Ao ler o último artigo de VINA “As brigas do Movimento Torto” no site do mesmo título, bem como alguns comentários de leitores acerca do assunto, pude observar certa querela entre autores, querelas estas não entendidas, ou talvez, não aceitas pelos leitores, e daí, abrir-se um leque bem colorido de questões. Foi aí que me entusiasmou a entrar nessa discussão. Contudo, tentarei me limitar a colaborar, se possível, na compreensão, pelo menos neste momento, na questão se ser torto é normal e se é o normal.
Permitam-me, inicialmente, um comentário a respeito da Expressão “TORTO”. Embora a compreenda no contexto do movimento, não me soa agradável talvez dado ao aprendizado nos meus pesados anos de vida ter aprendido que torto é o oposto de certo, o que se soma a minha formação em Ciências Jurídicas, cujo conceito é o mesmo.
No mundo social, jurídico, religioso e moral, o ideal do movimento é tudo de que necessitamos, nem que para isso seja dado o sangue ou “uma libra de carne”. Se em nossa sociedade, cada um contribuísse com esse peso, seguramente viveríamos bem melhor, o que na expressão do Movimento, entendo, seria o entortar-se.
A verdade é que o entortar-se dói. E quem diz o contrário? O mal estar, o sofrimento, nas sociedades do século passado, se centrava no “conflito psíquico” nas quais se opunham sempre o imperativo das pulsões e as interdições morais. Na contemporaneidade esse imperativo se evidencia nos registros do corpo e da ação, ora de forma violenta, ora de forma sublimada
O que se pode observar do “Movimento TORTO” é uma filosofia de vida que possibilite amenizar o impacto dessas novas formas de mal estar sobre as subjetividades contemporâneas no sentido de que ao menos possamos viver socialmente possível, já que é visível a caminhada da violência, em decorrência, me parece, da dificuldade de ordem racional.
A dor e o sofrimento causado ao entortar-se implicam naturalmente numa necessidade de descarga libidinal, e os escritores do Movimento o fazem muito bem, de forma sublimada, e é tudo de que a nossa sociedade necessita.
Falo assim, no sentido de poder se viver em sociedade, mas é preciso se entender que o humano, como sujeito, quando atinge a alteridade, a dor e o sofrimento consequentemente serão bem menor, já que a qualidade da reação agressiva quer seja ativa ou passiva se deve naturalmente a um modo de identificação do sujeito a que se denomina de “narcísico”, nas suas várias faces. Ora valorizando a sua imagem, (crença na sua verdade como única) ora o objeto de escolha (apaixonamento pelo seu objeto como o único belo e perfeito). Vemos regularmente, nas religiões, na ciência, na política, nos times de futebol, chegando às últimas conseqüências.
Feitas as considerações acerca do tema tentarei colocar o meu ponto de vista, iniciando pela questão: Ser Torto é o normal? Antes porém devo expor, mais uma vez, o meu pensamento sobre o termo “Torto” Penso o torto aqui como uma posição constante, prefiro o entortar, que transita de um lado para o outro, assim como os Gira-sóis que estão sempre à procura do sol, da vida.
Dito isto, eu, particular e lamentavelmente, não vejo o humano sequer, tentando se entortar. Mesmo porque vivemos numa sociedade do narcisismo, do espetáculo, do consumo exagerado, enfim, do imaginário. Uma sociedade sem rumo, onde a lei é insubsistente, uma vez que, o estado que cria leis morais ao mesmo tempo esses representantes, descumpre-as grosseiramente, roubando a olhos vistos uma sociedade faminta; as religiões, igualmente pregam a moral e tem seus representantes praticando todos os tipos de delito: a pedofilia, a sonegação fiscal e tantos outros; as instituições privadas por sua vez, de forma perversa, sonega o estado, explora o empregado e por aí vai.
O que ainda faz a gente ter esperança é o comportamento de jovens como a turma do “Movimento Torto” (escritores e leitores) que estão aí pensando, simbolizando, e recriando valores.
Quanto a segunda pergunta: Ser Torto é normal? Com as observações devidas à expressão Torto, penso que o estático, torto ou certo, não passa de delírio, daí, deixo com Lacan a resposta: “seguramente a certeza é a coisa mais rara para o sujeito normal.” (O Seminário livro 3 das Psicoses, pag. 90).
Nota: Cleone Rodrigues é psicanalista.
Permitam-me, inicialmente, um comentário a respeito da Expressão “TORTO”. Embora a compreenda no contexto do movimento, não me soa agradável talvez dado ao aprendizado nos meus pesados anos de vida ter aprendido que torto é o oposto de certo, o que se soma a minha formação em Ciências Jurídicas, cujo conceito é o mesmo.
No mundo social, jurídico, religioso e moral, o ideal do movimento é tudo de que necessitamos, nem que para isso seja dado o sangue ou “uma libra de carne”. Se em nossa sociedade, cada um contribuísse com esse peso, seguramente viveríamos bem melhor, o que na expressão do Movimento, entendo, seria o entortar-se.
A verdade é que o entortar-se dói. E quem diz o contrário? O mal estar, o sofrimento, nas sociedades do século passado, se centrava no “conflito psíquico” nas quais se opunham sempre o imperativo das pulsões e as interdições morais. Na contemporaneidade esse imperativo se evidencia nos registros do corpo e da ação, ora de forma violenta, ora de forma sublimada
O que se pode observar do “Movimento TORTO” é uma filosofia de vida que possibilite amenizar o impacto dessas novas formas de mal estar sobre as subjetividades contemporâneas no sentido de que ao menos possamos viver socialmente possível, já que é visível a caminhada da violência, em decorrência, me parece, da dificuldade de ordem racional.
A dor e o sofrimento causado ao entortar-se implicam naturalmente numa necessidade de descarga libidinal, e os escritores do Movimento o fazem muito bem, de forma sublimada, e é tudo de que a nossa sociedade necessita.
Falo assim, no sentido de poder se viver em sociedade, mas é preciso se entender que o humano, como sujeito, quando atinge a alteridade, a dor e o sofrimento consequentemente serão bem menor, já que a qualidade da reação agressiva quer seja ativa ou passiva se deve naturalmente a um modo de identificação do sujeito a que se denomina de “narcísico”, nas suas várias faces. Ora valorizando a sua imagem, (crença na sua verdade como única) ora o objeto de escolha (apaixonamento pelo seu objeto como o único belo e perfeito). Vemos regularmente, nas religiões, na ciência, na política, nos times de futebol, chegando às últimas conseqüências.
Feitas as considerações acerca do tema tentarei colocar o meu ponto de vista, iniciando pela questão: Ser Torto é o normal? Antes porém devo expor, mais uma vez, o meu pensamento sobre o termo “Torto” Penso o torto aqui como uma posição constante, prefiro o entortar, que transita de um lado para o outro, assim como os Gira-sóis que estão sempre à procura do sol, da vida.
Dito isto, eu, particular e lamentavelmente, não vejo o humano sequer, tentando se entortar. Mesmo porque vivemos numa sociedade do narcisismo, do espetáculo, do consumo exagerado, enfim, do imaginário. Uma sociedade sem rumo, onde a lei é insubsistente, uma vez que, o estado que cria leis morais ao mesmo tempo esses representantes, descumpre-as grosseiramente, roubando a olhos vistos uma sociedade faminta; as religiões, igualmente pregam a moral e tem seus representantes praticando todos os tipos de delito: a pedofilia, a sonegação fiscal e tantos outros; as instituições privadas por sua vez, de forma perversa, sonega o estado, explora o empregado e por aí vai.
O que ainda faz a gente ter esperança é o comportamento de jovens como a turma do “Movimento Torto” (escritores e leitores) que estão aí pensando, simbolizando, e recriando valores.
Quanto a segunda pergunta: Ser Torto é normal? Com as observações devidas à expressão Torto, penso que o estático, torto ou certo, não passa de delírio, daí, deixo com Lacan a resposta: “seguramente a certeza é a coisa mais rara para o sujeito normal.” (O Seminário livro 3 das Psicoses, pag. 90).
Nota: Cleone Rodrigues é psicanalista.
É uma honra participação de tal estirpe. Seja bem-vinda a este circo do mundo desencantado!
ResponderExcluirEu adorei a concatenação do texto, uma exposição muito madura que abrangeu desde a discussão acerca do que constituiria o ser torto ou o entortar, passou por uma análise conjuntural e finalizou com uma frase pequena, mas profundamente densa que foi muito felizmente selecionada.
Ora, de fato, a certeza combina muito bem com psicose. A falta de percepção das próprias limitações cognitivas, a falta de um reflexão a fim de destruir seus próprios paradigmas, isto tudod e fato não é nem um pouco a cara do sujeito neurótico.
Por isto, ao meu ver, a conclusão é bastante pertinente.
Um grande abraço!
Muito bem colocada a palavra de dona Cleones. Roosevelt
ResponderExcluirO olhar Psicanalítico sobre o torto levanta questões bem pertinentes ao momento que o movimento passa. O dizer de alguns, no meu olhar, não deve ser tomado como uma negação ao movimento; o vejo como uma afirmação do mesmo. O torto como foi colocado no início de sua trajetória é um movimento que se autocritica, até mesmo porque ele não se considera a última palavra sobre qualquer coisa.
ResponderExcluirDona Cleones levantou questões como o mal do século; a necessidade de adaptação as convenções que é característica inegociável de nosso psiquismo. O torto busca descarregar em um dado momento sua frustrações com a realidade que sabe muito bem que não tem total autonomia sobre ela, e o escrever é uma descarga que vai do aceitável no sentido social e do não-aceitável. O segundo momento como o primeiro trazem uma carga libidinal que busca o equilíbrio entre o que deve ser no sentido social, e o que é.
A psicanalista sergipana ainda cogitou sobre o que é entortar-se partindo do valor semântico do termo “torto”, que segundo ela, o termo nos remete ao que não é reto, direito, etc. Na visão da estudiosa o torto não é um torto no sentido literal, ou seja, no seu valor semântico, assim entortar-se não significa necessariamente romper com as convenções, mas criticá-las e repensá-las mesmo sabendo que isso faz parte de nossa neurose socialmente acolhida.
Bem, o torto é normal? No olhar lacaniano da autora, nós devemos responder ou o próprio Lacan o faria. Ela vê como um delírio, não é um delírio alucinatório, patológico, mas um delírio nosso, nossa fantasia torta de pensar o mundo e suas convenções. Posto isso, pela a autora, compete o torto entender que a verdade jamais será alcançada e que o nosso dizer são recortes que emergem do nosso psiquismo que paga com o resto da humanidade um preço alto pelo que chamamos viver em sociedade.
Então, psicanaliticamente falando, o torto faz bem a nossa saúde mental porque é via de descarga libinal. Adverte o texto de dona Cleones que o entortar-se não significa fazê-lo de forma literal, o termo apenas representa o nosso olhar atento para as certezas impostas pelo mundo. O eu narcísico se enfurece quando sua produção (fezes) não é devidamente reconhecida. Mesmo assim o fato de pôr o pensamento de forma escrita abre uma via para descargas do inconsciente. O texto de dona Cleones me animou a escrever sobre temas psicanalíticos. Pergunto: As faces de Narciso no torto nos remetem ao delírio particular de cada autor ou ela é um somatório de todos os psiquismos envolvidos no processo? Abraços dona Cleones.
Olá Cleone!
ResponderExcluirPara mim, o seu texto ilustra claramente as manifestações que ocorrem no torto. Vejo aqui um espaço onde podemos expressar as nossas inquietações produzidas no dia-a-dia , ditamizado pelo princípio de realidade. Mesmo que ainda encontremos divergências, por vezes espinhosas,afinal não consigimos satisfazer as nossas expectativas por completo, realizamos parte daquilo que nos é tirado constantemente.
Como bem colocou, parte do nosso desejo insatisfeito e de nossas pulsões encontram-se sublimados e o Torto é uma possibilidade para externá-los essa pulsação do desejo. Não podemos realizar por completo, afinal as nossas pulsões nunca serão satisfeitas, pois estamos em meio de uma coleção de egos pluralizadas.
Uma das características que vejo nitidamente no movimento é um questionamento com a nossa condição de indivíduo e a sociedade que nela estamos inseridos. Uma sociedade "permissiva", espetacularizada muito distante das duras disciplinas regidas como anatomia política do século passado. Para mim, esse excesso de alternativa, existe um direcionamento de olhar implícito, pois o poder nunca se esgota. Como diria Foucault, ele se regenera, recua, mas não deixa de existir. E onde existe poder, irá existir tensão, coerção e desejo insatisfeito. Afinal, estamos em uma sociedade. E creio que, qualquer sociedade que construimos, ou melhor, qualquer coleção de eus que se aglomerem, o individuo sofrerá com a perdar, as frustrações e os desapontamentos causados pela força de uma coletividade, pois, como está bastante explícito no seu texto, existe uma pulsão, ou várias, pulsões em nossa interioridade. Um desejo imenso de ser a todo custo reconhecido e retroalimentado pelas nossas maiores expectativas em relação ao nosso ego constantemente insatisfeito.
um grande beijo!
muito bom texto! Maíra
Bem, como expos em seu texto, o torto tenta criar outras alternativas para lidar com os novos perfis de subjetividades encontrados hoje na contemporaneidade. Acredito que a questão do conceito de relativização deve ser repensado na atualidade.
ResponderExcluirInfelizmente insistimos em optar por uma defesa ao outro, dizendo com isso saber relativizar a diferença; mas insistimos em modelar esse outro, inserindo-o na diversidade, mas ao mesmo tempo isolando-o da diversidade. Cada qual quer seu direito, mas cada qual quer se excluir em sua diferença.
Acho que o torto, ou seja, aquele ou aquela que tem predisposição para se entortar, vai observar o seguinte: apesar da importancia de se valorizar a diversidade, inevitavelmente possuimos nossas escolhas e nem sempre estamos aptos em vivenciar a diversidade que achamos ser importante para nós. Ai é onde entra a sua contrasição que o faz viver, pois ser torto sem contradição, é negar que estamos o tempo inteiro entortando, escolhendo novas alternativas para suportarmos a realidade.
Por isso que eu acho que a tentativa de exercitar a prática de entortar tenta possibilitar um caminho mais viável, no entanto, não menos doloroso, afinal, querendo ou não, libertamo-nos mas por outro lado, encontramo-nos submetidos às prescrições sociais que nos limitam em muito os nossos atos.
Porem, acho que so o fato de admitirmos ser certos e errados, ja proporciona uma certa paz dentro de nós pois nos livramos da nossa culpa por querermos tentar mostrar ao outro se somos uma coisa ou outra. Aceitando que somos varios de nós, aprendemos a lidar e a pensar melhor sobre nossas virtudes e sobre nossos vicios; ao mesmo tempo em que reconhecendo que a história dos indivíduos é torta assim como ele, tentaremos reconhecer com menos intolerância os valores do outro que venham a nos chocar.
Por isso que eu digo: realmente o torto é um delirio, o torto é bom, o torto é mal, o torto é cristão, o torto é ateu, o torto é triste, o torto é alegre, e no final das contas, como o torto transita, entorta-se, ele não é nenhuma dessas coisas em definitivo.
bjs