quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Apolo e Dioniso

Codificar é o caminho...

APOLO E DIONISO
Todas as tentativas de inocentar o passado e apostar tudo no diverso, no multicultural só apenas complica ainda mais o que, para mim, já está complicado além da conta. Uma manifestação de fé trás consigo o germe de sua filosofia e de sua teologia. Pensar diferente no contexto da Umbanda é olhar de forma retrógada, é ver o passado com romantismo, e deixar a coisa rolar até nos inquirirem sobre o que somos, então, tantas respostas contraditórias e diversas haverá que nós chegaremos à conclusão que ser umbandista é pertencer ao mundo do incerto, do duvidoso, do oculto, do assustador, pois tem muita coisa tenebrosa no meio dessa tão elogiada diversidade de formas e conceitos. A primeira forma de diversidade é perfeitamente tolerável, é a forma, a doxa, e como tal não afeta o todo de maneira trunculosa, pode de certa forma contribuir para o enriquecimento do movimento. Contudo as diferenças de conceitos, estas implicam, para o olhar atento, um perigo enorme para a religião enquanto Instituição. Reflitamos sobre este último conceito: instituição. A Umbanda enquanto religião é uma Instituição, e não pode ser vista com outro olhar, ela é uma Instituição – uma entidade construída por seres humanos que interage no fluido social, e é aqui onde ela tem perdido sua grande batalha, portanto, é neste fluido que ela pode tornar-se religião de quintal uma vez por todas. A sociedade só assimila o que ela quer e o que ela quer quando o assunto é religião é entender o que é aquilo. Ir a um centro, fazer uma consulta e depois um trabalho não torna a pessoa umbandista. Note que após resolver seu problema a pessoa retorna para sua igreja, pois lá ele sabe onde pisa. Mesmo os mais desligados internalizaram elementos racionais daquela fé, pois esta se preocupou ao longo do tempo em repassar de forma coerente seus ensinos. Nós optamos pelo segredo, pelo iniciático, e por tabela pela ignorância de uma massa que precisa urgentemente de uma classe de catecúmenos de Umbanda. Mas como ensinar algo tão diverso? Tão diverso que no mesmo quarteirão podemos nos deparar com duas umbandas tão diferentes e tão opostas entre si, que achamos que uma das duas não é o que diz ser ou as duas não são o que dizem que são. Retomo a questão da matança de animais: Trabalho em um centro que corta para todos os Santos, trabalho em outro, que corta só para Exu, e em outro onde fui iniciado, não corta para ninguém. No primeiro a vela de Ogum é vermelha, no segundo é azul, e no terceiro é laranja. Se isto não faz diferença nenhuma, então, o uso magístico de velas e da Menga animal são apenas tradições sem nenhum valor prático no ritual de magia de Umbanda. Agora, meus mestres do passado, a coisa pegou, pois a vela indica a vibração magnética de tal entidade e como o operador deve processar esta vibração. Sem a vibração, sem a corrente eletromagnética não há magia, e se estou operando a cor errada com certeza algo errado vai acontecer. Caso contrário o que faço é apenas uma panacéia de elementos sem força alguma. Isto nos transforma em superticiosos de carteirinha porque conferimos valor magnético ao que não tem e não existe, se existe preciso saber o certo. Quero levantar a questão apolínea e a questão dionisíaca em Umbanda. Os antropólogos e sociólogos relacionaram o movimento de Umbanda ao processo de expansão urbana. A religião crescia na proporção que a cidade crescia principalmente no eixo Rio-São Paulo. Entretanto este crescimento não trouxe um Continuum religioso, e nós fomos enquadrados na marginalia religiosa do Brasil. Alguém diria: É por causa do etnocentrismo – está ligado a pessoa do negro e seu estereotipo. Será? As imagens de Exus com chifres na cabeça, e quero frisar que Exu não tem chifre e nem é demônio, tornou nossa Umbanda na visão de muitos estudiosos, uma religião dionisíaca – a religião do subversivo, do marginal, de Dioniso (grego) com suas bacantes ávidas pelo sexo e pelo vinho. Quantas giras de Exu terminam em uma bebedeira interminável, quantos rituais escabrosos em nome da caridade. É isso o diverso? A diversidade das formas de Umbanda é perfeitamente aceitável, porém as contradições diversas não! Contradição significa um sintoma na instituição, como a dor no corpo; tem algo errado! As palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas precisam ser ouvidas em todo o Brasil, e a Umbanda necessita dialogar com Apolo. Apolo representa a religião institucionalizada, que viveu sua Genesis e elevou-se ao patamar da racionalidade e aceitação do Estado e de suas instituições. E o Estado agradece, uma vez que toda instituição religiosa deve colaborar com ele(até onde for possível, é claro!). Apolo fazia oposição a Dioniso, e vice-versa na antiga Grécia. O culto a Apolo era reconhecido pela sociedade e possuía todo um aparato intelectual envolvido. Com Dioniso não era diferente, porém, por ser estrangeiro e por contrapor-se a moral em moda era um culto proibido e marginalizado. Já compararam nossa Umbanda ao culto a Dioniso. Por-que? Perguntem a alguns Pais e Mães no Santo e eles responderão. Suas praticas, sua pragmática umbandista de fato se aproxima com o que ocorreu na Grécia antiga, e tudo em nome do Axé e da força da casa. O mistério Exu merece respeito e toda atenção dos praticantes de Umbanda Sagrada. Não pode e nem deve ser dionizado como tem sido. A ignorância é amiga do fracasso; os números do IBGE, no senso de 2000 sinalizaram uma queda de 50% no movimento umbandista no Brasil, de 0,6% para 0,3%. Penso em pensar a Umbanda porque entendo que como toda religião já surgida neste planeta ela precisa de uma teologia e com ela um repasse de informações que transceda a tradição oral. A oralidade discursiva é perigosa. Todo discurso é um conjunto de discursos que se contaminam uns aos outros. O discurso matriz perde sua força e não pode ser referência para a construção de um código como o Kardequiano, por exemplo, ou como o Calvinista. Nós temos tradições, mitologias, práticas de terreiros e uma literatura que tende a expandir-se se os Pais e Mães no Santo não se opuserem a leitura como fez o Movimento Pentecostal Brasileiro que hoje, embora seja, o maior do mundo, não levantou um único pensador, resultado: veio o neo-pentecostalismo trazendo uma nova frente de crescimento para o movimento Protestante sem que a comunidade se quer soubesse o que fazia na época. O problema é que tanto o primeiro como segundo são movimentos que não foram pensados pela igreja, mas pelos sociólogos, antropólogos e estudiosos da religião. Foram na verdade pensados pelos doutores anglo-saxônicos que viram na religião uma forma de dominação das massas marginais do capitalismo por eles imposto pela ditadura militar, época do boom Protestante no Brasil e da decadência do movimento Umbandista devido a postura proselitista das religiões de matriz anglo-saxônica calvinista, portanto capitalista. A tendência de não pensar é coisa de brasileiro! E na nossa Umbanda não esta sendo diferente. Pense nisso com carinho: Em 2010, segundo projeção do IBGE, o Protestantismo terá alcançado metade da população, poderá eleger mais deputados, senadores, vereadores, e quem sabe um presidente. O que será da Umbanda em face de uma mudança tão significativa e nociva ao movimento, pois para eles somos bruxos e possessos. A caça as bruxas foi liderada pelos puritanos (protestantes) tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, isso pode ocorrer por aqui por meio de leis e mudanças na constituição.

7 comentários:

  1. Roosevelt
    Deixe-me ver se compreendi,

    Essa relação do Apolo e dionísio que ocorria na Grécia antiga, com o culto a apolo por mais pessoas e estar mais proxima ao poder e o Dionísio a imagem do "contra",essa diferença gerou uma heresia ao culto do apolo atraves do dionísio. Sendo A Umbanda (comparando-a com acontecimento do dionísio) uma religião à ser expropriada pelas vertentes do protestantismo no país, que consequentemente, a Projeção do aumento de fiéis nesses ultimos anos vem trazendo essas mudanças, vamos acompanhando nos jornais esses reflexos ate de determinar quais políticos serão eleitos e medidas éticas tomadas dentro do país através das leis com fundo embutido da moral religiosa, isso na esfera política, no caso da "expropriação" da religião Umbanda o caldo seria mais grosso, já que se trata de uma religião bem diferente do que defenderia a ética das religiões proselitistas, assim imaginando-se "o apolo aclamado pelo saber e ética e o dionísio, o pagão exilado ou exterminado...

    Sendo o Brasil construido por uma mesclagem de culturas, essa situação poderia ter sido diferente, e ter-se uma tolerancia maior, mas infelizmente, o país foi crescendo com preconceitos...

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  2. Isso meu caro Miguel.
    O preconceito é de natureza cultural no sentido que o negro para o branco não poderia criar um sistema tão complexo como o do branco. E é preconceito fomentado pela mídia "cristã". Este movimento tem sido demonizado de forma interna e externa. Tanto pela mídia como pelos próprios praticantes de Umbanda. A demonizam quando a tornam um culto dionísico. Um culto orgiástico. A coisa vai do macabro ao orgiático. Isso ocorre pela confulsão sobre o que é Umbanda.

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  3. "Agora, meus mestres do passado, a coisa pegou, pois a vela indica a vibração magnética de tal entidade e como o operador deve processar esta vibração. Sem a vibração, sem a corrente eletromagnética não há magia, e se estou operando a cor errada com certeza algo errado vai acontecer"

    É incrível a semelhança com o Kardecismo!

    Roosevelt, repito, esta sua nova tendência ensaísta está realmente me agradando! O alerta que faz ao crescimento cego de uma religião altamente manipuladora, aliás, como já foi a católica outrora, é mesmo amedrontadora. Será que retornaremos às práticas horrendas e desumanas lideradas por esses falsos profetas? Espero que não. Ao menos garanto que não com as mesmas práticas, ainda que possivelmente com a mesma mentalidade: o preconceito e a imposição alienatória e ignorante.

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  4. isso é assustador. realmente assustador, porque é quase uma previsão do futuro se não tomarmos uma posição sobre nossa religião, sua codificação legitimada, e sua institucionalização. Há quem prefira a não-codificação, e isso é um absurdo. porque como eleger pleitos nas assembleias legislativas, se nós não temos embasamento teórico, nem cabeças para representar nossa liturgia e tentar impedir essa triste caçada?

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  5. A codificação visa facilitar o culto e ligitimar o movimento enquanto instituição.
    A idéia é essa. Abraços.

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  6. Roosevelt,

    Nós já conversamos bastante a respeito da institucionalização da Umbanda. Nao sou praticante, mas o que eu percebo nos discursos é que de fato a umbanda possui caracteristicas que de certa forma a distinguem das religiões anglo-saxônicas. Pelo que eu percebo, a umbanda traz um discurso mais aberto. Quando a sua pessoa observa a importancia da institucionalização, eu compartilho, visto que se não institucionalizar a umbanda, essa prática religiosa não terá respaldo da lei e não terá a segurança regulamentada através do estado para a sua prática enquanto tal. Porém, acredito que a riqueza da umbanda vai se encontrar justamente na diversidade dela. Felizmente ou infelizmente, essa é a natureza da cultura. Ou seja, as religiões, como componentes culturais, se fundem, se mesclam, se pluralizam e a partir dessa pluralização, se enriquecem. Quanto às contradições, eu acredito que seja necessário. Ué, sem contradições nao se ha vidas pois não se há liberdades!!! Mesmo um corpo possuindo seu funcionamento perfeito como você bem demonstrou, por que se existem também as doenças, viroses, bacterias que entra nesse corpo? Não seria para revitalizá-lo? Enfim, como seria a existencia do nosso corpo sem a constante mudança que lhe é peculiar? Para mim, deve-se haver a ordem, a codificação, a instituicionalização, mas tudo isso deve se haver em meio a uma pluralidade de manifestações da umbanda, enfim, uma institucionalização para as realidades micros das derivações da umbanda.

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  7. Muito bem colocado meu caro vina. Seu texto reflete a visão atual do movimento pró codificação. abraços

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