quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Educação II

Somente em 1984 o Brasil conheceu o pensamento de Lev Semmenovick Vygotsky. As teorias apresentadas por esse gênio russo marcaram as pedagogias do mundo inteiro. Educar para Vygotsky não é um ato mecânico, um evento isolado, sem relações com o social. O discurso monopolarizador do professor ditador estava com seus dias contados. Para o psicólogo russo, educar é um processo de relações mediadas. O foco maior de sua teoria é a criança no início de seu aprendizado. A criança aprende relacionando-se com o meio, o termo meio é entendido como um meio semiótico. Os estímulos variados do meio em que a criança vive provocam o afloramento de mecanismos inatos como a tendência para o social. O professor ou mediador pode ser uma pessoa mais velha ou um colega mais sabido. A educação concebida por Vygotsky é a educação formal, aquela que é sistêmica, seriada, gradual, aquela que ocorre no ambiente escolar. A educação vista como um processo sócio cultural, um processo mediado, que ocorre em um meio semiótico nos leva a ver a importância da linguagem no processo de ensino/aprendizagem. O mediador maior é o código. Em seu núcleo está o que Bakhtin chama de heteroglossia: o conjunto de todas as formas de expressão social, ou os modos de retórica que as pessoas usam no curso de suas vidas diárias. O que Vygotsky quer dizer é que todos os tipos de discurso são válidos na educação porque eles são portadores da cultura. A criança interage com meio, logo, a criança aprende a cultura. Por dedução vemos que o termo educar nos remete a interiorização do social. A construção da mente social, do sujeito que entrou no ambiente dos signos, e das relações com o mundo, ocorre nas relações com o outro. Educar, então, é um processo dialógico. Educar é dialogar. Bakhtin entende a linguagem como um diálogo. Ele diz que tudo na linguagem nos leva a idéia de um diálogo. No mundo há o falante e o ouvinte e eles interagem. O mesmo ocorre no processo ensino/aprendizagem. O professor que usa a postura da imposição e da não negociação peca contra a natureza dos fatos. Ora se educar é dialogar, é estar em contato com a linguagem em suas variadas expressões então ela ocorre também de forma informal. A educação informal é mais poderosa que a formal. Aprendemos a falar o nosso idioma de forma informal, ainda não conheci um brasileiro sadio que tenha desaprendido o português. É de forma informal que internalizamos o mundo. Cabe a academia e a escola o saber científico e filosófico, porém, não são maiores que o mundo. O que Vygotsky via era algo que não está delimitado apenas ao saber pedagógico; a psicologia precisava entender como são constituídas as funções mentais superiores, ou quando o homem tem consciência de si. As funções mentais superiores são: auto-observação, intencionalidade, planejamento, capacidade de pensamento abstrato, metacognição. Portanto não é errado dizer que educar um ser humano é despertá-lo para o mundo, para si mesmo; é preparar o sujeito para fazer e saber no mundo. É acordá-lo, é despertar sua consciência e apercepção das coisas. Educar é preparar o homem para enfrentar o “discurso”. O termo enfrentamento não deve ser visto como ação, violência. O discurso vive na esfera da linguagem, é abstrato, é naturalmente ideológico. Bakhtin via na pluralidade das formas de linguagem e de retórica um monólogo, a linguagem pode ser monológica. Os discursos expressos por várias linguagens se diluem em um só, e em torno de si mesmo. O discurso do poder, aquele que impõe a ordem. Educar é prepara a mente para a crítica, para ver as contradições na natureza. Posto isso, posso dizer que a educação vestibularizada e a de adestramento como os cursos técnicos não se enquadram nessa percepção de educação. Um abraço torto.

4 comentários:

  1. olá!

    texto muito bom! elucida muito bem os pontos mais notados dos grandes teoricos da linguagem. E no final você solta um cometario crítico que me fez pensar um pouco. é incrível que esses pensamentos já rolavam há muito tempo e mesmo que apareceu no territorio brasileiro tardiamente, continuamos com métodos totalmente obsoletos que só dificulta os processos de aprendizagem na sala de aula. Como falava o bakthin, aprendizagem é um conhecimento é amplitude de percepção para q se possa criar discursos e a eles questionar. Não estaria apenas restrito aos discursos academicos, mas, como vc bem discorreu, estar muito mais além. está nas conversas do dia-a-dia, nas experiências, nas trocas de valores e crenças.
    nas instituições de ensino pouco se ver isso, o que se percebe são conceitos enlatados que se direcionam na melhor forma de escolher a alternativa certa afim de obter valores convencionalizados e totalmente arbitrarios. Afinal, qual a diferença, se não simbolica, de um 2 e um 10? é isso que faz com que eu tenha capacidade de "aprender", ter conhecimento?
    se alguem reprova é por falta de conhecimento? ou é devido a ineficiencia das estruturas?
    bom texto!! beijos!

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  2. Roosevelt,

    Um excelente texto. Porem, venho aqui neste comentario fazer um desabafo.

    Como você bem expôs, a educação deve prezar pela natureza dialógica da aprendizagem. Realmente eu acredito que devemos romper com essa concepção do que é estrutural e oficial como certo e o que não é como errado. No fim das contas, todos os individuos passam por experiências, erram e acertam, constroem, destroem, reconstroem.

    No entanto, infelizmente a nossa cultura ainda carrega a expectativa hierarquica do saber. Isso não só se limita a hierarquia de titulos acadêmicos, como também a necessidade de querer criar os que tem poder e os que não tem.
    Pela minha experiência de professor, o que eu percebo é que a maioria dos alunos vivem o discurso da legitimidade do terror. Em outras palavras, o melhor professor é aquele que assusta, que enche a caderneta em uma carnificina sanguinária de notas vermelhas. Quando você tenta estabelecer essa relação dialogica com o saber, o resultado q vc ganha é que vc sai como bobão, gente boa, vale-tudo, etc.

    Essa legitimidade do terror se encontra tambem nos meios acadêmicos. Estou sempre publicando artigos em revistas e anais de congressos, e sempre quando voltam os artigos para algumas correções ( o que não é errado), sempre voc~e se depara com criticas, criticas e criticas mas jamais criticas de elogios. É aquela coisa: se aqui é cieência, aqui tem que ser penoso. Se aqui é ciência, aqui não pode haver afetos, estimulos para potencializar as lacunas deixadas pelo autor. Claro que não são todos os professores e alunos que querem isso, mas do que eu conheço, digo sem medo de errar que é uma maioria.

    É isso. Ai é onde nos podemos perceber o quanto a possibilidade de dialogos, de entendimentos, de estimulos, de compreensão, de horizontalidade estão muito longe dessas idéias que você expos de forma bastante formidável.

    www.twitter.com/vinatorto

    abraços

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  3. A educação, em certo ponto, sempre foi sintática (Emílio de Rousseau seria uma boa leitura nesse sentido) ou foi organizada para funcionar assim, como um repasse de um mundo imóvel para que os alunos cresçam o conjunto dos conhecimentos herdados. Como se fosse preciso um ponto firme de tradições para que os novos pensadores não passem a racionar do zero. Do mesmo modo que a tradição resite ao novo, o sintático forma um conjunto de referenciais, um conjunto de linguagem repassado de forma mecânica, como alguém que aprende a falar diz com base em signos postos. Uma mudança na educação consiste na perceoção de uma fluidez constante nos signos e uma problematização em torno da linguagem, de sua convencionalidade. Já dizia Freire, o repasse bancário de conhecimento traduz-se em correlato fatalismo e resistência à mudanças. Sem dialeticidade, os objetos, assim colocados, impedem o acesso a novos raciocínios, constituindo, por sua vez, uma barreira ao torto além das identidades depositadas. Bom texto Roosevelt, leituras tortas e resenhas de autores que potencialmente podem ajudar na busca da tordidão, tão decantada desse movimento, sempre são um bom caminho.

    Anderson Eduardo

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  4. Meu caro Anderson,
    Obrigado pelo comentário. Considero sua pessoa um de nós, uma vez, que o amigo sempre interage com o movimento. Críticas a parte, acho que o movimento, ainda embrionário, seguirá outros rumos. Abraços.

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