quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O Crepúsculo na sexta-feira do proletariado e o inocente

Certa vez estive a procura dos documentos para o meu primeiro emprego, na minha volta para casa durante o fim da tarde naquela típica sensação de término das obrigações semanais. Deparei-me pela primeira vez com as pessoas que estavam a minha frente no ônibus. Elas tinham expressões bastante surradas, com a cara de derrota em pleno fim do ultimo dia do trabalho daquelas pessoas, funcionários do serviço de limpeza municipal, empregadas domésticas, de supermercado, trabalhadores das próprias empresas de transporte público, pessoas que fazem bico e demais trabalhadores.

As mesmas me passaram expressões bastante assustadoras, olhei para elas como se estivesse olhando num espelho do qual me destina em parte, no exato momento em que estava inocentemente eufórico atrás da minha papelada para o primeiro emprego. Me deparo com aquelas faces queimadas do sol, suadas, surradas de uma longuíssima jornada semanal. Muitos com seus filhos nas costas para alimentar com seu curto salário, outros com os filhos, a necessidade, mas sem o salário. As mulheres dormiam extremamente cansadas, um homem cabisbaixo com a farda do setor de limpeza buscava a mínima sensação de prazer no seu celular com rádio tocando asas morenas. O homem do seu lado estava com sua pequena grade de cervejas para matar pelo menos um instante aquela sensação de não-consumo da sua vida.

Todo aquele meu sonho foi reconfigurado do qual estive agarrado na certeza da independência financeira e do qual estaria entrando para uma etapa da qual estaria mais liberto e que seria uma grande conquista. Mas outras realidades caíram cruas em minha frente, consegui enxergar parte daquilo que se torna de fato. Libertamo-nos de uma prisão para entrar em outras dependências a todo instante, os problemas que acabam são apenas a gênese dos problemas posteriores. Estas impressões transformaram bruscamente o valor daqueles papéis dos quais eu segurava com tanta certeza, tornou-se algo mais duro de engolir.

É um ciclo do qual estamos a fadados a entrar queiramos ou não, mesmo cansados, ou mais explorados, alguns possuem seus filhos para educar, sua casa para administrar. Outros solitários como eu também estudam com a perspectiva de melhorar e renovar os problemas, ou seja, o nosso tempo está sempre consumido por obrigações para nos manter com valores que internalizamos e às vezes não percebemos que outras pessoas também lutam para um dia conseguir a suposta "tranquilidade."

http://serousoulivre.blogspot.com/

3 comentários:

  1. Miguel,

    Compartilho com você dessa dor. É ai onde eu fico cada vez mais acreditando no que eu concebo como torto, pois como é que eu vou ter certeza de que o que eu conquisto, de fato me saciará? Até onde vai a linha limitrofe da plenitude?

    Vivo em meu mundo, aperto a mão dos amigos e dos que chegam até a mim, mas eu tenho comigo a verdade e a mentira, o certo e o errado, o querer e o não-querer. Sou uma integridade estilhaçada em cacos. O que eu amo hoje, amanhã e falta, depois me sacia, depois novamente me cansa, e ai eu tenho o que eu busco como pleno em minha vida por eu ter o que antes eu dizia que amava?

    Quero a força mas me agarro ao escudo dos receios, pois além de ser um forte e um fraco, sou um forte derrubado pela vaidade e um fraco que sacia pela necessidade de romper novas barreiras. Conto para que os dias passem, mas me nego aceitar o finito. Procuro um lado, procuro outro, nego um lado e o quero, quero o outro lado e o nego e assim vou indo.

    Tudo se resolve até o momento de eu pisar meu pés em um onibus e perceber que a fumaça suja, as caras são sujas, o terrorismo da pressão da exigencia individual, a culpa, o medo, novos sonhos, enfim, os incansáveis desejos...

    abraços

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  2. "Libertamo-nos de uma prisão para entrar em outras dependências a todo instante, os problemas que acabam são apenas a gênese dos problemas posteriores. Estas impressões transformaram bruscamente o valor daqueles papéis dos quais eu segurava com tanta certeza, tornou-se algo mais duro de engolir."

    Porra, botei fé.

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  3. Antes cada qual que estava nesse mesmo ônibus tivesse essa mesma lucidez, essa mesma decepção. Que bom seria se a reflexão fosse um exercício em nossa sociedade. E nesse mundo torto quem é torto é visto distorcidamente e aquele velho ditado que diz que em terra de cego quem tem um olho é rei, na verdade é só mais um estranho.

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