( Este texto foi publicado no dia 17 de abril de 2007 no blog http://www.edsoncosta.blog.br )
“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. Com estas palavras – que iniciam o poema Sentimento do Mundo –, Carlos Drummond de Andrade expressa sua sensação de impotência diante da dureza da realidade mundial. Neste poema, Drummond apresenta um caráter pessimista e pinta uma visão de futuro bem negativa.
Diante dos episódios que têm marcado o mundo hodierno – os atentados terroristas e suas conseqüentes mortes de centenas (por vezes, milhares) de inocentes, a intolerância dos governantes, a intolerância religiosa, os preconceitos de gênero e de raça, a crise internacional envolvendo a Coréia do Norte com testes nucleares, os escândalos na política brasileira, a descrença no Estado e nas instituições democráticas, bem como na política como um todo, entre outros –, a população tem entrado em estado letárgico, ou seja, tem deixado a apatia e a inércia se sobreporem à esperança – até então viva – de um mundo melhor. É a mesma sensação de impotência sentida por Drummond em 1940, quando publicou Sentimento do Mundo, cuja data coincide com o período da Segunda Guerra Mundial, ápice das tensões ideológicas em todo o planeta. Ou seja, diante de tal barbárie, restar-nos-ia apenas “duas mãos e o sentimento do mundo”.
Essa sensação de impotência não nos pode deixar abater. Não pode, em nome do nosso limitado poder de resposta – apenas duas mãos –, nos colocar ao lado do conformismo com a sensação do “nada pode ser feito” e do “deixa como está”, pois o caos estaria consolidado e o mundo seria, por natureza, mau. Essa tese é falsa. Nossa impotência apenas sobreviverá se encararmos o mundo de forma individual, com a ótica do personalismo e acreditando de fato que só existem duas mãos. Nossas duas mãos precisam estar dadas às duas de outrem. Como aponta o próprio Drummond, em seu poema Mãos Dadas, “Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças (...) O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”. Às angústias das inquietas indagações que o poeta faz a si próprio, em “E agora, José?”, respondemos de acordo com uma velha e conhecida canção popular: “Depende de nós”!
É preciso mudar tal cenário. Urge que tomemos fôlego e reacendamos a chama da esperança. A mudança no quadro político brasileiro depende de ações efetivas do próprio povo. A barbárie do terrorismo e a intolerância dos governos dependem também da mobilização social. Vale destacar que foi devido ao silêncio e à passividade da população que o então presidente norte-americano Richard Nixon afirmou que a “maioria silenciosa” estava a favor dos bombardeios e da matança de populações civis na guerra do Vietnã, verificando-se depois que tal concordância não existia. Ao contrário, foi com a pressão popular que o governo norte-americano recuou da guerra do Vietnã.
É preciso, portanto, que não deixemos a barbárie do terrorismo internacional, todas as formas de intolerância e preconceitos atuais, e o grave quadro da política brasileira, apagar das nossas mentes e corações o sonho de um mundo melhor, mais justo, fraterno e igualitário. Reverter o atual cenário é uma difícil tarefa, mas depende única e exclusivamente da nossa iniciativa, da nossa mobilização e das nossas ações. Continuemos firmes e esperançosos, mas não nos tornemos passivos. Sejamos sujeitos ativos da transformação. Como disse o próprio Carlos Drummond de Andrade: “ – Ó vida futura! nós te criaremos”.
Edson,
ResponderExcluirTambém concordo que não devemos manter nossos olhos fechados e assumindo posturas passivas diante de tudo que estamos enxergando. De fato, acredito que devemos encontrar caminhos para requestionarmos a nossa condição, principalmente a condição do capital internacional em nosso dia a dia. No entanto, não sou muito dado a concepção de mãos unidas não. Não é que eu ache que o espirito cooperador entre as pessoas seja ruim. O que eu acho é que essa união já não mais se encaixa em um contexto marcado pela pluralidade de identidades. Não adianta fugirmos. Se houver movimentos sociais atualmente, esses movimentos sociais não se caracterizam por aquela concepção macro, uma vez que estamos inseridos e um contexto heterogeneo, entupido de infindaveis buscas de direito. O que existem são interesses fragmentados e momentaneos. Sou a favor da responsabilidade individual, ou seja, não nego o perigo de naturalizarmos a realidade que de fato é cruel, mas não insisto em acreditar nessa coisa de união não.
Não sendo conformista, ainda que uma perspectiva realista da situação vá desencadear em algo próximo, sugiro uma leitura também metafórica da situação, na qual, milhares de pessoas dão-se as mãos em prol de um mundo melhor, enquanto duas ou três ocupam-se delas com teclas que comandam armas de destruição em massa. Obviamente, não estou afirmando que somos de fato tão reféns da situação, mas, desconfio do que acontece quando alces falam de amor para leões. O poder hierárquico existe. Negá-lo é ser pior do que conformista: é ser idealista utópico. E isso, todos já sabemos no que acaba dando. Concluo: demos as mãos, sim, mas escondamos também uma carta na manga, pois, quando nosso irmão nos soltar e ficarmos sem entender nada, tenhamos alguma segurança. Mesmo que seja sob o olhar atento dos "caras lá de cima".
ResponderExcluirOlá,
ResponderExcluirPrimeiramente agradeço por publicarem meu texto neste site e agradeço também pelos comentários acerca do mesmo. Apesar de já ser um texto antigo, ele aborda questões que são atemporais.
Concordo que não devemos apenas nos prender às ações coletivamente, achando que mudaremos o mundo se andarmos juntos de mãos dadas. É claro que os movimentos sociais, as organizações civis, se bem articuladas podem pelo menos tentar construir uma nova hegemonia, ou no mínimo uma nova cultura. O que quis enfatizar é de que somos donos, de certo modo, do nosso destino sim. Quis combater a passividade e o determinismo que algumas pessoas têm quando se deparam com situações difíceis. Nada está programado ou destinado, seja para o lado bom ou lado ruim. Há várias variáveis que entram em jogo, mas o fato é que o cenário político e social depende mesmo da mobilização e da articulação dos diversos atores sociais envolvidos. E se a coisa fica preta, o que fazer? Cruzar os braços e aceitar ou tentar reverter? A questão é: o povo está preparado para criar uma nova cultura, tentar construir uma nova hegemonia com vistas à transformação radical de nossa realidade? Se sim ou se não, o fato é que muita coisa depende disso.
Abraço
http://www.edsoncosta.blog.br
Olá Edson,
ResponderExcluirO seu texto nos faz repensarmos sobre essa tal condição de mundo. Por mais que sejamos engolidos pela avalanche de acontecimentos, sejam eles políticos ou sociais, o fato de estarmos repensando sobre a situação que nos encontramos já nos traz um impulso para mudança. Concordo com o Vina quando ele cita que a união não encaixa em um contexto marcado pelas pluralidades de identidades. E vou mais longe, acho que como vc bem citou é uma situação que denuncia um momento contemporâneo , mas que ao mesmo tempo revela um tom de a-historicidade. Assim,podemos pensar em termos de que tudo isso pode ser propiciado pelo âmago atravessado pela nossa individualidade, talvez pensemos em algo parecido ao que podemos denominar como "natureza" humana que não sei onde ela se origina, mas os distúbios sociais grandes feitios seu os quais são vistos muitas com horror, fator fora da essência humana. Se pensarmos bem, humanidade é um termo que provem da união, da solidariedade que o individuo tem com o seu próximo, no entanto um termo que por muito tempo vem sendo desconhecido por nós.
um abraço
Meu caro Edson,
ResponderExcluirBelo texto.
Maíra e Roosevelt,
ResponderExcluirObrigado pelos comentários.
Conheci este site através do Vina e estou encantado com os textos aqui publicados, sobretudo com a inteligência sagaz de seus membros. Realmente um debate muito qualificado.
Só um comentário sobre "a união não encaixa em um contexto marcado pelas pluralidades de identidades". Talvez ainda não estejamos prontos para de fato lidarmos com a pluralidade, a heterogeneidade do mundo moderno, com a diversidade e com os divergentes. Sempre é possível extrair das divergências aquilo que nos une. É preciso entender o momento, a causa e a necessidade.
Abraço