No contato com a realidade social, deparamo-nos com um complexo contingente interpretativo de relações sociais e simbólicas. A construção das visões de mundo se relaciona com a origem social dos indivíduos. Não podemos descartar a contribuição de Marx no tocante a influência ideológica que as classes diretivas estabelecem para a constituição dos valores e das normas. Afinal, as instituições tomam como referência um conjunto de crenças, valores e idéias que partem da sua formação enquanto pertencente a uma classe reproduzida para toda a sociedade como “verdade” coletiva.
Podemos seguir esse raciocínio trazendo o argumento de Bourdieu sobre Capital Cultural. As explicações sobre o desempenho escolar e ocupação de cargos de planejamento e poder ganham a interpretação social reforçadas por instituições como família e escola, onde são constituídos os padrões de distinção entre as classes.
Os sentidos e significados são apropriados a partir do contato com uma complexa rede de intenções. Alguns pensadores chamam de estilos de vida, modos de viver, sobrevivência, relações de poder, entre outros. O fato é que todos esses critérios são reproduzidos e utilizados, dependendo da situação, a fim de alcançar intenções.
Defino as modalidades de mendicância sem intenção alguma de tornar pejorativa a forma de busca pela sobrevivência dos atores sociais que trabalham nos sinais – guardadores de carros e crianças –, mas procuro analisar o sentido que foi atribuído à concepção de trabalho e de como esse é utilizado como forma de manter uma relação simbólica e de interação entre os grupos sociais e suas visões de mundo. Por um lado, existem aqueles que possuem o capital cultural e que usufruem da posição que seguiram o caminho traçado pela sua origem de classe e reproduzem conceitos obtidos, ou seja, ideologia.
Os vários grupos sociais com suas práticas e visões de mundo diferenciados, com seus padrões de comportamento e maneira de como lidar com a sobrevivência se apropriam dos discursos ideológicos a fim de conseguirem o caminho para o encaixe no processo de interação das relações sociais. As transformações nas variedades de mendicância correspondem à modificação no sentido que a prática e a intenção se encontram.
Parto de dois pressupostos. Primeiro: o perfil dos pedintes foi modificado, principalmente o daqueles que ficam em avenidas movimentadas ou próximas a bairros de classe média/alta. Estes se adaptaram aos valores esperados por aqueles que doam. Segundo: os pedintes ajustaram-se ao contexto e utilizam a interpretação acerca do trabalho para construir, de formas diversas, arranjos para a relação com o sistema capitalista e com as camadas sociais mais abastardas.
Ainda é comum encontrar nos sinais crianças ou mesmo adolescentes pedindo sob o olhar fiscalizador de um adulto. Assim também o fazem os deficientes físicos e pessoas idosas. As transformações deram-se por meio da percepção que esses grupos mais pobres têm da valorização do trabalho que as camadas mais abastardas possuem.
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