quinta-feira, 29 de março de 2012

DARCY RIBEIRO e a Educação de nível superior no brasil

As diretrizes da universidade constituem um corpo que, em sua carne, encontra-se enriquecido de princípios e finalidades cuja existência atesta a importância e a atenção que devemos atribuir a ela. Os problemas que a circundam, sejam eles de ordem política ou não, são também seus e devem ser encarados com a seriedade suficiente para dirimi-los, de modo que o ensino superior dê a si mesmo uma razão de existir e fuja à vacuidade dos propósitos que os “CÃES de guarda do pensamento burguês” têm imposto como aspirações fundamentais dele. Desse modo, cabe ao acadêmico encarnar o espírito irrequieto que direciona os passos de uma ciência ocupada com as questões mais caras ao seu tempo, tornando-se imune às meias-verdades vendidas descaradamente por aí. Para tanto, inobstante as possíveis dificuldades, faz-se necessário, naquele, uma inclinação sincera à busca ilimitada do conhecimento e à indagação permanente, a fim de que, em gozo da plena liberdade, possa contribuir com o fomento de uma universidade cujo único horizonte é a utopia – isto é, o avanço e a transformação social através da produção do saber e da descoberta de novos conhecimentos.

Darcy Ribeiro, eminente antropólogo brasileiro, em um texto-apresentação de 1985, Universidade Para quê?, ratifica os pontos anteriormente levantados, engendrando uma reflexão profunda acerca do ensino superior a partir da realidade que vivera enquanto peça-chave na criação da Universidade de Brasília. Esta instituição, então pensada como a vanguarda de uma revolução universitária no Brasil, durante o período em que a ditadura esteve instaurada no país sofreu com o descaso e a indigência de pessoas muito pouco comprometidas com questões caras à emancipação nacional. Se a UNB, quando de sua criação, ostentava como ideais a liberdade de pesquisa e o experimentalismo, se abarcava em seu esteio um corpo docente altamente qualificado e escolhido a dedo, o governo militar, uma vez no poder, fere-a naquilo que tinha de mais ambicioso e inovador: achata o livre-pensamento que enriquece; persegue, tortura, mata e extradita os professores que ali ensinavam. Ainda sob o calor destas circunstâncias, Darcy evoca alguns nomes tão importantes quanto o dele mesmo na mudança de rumos da educação brasileira e que também viram os seus sonhos e aspirações serem espoliados pelos milicos. Como é perspícuo ao interlocutor, as reflexões que sucedem no opúsculo são referenciadas pelo significado que a opressão contra a inteligência ganhou durante o período ditatorial.

Tencionando que o degredo responsável por imergir a UNB em trevas não se repita, o antropólogo coloca algumas metas para a universidade, ressaltando que de nada vale uma instituição de nível superior, onde o contraste e a busca são imperativos, descompromissada com a verdade. A utopia deve perfazer o seu horizonte, reunindo em uma unidade concentrada e vigorosa todo o saber humano, criando-se assim um diálogo sem intermitências entre variadas áreas para que, no espírito do trabalho conjunto motivado pelas mesmas razões, respostas e saídas sejam finalmente vislumbradas, sem o risco de que alguém, por pensar de determinada forma, seja tolhido. O Brasil, entretanto, deve ser o seu problema elementar, o interesse mais expressivo de sua existência – pensá-lo, dito de outro modo, é sua obrigação. E isso implica um esforço generalizado em todos os níveis: tanto estudantes quanto professores devem criar condições para que a universidade se realize, constituindo-se em lugar adequado a um país que, frequentemente, faz exames de consciência e enxerga os pontos em que precisa mudar ou continuar acertando. Não basta, para que tal aspiração se concretize, que doutores e mais doutores sejam formados, proliferando-se sobre a vida intelectual do Brasil como parasitas auleiros, sempre prontos a serem coniventes com o despotismo das gestões arbitrárias e a manutenção do bem-estar das classes dominantes. É imprescindível, sim, gente séria e sequiosa pela construção de um país melhor e mais solidário, que, se possível, sirva de exemplo a outros que enfrentam percalços parecidos. Como muito bem coloca Darcy Ribeiro, ao se valer da importância que os cientistas tiveram para super-nações como EUA e Rússia em época de corrida armamentista, “conhecimento é poder, é uma arma”, e manejá-lo requesta grande responsabilidade. Portanto, se os bacharéis formados não têm consciência do que está sendo posto em questão, se intentam desarmar de qualquer forma os benefícios da crítica vigilante, sabemos que eles são os frutos de uma universidade de mentira, interessada em mostrar à sociedade apenas uma hegemonia quantitativa que, no fundo, não reflete nada a não ser falsas-verdades e um interesse malicioso de que as leis educacionais fomentadas pelas elites sedimentem cada vez mais uma estrutura social defasada e ignorante sobre si mesma.

O que alarma nas reflexões de Darcy Ribeiro é a atualidade que podem reclamar. Se é conveniente caracterizar o período quando elas foram escritas como incôndito, confuso, posto estar ainda muito próximo do término do regime militar, tornando-o um autêntico tempo de ressaca, o hoje, quando não temos a opressão declarada e já amadurecemos as discussões sobre o porquê da universidade, pode ser caracterizado com quais adjetivos? Os elementos que compreendem a espinha-dorsal do texto de Darcy abarcam os déficits do ensino superior atual, como se ele não tivesse vencido a etapa inicial que conduz ao desenvolvimento efetivo, conservando a sua inutilidade e degenerescência. A função social da universidade não se traduz em ações reais, predominando dentro de todas e cada uma o verbalismo inócuo do artigo anacrônico, a malícia perniciosa do pós-doutor desnecessário, a vontade quase generalizada por coisa alguma. Por fim, recrudescendo a pontualidade da pergunta que intitula o texto aqui abordado, incrementamo-la com algumas indagações feitas por Darcy em dado momento de sua dissertação, por as acharmos exatamente atuais: “Que universidade nossa discute as causas do atraso de suas cátedras, como uma questão fundamental? Que universidade toma esses temas como sua causa? Todo o saber acumulado nelas é fiel ao povo que as subsidia para formar e manter as cabeças mais brilhantes?”.

EDUCAÇÃO DA ALMA

EDUCAÇÃO DA ALMA

O discurso educacionista tenta passar para sociedade que a educação é meio de mudanças sociais. Parece que colocaram nela uma essência quase que messiânica – uma vez em contato com ela – o homem está transformado. A educação vista por alguns estudiosos está bem longe desse mito.

Ao contrário do pregado pela escola sofista, Sócrates entendia a educação como um processo de parto, algo comparado ao nascer de um infante – um ser que ainda está muito longe de ser perfeito. No entanto, entre contrações e dores, uma nova criatura vinha para um mundo pronto, acabado, socialmente construído pelos seus antepassados. Esse homem socrático está muito distante do sofista, pois, ele não se apega as imagens projetadas pelos discursos ideológicos de seu tempo. Ele é um homem Freireano, um homem maiêutico – dialogista por excelência.

O homem sofista acredita no poder das estruturas e a elas se consagrada de todo o coração. Ele consegue ver que o embaralhar dos semas é o poder que justifica o estar no poder. Tudo gira em torno desse poder. A educação sofista é bancada pelo estado que promove as políticas de exclusão social e engrossamento da renda dos mais privilegiados. O educador sofista trabalha para essas pessoas quer tenha ciência disso ou não. É ele quem reproduz o discurso de apatia e aceitação passiva da exploração do outro pelo outro. Em termos de Brasil, a exploração virou cultural, portanto normal, todos nós de uma forma ou de outra fazemos isso.

Na escola maiêutica a educação ocorre na relação sujeito/mundo e sujeito/sujeito. Ela surge num sujeito que leu o mundo por meio de várias leituras possíveis – ninguém deve tomar o ato de ler como um ato ingênuo – ler é um ato político – mas esse ler político só nos é possível se ele nasce de uma leitura minha, do encontro do sujeito com seu mundo – o seu microcosmos.

Em um segundo momento, esse sujeito que leu seu mundo, ler o macro mundo, onde estão os mais diversos tipos de discursos, e consegue inferir, por conta própria, que ele é o agente e o objeto da opressão. É uma descoberta sensacional! Sabermos que por meio da educação podemos descobrir que um dos nossos maiores inimigos é a educação.

O tempo que vivi em sala de aula e nos corredores das escolas brasileiras e até estrangeiras me deu uma pequena experiência que me habilita a dizer sem receio de estar errado: “A escola, esteja onde estiver, fale a língua que for, pouco compromisso tem com a educação dialógica”. O compromisso da escola é com a reprodução e repasse dos modelos sociais e dos paradigmas consagrados pelas ciências. Se isso fosse mentira, nossa razão já teria percebido que ela precisa urgentemente romper com conceitos epistemológicos que não mais se validam na humanidade pós-moderna. A fragmentação do objeto, o isolá-lo sobre o pretexto de facilitar o raciocínio torna nossa ciência uma metafísica sem Deus. A escola é o retrato vivo do que escrevo. As disciplinas são estudadas separadamente sem nenhum elo nodal entre elas, e sem a menor possibilidade de um diálogo entre as partes porque a escola é desenhada para isso. Cada cadeira um mundo cada mundo uma ilha cada ilha um coronel. A escola não pensa educação, o professor não pensa a educação e o aluno, na maioria dos casos, nunca saberá o que realmente aconteceu naquela escola.

A educação dialógica entende que não devem existir modelos, mas, possibilidades de diálogos entre os homens e suas ciências. A escola dialógica deseja interdisciplinarizar os conteúdos e ver que os pés têm cabeça, e que a cabeça tem mãos – tudo está em relação a tudo. Toda estrutura se estrutura em uma estrutura anterior que lhe é estruturante. A educação dialógica acredita que nada é simples, tudo é complexo, e necessita do amparo de uma racionalidade que não seja recortada em fatias para microscópios. A educação dialogista entende que o microscópio e a fatia existem, mas, coexistem com um sujeito histórico cultural e, sobretudo espiritual.

terça-feira, 27 de março de 2012

As verdades

- Para mim não existe cabelo ruim. Existem apenas cabelos e pronto.

- Sei.

- Odeio preconceitos. Semana passada um pai expulsou um filho de casa por ele ser homossexual. Não importa a opção sexual, o que importa é o amor.

- Sei.

- Outro dia mesmo uma amiga estava deprimida pelo fato de um carinha não ter ficado com ela só por que ela é gorda. As pessoas não aprendem que o que vale é a essência.

- Sei.

- Que humanidade é essa? Se um pobre chega em um shopping ele é logo visto como um suspeito. Quando vamos aprender que todos nós temos direitos iguais?

- Sei.

- É por isso que eu acho que as mulheres devem ser respeitadas. Se os homens têm direitos a muitas coisas, as mulheres devem ter também. Todos são humanos.

- Sei.

- Porra!! Sei, sei, sei. Caralho, você não tem opinião sobre nada do que eu digo?

- E como. Você nem imagina...

segunda-feira, 26 de março de 2012

Masturbacao, uma concepcao de Gustav Klimt





Abrir as pernas para a vida,
Se prostituir para o mundo.
O orgasmo surge depois de
uma forca construtiva
que desagua para destruicao.
Sexualidade e poder sao duas forcas
que se interpoem em um duelo entre
a vida e a morte.
Para que se horrorizar com as agitacoes dos
labios vaginais, se isso se traduz num alivio
plenamente prazeroso?
Hipocrisia,
todos se jogam nas ondas da vergonha,
para ocultar as suas manifestacoes obscenas.
Tanto as mulheres
quanto os homens
avergonhados pela sua natureza.


* Tela do pintor simbolista-austriaco Gustav Klimt(1862-1918). Essa pintura foi produzida em 1907-1908, chamada de Danae.

Aviso

Autores e leitores,

Quinta-feira, dia 29/03, estarei em Aracaju para tratar da possibilidade do torto se transferir para o site da Infonet. Qualquer notícia, estarei avisando aqui no torto.

Vina TorTO

sexta-feira, 23 de março de 2012

Desamparo

Quis deitar sobre as mãos o mundo inteiro, cingir contra o rosto todos os continentes e oceanos, quis encarnar à pele a cor de todos os povos civilizados e selvagens e ser o instante efervescente de tensão entre bárbaros e pacifistas. Quis reter de todo o espírito refinado sua paixão concentrada e nobreza, sendo também intempestivo como quem se sentisse oprimido e, agoniado, tivesse se lançado contra as máquinas repressoras. Quis imergir ao corpo forças satânicas que ele não suportaria, fazendo de cada parte que o constitui um artífice bélico a ser usado em defesa da total liberdade, de modo que eu explodisse de tanta convicção quanto aos meus propósitos. Quis amar como um naturalista toca às plantas que descobre, retirar de Whitman o oxigênio frasal para ir adiante e não ser modesto quando eu tivesse de sentir. Sim, todos os meus propósitos foram absolutamente desumanos, todos eles absolutamente grandes e soberbos – todos eles desiguais! Mas ao acordar para o dia novo, plasmado sobre a minha cabeça sem mãos que o modelassem, não encontrei do ontem sequer o pó de suas pegadas. Quis apoiar o meu braço e o encosto desparecera para esta possibilidade. E, ao meu redor, só escombros e entulhos trastejando um som áspero. Que seria, pois, da vida agora?

quinta-feira, 22 de março de 2012

SÍMBOLOS E HOMOSSEXUALIDADE – UMA ABORDAGEM DIALÓGICA

Permitam-me meus caros tortos este breve ensaio sobre a homossexualidade. Estamos abertos às discussões.



Todos nós estamos acostumados com construções simbólicas como a=b e, o inverso é válido. Sabemos que um mesmo objeto não pode ser diferente dele mesmo nas mesmas condições físicas. A água, por exemplo, é gelo, e é vapor, pois, as condições físicas foram alteradas. Contudo a água terá sempre a mesma forma nas mesmas condições.

O ser diferente, o mudar o comportamento, o exibir uma suposta subjetividade volátil, é coisa do bicho homem. O simbólico é tão mutável quanto o seu criador – O homo sapiens. Esse animal devido às condições as quais se submeteu ao longo de sua filogênese e ontogênese conseguiu uma capacidade imensurável de significar a realidade. Digo, sem medo de pecar, que nós somos os deuses do signo gerador de sentidos.

De meras impressões na massa encefálica, principalmente, após o aumento do peso do encéfalo, o homo sapiens conseguiu realizar sinapses de alta complexidade, e deu vida a tudo isso criando um código fonético, que é representado por signos morfológicos estruturados em ligações sintagmáticas. A materialização do pensamento foi, na minha compreensão, o maior feito do homo sapiens – O silêncio do mundo terminou. O pensamento soa as partículas de ar pelo aparelho respiratório que o homem tomou emprestado da natureza.

Assim, falamos com o mundo, e falamos com nós mesmos. Somos, ao mesmo tempo, emissor e receptor de nossa fala. Há quem diga que a fala interior é fundamental para o aprendizado. No entanto, quando falamos conosco, nem sempre somos fiéis a nós mesmos, pois, o bicho homem é tão misterioso que consegue enganar a si mesmo. Bachelard acreditava que a realidade é mais onírica de que empírica. Ou que o que consideramos objetivo, não é tão objetivo quanto pensamos. Nossa capacidade de nomear é infinita, porem, o inominável persiste em nossa caminhada.

Muitas pessoas atiram pedras no gay, ou bicha, ou mona, ou viado, ou sapatão, ou homossexual. Veja que há tantos nomes para dizer a mesma coisa, e que todos os nomes nem sempre dizem da verdade – “o sujeito cuja energia sexual sai do sentido comum da sociedade”. Primeiro, temos que entender que somos nós que inventamos tais termos, e que eles refletem julgamentos morais. E se há julgamento moral, há, também, um valor moral construído pelo senso comum – me permitam dizer assim. Mas, por que senso comum?

No processo de hominização, nossa espécie viveu a homossexualidade com profunda intensidade. Os antropólogos podem falar sobre isso muito mais do que eu. As relações entre os homens, no que diz respeito ao sexo, não estavam tão presas às verdades religiosas como na sociedade contemporânea. Além do mais, o prazer não tinha sido revestido por uma roupagem moral como agora – O prazer no mundo atual tem de ser merecido e de acordo com as regras – isso, digo eu, não está totalmente errado, contudo, o prazer reprimido é causa de um profundo mal-estar nas sociedades contemporâneas.

O que mais me chama a atenção na análise da homossexualidade é sua relação com a formação do sujeito no mundo – o que alguns chamam de ontogênese. A criança nasce sem conhecer seu corpo. Isso nos leva a acreditar que a apropriação do corpo pelo sujeito está relacionada às variáveis simbólicas a que o sujeito foi submetido. Ou seja, é o meio sociocultural e psíquico que determina a direção de uma determinada sexualidade. O prazer é energia animal, a forma de obtelo é cultural, portanto, a mesma sociedade que execra o homossexual, é a mesma que o cria. Sendo assim, devo acreditar que o “sentido homossexual” enquanto signo pertencente a nossa cadeia de signos está tão presente na alma humana quanto qualquer outra forma de representar o mundo. O homem homossexual representa o mundo ao seu modo que é também nosso – indissociável de todos nós.

O estudo das mucosas nos remete a crença que elas são de alta sensibilidade ao tato e portadoras de grande erotismo, principalmente, naqueles que foram constituídos psiquicamente pela identificação com o signo feminino – o que não significa o ser mulher. Ser mulher é uma coisa, ser feminino é outra quando estudamos os signos. A explicação reducionista de que a homossexualidade é perversão ou patologia cai por terra quando nos deparamos com nossa alma feminina falando em nossos atos falhos, e que reprimimos com medo tão somente da censura. Freud estudou a fisiologia da homossexualidade e comprovou o que os machos têm erotismo anal, e que isso está ligado à cadeia de signos de cada indivíduo. Portanto, não é uma questão de escolha, ou de moral, mas, de ser sujeito, e se é sujeito foi construído pelo mundo histórico social.

No mundo dos sentidos a = b não significa necessariamente b= a. Assim, o mundo dos sentidos é tão diverso quanto as sexualidades humanas.

terça-feira, 20 de março de 2012

Para ela

Ela é o inferno. É a faisca que rasga o mato. É o incêndio que esquenta as cabeças dos desavisados. É a brasa queimando pelas brechas o que não se compreende. É a labareda esquentando o frio que mata a obviedade do tolo. É a explosão de fogaréus que assusta qualquer corpo de bombeiros. Ela incendeia o mais do mesmo, destrói o caminho reto, assanha os cabelos dourados do fogo mais do que qualquer ventania.

Ela é um fluxo. É uma correnteza sem destino. É um redemoinho que come a carne da terra, liquidifica e liquida qualquer possibilidade de manter alguma coisa em seu lugar. É a voz que se apresenta, mas que se perde, mas que se reverbera, mas que ecoa. É a dinâmica ansiosa por surpresas. É a calma ansiosa por dilemas. É a simplicidade das pequenas coisas grandes. É a imprecisão de um fim. É o desconhecido de um buraco negro. É a frente do espelho se refletindo em espelhos. É a fuga, o fugaz, a luz.

Ela é uma transeunte nas ruas curvadas da cidade oscilante. Ela é cheia de pensamentos voláteis. Vive em volta de precisões com inúmeros lados sem qualquer conclusão. Vive em volta de placas de todas as direções. Vive em volta de um eixo desencontrado. Vive com sua bússola cheia de reviravoltas em um mapa marcado por rabiscos. Ela se encontra em um lugar determinado sem temporalidade alguma. Ela vive conhecendo coisas novas e se perdendo.

Para a mentalidade dos simplórios, ela é complicada. Para as mentes disponíveis às desconstruções e reformulações das próprias afirmações, ela é complexa e geradora de novas surpresas e novos estímulos. Ela se nega buscar o prático. Ela não compactua com a monologia e com a onomatopéia que anda reinando entre a espécie humana. Ela se nega a aceitar o esvaziamento existencial por apenas se alimentar do mero entretenimento. Ela se nega a fazer do bobo algo que não seja provocativo. Ela não se finaliza no raso da existência.

Assim como livros e lp´s encontrados em sebos, ela se apresenta desgastada pela intensidade periculosa do tempo, mas reflete toda uma poética por expressar a passagem desse tempo e por manter as marcas legadas pelas construtivas e problemáticas experiências. Ela é como um vinil e um livro desmerecido pelo mundo e jogado em meio a um depósito marcado por rugas de um passado, mas que vez ou outra encontra mãos que tocam e sentem pelo fascínio e pelo afeto do tempo.

Ela é a constante síntese em processo de construção. Ela não adormece em pólos extremos. Ela não admite o certo ou o errado. Ela é a reformulação desses dois lados gerando um terceiro que, por ser fruto do questionamento, sempre deixa espaços para novas brechas e para novas sínteses.

O legal é tê-la e não encontrá-la. É ter o esperado e não ter o que se espera. É ter a expectativa realizada e continuar tendo o desejo sempre desejante. Ter a casa, ter o teto, a mesa, a cama, os chinelos, sem ter nada disso. Ela é o resultado e a espera da resolução desse resultado. Ela é conclusão e a surpresa. Ela é o outro lado e qualquer espaço sem lado nenhum.

Voltei a sua casa, bati na sua porta, mas já não havia nem casa, nem porta. As luzes ficaram acessas, mas vi que ela havia retirado as lâmpadas. Vi que ela tinha ido embora, mas vi que ela ainda se encontrava por lá. Ela estava em um lugar, mas não a encontrei em lugar algum. Ela é o endereço deslocado de qualquer rua. É o lugar sem tempo. É o encontro desmedido e desencontrado do mundo.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Amor: Um desastre Humano

O amor e uma prova da super complexidade humana. Nao sei se os bichos amam, pelo menos tenho a certeza que nao amam na mesma intensidade dos humanos. Amar da trabalho, pois sempre estamos em processo de regressao psicologica. Aquela que nos abandonou, figura materna, deixou uma ferida cronica e incuravel, precisamos incessantemente de alguem. Um outro que nos reflete na nossa imagem narcisica, um traco que nos provoca incomodo e dai nos atrai.

Isso e amor, possessao e propriedade. Um outro que em questao de segundos torna a nossa prioridade em propriedade. Para que uma relacao se estabeleca, um circuito afetivo e criado pelas antipodas carnivoras do nosso ego. Quero voce porque projeto todas as minhas insegurancas, meu desejo e meus fetiches incuraveis. Consigo ver no outro, um outro pertencente a mim, como parte da minha anatomia o qual provoca dor e desespero. Amor e carnivoro, um fenomeno antropofagico, mas nao admito. As relacoes humanas sao estranhas e essencialmente hipocritas. Creio que seja um mecanismo de defesa egoico e sociologico que necessita de regras para sobreviver a essa relacao agressiva.

Esse sentimento humano que nos desumaniza, revela a essencia difusa do ego: queremos posse, mas nao podemos por ferir os preceitos utopicos do livre-arbitrio do outro. Usamos a palavra respeito para legitimar a relacao amorosa como sendo pura, denominamos o amor como o sentimento mais sublime, para ocultar a sua sombra egoista. Amor nao e virtude, e sim um vicios descontinuo que impoe-nos a prova de fogo perante os acordos civilizatorios. Dai, a culpa nos oferece como consolo inconsolavel, como diria Roland Barthes, em Fragmentos do Discurso Amoroso "Como homem ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim, por temer que meu ciúme prejudique o outro, por me deixar levar por uma banalidade; eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum."

Entao para que amar o proximo? Imagino que esse amor ao proximo nada mais e que desastre, e quando se coloca em uma perspectiva social, cria-se uma anomia, pois nenhuma lei pode ser estabelecida para controlar os coracoes nervosos dos humanos.
O amor envolve o odio, e dai afirmo que sao sentimentos bipolares que se harmonizam. Nao existem formulas quimicas, pensadas por pretensos pensadores, que sintetizem o jogo amoroso. Nem discursos biblicos que proliferam o amor gratuito ao proximo. Adaptacoes ja foram tentadas para tentar entende-lo, pos- modernos afirmam amar livremente, desprendidos do apego. O erro nao esta no apego, mas nele, no infortunio amoroso. Ele estraga as nossas pretensoes de liberdade, ou seja, se amo, abdico o meu inexistente espirito livre.

Mesmo que algum espirito livre tentasse evitar esse desarranjo egoico, ele nao conseguiria, pois o desespero em buscar do traco perdido e mais forte. E uma busca obsessiva- compulsiva, pois buscamos se nao temos para evitar o vazio existencial, se temos, queremos a liberdade que promete a calmaria.

Somos eternos orfaos, desacalentados do amor incondicional materno. O amor puro foi uma promessa falivel que nos provocou uma falta, uma clivagem irrestauravel. Amar o meu proximo e um erro inominavel, que vejo nesse outro um objeto de desejo, de posse e submissao as minhas vontades.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Sim!

Oh, sim, posso insinuar tantas coisas, em tantas posso encontrar a objeção que alimenta do mesmo modo que o pão e a carne, que o direito de arrogar contra a própria vida me foi vedado. Ontem eu era aquele que descia os corredores sobre os joelhos e de cabeça baixa; aquele que sentia vergonha do fardo que lhe fora jogado às costas e que, indiferente e pretensioso, cogitava combater as adversidades de um tempo fétido sendo taciturno. Pelos deuses, quão injusto com cada dia eu fui, reduzindo a todos eles o horizonte atrás do qual nascem sorrindo, em forma de um sol laranja e ondulado! Quantas auroras quiseram me felicitar com sua graça e eu, entre paredes, escondi-me da possibilidade de ser festejado, amputado das duas pernas para vivenciá-las em sua beleza e seu calor, de igual modo que o doente descrente em sua recuperação entrega à morte, como óbulo, a vitalidade ainda restante. Como o meu tempo, com sua clownaria insuportável, atuou sobre os meus impulsos intentando deplorá-los, a ponto de fazer-me desejar ser um comum, sujeitando os instintos de que sou dono à certeza irreparável da morte absoluta. Ah, eu nunca houvera sido sagaz o suficiente para pegá-los, quando os vi agir, em flagrante, reparando-lhes o ato ilícito que ali punham em prática – ao contrário, cri também que, aclimatando-me, conservava a mim a integridade da vida. Mas, hoje, tive a visão aterradora dos mistérios sucumbindo sob o céu aberto, e os fatos transbordaram da moldura em que foram pintados. Senti que a vida fugia-nos, em sua totalidade mesmo, ao controle, promovendo, gratuitamente, contínuos atos obscuros de onipotência, realizando-se, segundo por segundo, sem porquê, para ninguém, como que num ensaio ininterrupto sobre um palco sem plateia. Ao arrogar contra a vida maldizia, na verdade, o meu tempo – isto é, uma moldura horrorosa.

quinta-feira, 15 de março de 2012

EDUCAÇÃO E DIGNIDADE

Entrei na Educação em 1982. Muita coisa vi mudar e outras tantas permaneceram exatamente como eram antes de mim. Se alguém me perguntasse se a Educação mudou, minha resposta seria: “Sim, mudou”. É isto; mudou de uma condição pior para outra menos pior, num é melhor, não chega a tanto! O diabo cedeu lugar a Belzebu, e a este lhe entregou o cetro. Se analisarmos os conteúdos veremos que eles se harmonizam com uma visão de homem dócil que não oferece nenhum perigo as hegemonias internas e externas. Com certeza trabalharão para a manutenção da ordem que a maioria dos nossos alunos nem sabe o que é. Enquanto o aluno se prende estudando para uma prova mensal ou para o vestibular, o mundo passa, e ele nem percebe as relações que lhes são invisíveis por falta de uma vivência educacional mais próxima do mundo real e menos teórica.

Meus anos na Educação nunca contaram com uma sala de aula digna, com ventiladores que aliviassem o calor causticante do sertão. Você já imaginou dar aulas sob o sol de Sergipe no mês de março para 49 crianças, sem água potável para beber a tarde inteira, e sem um lugar, pelo menos, confortável para sentar o esqueleto envelhecido pelo pó do giz?

Nunca desacreditei na capacidade de nossos alunos. Nosso povo, meus caros tortos, é criativo e inteligente. O que lhes falta são oportunidades. Devo dizer: “O aluno não acredita na escola, portanto, não percebe a educação”. O aluno sabe que o mestre não tem compromisso por que seus instintos humanos sentem que todo animal se ferifica sob as condições de trabalho de nosso magistério. Em outras palavras – “Ninguém trabalha sem a esperança de usufruir do fruto de seu suor”.

Assim, vi ao longo desses anos, professores fazendo de contas que ensinam, e crianças fingindo que estudam. Tinha uma aluna que fazia até pose quando estava fardada com os livros na mão. Outros repetem certinho o que aprenderam, mas, não apreenderam. Tem um rapaz que conta toda a história de Tobias Barreto, o poeta e jurista, saudoso filho da terra. No entanto, o rapaz nunca percebeu que tudo que o homem recebeu veio de fora de sua terra, pois, em Tobias, na época, Vila de Campos, só tinha vacas no pasto e bares espalhados pela cidade. Uma das maiores bacias leiteiras do estado não tinha condições de ter uma escola digna. Será?

Cheguei ao ensino superior pela Universidade Vale do Acaraú que me honrou dando-me uma cadeira. Lecionei para professores da rede pública. Muitos eram colegas de trabalho. Tive muita tristeza! Vi que o maior problema de nossa classe, principalmente nos interiores, é o analfabetismo funcional do corpo docente. Pasmem! Temos cegos guiando cegos! Mas, esses analfabetos passaram em vestibulares e concursos. Isso me diz que ser preparado para os concursos e vestibulares não pressupõe ser uma pessoa capaz de ler e entender o que leu. Isso é de morrer! Se o enunciado das questões tivesse uma construção textual um pouco mais densa, o índice de reprovação seria muito maior! Professores analfabetos só em Cabrália.
Depois de séculos de luta chegamos à conquista de um piso nacional da Educação. Todos comemoraram; menos eu. Todos aplaudiram; menos eu. Algo me dizia, e não foi o pessimismo que o tal piso ia virar um teto. Pois, num é que eu acertei! O governo federal deu 22% de aumento para o piso, os governadores e estados dizem que o governo federal está errado por que eles não querem pagar. Os prefeitos querem tirar a regência para pagar só o piso. Então o piso virou teto na generosidade histórica do Brasileiro que andou perdoando a dívida de vários países africanos. Coisa de bebo! Dinheiro para dar tem, mas, para a educação não tem!

As teorias educacionais são muitas. Gosto de estudá-las e procuro fazer isso com dedicação. Hoje trabalho na biblioteca de uma escola estadual. Aliás, dizem que me jogaram lá por que não suportam mais me ouvir falar de, adivinhem! Educação. Descobri recentemente que a escola tem material para formar um doutor em educação. Os livros estão intactos nunca foram lidos! Os nossos colegas de profissão não gostam de ler. “Quando chego a casa não tenho tempo de ler nada”. “Mas a cervejinha é sagrada, ninguém é de ferro”. Este é outro problema que não se pode culpar o governo.

Sabe, nossas crianças aprenderiam de todo jeito. Se houvesse pelos menos um pouco de dignidade de todos os lados.

terça-feira, 13 de março de 2012

A função pedagógica da arte nonsense

“Devolver o enunciado ao seu lócus”. Essas são as palavras ditas por Roosevelt Vieira Leite. Ora, o que nosso autor torto tenta mostrar é que a palavra só consegue ser compreendida pelos alunos quando ela passa a ser colocada na realidade desses alunos. No entanto, o conhecimento não deve ser apenas compreendido, e sim criticado, e esse é um ponto que eu e Roosevelt sempre fazemos questão de ressaltar, por isso que acreditamos ser necessário que o educador provoque o estranhamento, e isso só acontece quando novas linguagens são trazidas também para a sala de aula.

Por isso que acho imprescindível que o educador traga para suas aulas a arte nonsense, isto é, uma arte “sem-sentido” que foge dos modelos convencionais da arte e que questiona o que a sociedade nos impõe como verdade. A partir da arte voltada ao nonsense, podemos descobrir novos sentidos, até por que dentro do caos também existe a ordem. Ou seja, em meio ao óbvio transita o esquisito. Aí é onde eu começo a perceber o papel pedagógico da arte nonsense por enxergar nela uma grande contribuição para a conscientização do aluno acerca de seu lugar na sociedade.

Esse tipo de arte, justamente por não nos trazer discursos logicamente construídos, possibilita com que através desse não-esperado, o aluno passe a exercitar o seu senso de criatividade e crie um novo sentido a partir da interpretação que de forma independente ele passa a fazer de acordo com os caquinhos deixados por ela. Afirmo isso, pois nesse tipo de arte, a construção quem faz é o receptor e não o autor, pois na arte nonsense a proposta é deixar o público seguir sua própria leitura da obra, visto que ela não se quer acabada, daí por que temos a impressão de que ela não tem sentido.

Por isso que eu acredito que ao possibilitar que os indivíduos construam suas interpretações de acordo com seus pontos de vista, a arte nonsense faz com que esses sujeitos com um tempo passem a ter menos receio em questionar os modelos legitimados pela sociedade. Acho que o educador se utilizando da arte nonsense retira grandes dificuldades dos alunos sentidas pelo menos por mim em minhas aulas de sociologia que é o medo de errar, a partir do instante em que os alunos reconhecem que são capazes de produzir novos sentidos por não esperarem a verdade dada por um modelo.

A arte nonsense pode permitir que o aluno perceba, por exemplo, que mesmo estando em uma realidade aparentemente lógica, ele vive em meio a uma infinidade de contradições. A partir da arte nonsense o aluno pode vislumbrar novas questões e reconhecer que nem sempre os modelos impostos pela sociedade são justos ou harmônicos como eles querem demonstrar que são, que o que é dito como verdade não necessariamente é inquestionável, que a ficção não necessariamente passa longe da realidade, assim como um ato desviante não necessariamente leva ao erro.

É claro que essa disponibilidade em produzir novos sentidos não passa sem obstáculos. Sabemos que o medo dos alunos é resultado de uma educação ainda marcada por uma forte dose de autoritarismo. Por isso que aplicar ao conhecimento coisas que fazem parte de suas realidades como atentei no início do texto, é também um bom caminho, pois eles terão que se sentir familiarizados com o conhecimento, com os conceitos expostos em aula, para com isso, poderem criar suas próprias leituras e representações do mundo através do estranhamento produzido pela arte nonsense.

Por exemplo: um educador pode abordar sobre desigualdade social se utilizando de músicas ouvidas pelos alunos para trazer de forma mais clara o assunto abordado. Como nesse momento o aluno ainda se apropriou apenas do entendimento do conceito, o educador pode propor um debate para uma próxima aula pedindo que os alunos tragam revistas, jornais que abordem noticias de assuntos que interessam a eles que podem ser relacionados com o conteúdo. Na outra aula o educador faz o debate e reforça o conteúdo que foi dado tornando-o mais familiarizado ao aluno.

Posteriormente o educador apresenta uma gravura nonsense, por exemplo. Minha opinião acerca do nonsense como caminho para produzir o estranhamento, se deve ao fato de eu acreditar que o nonsense pode mostrar ao aluno que não necessariamente o que se encontra “fora da normalidade” está fora da possibilidade de ser pensado. Para mostrar aos alunos que dentro do “caos” se produz sentidos, o educador pode pedir aos alunos que recortem palavras das noticias que trouxeram. Cada aluno pega cinco palavras de forma aleatória e a partir disso produzem um texto articulando a gravura com o tema exposto em sala.

Produzido o texto, os alunos vão perceber que as palavras soltas produziram sentido através dos textos que foram sendo criados, como podem perceber que foram capazes de articular o nonsense com um tema concreto como a desigualdade. Com isso, o aluno pode verificar que o “fora-do-sentido” pode produzir sentido e o que é dito como “verdade” pode ser re-questionado. Isso faz com que o aluno note que a realidade pode ser recriada, que não existem verdades absolutas. Articulando o tema desigualdades sociais, o educador pode mostrar ao aluno que socialmente essas verdades não existem por si mesmas, mas que representam interesses de classe.

Por isso que eu acho que a familiaridade e o estranhamento devem existir na educação. A familiaridade permite ao aluno compreender o conceito; já o estranhamento faz com que o aluno produza novos conhecimentos. Enfim, acredito que o educador tem que colocar o enunciado dentro do seu lócus, utilizando-se da cultura compartilhada pelos alunos; mas também tem que retirar esse enunciado de seu lócus como forma de fazer com que aluno parta para o estranhamento e não compreenda o conteúdo exposto em sala sem questioná-lo, sem sinalizar as suas contradições.

- ESTE TEXTO FOI PUBLICADO NO DIA 26 DE JANEIRO DE 2012 NO SITE www.pensandoaeducacao10.blogspot.com

segunda-feira, 12 de março de 2012

Castelo de Areia

Geracoes sao passadas,
num tempo relativamente gerado.
Mutacoes imutaveis
pela correnteza de areia
do tempo.

Meus cabelos crescem,
minha pele se enruga,
a gravidade arqueiam meus ossos...
Minha energia se esmiuca

e prefiro ficar sentada num canto
recondito
esperando o tempo passar
enquanto os raios solares
penetram fortemente minha janela
formando uma penumbra escura no meu rosto.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Au, au, au!

Os cães estão aí, nas ruas, instruindo-nos sobre a vida. Diferente de nós, sapiens sapiens, encontram-se limitados aos seus instintos, ao reconhecimento olfativo do quadrado em que habitam, absolvendo-nos da culpa pelo pontapé incontáveis vezes dado, qual raça superior incapaz de guardar o remorso e o ódio pelo mal sofrido, pelo vilipêndio de que fora alvo. Que eu tenha conhecimento, até aqui, não engendraram, como um pacto formal, um compromisso sério que os livrasse da incessante cobardia alheia. Desde o princípio, quando a mais alta patente do escalão filosófico foi comparada a eles, a Vossa Excelência Diógenes, são os proscritos do convívio social convencional, que dormem e se higienizam, respectivamente, em álgidos cantos abandonados e sujas poças de água inerte e encarnada. Não trouxeram para a sua redoma os estatutos complexos, os códigos romanos que muito asseguram e no mundo real pouco valem, sendo senão anárquicos à sua maneira, livres de uma forma que nunca seremos, respeitáveis como não é o nosso homem mais honesto. Incondicional, sobretudo incondicional, é o amor expresso deles nos momentos mais díspares, nas situações mais conflituosas em que, recatados a uma doçura infantil e poderosa, testemunham a bondade sendo ternos, arrancando do coração mais amalgamado e frio a disposição necessária para uma carícia amistosa, o subsídio fundamental para que seja suscitado o último sorriso. - Ah, cães, como os invejo por tudo o que são!

quinta-feira, 8 de março de 2012

A VOLTA DE QUEM NÃO FOI

No pequeno Povoado baiano da “Lagoa Redonda”, vizinho a Tobias Barreto, ocorreu um fato muito curioso. Um homem acordou de noite sobre uma cova do pequeno cemitério do povoado. O rapaz se ergueu com certa dificuldade e caminhou em busca de ajuda. Eram dez da noite. Todos estavam em casa. Ninguém viu o estranho andando pela pista do povoado. Como ele não encontrou ninguém e vencido pelo extremo e inexplicável cansaço decidiu bater na porta de uma casa muito humilde.

- Boa noite! Vocês podem me ajudar?
- Como moço? Disse uma moça negra segurando uma criança nos braços.
- Que lugar é esse?
- Moço, aqui, é a Lagoa Redonda. Respondeu a mulher abrindo um sorriso mostrando a boca com dentição perfeita.
- Lagoa Redonda! O homem caiu no pé da porta de dona Florinda. A mulher corre para a vizinha em busca de socorro. Imediatamente a frente de sua casa estava repleta de curiosos.

- Será que o homem morreu?
- Quem é ele. Olhe seus documentos!
- Num tem documento, não!
- Então vamos chamar a policia! Quem anda sem documentos coisa boa num é!
- Calma mulher! Vamos primeiro levantar o homem!

Juarez e seu colega de pinga Roberto Carlos levantaram o homem e o colocaram no sofá da casa de dona Florinda.

- Chega põe ele aqui! Comadre vá pegar um copo d’água com açúcar! Tereza foi correndo pegar a água e trouxe para o rapaz. Este passava a mão na barca grisalha que muito lhe enfeitava o rosto.
- Como é seu nome, moço?

A pergunta despertou uma grande e intrigante dúvida no homem: “Como é meu nome?” O homem não tinha nome, pelo menos, por enquanto. Ele disse omitindo este detalhe: “Meu nome é Alencar”.

- Seu Alencar está melhor? Perguntou Juarez.
- Sim, parece que foi fraqueza, a barriga está gritando de fome. Florinda correu para o fogão e fritou os últimos dois ovos restantes em sua casa. Serviu ovos mexidos com pão e café ao estranho. E ele, após ter comido, recobrou a forças. O povo havia matado a curiosidade e foi, aos poucos, retornando aos seus lares. O estranho permaneceu sentado no sofá de Florinda.

A casa não tinha quase nada. Um sofá velho marrom. Uma poltrona velha amarela, uma mesa para a televisão colorida com controle remoto. No único quarto, uma cama apoiada por paralelepípedos, e um guarda – roupa que sua comadre lhe deu quando ela casou com o maldito Zé Pimenta. Na cozinha, muito apertada, estava a mesa de quatro lugares, e a geladeira seminova que ela ganhou das lojas Assuranas pelo tempo trabalhado. Florinda estava desempregada há um ano. Desde que brigou com o filho do dono das lojas Assuranas que ela nunca mais conseguiu uma vaga no comércio. Florinda vivia de faxina. Cobrava trinta reais pelo dia. Mas, como ela diz com muita frequência: “Melhor ser pobre e negra, mas, com dignidade, do que vender meu corpo a um vagabundo”. Ninguém na Lagoa Redonda podia dizer nada da mulher. Florinda era pobre, contudo, muito séria e direita.

- Hum! Hum! Florinda coça a garganta na intenção de chamar a atenção de Alencar cujo olhar estava fixo na televisão.
- Sim, dona Florinda! Disse Alencar com tristeza. Ele sabia que a mulher, certamente, iria colocá-lo no olho da rua.
- O senhor sabe né! Mas, aqui, o povo tem a língua grande; uma mulher não pode ficar sozinha com um homem, principalmente, estranho, como a sua pessoa.
- Eu sei senhora. Eu vou me retirar. Alencar se levanta, anda apenas dois passos para a porta. Subitamente, Tereza entra de casa adentro com mais comida nas mãos.
- Mulher! Você não sabe, mas, tinha este resto de galinha na panela! Dei um esquento e veja aí! Se num tá bom! Experimenta moço, deixa de prosa!

Alencar comeu o conteúdo da panela. Foi ao banheiro cujo vaso estava solto, e retornou para a sala para conversar com as estranhas.

- Eu não sei como vim parar aqui! Acordei no cemitério. Mas, como podem ver não há evidências em mim de ter morrido, ou sido vítima de violência.
- E como foi moço? Onde está seu carro? Você deve ter um carro? As mulheres pensaram isso por causa das roupas de Alencar. Elas eram todas de excelente qualidade; suas unhas eram pintadas com esmalte masculino; a pele fina das mãos foi logo percebida pelas mulheres. As mulheres são muito observadoras, o menor detalhe não lhes escapa.
- Carro? Não me lembro de ter um carro. Na verdade não me lembro de nada. Os três conversaram até o sono tomar conta de todos.

A Lagoa Redonda de manhã cedo tinha uma rotina muito curiosa. Como a água não era encanada. A comunidade ia para o chafariz escovar os dentes. Esse momento íntimo se tornou público. As pessoas aproveitavam para saber do que ocorrera durante a noite.

- Mataram Carlinhos da barroca. Deram três tiros nele.
- Quem mandou se envolver com roubo de gado!
- Sabe quem está namorando o vereador Artilhes?
- Não!
- A filha de Juarez.
- Como rapaz? Juarez estava atrás do caminhão do lixo e ouviu a séria denuncia.
- Não é o amigo não! É a filha de um Juarez aqui de Itapicuru.
- Ah, sim, agora está melhor. Filha minha não namora homem casado não! A conversa rendia, mas, o povo desceu para Tobias para trabalhar.

Alencar ficou na lagoa Redonda. Começou trabalhando com Juarez, depois, juntou um dinheiro e pôs uma venda. Com o tempo, Alencar tinha um mercadinho. O mercadinho de Alencar se tornou o maior do povoado.

- Alencar parecia doido quando chegou aqui. Mas, veja como o homem prosperou!
- Pois, foi rapaz. Mas, até hoje não se sabe nada dele. A família; se foi casado, se matou gente por aí.
- Você tem razão. O dia a dia revela tudo.

O dinheiro não trouxe a memória de Alencar de volta. Nem fez Florinda ser sua mulher. Nos primeiros anos de Alencar na Lagoa Redonda, o povo achava que Florinda ia ficar com ele, mas, a mulher dizia: “Eu gosto dele, mas, ele pode ser casado, ter família. Eu vou esperar para ver se tem coelho nessa moita”. Os dois ficavam juntos todas as noites. Não havia sexo entre eles. Alencar adorava assistir televisão com Florinda. Tereza comentava com sua comadre: “Mulher, Alencar num vive mais sem você não!” Dona Florinda respondia sua amiga assim; “Que nada mulher; homem é tudo igual, no final eles querem aquela coisa!” Florinda estava enganada. Alencar nunca esboçou um gesto ou a olhou com olhos malandros. Sua conduta era impecável. Seu único defeito era não se lembrar de seu passado.

O mês de julho do ano de 1999 havia chegado. A Escola Municipal Paulo Dantas estava dando uma festa na praça do povoado. Aquela festa era conhecida pela redondeza e muito prestigiada pela população. As pessoas das cidades de Tobias, Olindina, e a sede do povoado, Itapicuru costumavam frequentar a festa junina da Lagoa Redonda. Alencar ficou conhecido pelos quatro cantos da região. Todo mundo queria conhecer o “esquecido legal” - Um homem muito inteligente e que não se lembrava de nada de seu passado.

- Alencar a violência aumentou muito nessa região.
- E foi rapaz. Eu acho aqui um lugar tão tranquilo!
- Que nada rapaz, aqui, já foi tranquilo! A gente dormia de porta aberta. Ladrão só tinha de galinha.
- Eu sei; pena que não posso dizer nada sobre meu lugar, rapaz, já pensou você não recordar de nada? Minha mãe virou a cova onde eu acordei. Pois, só me recordo daquela noite para cá.
- Rapaz, como é isso?
- Sei lá.
- Sim, ia me esquecendo! Sabia que acharam um carro dentro de um lago em Alagoinhas?
- Não!
- Pois, era um opala. E havia um esqueleto dentro. Dizem que era de um homem. Ficou uma carteira de identidade, em fim, o documento de um dos dois. A policia está investigando o sumiço do motorista. A família do motorista está oferecendo uma recompensa para quem achar o cara.
- Sabe o nome dele? Perguntou curioso Alencar.
- Quem sabe seja você! Assim você conheceria sua família, ou a encontraria.
- É. E se num for. O coração de Alencar bateu forte.

Já faziam sete nos que Alencar estava na Lagoa. Ao longo desse tempo ele cresceu e ajudou Florinda. A mulher e a pequena Keliane passaram a ser sua família. A casa de Florinda era a mesma, no entanto, não era a mesma, pois, Alencar fez muitas reformas, mesmo, sobre a reprovação da mulher que dizia não querer ajuda de estranhos.

- Florinda meu Deus, deixa de ser idiota! O cara num é nada teu, nem pai de tua filha, mas, o cara quer te ajudar! Dá um jeitinho aí e agarra o homem!
- Deus me livre! Adultério não é o meu forte bem!
- E se ele não for casado?
- Aí, é outra história?
- E o tempo que você perdeu? Não adiantava; Tereza não convencia Florinda de se arrumar com Alencar.

No mês de agosto, o Povoado Lagoa Redonda sente o impacto do comercio de Tobias. Os ônibus chegam de todos os lugares trazendo estranhos e velhos amigos. Um estranho começa a fazer perguntas sobre Alencar. “Vocês já viram esse homem?” Essa era a pergunta que saía de sua boca. Em seguida, ele mostrava a foto de Alencar de bigode. Na lagoa, Alencar não usava bigode. O homem era tão querido pelo povo que ninguém disse nada sobre ele. Todo mundo fechou a boca, e avisaram a Alencar para se esconder. “tem gente querendo te matar”. Eles diziam assim porque o costume do lugar era não dar informações, pois, havia muita pistolagem na lagoa naquela época. No entanto, o estranho notou algo errado e decidiu se hospedar em Tobias, na Pousada Comida Caseira de seu Agnaldo Corini.
- Juarez quem é esse homem procurando Alencar? Será que ele fez algo errado?
- Sei não. Mas tem alguma coisa estranha. Asseverou Juarez. O povo todo não tinha outra prosa. “Afinal quem é Alencar?” Essa era a pergunta sem resposta. A fonte de toda a fofoca.

- Alencar, rapaz, você não lembra nada de seu passado?
- Nada rapaz. A ultima lembrança é a cova onde eu nasci de novo.
- E agora se você morrer como a gente vai avisar seus parentes.
- Eu não penso nisso porque não se sente falta do que não se lembra. As respostas de Alencar convenciam as pessoas. Todavia o homem esquecido da Lagoa Redonda soube do estranho. Alencar o seguiu e o parou para uma conversa no meio da rua, na Praça da Bandeira, em Tobias.

- Quem é o senhor. Por que me procura?
- Eu sou detetive particular. Estou aqui a mando de sua esposa. Ela está doente e quer saber de você. Ela já sabe que você está aqui. Alencar foi noutro mundo e voltou. Agora sua esposa sabia de seu paradeiro e podia vir atrás dele.
- Eu não vou mais morar com Rosangela. Diga-lhe que estou bem.
- Mas, seu Otávio, a coisa não é assim não. E os negócios da família? Disse o detetive defendo os interesses de sua cliente.
- Eu vou falar com os advogados e dizer que você estar se recusando a cooperar.
- Eu preciso de uns dias para pensar. O detetive concordou, mas, por precaução, avisou a Rosangela.

Alencar não era mais o mesmo. Ficou calado, não ia mais a casa de Florinda e conversava pouco com as pessoas. O homem se trancou em casa. O povoado o procurava no mercadinho e nada. O procurava na rua e nada. Três dias se passaram. A paciência e a curiosidade do povo não suportava mais tanto mistério. O povo invadiu a casa de Alencar.

- Onde ele está? Cadê o homem?
- Rapaz, o homem sumiu!
- Os negócios dele aqui como ficam?
- E esses remédios não são para doidos?
- Num sei não. Alencar sumiu no oco do mundo.

Acharam uma cova aberta no cemitério do povoado, a mesma onde Alencar acordou. Havia no fundo da cova, dentro do caixão, uma pequena pedra de diamante. Depois disso Juarez ficou mais rico e Florinda, finalmente, comprou seu chão de terra para plantar próximo ao Candial. O Povoado Lagoa Redonda nunca mais soube notícias de Alencar, todavia, as pessoas estranhavam o fato dos dois amigos de Alencar terem prosperado tão rápido. O detetive ligou para sua cliente.

- Dona Rosangela, o homem sumiu de novo.
- Ah, meu Deus quando é que este homem vai parar? Otávio não se conserta nunca.
- Freitas siga o rastro dele. Ele deve ter deixado alguma pista.
- Tenho suspeitas daqueles dois que tiveram vantagens.
- Se eu pelo menos soubesse que ele estava tomando os remédios, e que não feriu ninguém, eu ficaria despreocupada.
- Quanto a isso, aqui tudo está limpo! Ficou apenas a pendência do homem do Opala, mas, a policia está sem pistas. E quanto aos documentos?
- A gente dá um jeito.
- Continue a fazer o seu trabalho. Concluiu Rosangela. A mulher de Otávio ou Alencar continuou sua busca pelo marido doente até que um dia se cansou.

- Rapaz eu não te conto!
- O que?
- Você nem vai acreditar!
- O que rapaz! Diga logo seu filho da mãe!
- Acharam um cara dormindo sobre uma cova no povoado Peba.
- E foi?
- Foi.
- E quem é o homem?
- Ele, coitado, não sabe de nada.
- Estranho.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Aviso

Meus caros amigos,

Por motivos de doenca nao pude postar essa semana. Peco-lhes desculpas. encontro voces proxima semana.

terça-feira, 6 de março de 2012

Super-Nada: o herói cansado

Por esses dias, Zé Órbita me apresentou um conhecido seu, o Super-Nada. Super-Nada é um herói cansado que vive criticando o mundo com a língua enrolada por seu constante excesso de álcool.

Super-Nada quando mais jovem, vivia lendo teorias e teorias sobre revoluções, buscava compreender todas as manifestações sociais que ocorriam pela cidade. Todos os jornais alternativos que circulavam pelos guetos undergrounds eram lidos por nosso idealizador frustrado. Nosso querido herói vivia jogando discursos cheios de ódios aos nossos burgueses, condenava quem tomava cafezinho espumante nos shoppings, e principalmente quem comia hambúrgueres minúsculos e secos da McDonald´s.

Super-Nada trabalhou muito. Todos os dias ele voltava do trabalho aborrecido por se ver submetido aos ditames do capital. Ele não passava de um súdito de merda que criticava o sistema tendo que inevitavelmente se rebaixar às exigências da produtividade tão cobrada por seus inimigos burgueses. Seu ódio ia aumentando cotidianamente, até que um certo dia, Super-Nada, depois de ter convencido os seus colegas de trabalho a se manifestarem contra a exploração na qual eles estavam submetidos, criou um furdunço em seu trabalho.

Nesse dia, Super-Nada se tornou um deus. Enquanto todos gritavam palavras de respeito à categoria, nosso herói era levado pelos braços de seus companheiros de profissão.

O seu patrão, depois de ter visto que a situação parecia se encontrar em um grau irreversível, fez uma negociação com seus colegas de profissão, ajustando seus salários. Porém, Super-Nada tentou impedir a aceitação da negociação por ele perceber que o aumento salarial não minimizaria a exploração pela qual ele e seus colegas passavam. Acontece que seus colegas sabiam que mesmo que a situação de exploração continuasse, eles preferiam ganhar alguma coisa a não ganhar nada.

Depois da resolução entre o patrão e os funcionários, Super-Nada foi chamado até o gabinete de seu senhor e recebeu uma sova de palavras de repúdio, e foi mandado embora. Enquanto seus amigos comemoravam o reajuste salarial, Super-Nada foi saindo desconsolado. A alegria era tamanha que seus amigos nem se deram conta da saída do nosso herói.

O mundo continuava o mesmo. Super-Nada por ter se frustrado, ficou perambulando pelas ruas por muito tempo. A frustração ia aumentando, até que, como forma de tentar fazer com que o tempo da vida passasse sem ele se dar conta, começou a se envolver com o álcool.

No dia em que eu fui apresentado a Super-Nada pelo meu amigo Zé Órbita, Super-Nada me convidou para tomar umas cervejas no bar junto com o Zé. Ao falarmos sobre política, artes, religião, vida, morte, sexo, etc, etc, etc, Super-Nada comentou sobre a teoria da certeza falsa da verdade de Zé órbita, aproveitou e me teceu elogios sobre o meu texto “Terralien”, inspirado no tripé da teoria do Zé.

Antes de irmos embora Super-Nada me disse que a idéia do Movimento Torto era uma idéia genial, apesar dele confessar que em seu tempo de juventude, jamais aceitaria a postura ambígua do olhar que eu construo sobre o torto. Aproveitou e falou que o mundo busca a verdade, mas que a verdade não passa de minúsculas resoluções que vamos conseguindo atingir em nosso dia a dia, e que não necessariamente o bem nos leva ao bem, como também, não necessariamente, o mal nos leva ao mal, pois para ele, tudo é uma questão de leitura e circunstância do momento.

Ao se levantar da cadeira depois de termos tomado a última cerveja, antes de apertar minha mão para se despedir, Super-Nada me disse que o herói não é aquele que consegue obter vitórias em seu currículo, e sim, aquele que consegue sobreviver em um mundo tão inconstante e imprevisível como o que vivemos, e muito mais sincero é o herói que se nega a exercitar a postura de salvador do mundo, para aceitar a sua condição animalesca da lei da sobrevivência, lutando pelo seu pedaço de carne.

No instante que eu saí do bar com Zé órbita, Super-Nada gritou que o herói salva o mundo a partir do momento que seu discurso traz lógicas capazes de argumentar novos caminhos capazes de superar as problemáticas sentidas por ele, mas que a verdade é um amontoado de frustrações tentando atingir o Ideal do mundo, e que sempre cai em sua própria armadilha por ser companheira da dúvida. Irritado ainda disse que o herói que diz ao outro que consegue de fato resolver os problemas do mundo, não passa de um fuleiro, digno de murros e pontapés.

Super-Nada resolveu deixar o bar para nos acompanhar, e no meio de nossa caminhada, ele resolveu morrer. E morreu. Perguntaram para mim sobre a causa da morte do nosso herói e não vou dizer. Vai mudar em quê?

sexta-feira, 2 de março de 2012

Postagem da semana

Inobstante os recorrentes agouros lançados contra ele, o sistema econômico sob o qual vivemos delineia e fortifica os seus muros explorando as potencialidades e as fraquezas dos concidadãos que vivem entre eles. Na medida em que se impõe aos mesmos como uma lacuna a ser tapada com a fadiga proveniente do trabalho ardiloso, dependendo do seu suor e dos seus músculos para ser esmerado e estendido aos céus, tal como é, ultrajante e sem sentido, a existência deste sistema é constantemente ressalvada e mesmo negada por aqueles. Entretanto, a distensão verbal da forma atual de trabalho, estando impedida de ultrapassar, por ocasião da real necessidade do empregado comum, o âmbito da conversa ligeira nas raras digressões feitas em meio ao atarefamento cotidiano, é contrabalançada pelo poder maléfico exercido por tudo aquilo que, apesar de exterior às fábricas e às indústrias, também foi absorvido pela essência desses lugares, tornando-se, como o próprio trabalho concreto cuja vida produz coeficientes positivos aos especuladores, um meio alternativo através do qual o lucro é também fomentado. Ora, se se observa, ainda que desatentamente, uma praça, teremos ali um ambiente de distração, de lazer que, em sua forma, difere-se claramente do ambiente onde se trabalha intentando-se determinados fins, mas que, em seu conteúdo, é uma extensão verdadeira dos fins intentados no ambiente em que se trabalha. Isto é, no modelo econômico sob o qual vivemos, sob o qual vegetamos ao marginar o mais íntimo anseio em troca de um soldo a mais, mesmo as ocasiões particulares são postas sob a suspeição da fábrica, do especulador, estorvando por sua vez o desenvolvimento puro da pessoalidade, fato cuja natureza conduz todos a viverem em função de necessidades essencialmente semelhantes, ainda que muitas delas sejam totalmente desnecessárias. E tais necessidades, sendo o complemento do valor produzido pelo trabalho, dão cabo de manter viva a nossa encenação no palco cotidiano, o superávit anuário de quem sobrevive de nossas contradições... - o capitalismo.
*
A subsunção da solidariedade pelo Facebook demarca o que passamos a ser faz algum tempo: patéticos. Que o denuncismo em excesso descamba numa compaixão viscosa e rasteira, representada através do compartilhamento artificial de uma revolta nunca projetada no mundo vivo, não tenho dúvida. No âmbito da realidade objetiva, o comportamento lisonjeiro comumente visto nesta rede social é de outra natureza, um pouco bem mais sórdida e animal: nela, de acordo com o que é exigido pelas conveniências, as pessoas estão preocupadas em nascer e morrer, munindo-se das maiores e mais bárbaras covardias para não fracassarem no gládio da sobrevivência. Não bastasse a atmosfera ridícula criada a partir de tantos gestos falsos, o expediente de se postar a todo instante o lado negro da sociedade em que vivemos paralisa, engessa, promovendo igualmente a sedimentação do que se vive em detrimento do que se deseja viver, ao passo que os sentimentos nobiliárquicos expressos no Facebook, sendo farsas de sentimentos, não ultrapassam o terreno virtual e se transfiguram em atos concretos: como em uma peça, eles só ganham vida no palco; como em uma religião, é a vontade segredada do fiel cuja devoção o levou ao ascetismo.
*
Como se houvesse nascido deficiente, geneticamente deplorável, trancaram-me o corpo em uma camisa de força. Sem que eu explorasse vivências, absorvendo delas o encanto da primeira vez, nunca intencionaram que eu achasse os meus tesouros, dando-me todos, sem exceção, o metal sem brio, do qual nada pode ser forjado. Puseram-se, desde cedo, sob o encalço das minhas passadas, coagindo-me, corujamente, da possibilidade do risco. Quando alcancei os 15 anos, pela primeira vez, foram mais ríspidos ao apontarem o dedo inquisitivo contra o meu rosto, e retiram-me do colo o violão em que dedilhava, hora após hora, quatro estrofes paupérrimas que eu mesmo escrevi. Veio, então, a maioridade, fase em que o antigo broto alcança o último estágio do seu pleno desenvolvimento - atado ao seu lastro, as exigências mais severas e irreais. Dentre elas, aquela que ocasionou em mim mais medo não foi, como antes, mais aplicação aos estudos e melhores notas: pediram-me que eu lhes soltasse a mão-de-ferro, pois já nenhum astro orbitava em torno do meu eixo. Hoje, experimentado, observo o expediente fatídico a exemplo de quem reflete, restando-me como um consolo a logicidade enregelada da indagação: assim, sozinho, hei de poder caminhar? Para onde? Para quê?
*
Não é estranho que o vento tenha espalhado estas folhas ao longo do passeio público. Ao levá-las à desintegração total sobre o concreto sujo, involuntariamente restabelece ao ciclo natural das plantas o ornato oriundo do tempo álgido, despindo-as para que possam se vestir de um novo verdejar. Que ele não as tenha colocado sobre o asfalto por onde me dirijo às lembranças, nada também tem de estranho, a não ser a crueldade gratuita do ressacamento infinito, onde cada evento, diferente de como acontece às plantas, dependura-se ao seu galho sem poder cair e se desintegrar, sendo permutado depois com o verde concentrado da vida revigorada.

quinta-feira, 1 de março de 2012

VIVA A VIDA

Recentemente conversando com um irmão de fé protestante ele me falou de um indivíduo que seria enforcado no Irã por que não negou a Jesus. O irmão queria saber de mim, se eu estava triste com o fato e se, certamente, eu ainda esboçaria aquele sentimento de engajamento com o movimento proselitista Protestante. Infelizmente, o rapaz deve ter ficado engasgado com minhas novas idéias.

Atualmente o meu engajamento é com minha existência que a cada dia fica mais misteriosa e conflitante; descubro a cada instante de minha curta vida que eu não posso fazer uma escolha como o iraniano por que não posso abrir mão da única coisa objetiva que tenho: Eu mesmo. Entendo que abrir mão de mim, em um quase suicídio, seria a maior besteira de minha vida. Hoje, por meio do estudo da História das Religiões, pude ver que Deus se manifestou de tantas formas quantas são as possibilidades humanas de produzir sentidos. A cultura modela o pensamento religioso, e este devolve à mesma, a expressão religiosa cultural.

Na verdade, a idéia que faço de Deus não me permite mártires! Os mártires evangélicos Protestantes têm muito a ver com as pulsões sexuais reprimidas, e sentimentos de autopunição. A relação com o “Grande Pai” explica muito bem isso. Como um ser onisciente pode esperar de mim, um ser temporal e frágil um ato de suicídio que glorifique seu nome como dizem os crentes fundamentalistas que crêem que isso deve ser assim? Morrer por Jesus é o lema daqueles que levam a Fé Protestante às últimas conseqüências, infelizmente!

Mas, refletindo sobre o fato percebi que havia uma queixa do crente. Ele parecia revoltado com a atitude do Governo e do povo iraniano por que iam arrancar a cabeça do crente fora. Eu o lembrei que a atitude do Irã é tão cultural quanto foi cultural a atitude do governo Inglês junto com a Igreja estatal da época na “Caça as Bruxas”, no século XIX. Morreram milhares de pessoas esotéricas em nome da pureza do evangelho e do nome Santo de Deus. A igreja condenou a forca e a fogueira milhares de cidadãos britânicos! A mesma igreja que matou no passado não consegue perceber que as ações ocorrem nos eixos tempo e espaço e que essas ações são sobre tudo influenciadas pela cultural local, logo, no Irã, ser cristão é crime, e daí? Ele foi julgado pela lei local! É lamentável, mas, é fato!

A igreja Protestante do Brasil pratica a inquisição midiática contra as religiões minoritárias, de preferência, as de matiz afro-brasileiras e espíritas. As rádios, os jornais, as revistas, os programas dos pastores eletrônicos, os sites na internet, etc., possuem matérias que fazem uma má fama para essas religiões, e isso deixa bem claro que: “A Igreja Evangélica do Brasil pretende suprimir da nação, caso seja poder, essas religiões ‘minoritárias’”. Isso ocorreu na Inglaterra na caça as bruxas e nos Estados Unidos. Curiosamente, foram esses dois países que investiram maciçamente na ação missionário do Brasil no início do século XX.

Ora, matar os outros em nome de Deus não é pecado? Quantas pessoas o protestantismo matou? Para o mulçumano iraniano, matar um cristão deve ser um serviço a Ala. É uma questão de fé para eles assim como igreja no passado.
Para mim, a vida é o que interessa e ela está acima de qualquer confissão de fé. Se o rapaz tivesse negado a Jesus de mentirinha, todos acreditariam e Jesus na sua onisciência o condenaria apenas pela mentirinha. Não se pode negar a Deus, isso é um absurdo, um desconhecimento total do ser divino, que nunca se engana com nada!

Uma vida se foi por nada. Os Estados Unidos aproveitam para fazerem propaganda anti Irã. Os evangélicos fazem o marketing; “Ainda há pessoas capazes de morrerem por Cristo”. Cristo não quer que você morra por Ele! Ele, na verdade, quer que você viva sua existência plenamente; e você não precisa sustentar uma fé a trancos e barrancos no formalismo absurdo da lei. Viva a vida!