quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A idéia do “Objeto Perdido”. E a imperfeição humana no mundo da arte.



Este tema é bastante amplo, antigo e discutido em vários ângulos. Então trago como objetivo neste pequeno texto fazer uma síntese dessa visão artística abordada pelo Rogério Skylab (músico e poeta), Oscar Wilde (escritor) e o Nietzsche (filósofo), mesmo sendo de épocas e visões distintas, podemos identificar algo em comum nos fragmentos do discurso desses caras. Esse termo “objeto perdido” extrai da entrevista com o Rogério no programa do Jô Soares, por sua vez, é um elemento que está dentro da arte e acreditamos que seja uma força essencial na sua produção de diversas formas. Qual o sentido da arte para esses autores? Que baseando nesse elemento em comum se conectam.

De acordo com o Nietzsche, seria a forma subjetiva de escape da imperfeição do mundo real transmitida pelo indivíduo em sua arte. Em seu livro “Humano demasiado humano” critica os socialistas e os idealizadores do “mundo perfeito” (Niilistas passivos), se a criação de um mundo perfeito fosse possível do modo de projeção desses pensadores, seria a morte da arte em sua essência. A arte funciona como suporte de complemento dos nossos sentimentos, não bastando os mesmos, más com um propósito de se chegar ao inalcançável pelo indivíduo no real, transmitindo essa busca pela sua criação artística ultrapassando a fronteira da imperfeição para algo além.

No Oscar Wilde em seu livro o “Retrato de Dorian Gray” possui trechos interessantíssimos, um dos quais, a excelente atriz do romance, ao perceber que amava o Dorian (Protagonista) e que o possuía como um elemento de busca, desejo e se casaria com ele, passou adiante representar de maneira péssima suas peças dais quais se destacava em romances, pois o motivo central seria a posse do “Objeto” no real que a desestimulava na sua representação no teatro, com o romance concreto não havia mais sentido em construir algo fantástico em sua profissão.

O próprio título do livro nos diz algo a respeito, através do Pintor desse retrato “Basil Hallward tinha uma grande paixão platônica pelo Dorian que o estimulou a construir um quadro que na visão do personagem era perfeito e magnífico, conseqüentemente a construção de outros quadros excelentes. Concluindo essa tese, o personagem filósofo “Lord Henry Wottoncita que o poeta que vive o mundo real poeticamente, ou seja, no consumo do que poderia projetar na sua poesia, acaba sendo um péssimo poeta, o inverso nesse caso é aquele que vive em impossíveis desejos não concretos, os projetando em uma rica poesia por sua vez.

O Rogério Skylab é uma figura complexa, inteligente e louca (no melhor sentido da palavra) dentro dessa perspectiva abordada na sua música e poesia, explora essa noção numa estética lingüística “não convencional” da qual podemos navegar mais livremente em sua composição. Se pegarmos como exemplo a música “dedo, língua, cú e boceta” da qual ele usa um jogo de palavras sexualmente falando, o instrumento fálico que se ausenta nessa situação pode provocar uma idéia lésbica na letra, então a relação de ausência do pênis nesse contexto resignifica a situação do sentido. No caso do Skylab, o objeto perdido possui uma relação de jogos de sentidos que dividem fronteiras na interpretação, podendo ser explorado em vários extremos diferentes, tornando-se uma incógnita, às vezes para o próprio artista e quem o interpreta. Assim, explorando um campo onde a linguagem da música passeia sobre as diversas possibilidades de sentidos, até mesmo na ausência do próprio sentido.

Na musica “corpo e membro sem cabeça” ele fala de partes corporais que foram perdidas pelos indivíduos que nas situações da letra, seja por simples perda, por repulsa, assim desejando algo impossível que necessariamente se relacione com as partes perdidas, fazendo mesmo sem o membro, a tentativa de concretização da ação desejada improvisando com sua ausência, como: “[...] As fotos do fotografo cego, o canto da cantora muda, o peru do travesti operado, a dança da paralítica, o discurso do homem gago...”

Dentre outras músicas que chamam atenção para a diversidade de relações com esses objetos, que podem ser não só o corpo, mas qualquer matéria ou símbolos de um contexto relacionado ao artista, Skylab passa na sua música, situações em que o “objeto perdido” é buscado através de uma perturbação pela ausência, puxando a descarga poética conseqüentemente, sendo infinitas possibilidades de construção subjetiva do artista em relação ao objeto, contanto que o transmita no concreto artístico.

Indivíduo <--> Arte <--> Objeto

O elemento perdido não é a totalidade nem o fim, mas o princípio ao tentar construir parte das poesias, músicas e etc. A relação do individuo e sua subjetividade transmitida através da arte com esse propósito do qual sua inquietude com o “objeto” seja transfigurada para o mundo da criação do impossível, completando o objetivo da sua relação com um universo não explorado. A arte para o observador é muito abrangente de significados, mas partindo do objeto e sua relação com o artista (ou personagem da obra), percebi com mais proximidade essa relação desde que seja possível identificar a existência desse objeto.

Alguém pelo menos um instante, ao criar ou usufruir uma arte, tem a sensação de ultrapassar o concreto, atinge não só o que conhece, mas também um universo do qual não era explorado, o que interessa é chegar àquilo que sempre quis, sabendo o que é, ou não, desde que se sinta perfeito, mesmo imperfeito, completo, mesmo incompleto para o fim de preencher o vazio do “Objeto perdido!”

5 comentários:

  1. Miguel, um belo raciocínio. Roosevelt

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  2. Miguel,

    Suas palavras foram perfeitas. A arte surge o tempo inteiro em nossa vida justamente pela arte ser resultado de nossa incansável busca pelo nosso velho objeto perdido. Cada um vai se manifestar da sua forma, vai liberar seus sintomas concretizados em fantasias em suas construções. O ato de desejar é inerente a qualquer animal humano.
    A estrutura do nosso aparelho psiquico é alicerçada por uma lacuna que nos divide e que nos faz tentar a todo custo, tamponar essa lacuna. Para isso, buscamos arrumar um lado buscando o outro, mas jamais um lado será de fato preenchido por sua totalidade, até por que, na base de nosso aparelho psiquico, não existiam lados, o que existiu foi uma castração, um corte provocado pelas limitações impostas pela cultura que dividiu a nossa sensação de plenitude. Não é por acaso que achamos querer um lado, mas querendo ou não, voltamos ao outro que acreditamos negar, isso por que os dois lados são um apenas, e o que nós queremos é nada mais nada menos que simplesmente conquistarmos a integridade que foi perdida.
    Com isso, vivemos em busca do objeto perdido, vivemos entortando por tentarmos conquistar um lado e o outro o tempo inteiro, e essa busca nunca se fará de forma previsivel a partir de um cronograma certo e preciso, pois no meio do caminho, queremos o lado que odiamos, pois o lado que odiamos também é nosso, ao mesmo tempo buscamos correr para o lado que aceitamos, pois o lado que aceitamos também é nosso. Queremos os dois e não preenchemos nenhum dos dois.
    Muito do caralho o seu texto

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  3. Valeu mesmo Vina...


    Vamos mesmo, caminhando nesses desencontros eternos que acreditamos possuir tudo que não podemos, a arte nesse sentido é uma linguagem que retrata essa luta desde o óbvio até o mais longíquo íntimo, sobressaindo muitas vezes a compreessão de quem faz e quem ver.

    Então buscando com um propósito, mesmo não sabendo o que é, a catarse dessa inquietação vem nessa tentativa de materializar esses pólos inalcansáveis que nos atormentam, nos "pertencem", então essa linguagem resurge o que já foi pertencido e queremos retornar a ter-lo, possuir novamente pela "primeira vez"...

    " Toda maneira, para o homem, de encontrar o objeto é, e não passa disso, a continuação de uma tendência que se trata de um objeto perdido, de um objeto a se reencontrar". Lacan

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  4. Você me pediu um comentário mais analítico, pois bem, a ele: o objeto é sempre perdido.

    Mesmo o pênis, que na psicanálise nascente ocupou lugar de objeto encontrado, hoje é visto como um fetiche perfeito do falo.

    Fetiche perfeito do falo, é necessário desenvolver. Um fetiche, um objeto-fetiche (calcinha, pés, dedos, etc) é um objeto que, segundo a psicologia do fetichismo de Freud, vem aplacar o horror da castração feminina, fazendo suplência ao 'pênis perdido' da mulher. Bom, daí percebe-se o nível de subversão da teoria clássica ao se afirmar queo pênis é o fetiche perfeito do falo, falo figurando como o 'pênis' perdido de todos.

    Ao explorar os níveis pré-genitais da sexualidade, os aspectos não simbolizados do gozo, Lacan forja o conceito de objeto a, que é justamente a icógnita do objeto causa do desejo: causa o desejo justamente por ser perdido.

    Desta forma, todo desejo parte da carência fundamental de não se achar nunca o objeto, apenas versões parciais dele. Ao menos no nível simbólico.

    Usando o mesmo exemplo da atriz de Dorian Gray, a sua peça empobrece quando ela vivencia o amor com o mancebo, mas não porque tenha encontrado o objeto no concreto, no real, e sim porque anda encenando uma outra peça, chamada romance.

    Excelente texto.

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  5. Erlyneto,

    Achei sua colaboração muito pertinente. O que eu vejo é que a busca pelo objeto perdido é fruto de um rompimento que tivemos em uma época primeva da nossa vida e que não temos capacidade de simbolizar a nivel de sentidos e linguagens em nosso contexto atual. É como se nós tivessemos varias imagens flutuando em nossa cabeça, mas essas imagens não nos retornam como significados, e sim como mero perceptivos.
    Por que isso acontece? O que eu entendo é o seguinte: a palavra ao entrar no nosso mundo, ela vem no sentido do permissivo e do punitivo, ou seja, sim e não, pode, não-pode. Quando ainda não temos acesso à linguagem, a palavra punitiva nos toma o que se encontra sob o nosso dominio, mas nós não temos capacidade de compreender o por que é que aquilo nos foi tirado.
    É por isso que quando conquistamos um objeto, imediatamente queremos outro ou achamos que não conquistamos esse objeto em definitivo, pois por mais que nossa linguagem diga: encontrei!, o rompimento da nossa primeira perda incapaz de nos dar um significado nos faz voltar para a tentativa de conquistarmos aquilo que queremos buscar e assim as coisas vão indo: achamos, queremos encontrar, perdemos, encontramos, tornamos a perder, etc, etc. Enfim, a busca pelo objeto vem lá do nosso fundo profundo.

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