Todas as Tribos

Escrevo este texto não como uma resenha formal, uma crítica profissional ou congênere. Trata-se aqui de uma apreciação estética subjetiva (se isto não for redundante, rs). Refiro-me ao brilhante show de lançamento do CD Arteiro do artista (arteiro) sergipano Rubens Lisboa.

No dia 29 de maio (sábado), fiz questão de chegar em tempo adequado ao auditório da Epifânio Dória para apreciar na íntegra a apresentação deste cantor e compositor cuja arte me encanta desde que, por acaso, tive contato com seu CD “Todas as Tribos”, através do nosso caro amigo Vina Torto. Contentei-me desde a recepção com a equipe de apoio muito educada.

Escolhi meu lugar – felizmente havia muita gente – e fui surpreendido por duas belíssimas canções (até então não as conhecia): Candura e Chamego. O talentoso e modesto Rubens entrou um pouco tímido, o que prejudicou um pouco a execução dessa última, o que, aliás, é perfeitamente aceitável quando se trata de uma canção estruturalmente complicada e executada num início de um show tão importante, e, ao mesmo tempo, trouxe-me certa alegria, por perceber que isto não foi mais do que a percepção de que o público era de fato um Outro, o que evidenciara a humildade e a atenção do artista. Aliás, para ficar tudo perfeito, Lisboa bisou a música no fim do show, e, desta vez, brilhantemente.

As canções seguiam adornadas pelo lirismo extático das letras do Arteiro, a interpretação afinada, profissional e agradabilíssima de Rubens e uma banda que estava à altura desta obra de primeira. Aliás, o desempenho dos músicos – que ganhou destaque na música Vietnamita (do primeiro CD do compositor) – confirmou que estes emparelham com quaisquer outros músicos do cenário internacional. A equipe regida pelo formidável violonista Saulo Ferreira nos presenteou com uma peformance enérgica, irreverente e altamente precisa que de fato nada devera sequer às peformances que presenciei da Duke Ellington Orchestra ou das bandas que acompanham os mais reconhecidos artistas nacionais.

A interação de Rubens Lisboa com o público pareceu ter sido arquitetada à mais precisa régua, pois não foi insatisfatoriamente econômica nem efusivamente cansativa. Piadas de ótimo gosto na medida certa, agradecimentos sinceros e um olhar determinado de quem quer de fato passar uma mensagem poética à plateia e o suas músicas passearam por todas as tribos, ratificando a qualidade eclética do nosso arteiro . No final, o cordial artista até mesmo ofereceu um coquetel a todos os presentes.

O trabalho deste eminente cantor e compositor vem para se somar aos dois cd’s de peso já lançados em 2010 por artistas locais, quais sejam, a já consagrada Polayne e o talentosíssimo Pantera. Isto tudo prova que Sergipe é terra de muitos arteiros, todas as tribos e gigante potencial.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Contrariando o Roots

Vários séculos se passaram até os dias de hoje e desde os tempos de Cabral, temos que conviver mesmo que não querendo com esse índio brasileiro. Creio que desde essa época criamos uma noção desse índio quando não reificada, por demais estereotipada e/ou idealista. O contato que o homem dito racional e branco teve no passado foi semelhante a uma experiência, digamos, com um terráqueo vendo um ET. Visto isso, creio que o leitor imagina mais ou menos como seria essa visão, afinal, para os europeus a Europa era o centro do universo praticamente, e as relações de alteridade que eles tinham eram muito mais próximas, culturalmente falando, do que uma relação com selvagens de um lugar que eles não sabiam nem ao certo onde se situava. Advirto aos leitores que, a proposta do texto é debater livremente sobre o tema, afinal, não temos aqui a pretensão de lançar conceitos e tão pouco transportar o rigor acadêmico para o site.

Em um passado recente, no Brasil se buscava através de uma tímida proposta de identidade nacional, logo após da nossa “independência” no século XIX, resgatar a nossa nacionalidade dissociada da Europa usando a figura do Índio que seria no caso um brasileiro autentico. A questão aqui, é que esse Índio de José de Alencar no caso o Peri, perpassa o que nós havíamos comentado anteriormente, esse Índio é uma figura idealizada, e não obstante cunhado dentro de uma perspectiva etnocêntrica, afinal os valores transpostos para o arcabouço significativo da imagem do Índio corajoso e destemido, era do Europeu, ou seja, aquele das aventuras medievais. Outro aspecto de valoração desse índio em cunho etnocêntrico foi é claro, os exemplos de Colombo, Las Casas, Sepúlveda, Pero Vás de Caminha e outros colonizadores, que tratavam os índios ora como coisas monstruosas, que não tinham o mínimo de razão e moralidade, e, portanto deveriam ser aniquilados, ou postos como simples mercadoria, como uma especiaria das “Índias”. E muita vezes por mais reificados que fossem os Índios eram admirados por alguns colonos, a questão é que por mais que eles admirassem as produções indígenas eles não conferiam subjetividade aos Índios. E ainda podemos citar a outra relação de alteridade, aquela que ocorria entre os missionários e os Índios, os missionários por vezes viam os Índios como que crianças intelectuais, e que faziam o que faziam por ignorância, e alguns conferiam a eles uma alma, porém que necessitava ser doutrinada segundo os preceitos cristãos.

Feitos esse simplório histórico queria instigar aos leitores a seguinte reflexão, como que esse Índio é visto hoje? A imagem que possuímos muitas vezes é a imagem de um povo subordinado plenamente, e de fato concordo quase que absolutamente, mas a questão é, será que ainda não resiste á idéia do bom selvagem? Será que ainda resistimos em considerar os Índios como humanos, portanto iguais? E ainda vemos um Índio que parou no século XVII ou XVIII representados nos livros didáticos, e não refletimos muitas vezes a real condição desse Índio hoje. Eu creio que o passo para nos sentimos também como parte Índios, é enxergar esse outro com um olhar mais analítico e menos estereotipado, como, por exemplo, criar a necessidade de voltar ao “roots” e querer voltar no tempo como se estivéssemos de fato indo ao encontro do puro e/ou do pitoresco. Devemos sim tentar criar um maior contato com essa historia e que seja menos simplista e principalmente demasiadamente exposta de forma curta. E quero lembrar aos professores que, mesmo que seja o professor de química ou de física, todos, eu disse TODOS iram, segundo a LDB ter que ensinar alguns aspectos da cultura indígena.