quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Rosto de Mulher

Era tarde, as tarefas haviam cessado.

Olhei para um espelho velho, quebrado, e vi um rosto de mulher.

A chuva caía mansamente com timidez feminina.

A imagem do horizonte se escondia por trás da poeira do vidro de uma janela.

O morro não parecia o mesmo naquele dia.

Os homens haviam voltado da labuta.

Mas cá, do lado triste da selva gigante, só tiro se escuta.

Os homens não aprenderam a tricotar de tardinha.

Por isso a paz ninguém garante.



Uma bela mulher gorda sai do mercado com seu carrinho esbarrotado.

Todo cheio, do tamanho de sua ganância.

E ainda não saciou sua ânsia.



Uma figura fina anda por toda a casa,

Veste saia à moda antiga,

Parece crente, protestante, de todos amiga.

Seu cabelo caído sobre os ombros esconde o rosto de quem prepara o pão.

Um jeitinho aqui outro ali e está preparada a refeição.

Vejo seu homem se queixar da intriga.

Tudo é culpa da vida, cruel inimiga.

Um beco sem saída.

Uma vida de rapariga de pé no chão.



Para a chuva.

Cessa o gotejar.

Um zumbido de além cruza o morro até ferir alguém.



Cai, o pobre rosto, ao pé de seu espelho e lá se agita em seu próprio sangue.

E se despede de sua breve vida.

O que foi?

Uma bala perdida, sem dono, sem destino encontrou um rosto no espelho.

3 comentários:

  1. Roosevelt,

    Como seus textos são deslizantes, vou também deslizar em minha interpretação hehehe. Quando vejo você sempre trazer um rosto no espelho, eu encaro como mentir pra nós mesmos. Falamos mal da vida, somos gananciosos, e enquanto isso os tiros se deslocam por ai. O medo nos enconde e nos alimenta apenas diante de um mísero espelho ensanguentado por nós mesmos, ou seja, somos o nosso próprio tiro e o próprio desconhecido e a própria imprevisibilidade fatal do sentido que podemos encontrar para o nosso outro lado, que apesar de ser nosso, é muitas vezes tão somente um reflexo intimamente alheio dessa nossa certeza incerta de ser.

    Só um detalhe: "Os homens não aprenderam a tricotar de tardinha." Eu não acredito que os homens não aprenderam a tricotar de tardinha, mas desprenderam cada vez mais a tricotar de tardinha hehehe.

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  2. show roosevelt!

    Vidas paralelas atravessadas pela violência a qual aparece em maior ou menor grau na experiência de cada um. Violênica essas refletidas nas frustrações cotidianas e existenciais

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