segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A lei e a imposição

Por eu atuar em salas de aula, tenho visto grandes dificuldades dos educadores e do corpo administrativo em geral em lidar com os desejos e angústias de seus alunos. Nas reuniões, eles aparecem com problemáticas referentes ao uso de uniformes, ao horário de entrada na sala de aula, aos famosos namoros entre os jovens estudantes na escola, a displicência desses alunos nas disciplinas etc, etc. Depois da decisão tomada na reunião, os alunos recebem as decisões como se fossem um manual do estudante com todas as regras que devem ser seguidas. Essas regras de conduta aplicadas aos alunos tendem na maioria das vezes, a não surtir efeitos desejados. Por que?

Acho que os educadores e os profissionais vinculados à ordem administrativa deveriam refletir com maior interesse a seguinte interrogativa: os limites impostos pelo corpo administrativo e pelos educadores de uma escola são limites que também respeitam os desejos de seus alunos? Será que essas leis impostas estão ligadas aos anseios do corpo discente?

A lei, enquanto uma construção humana, é saudável para a sociedade. Se pensarmos bem, a lei é fruto de uma negociação. Ela funciona com o intuito de tentar atender às exigências sociais. Na minha concepção, um sistema normativo só se torna eficaz a partir do momento em que ele atende aos interesses de todas as partes que estão inclusas nesse sistema. Como posso eu, um educador, exigir o respeito a uma ordem imposta por mim, se essa ordem foi imposta levando em conta apenas os meus interesses?

Além da imposição vinda das instâncias “superiores” sem qualquer abertura para as manifestações dos discentes, muitas vezes a categoria de educadores prefere assumir uma postura rígida diante das resoluções legais da instituição educacional por uma questão de alienação e de comodismo.

Digo alienação, pois acho que esses educadores não têm questionado sobre sua condição de sujeito, ou seja, sua condição subjetiva, conflitiva, imprevisível, re-questionadora, e, portanto, transformadora. Quem se pensa enquanto sujeito, passa a compreender que ele próprio é resultado de inúmeros conflitos, de vários limites, e, portanto, de infinitas leis, e que por isso mesmo, não lhe cabe o estatuto do homem das definições eternas e imutáveis. O indivíduo que aceita apenas a lei pela lei, não se reconhece como um forasteiro de si mesmo, ou seja, um ser em constante modificação. Enfim, é um alienado.

A comodidade para mim deve-se ao fato de que muitas vezes é mais fácil para o educador evitar se adentrar nos emaranhados contraditórios e inesgotáveis dos conflitos humanos, e se acomodar no discurso "assim diz a lei". Mas ora, a lei é fruto de debates e infindáveis opiniões de diversas partes, ou seja, ela é originada dos conflitos. Portanto, se ela vem dos conflitos, como não ser conflitiva? A lei surge para ser quebrada, e não para ser comodamente eternizada, intocável e sacralizada.

Os profissionais da educação deveriam rever com mais cautela se as boas intenções para com os alunos não passam de ideais de melhores intenções apenas para eles mesmos. Se o amor aos discentes e ao aprendizado não passa de resoluções acomodadas e confirmadas por leis impostas de cima para baixo. A lei será atendida espontaneamente quando deixarmos essa lei ser pensada por nosso interesse e pelos interesses dos alunos.

( Texto publicado pelo autor no site: www.euautor.com.br no dia 06 de maio de 2009 )

10 comentários:

  1. Estou de acordo, mas fico em dúvida quanto à real oportunidade de construção progressiva num diálogo com quem teoricamente está ali para absorver mais do que se fazer absorvido. De outra forma, se mais com um intuito de mensurar expectativas do que de abrir às indisciplinaridades, pode ser válido.

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  2. Lou,

    "mais com um intuito de mensurar expectativas do que de abrir às indisciplinaridades."

    ????????????????

    essa foi uma interpretação sua. Eu não disse que deveria priorizar uma coisa em prol de outra. Nem em interdisciplinaridade eu falei.

    O que eu quis dizer é que não adianta acharmos que estamos fazendo os melhores projetos para os alunos, se os alunos desconhecem esses projetos, ou se conhecem, não se sentem pertencidos a eles.

    O que eu estou tentando fazer é nada mais nada menos que buscar horizontalizar as demandas e os anseios de ambas as partes, e não evitando o dialogo com a interdisciplinaridade.

    www.twitter.com/vinatorto

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  3. Penso que não entendeu meu comentário.

    (a) Há determinados alunos que se recusam a pertencer à disciplina e à ordem;

    (b) Não é o caso de "evitar o diálogo com a interdisciplinaridade", mas de fazê-lo de forma segura, sem indisciplina.

    O excerto que destacou diz respeito à possibilidade de diálogo entre aprendiz e educador, desde que não se abra demais brechas para que o aprendiz influa, já que sua função na estrutura é a de recepção e não a de inserção. Entendo, sim, que muda-se as concepções, atualmente, sobre este ponto. O que está aí é a minha opinião de que cada um deve respeitar a posição que lhe é de direito, para que a ordem não seja deturpada. Isto é um posicionamento meu quanto ao tema proposto pelo ensaio, não uma interpretação crítica do conteúdo do mesmo.

    Acredito que o conhecimento segue uma hierarquia determinada por tempo e dedicação, sendo que um progride em consequência do outro. Salvo quando há uma pré-disponibilidade intelectiva mais aguçada, em alguns casos isolados, costuma-se acreditar que o professor possua mais conhecimento que o aluno.

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  4. Lou,

    Bicho, obviamente que eu sei que cada um possui seus próprios argumentos sobre as coisas, mas sinceramente, eu não compartilho dessa visão de pensar a função do discente como uma recepção e a do educador como uma inserção. Claro que a organização e a distribuição de status e poderes é inevitável, assim como e salutar para a organização da instituição. Porém, ter que aceitar por aceitar para se buscar a ordem, eu acho um absurdo!
    Eu não posso pensar na possibilidade dos alunos respeitarem essa ordem se essa ordem não for dialogada.
    O fato de haver alunos que se negam a disciplina, eu tenho dois pontos:
    a) Disciplina? Ordem? eu não falo em destruição da ordem, nem em submissão cega a essa ordem, nem em tentar buscar uma disciplina. Acho disciplina um termo um tanto militar e eu odeio, afinal, acredito que nos conflitos a gente aprende também.
    b) O fato de negar a ordem e a disciplina independe de qualquer categoria. Conheço muuuuitos ditos educadores que não se comprometem com nada. Portanto, isso não é justificativa para não pensarmos na possibilidade de procurarmos estratégias para dialogarmos com os anseios das várias categorias implicadas nas instituições educacionais.
    Realmente eu acho esse seu conceito de educação muito castrador e nocivo.

    abraços

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  5. Velho, sem onda, seu texto tá amplo e discorre sobre um tema que me interessa. Desculpe se meus comentários estiverem sendo cansativos e impertinentes. Abraço!

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  6. Perfeito!

    (1) "O excerto que destacou diz respeito à possibilidade de diálogo entre aprendiz e educador, desde que não se abra demais brechas para que o aprendiz influa, já que sua função na estrutura é a de recepção e não a de inserção."

    (2) "Claro que a organização e a distribuição de status e poderes é inevitável, assim como é salutar para a organização da instituição. Porém, ter que aceitar por aceitar para se buscar a ordem, eu acho um absurdo!"

    A diferença entre esses dois pontos é que o meu caminho é mais curto (definitivo) e o seu mais longo (dialético). Ainda que o fim de ambos seja o mesmo: o bem da educação.

    Fato é, no fim, ninguém se concorda em absoluto e alguns têm de se impor em pontos específicos. Raramente doscentes e discentes concordarão plenamente entre si, estejam em grupos opostos ou iguais.

    De toda maneira, ainda que dialoguem, um ponto de vista será aceito pela maioria (com ou a contragosto), o que não o torna, por ser o democrático, o melhor ou o pior.

    Como confio mais no potencial de um professor, que, teoricamente, deve possuir mais conhecimento, havendo chance maior de que tenha uma percepção de realidade mais aguçada, opto por este, ainda que sem certeza plena.

    De toda forma, entendo teu posicionamento e concordo como mais pertinente. O problema é adaptá-lo à realidade.

    Não pelo vício da estrutura, mas pela própria incoerência inerente ao humano. A clareza da razão se dá em cada um como se fosse sempre a última, e, por isso, acaba tomando um ar de pureza e verdade que, ouso cogitar, nunca existiu nem existirá; pois mesmo que cedamos à certeza aparente de um ou outro, não há garantias de que estejam de fato fidedignas, seja perante a maioria, seja perante a constatação racional brilhante de uns poucos que se julgam mais preparados.

    A imposição de algo bom é equivalente à mudança de algo ruim, assim se pensa. Porém, como posso julgar o certo e o errado se as pessoas parecem estar sempre divididas em neutro e dividido, esquerda e direita ou puro e pecador? Vou desafiá-las à tortidão que, julgam, as manterá estáticas em um circulo infindável de assertivas e negações que em nada as servirão à prática?

    Penso também que devemos escolher reflexivamente e de maneira mais cautelosa o máximo que pudermos. Um exemplo: "Hoje voto Dilma (ou nos doscentes), amanhã Serra (ou nos discentes), se me parecer melhor, mais pertinente, pois levei muito tempo para julgar que ambos apresentam vantagens e desvantagens que fazem com que tanto o grupo que os apoia quanto o que os nega estão com suas razões."

    Escolher entre um lado e outro é uma opção que pode trazer vantagens e desvantagens, mas não exclui a possibilidade de estacionar numa ilha por um prazo um tanto mais longo, se vejo que nela há mais marxismo e cristianismo, sendo estes, exemplificando, meus estados de espírito atuais. =D

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  7. Lou,

    Não nego que no final das contas nós tendemos a opinar mais para um lado do que para outro. Faz parte da decisão humana, mas insisto discordar de posições como essas: " desde que não se abra demais brechas para que o aprendiz influa, já que sua função na estrutura é a de recepção e não a de inserção."

    Não vejo por esse caminho. Quando admito a hierarquia como organização das coisas, não acredito que não se possa abrir muitas brechas aos discentes. Na verdade, não se pode abrir brechas demais pra nenhum dos lados. As coisas têm que ir mantendo um fluxo de libertação e de limitação tanto para os discentes quanto para os doscentes, para que uma dessas categorias não abusem do excesso de liberdade.

    Ah, insisto em dizer: não aceito essas posições funcionais de forma tão nitida. Não acredito que cabe a uma categoria a recepção e a outra a inserção. Obvio que por questões de organização devemos estabelecer os devidos lugares de cada peça dentro do corpo institucional, no entanto, eu penso na possibilidade de que essas peças possam transitar entre elas.

    Porém, concordo contigo quando diz que no final das contas vai haver sempre um lado que vai ter legitimidade de impor mias sua relação de força diante do outro, no entanto, apesar da hierarquia, se os professores quiserem que de fato as hierarquias funcionem bem, eles tem que admitir que os discentes representam uma das peças do funcionamento das instituições educacionais, e que por isso mesmo, faz-se importante que eles se sintam pertencidos para que com isso possam ter mais vontade de participar das decisões, uma vez que eles vão passar a compreender o espaço deles também.

    Não viaje muito meu caro. Gosto muito de seus comentários, são bastante enriquecedores, porém, inevitavelmente, assim como você ou qualquer outro, eu também tenho os meus pontos de vista e acho de fundamental importancia complementa-los com outras visões para que possamos ir construindo sempre novas idéias.

    abraços

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  8. "As coisas têm que ir mantendo um fluxo de libertação e de limitação tanto para os discentes quanto para os docentes, para que uma dessas categorias não abusem do excesso de liberdade."

    Esse argumento é muito bom. Fico com ele. Debate rico! Valeu!

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  9. Compreendo que essas leis dogmaticas da estrutura educacional impooem aos alunos a base hierarquica que ao modo das leis, os transformam em alienígenas subterrâneos no ambiente pedagogico, o "dialogo" ou "dialética" no pouco que os conheço como teoria, transforma o aluno em um ser "construtor", a medida em que se horizontaliza, como citou o Vina, as questões que tornam-se uma barreira na escola, podem ser superadas com o dialogo e compreesão da realidade vivida no ambiente educacional, buscando apontar saídas mais maleaveis para os problemas que simplesmente costumam ser pisadoss pelo trator chamado tradicionalismo hierarquico...

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  10. Miguel, não tenho dúvidas de que você e Vina estão com a razão. Só estou considerando que essa "dialética" nem sempre abrangerá tão só o que cada um julga por bom senso. Há o que tomamos por "alienígenas subterrâneos no ambiente pedagógico" de ambos os lados. E descreio na plenitude de qualquer certeza. A minha posição atenta para uma escolha na qual deposito (através de constatações formais, estatísticas, comprobatórias) confiança no lado que julgo mais confiável. Isso não exclui o diálogo, como deixei claro, mas permite-o apenas em doses muito bem monitoradas.

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