quinta-feira, 30 de setembro de 2010
O torto tortinho
O torto é brega? Acho que sim. O torto não é brega? Acho que sim. O torto é torto? Não, infelizmente ainda não alcançamos o que estamos pregando para os nossos leitores. A filosofia do torto poderia ter decolado se os tortos, pelo menos, se unissem para pensar um projeto torto em epistemologia que seria torta. Algo foi pensado no início e depois cada torto resolveu entortar a seu modo. Cada um criou uma categoria própria, cada um resolveu seu problema dizendo que “sou um torto”. Quando foi abordada a questão da maconha vi alguns tortos saindo de fininho pensando que não seria notado. Note bem, de fininho, um fininho. E o torto virou um conjunto de categorias que ele insiste em dizer que não gosta de classificar, a coisa é relativizar, contudo cada torto se diz torto ao seu modo, logo são vários tortos num só torto. O torto é uma sociedade de classes. Cuidado, classifique por dentro, aqui entre nós.
Nossa proposta era dizer sobre qualquer coisa. O torto escreve sobre o que ele acha ser certo ou errado, mesmo que a ordem o critique, mas neste ponto (maconha) todos nós somos direitos. Não me comprometa! Será essa uma posição torta? A posição daquele que optou por dizer aquilo que a sociedade diz que devemos nos calar para não chocar as convenções. Nestes dias muita coisa está em jogo: Casamento gay, aborto livre, descriminalização da maconha, internacionalização da Amazônia, e do pré sal. O torto se cala diante de questões que, creio eu, não deveria se calar. Não é pauta de militância falar sobre estas coisas. Mas a demência torta insiste em ficar negando e afirmando como um velho que fumou um baseado e não sabe o que dizer ou como dizer, ou o que dizer.
Acho que sou um velho torto. Um torto que entende que as coisas não são bem assim...
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
O Troféu de bosta!
Em uma situação que o indivíduo “Voltairiano” prepara-se com equipamentos supérfluos e um batalhão, mas na hora exata, cadê o batalhão? Cadê o funcionamento das armas? E começa uma luta com ele mesmo para achar a resposta. O que sobra é o corpo nu ao inimigo, com quem menos contava foi o que restou sem preparo, o corpo foi mutilado e arrasado com a derrota. Então ele se entrega ao desespero e joga a culpa da sua derrota nas suas armas e companheiros, cada dia o atormenta com a derrota após derrota, tentando inovar nos equipamentos, implora aos companheiros e táticas novas para vencer a sua luta. A derrota o aflige a cada instante, o desespero está tomando conta da alma e do corpo agora sem saída.
No ultimo pulsar dos neurônios e do coração, lembra-se quem era o culpado verdadeiro da derrota, o próprio indivíduo, arranca sua roupa, amassa suas armas, e se joga na noite mais fria e mais solitária de sua alma. O perigo e a dificuldade são extremamente maiores, cada fatia do seu corpo que corta, cada queimadura, cada pedaçinho arrancado, torturam até o ultimo elétron da “energia vital”, cada gota de sangue derramado parece que arrancaram séculos de sua vida. Então, ele olha para o seu corpo esfarrapado no chão, quase em putrefação e em frente seu inimigo morto, caído, após 2 meses de batalha e desespero. Levanta sua carcaça que aos poucos se regenera, cada gota de sangue re-bombeado, pele cicatrizada.
O que era podridão se levanta vitorioso mesmo com os pedaços arrancados, por mais que o significado da luta seja inútil ou grandioso, ele olha para o seu ego e responde: “Finalmente, precisei do principal para o que é meu, a anestesia causou a minha derrota. O sofrimento e a dor persistentes agora não existem mais, meu orgulho egoísta e vitorioso agora se questiona e conclui. Mesmo esse troféu sendo de matéria fecal, é meu, a doença é minha, a luta é minha, a derrota é minha, o troco do soco é meu, e o troféu de bosta... Está no meu armário exposto ao mofo."
Se a dor é universal?
Mesmo sem o saber, sei que sim. Podemos ontologizá-la. Mesmo sabendo que o tipo de flor a nascer nos campos de cada sujeito é coisa por demais idiossincrática.
Entendo, entendo! Presunção muita afirmar que ela possua existência própria. Mas apesar de ser a dor universal, o poema é meu, sou eu que mando aqui! Ou a vontade?
Será que existe vontade sem dor? Toda vontade é querer sair da dor: a dor move a vontade, ou esta que gera aquela? Aporias, aporias...
Deixe-me! Esqueça-me aqui! Repugno a vontade! Apesar d’a vontade de não ter vontade ser como a Ponte do Imperador!
terça-feira, 28 de setembro de 2010
O fogo e o frio
Quiçá, deveras o rapaz não se mostre
Devore os dedos em silêncio
Para curar a ressaca
Embevecidas tortuosamente de caminhos.
Eu queria enfim acentuar meus pontos
Quantos não sei...
Tantos que temo que me perca
Em ti sou o que vê
E tu, a criança que borda lágrimas sem fim.
Deixo-te aqui meu peito enrugado
Deixo-te aqui essa mão que pulsa
De amor e tristeza
Coisas que ele mesmo desconhece.
Será?
Faz uma colcha
Um casaco fino com suas lagrimas
O frio não tarda a chegar
Regurgitas teu cansaço
Engendrando lugar tênue.
E sinto tudo isso
Para gostar mais de mim
É como uma raiz que recobre o próprio tronco
Sentindo a lacuna na alteridade
Direciona suas raízes
Indubitavelmente para si.
Ah! Minha praia de Atalaia
Em teu contraste me acho
Seus arcos meu binóculo
Tua areia cama para a madrugada
Escola de um pigmeu sergipano
E cozinha para equilibrar o fogo e o frio.
Reuel Astronauta.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
As brigas no Movimento Torto
Um erro que eu enxergo nos movimentos é confundir Ideal com o que pode ser idealizado. Os movimentos que eu conheço criam suas formas de ver o mundo sem reconhecer que o que eles pensam como Ideal muitas vezes não pode ser colocado de fato em seu dia a dia. Antes de pensar o individuo enquanto um sujeito dotado de valores, de acertos e de vacilos, simplesmente buscam fazer deles Super-Humanos hipócritas.
Pelo que eu vejo, geralmente os movimentos apregoam uma visão de mundo que termina sendo contraditória no mau sentido da palavra, pois quando eu digo que pelo fato de minha pessoa acreditar em determinado movimento, sempre ela vai agir de tal forma, obviamente que eu estou criando uma expectativa no outro de que nunca serei capaz de fazer determinada coisa. No entanto, devido a minha condição inevitavelmente contraditória de ser humano, em algum momento vou praticar uma ação que vai ser contrária ao Ideal do movimento que eu digo que acredito.
Um grande problema dos movimentos é que eles externam um discurso que diz defender uma bandeira e se negam a reconhecer a natureza escorregadia do humano. Nesse sentido, é muito fácil ficar no blá blá blá enfeitando um discurso de perfeição humana, de defesa por tal coisa, de ética, de virtude, só que o humano é a própria luta dele mesmo, e o que ele acredita hoje, amanhã já não mais acredita, portanto, se há só uma bandeira, essa bandeira se encontra apenas na oratória do momento.
Ai é que se encontra a beleza e o perigo do Movimento Torto. A beleza se refere ao respeito que o movimento vai ter sobre a condição humana. Dentro do movimento, os autores se sentem livres em opinar da forma que eles entendem ser melhor. No torto, não há a necessidade de um autor ter que elogiar o outro simplesmente por que o outro autor pertence ao mesmo movimento que ele. Os tortos se elogiam, mas também se conflitam.
Já o perigo se encontra no diz respeito às brigas entre os próprios autores. Em algumas situações no torto ocorrem conflitos, e pelo hábito que as pessoas têm em achar que só há movimentos quando todos os seus integrantes pensam de forma igual em perfeita harmonia, muitas vezes elas terminam por não legitimar o torto. Porém, o torto se entorta por que possui tanto comportamentos que se encontram de acordo com as expectativas do que entendemos como ética, quanto vaidades e pequenezas humanas.
O torto sabe ser gentil, seja por que ele é também gentil, seja por saber que ele também é produto do meio, e portanto, sabe se comportar de acordo com a pró-forma das convenções; mas posso dizer que o torto também sabe que ele precisa das convenções por elas terem como função, amenizar seus inevitáveis sentimentos de raiva, e por isso mesmo, o torto está ciente de que mesmo com o limite imposto pela convenção que ele acredita ser necessário, ninguém se encontra livre de um dia estourar.
O Movimento Torto é um bando de cobras que muitas vezes pensam estar mordendo o rabo do outro, sem perceber que o veneno injetado vai para o próprio rabo. O torto acerta e erra e por isso se entorta, pois para nos entortarmos temos que admitir que não estamos apenas diante de uma opção. Aqui é o lugar da imprevisibilidade, dos entendimentos e das porradas, afinal, antes de sermos tortos, sabemos que somos humanos.
Eram algumas vezes
um dia eu estava andando meio sonolenta no escuro. Andei, andei até que percebi que estava andando demais. Mas, continuei andando e tropecei num buraco.
Eram duaz vezes...
Duas noites seguidas eu estava bebendo entediada num buraco. Bebi, bebi até que percebi que estava bebendo demais. Mas, continuei bebendo e fiquei desacordado.
Eram três vezes...
Três noites consecutivas que eu estava lendo no hospital. Li, li até que percebi que estava lendo demais. Mas, continuei lendo e me esqueci de telefonar.
Eram quatro vezes...
Quatro tardes interpoladas que eu estava apostando na sala de estar. Apostei, apostei até que percebi que estava apostando demais. Mas, continuei apostando e me esqueci de calcular.
De repente um desconhecido apareceu, perguntou se eu tinha alguma lupa. Eu disse que não, mas então resolvi comprar. No dia seguinte, eu via dois poros abertos nos meus dedos e não consegui estancar.
Daí comecei a contabilizar,
Era uma vez...
Um dia que vi...
domingo, 26 de setembro de 2010
Hume e a Contestação Das Leis de Newton: o homem simplesmente é crédulo.(Anderson Couto)
Nesse tempo surge um cientista que aplicando as leis matemáticas aos fenômenos físicos apresenta leis indubitáveis. As famosas leis de Newton mudaram o panorama cientifico e até hoje surpreendem pela sua correspondência na experiência, apesar das contestações da física relativista de Einstein. Com as descobertas científicas surgem disputas no campo filosófico.
Antes da ciência utilitária, as teorias explicavam as causas de forma transcendente aos sujeitos. Os indivíduos abarcavam as idéias de causa com base na evidência do raciocínio ou com base na intuição reveladora de Deus, sem utilização de qualquer espécie de experimento tal qual o homem ocidental se acostumou no transcurso de sua história.
Isso quer dizer que o mecanismo de explicação do mundo se dava através da demonstração de raciocínios, através da lógica e do uso do método da não-contradição. A relação causal existe desde sempre e no pensamento é aplicada de forma objetiva, ela está disposta a priori. Nesse método, todas as leis de explicação do universo são acolhidas de forma dedutiva e a necessidade é a comprovação de veracidade.
O sistema dedutivo é um sistema de referência bem esquematizado e que não admite contradições. Nas situações em que apresenta disparidade com os fatos concretos, os adeptos desse sistema sempre apostam nas dificuldades dos sujeitos em desvendar as estruturas infalíveis do sistema de explicação do todo.
Sua finalidade é mostrar uma estrutura de referência objetiva sempre vigente, apesar de todo aspecto multifacetado de acontecimentos do universo. As leis causais de Aristóteles encontram respaldo nesse tipo de dedução, embora Aristóteles tenha em mente uma espécie de sistema imanente, quando explica o mundo físico, entre o universal e os particulares. Mesmo assim a teoria do ato e potência tem a necessidade de se apoiar em um princípio transcendente, o mais geral possível, para que não incorra em contradições.
O sistema dedutivo deduz a existência das coisas através do sistema. O real é o que é representado no raciocínio e está disposto na veracidade e inefabilidade dele. No caso dos dedutivistas, se o sistema sempre existiu, as idéias devem está sempre na mente, são inatas. Platão, antes de Descartes inclusive, já trazia essas idéias gnosiológicas. A tese da rememoração, de contato com o mundo das idéias, apresenta algo aproximado a teoria de Descartes.
E justamente aquilo que é particular numa coisa é o que é mais resplandecente na rede sensitiva dos homens. Desse modo, a corrente empírica surge com um tom cético para negar toda a rede causal comprovada pelos dedutivistas. Com os empíricos há uma inversão no raciocínio. Em vez de moldarem as coisas no sistema, nos empíricos, as idéias somente possuem existência se comprovadas e surgidas com base nos fatos. Isso de per si é um duro golpe nas pretensões dos racionalistas dedutivistas.
Em resumo, Hume desmistifica duas questões importantes da ciência Newtonia: aprioridade, universalidade das leis de Newton e a objetividade e existência real do conceito de causa e efeito.
Hume parte de uma imagem bem interessante. Imagine a hipótese de um homem que nunca tenha visto uma bola de bilhar, como ele poderia de forma a priori sugerir a representação de que um choque entre duas bolas de bilhar traduz-se em transferência de energia mecânica e que uma bola de bilhar em movimento, quando se choca com uma parada, move-a. Como uma relação desse tipo poderia ter surgido na mente assim desse modo?
Hume responde, a mente possui um modo de relacionar fatos, uma subjetividade que pensa de forma causal. A formação e ligação de representações (idéias) de fatos simples e acontecimentos, como de qualidades sensíveis, se dá através da contigüidade (espaço e tempo), semelhança e causa e efeito. Hume dispara contra os dedutivistas: a mente não possui esses raciocínios de modo a priori, ela os ganha do curso da experiência, do registro imanente de seus sentidos.
Hume nega qualquer espécie de eternidade dessas idéias. Tanto as idéias de causa e efeito quanto às de acaso são apresentadas ao homem através de seus sentidos. A regularidade de apresentação de sucessão de causas e efeitos dá ao homem uma crença maior no pensar causal. Ela fornece inclusive ao homem uma ilusão de poder sobre a natureza e ainda dá segurança para sobreviver entre as intempéries da vida. Mas ela não é objetiva.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Jaca
Sou um pobre verme que acredita em Deus! Não nego, eu creio nele! Não tenho mágoa de Deus, pois ele nunca me fez mal algum. Talvez seja essa a origem de minha cegueira: A fé. Muitos intelectuais certamente ao lerem meus escritos vão dizer de mim que sou apenas mais um vitimado pela neurose; mais um que creio no inacreditável, pois não pode ser visto. Sim, Deus não é visto, nem é tocado ou sentido pela via tátil, mas são essas as condições para algo ser crido? Ou para algo existir? Nós da área de humanas trabalhamos com o simbólico, o invisível, o muitas vezes imensurável, e nós damos status de ciência ao que fazemos. Somos psicanalistas, cremos na topografia de nosso psiquismo, cremos nos germes psicopatogênicos que nunca foram vistos nem de perto nem de longe, e somos cientistas e damos ao que fazemos o título de ciência.
Pai Joaquim um dia viu Deus sentado debaixo de um pé de jaca. Deus estava muito cansado de passar toda uma eternidade sem fazer nada. Contudo viu um pobre garoto negro perguntar a um velho escravo porque Deus havia feito o negro. Joaquim ficou um tempo calado e depois deu a resposta bem simples. Deus está comendo jaca debaixo do pé de jaca e coloca os caroços um ao lado do outro. O rapaz sem entender a palavra do velho enfureceu-se, e disse: “o senhor ainda não respondeu a minha pergunta”. Joaquim então disse, assim como Deus criou a jaqueira, também criou o negro, tudo está aí, não precisa de um sentido.
Sim, nosso costume de querer provar tudo, e dar um sentido a tudo, inclusive ao próprio Deus, como fez Calvino e outros, nos impede de viver uma coisa muito simples de se fazer: Viver nossa vida em paz! Sim viver em paz, viver sem a preocupação de explicar tudo ou de achar que a falta de explicação não é uma explicação, sem conceber muitos conceitos e filosofias que enchem a cabeça e esvaziam o coração de afeto e sensibilidade. “A mulher do professor fugiu com o leiteiro porque o marido não lhe dava sexo”. Você duvida? Não duvide! Isso aconteceu. Esse velho tem muita estória para contar. Como eu disse no início do texto, as palavras acabaram, pelo menos por hoje...
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Retrato da Loucura
Contam para o meu ser o que deveria ou não
Os rios refletem ilusões que me fogem da realidade
Bombardeando de mim mesmo um jargão
Quero a lógica desses fluxos reais que me jogam
A suposta razão que se explode na exosfera
Assim correntes dos choques imaginários me sufocam
Ao mesmo tempo meu espírito não sabe mais o que gera
Vejo um sol, o maquinário, circuitos e janelas ligadas
Parecem ligadas numa só tomada do entendimento
Essa osmose me supersatura com milhões de telas conectadas
Com a energia e a matéria que transmutam o comportamento
Oh! Camas espaciais! Sobrevoam diversas esferas celestiais
Com o caixote humanóide que se transfigura
Empurrando-me o vento com imagens descomunais
Desde o primeiro devaneio até a última loucura
Nosso Medo
Pois na verdade eles eram tão meus
Em gargalhadas sempre carregadas
De toda angústia que retrocedeu
Eu miro todos os messias que este mundo criou
Eu amo todas as palavras, dentre elas, rancor
E vejo uma pávida alma em quem me presta um favor
Apesar dele, apesar dele, apesar dele, há um pesadelo
QUI SUIS-JE? QUI SUIS-JE?
Que sujeira habita este corpo assim tão indiferente a você?
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Um romance natural
Neste instante, eu como um todo me sentia apenas uma ostra. Que canto era aquele? Admito: sou fraco, não resisto a mulheres que jogam poesia como um fluido, que das águas do mar não se distingue. Eu queria sentir apenas aquele ir e vir, acrescentar mais uma metáfora para o rei das nostalgias, quando me aparece, por um lapso, a moça que tocava notas com seus cachos, ensaiando seu burburinho.
Fiquei, por fim, a admirar a cena, que com o passar do tempo era só mais uma alusão que o mar me teatralizava. Não me atrevi a chegar até a moça. Afinal, nada seria mais injusto do que isso: seria a supressão do paraíso – não por ausência de desejo; são coisas de um espírito velho. Queria, sim, a possuir até o espírito, mas o que me apaixonava era o mar, a moça, o eu e as pessoas que da boca dela saiam.
De repente, caiam brasas vivas do mar. O fogo tomou a praia, baleias encalhavam na praia e eu a ver o mar. O céu esbravejou, chovia, relampejava – eu a ver o mar. A mulher desintegrou-se em bolinhas pequenas, que voaram no ar turvo de fumaça e cinzas. Eu ainda a ver o mar. Após uma forte pressão atmosférica, virei uma esfera. Posteriormente, cada átomo de mim flutuava no ar, fui-me diluindo. Até virar, enfim, a praia, o mar e a moça.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Zefa Galáxia e os três planetas
A primeira rota de Zefa foi o Planeta Reto. De acordo com Zefa, ao chegar no Planeta Reto, ela encontrou uma sociedade extremamente impositiva. Segundo ela, lá as pessoas sentiam dificuldades em lidar com a pluralidade do mundo. Tudo era na base da hierarquia e tudo se organizava como certo ou errado, melhor ou pior. Zefa, por duvidar daquela classificação e ao confrontar os valores do Planeta Reto, terminou sendo expulsa de lá.
Lá pela nossa sétima cerveja, Zefa começou a me contar sua experiência no Planeta Empenado. Chegando no Planeta, ela soube que a população que lá habitava era justamente a população que tinha sido expulsa do Planeta Reto. Com um tempo, o numero de expulsos foi aumentando e foi se formando uma política própria.De inicio ela ficou extremamente encantada com aquele povo.
Zefa percebeu que justamente os grupos vistos como marginalizados pela sociedade eram os grupos que recebiam apoio no Planeta Empenado. Porém, nossa querida viajante notou com um certo tempo que os grupos excluídos, por guardarem muitas situações de opressão, sentiam um ódio profundo por tudo que estivesse associado ao Planeta Reto. Tudo que era associado aos valores do Planeta Reto era considerado inútil.
Com essa política, Zefa percebeu que apesar daquele povo saber compreender os grupos marginalizados, ele ainda não sabia admirar a pluralidade. O que nossa viajante percebeu é que aquele povo exigia direitos, respeito pela diferença e a inclusão dos grupos marginalizados, mas não admitia se incluir na pluralidade. Pregavam a diferença, mas insistiam no isolamento.
Zefa resolveu finalizar seu percurso no Planeta Torto. Depois da nossa décima primeira cerveja, Zefa observou que no Planeta Torto não havia uma imposição de idéias, assim como no Planeta Reto, mas no Planeta Torto, as subjetividades eram tão defendidas como necessárias que eles admitiam a hierarquização dos valores, até por que eles acreditavam que devido as subjetividades, inevitavelmente todos tinham uma idéia do que era certo ou errado, feio ou bonito.
Ela disse que o Planeta Torto buscava reconhecer os direitos dos grupos marginalizados assim como no Planeta Empenado, no entanto, o Planeta Torto por entender que ninguém possuía uma verdade plena sobre nada, sabia que no final das contas ninguém era melhor ou pior do que ninguém, e por isso mesmo, nenhum grupo deveria ser segregado, o que não significava dizer que não se deveria reconhecer e criticar as relações de poder entre eles.
Quando eu e Zefa chegamos à décima quarta cerveja, preferimos nos despedir até por que não sabíamos mais diferenciar mão de dente. Mas... se não tivéssemos tomado todas aquelas cervejas, por acaso saberíamos definir com tamanha verdade o que era alguma coisa de outra coisa qualquer?
Uma entrevista do Gullar
Essa definição talvez não cabe muito nos dias atuais como ele mesmo citou, pois as propostas artísticas se diluíram no meio do caminho. Diferente do quefoi dito em alguns movimentos nas décadas 60, 70 e 80, como os happings e o neo expressionismo. O primeiro satiriza a institucionalização da arte, pois essa era uma via para fetichizar o objeto em termos valorativos de bom e ruim. A arte poderia ser encontrada nos lugares mais recônditos, menos imaginavéis ou até mesmo nos meios mais banais, como o famoso mictório de Duchamps. Esse dadaísta desestabilizou grandes autoridades das correntes mais clássicas quando pôs o mictório invertido em uma das salas de exposição de um museu consagrado. Um objeto pronto, funcional, sem nenhuma inspiração artística, mas que carrega sentidos despercebidos em nosso cotidiano. Gullar cita, não exemplifica Duchamps, mas outros artístas mais contemporâneos, que algumas manifestações não caberiam no meio artístico como, por exemplo, colocar em exposição um frasco de larvas.
Outro ponto interessante é o seu questionamento quanto a própria institucionalização no meio dos happenings, "o cara ficar nu no museu é obra de arte; nu na rua vai preso", isso faz todo sentido, pois acho que não passa de uma atitude ambivalente. Ao mesmo tempo que se tenta contemplar os diferentes meios de expressões ou correntes artísticas, elas só se limitam nos muros da instituição, pois quando passa dessa fronteira, a arte passa a ser um atentado aos costumes cristãos.
A entrevista me ajudou a repensar em muitas questões que inclusive já havíamos debatido com uma certa frequência no torto, mas que em alguns instantes quando Gullar é mais incisivo nos pontos mais críticos, eu ainda tenho receio em manifestar a favor, principalmente quanto a sua definição clara entre expressão e arte.
Apesar dos happenings ser uma expressão passageira, essa manifestação conseguiu trazer olhares diferentes sobre a arte. O seu principal preceito era demonstrar que a arte tinha vida própria e que o autor, assim como Barthes argumenta,perdeu o seu pedestal. A arte tem seu tempo e ela só existe por causa da relação entre o momento de inspiração entre quem lança a idéia e aquele que contempla. Em casos mais radicais, o espectador participaria, mas sob efeito de narcóticos, pois a nossa consciência e percepção é muito reduzida para enxergar não o que seja propriamente o objeto artístico, mas o olhar lançado sobre todas as expressões.
O que acho interessante na arte conceitual ou contemporânea e até no neo expressionismo da década de 80 são os seus olhares sobre as dimensões do campo artístico. A arte não se esgosta nos limites apertados de uma série de cadeias valorativa entre o bom ou o mau gosto, ela é aberta para repensarmos quanto o seu sentido que pode interferir até mesmo nos nossos consagrados valores culturais.
*O texto foi baseado na revista HISTÓRIA da biblioteca nacional, ano 5, nº59, agosto 2010, págs: 50 a 55.
domingo, 19 de setembro de 2010
Otherside (por Igor Araújo)
Antropofagia suicida do sistema em colapso. O decadente Titã tremia de dor e desespero, testemunhava a si mesmo como um espectador impotente e sofria aquelas fustigações como uma vítima indefesa. Era um Deus solitário e uma presa ao mesmo tempo, alvejado pelas perversões de uma terceira personagem invisível. Aquele grande estômago expandiu-se para comportar tanto vômito e se reduziu a isso: uma pasta melequenta e branca como o líquido leitoso que se desprende ocasionalmente das paredes do casulo vaginal.
O gigante e aquelas mucosas peristálticas estavam ensopados, engasgados com o próprio vômito, submersos no caldo primordial. Mas só havia sinal de desnutrição e sucção de qualquer mínima menção de vitalidade. Um verdadeiro ato de menstruação masculina milhares de vezes mais infértil do que a vitamina infecunda uterina empapada de sangue.
Escadas, escadas e mais escadas. Haviam jovens, uma dúzia deles naquele cubículo. Uma centena deles peregrinava fora dali, em um complexo de arquitetura confusa cheio de escadas, de um lado para outro, sem lógica aparente, pelo menos para mim. Acreditavam em uma gestão nova para a sociedade, algo que nada tinha haver com essa que foi espremida contra nossas bundas flácidas. Uma voz se atirou como um tubarão em meus pulmões amedrontados, dilacerando-os com seus trocentos dentes demoníacos. Exigia um sacrifício de nós, não sei exatamente para qual propósito. Não fazia idéia de quem proferia essas palavras graves e tirânicas, talvez ninguém soubesse. Aquiesceram. Estavam prontificados a cooperar. Um deles pegou a tesoura de um dos dois enfermeiros de faces borradas que iriam auxiliar-nos nessa operação e cortou a própria jugular, despejando todo o seu sangue na mesa de cirurgia. Outro arrancou um olho de fora da órbita sem nenhuma hesitação, outro cortava suas orelhas, lábios, as ventas... A orgia de automutilação parecia ser interminável. Saí do cubículo sentindo um pouco de vergonha por não ter ajudado aquelas pessoas. O medo de arrancar alguma parte do meu corpo para construir um Frankenstein de funcionalidade duvidosa era maior do que esses valores confusos que se apoderavam das pessoas e também das escadas e espirais e quadriláteros daquele cenário de filme noir. Vaguei em busca de um rosto familiar e confortador para preservar a minha sanidade e apaziguar o constante pavor que transpirava de todo o meu ser. Nada achei senão corpos estranhos e espectros de algo que outrora pudera ser chamado de humano. Homúnculos e não pessoas plenas. Eu era uma alma solitária perambulando nas fronteiras da loucura.
Enfim um rosto. Um menino, pequeno burguês, cabelos lisos e pretos, caucasiano. Senti raiva dele e de seus amiguinhos engomadinhos e suas guitarras elétricas desafinadas. Tinha que matá-lo! Fui convidado àquele mundo com esse propósito. Não era o meu corpo que eles queriam, era o meu ódio. O ódio era maior do que o medo, do que a vergonha. Lá fora minhas entranhas me encarceravam nessa jaula que é o labirinto da mente. O pesadelo constante do meu cotidiano transcendental da condição de artista sonâmbulo. Não era apenas o menino que eu deveria matar, mas também o seu pai. O falo pernicioso que se alojou em um útero estragado e estava contaminando tudo com aquele corrimento amarelado e escleroso. Matei-os furiosamente como um vingador psicótico dos filmes de ação americanos. Via-me como se exterminando a personificação do Tio Sam em pessoa. Eu não apenas matava o sonho americano ali, mas afastava de todos a sua manifestação deformada. Mostraria que esse sonho não passava de um pesadelo. Para a minha angústia, nada aconteceu. A morte não fora reveladora, não me trouxe a consciência suprema do "espírito do tempo" ou da minha interiorização absoluta. A morte foi em vão. Apenas mais um homicídio indiferente às comunidades globais.
O bebê sorria, sarcástico, impaciente. Amava-me intensamente, mas eu era apenas uma criança para ele. Estava à beira da morte e sabia de todas as coisas do mundo, menos de si próprio. Queria que eu plantasse o meu esperma em sua barriga antes de deixar os breves meses milenares de sua estadia naquele mundo. Estava definhando e ria alegremente, mas não estava feliz. Não queria me deixar ali sem o seu amor puro e devoto. Benjamin Button? Não estava feliz por que uma doença molestava cada célula de seu corpo frágil, por que não tinha algo elevado para se compartilhar com alguém. Apenas dor. A alegria emergia de mim e não dela. Eu queria devorar-lhe as entranhas com o meu pênis, não sentia vergonha disso e nem medo. Sabia que seria tachado como um monstro insensível, mas a amava. Amava a sua alma, o seu espírito, a sua mente. O corpo não me era atraente. Definhava. Comeria tudo e só restaria uma criança morta na sarjeta. Estaria feliz em seus últimos momentos, em seu confronto com o câncer feroz que marretava o seu crânio ainda mole, rasgava seus lindos dedinhos e olhinhos esbugalhados de curiosidade virginal.
Miro o teto noturno do meu quarto. Posso vagabundear por milhas e séculos nas eternas estradas aracnídeas da insanidade, mas em questão de segundos retorno a este lugar. A garganta está inflamada, como se um vômito denso e escaldante tivesse sido gorgolejado por ali. Não sentia cheiro ou gosto algum. Nenhum sinal de regurgitações involuntárias no meio da madrugada. Estava sóbrio. Foram apenas os zéfiros que pularam do ventilador de teto em direção às minhas cordas vocais. Eu estava com fome, mas não ousei me levantar do divã por preguiça e indiferença. O telefone tocou. Era alguém que eu sempre procuro insistentemente em busca de ajuda no Outro Lado. Mas foi aqui onde ela atendeu ao pedido de socorro. Pois lá, não existe mais ninguém a não ser um Frankenstein retalhado em carne viva.
Esses cenários surrealistas, absurdos, indigestos não se rebentam espontaneamente. São frutos de um exercício de pensamento involuntário na vigília e no desligamento. Frutos da depravação pessoal e impessoal, reflexos do mundo eu e do mundo outro. Sonhar é criar. Criar sem saber que se cria até o momento em que se pincela um duende desossado e envergado no ventre de uma baleia. É bem verdade que a substância da arte é o espírito, a criatividade. O sonho também é arte, pois se utiliza dela para empreender os seus negócios. Já a substância do artista é a fome, a ânsia de devorar o mundo e a si mesmo. Diferentemente de encaminhar-se a um restaurante chinês e presentear o seu apetite luxurioso, mas enfiar a cara e as fuças em uma lata de lixo e mastigar o plástico amarelado daquelas ancas enferrujadas. Ser animalesco e fazer-se penetrar pelas genitálias a fim de seduzir o cérebro e a alma do cosmos intimamente.
O sonho não se apropria de matizes, rostos ou cheiros. Todos eles são dispensáveis. Apropriam-se da alma como nenhuma outra obra de arte seria capaz. Aterroriza-nos, nos apaixona, nos faz questionar desde coisas complexas às coisas mundanas, nos banaliza, nos seduz até o nosso último rastro de decência. Sem cores, sem personagens definidos, sem gosto. Confunde a nossa alma, faz-nos desenterrar defuntos e memórias para compor um universo cada vez mais próximo da realidade por mais infundada que seja. Sou protagonista de verdadeiros romances epopéicos e gravuras grotescas do mundo abissal que habita cada um de vocês e nem preciso estender um músculo sequer para tal. Imaginem se expuséssemos nossas conquistas literárias do coma profundo em galerias. Faliriam todos os artistas que se enfileiram em púlpitos para divulgar ao público mais uma idéia genial, engajada ou não, sobre as mazelas e maravilhas do mundo. São apenas farsantes que dominaram as técnicas necessárias para tornar a realidade, a fantasia em rabiscos legíveis para o intelecto humano. Não posso negar que são uns canalhas talentosos e muitas vezes pretensiosos. Amo os artistas por serem atores, boêmios, felizes, deprimidos, protagonistas da sensibilidade humana, pois pegam emprestado uma careta, uma perna, uns níqueis, umas caronas de lugar nenhum para algum lugar e vice-versa.
O estômago gigantesco expurgou de dentro de si aquele Titã solitário. Saiu violentamente de dentro da narina do dorso de uma criatura atroz, colossal, o rei dos mares. Foi expelido daquela baleia monstruosa que vagava na vastidão erma dos oceanos, nas profundezas de um mundo perdido, esquecido. O gigante acordou meio ébrio, com uma ressaca terrível, “onde estou?”, em uma praia cheia de conchas coloridas e igualmente sozinhas. Nenhuma resposta ameaçou se manifestar. Nem os búzios vazios se preocuparam em reproduzir o lamento espectral das marés, o canto nostálgico do molusco fantasmagórico que leva para todos os lugares em suas paredes intumescidas. Só havia carcaças abandonadas no tapete de rochas trituradas pela água, pelo vento, pelo sal. “Minha alma ecoa um oceano distante que encontra residência em uma concha espiral”, diria um caranguejo ermitão.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Educação I
Há muito tempo que participo de debates sobre esse tema. A conclusão que os especialistas chegaram foi que no Brasil a Educação não muda não é por falta de teorias, ou de planos e estratégias como muitos pensam. O fato encontrado pelo bojo da História foi: Falta de vontade política de mudar.
A mundança na infraestrutura educacional no Brasil não pode deixar de ser acompanhada por uma profunda reflexão sobre " O que é educar o Brasil". Esta reflexão contempla, sobretudo, nossa realidade diversa e multicultural, e apresenta uma proposta viável e não fantasmagórica como tem sido feito ao longo dos séculos.
o que estar em jogo não é o como ensinar e o que ensinar, mas a quem ensinar o que achamos que devemos ensinar e o que queremos construir como projeto ético em educação. Qual é o homem brasileiro que queremos que apareça no século vinte um? É este que mal escreve o seu nome ou que não consegue entender o texto de sua prova bimestral?
Na minha pobre opinião o maior problema dessas crianças é não saberem ler. A leitura é uma vergonha em nosso país. Nossos alunos, na sua grande maioria, são analfabetos funcionais. Inápitos para a vida cidadã.
A educação como teoria que propõe formar um ser humano é aquela que enxerga o homem como um fenômeno histórico social, e como tal, deve estar pronto para transitar nesse processo de forma crítica e lúcida, sendo capaz de dizer onde andam os burros da carruagem. Esta é a Educação torta. A educação que nos ver como um transito constante, como um eterno devir-ser.
O torto não estar satisfeito com o que temos em educação no Brasil. Mas, não se escandalizem com esse velho torto por achar que manter seu filho longe da escola pública no Brasil é racional, pense no que você já viu e depois me diga.
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
A idéia do “Objeto Perdido”. E a imperfeição humana no mundo da arte.
De acordo com o Nietzsche, seria a forma subjetiva de escape da imperfeição do mundo real transmitida pelo indivíduo em sua arte. Em seu livro “Humano demasiado humano” critica os socialistas e os idealizadores do “mundo perfeito” (Niilistas passivos), se a criação de um mundo perfeito fosse possível do modo de projeção desses pensadores, seria a morte da arte em sua essência. A arte funciona como suporte de complemento dos nossos sentimentos, não bastando os mesmos, más com um propósito de se chegar ao inalcançável pelo indivíduo no real, transmitindo essa busca pela sua criação artística ultrapassando a fronteira da imperfeição para algo além.
No Oscar Wilde em seu livro o “Retrato de Dorian Gray” possui trechos interessantíssimos, um dos quais, a excelente atriz do romance, ao perceber que amava o Dorian (Protagonista) e que o possuía como um elemento de busca, desejo e se casaria com ele, passou adiante representar de maneira péssima suas peças dais quais se destacava em romances, pois o motivo central seria a posse do “Objeto” no real que a desestimulava na sua representação no teatro, com o romance concreto não havia mais sentido em construir algo fantástico em sua profissão.
O próprio título do livro nos diz algo a respeito, através do Pintor desse retrato “Basil Hallward” tinha uma grande paixão platônica pelo Dorian que o estimulou a construir um quadro que na visão do personagem era perfeito e magnífico, conseqüentemente a construção de outros quadros excelentes. Concluindo essa tese, o personagem filósofo “Lord Henry Wotton” cita que o poeta que vive o mundo real poeticamente, ou seja, no consumo do que poderia projetar na sua poesia, acaba sendo um péssimo poeta, o inverso nesse caso é aquele que vive em impossíveis desejos não concretos, os projetando em uma rica poesia por sua vez.
O Rogério Skylab é uma figura complexa, inteligente e louca (no melhor sentido da palavra) dentro dessa perspectiva abordada na sua música e poesia, explora essa noção numa estética lingüística “não convencional” da qual podemos navegar mais livremente em sua composição. Se pegarmos como exemplo a música “dedo, língua, cú e boceta” da qual ele usa um jogo de palavras sexualmente falando, o instrumento fálico que se ausenta nessa situação pode provocar uma idéia lésbica na letra, então a relação de ausência do pênis nesse contexto resignifica a situação do sentido. No caso do Skylab, o objeto perdido possui uma relação de jogos de sentidos que dividem fronteiras na interpretação, podendo ser explorado em vários extremos diferentes, tornando-se uma incógnita, às vezes para o próprio artista e quem o interpreta. Assim, explorando um campo onde a linguagem da música passeia sobre as diversas possibilidades de sentidos, até mesmo na ausência do próprio sentido.
Na musica “corpo e membro sem cabeça” ele fala de partes corporais que foram perdidas pelos indivíduos que nas situações da letra, seja por simples perda, por repulsa, assim desejando algo impossível que necessariamente se relacione com as partes perdidas, fazendo mesmo sem o membro, a tentativa de concretização da ação desejada improvisando com sua ausência, como: “[...] As fotos do fotografo cego, o canto da cantora muda, o peru do travesti operado, a dança da paralítica, o discurso do homem gago...”
Dentre outras músicas que chamam atenção para a diversidade de relações com esses objetos, que podem ser não só o corpo, mas qualquer matéria ou símbolos de um contexto relacionado ao artista, Skylab passa na sua música, situações em que o “objeto perdido” é buscado através de uma perturbação pela ausência, puxando a descarga poética conseqüentemente, sendo infinitas possibilidades de construção subjetiva do artista em relação ao objeto, contanto que o transmita no concreto artístico.
Indivíduo <--> Arte <--> Objeto
O elemento perdido não é a totalidade nem o fim, mas o princípio ao tentar construir parte das poesias, músicas e etc. A relação do individuo e sua subjetividade transmitida através da arte com esse propósito do qual sua inquietude com o “objeto” seja transfigurada para o mundo da criação do impossível, completando o objetivo da sua relação com um universo não explorado. A arte para o observador é muito abrangente de significados, mas partindo do objeto e sua relação com o artista (ou personagem da obra), percebi com mais proximidade essa relação desde que seja possível identificar a existência desse objeto.
Alguém pelo menos um instante, ao criar ou usufruir uma arte, tem a sensação de ultrapassar o concreto, atinge não só o que conhece, mas também um universo do qual não era explorado, o que interessa é chegar àquilo que sempre quis, sabendo o que é, ou não, desde que se sinta perfeito, mesmo imperfeito, completo, mesmo incompleto para o fim de preencher o vazio do “Objeto perdido!”
Aos teus poréns (Versão Parnasiana)
Hefesto, subversivo
Jaz delito atribuído
A tuas Heras, teus haréns
Qual o risco ou lenocínio
Deste sinal indelével?
A falta de aviso prévio
Escreveu meu patricídio?
E entre nós se esvai o istmo
Nunca houve nada além
Bom lembrar, que, apesar disso,
Eis-me aqui, aos teus poréns
Ao revolto Zeus informo
Que a turbas faço o bem
Que entre pathos e logos
Eis-me aqui, aos teus poréns
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Vina TorTO
Tudo começou assim: enquanto eu fazia minha graduação em Ciências Sociais, eu percebi o quanto meu curso muitas vezes era limitado em algumas explicações sobre a realidade humana. A partir disso, eu recorri à psicanálise. Na psicanálise, eu percebi que o indivíduo era um sujeito dotado de desejos, e que a sua consciência não passava de uma camada minúscula diante de seu inconsciente. Buscando encontrar respostas, o sujeito por ser subjetivo, vivia re-significando tanto os valores sociais, quanto os seus valores e jamais conseguia captar a realidade de forma linear e totalizante.
Por esse período, eu também estava para me formar nas Ciências Sociais, e o objeto que resolvi pesquisar para a minha monografia foi a música brega. Para compreender o porquê dessa estética ser encarada como mau gosto, busquei referências sobre o grotesco, e lendo a respeito, percebi que se adentrar no grotesco significava reconhecer o nosso lado cocô de ser tão negado por nós. Com o grotesco, aprendi a aceitar mais a imperfeição das coisas, percebendo que no final das contas, eu vivia me entortando em um conflito entre o negar o meu preconceito e o não querer deixá-lo.
Por que me refiro a negar o preconceito e não querer deixá-lo? Bom, com a sociologia, percebi que nós enquanto seres sociais, também não podíamos nos culpabilizar de forma tão intensa pelos nossos preconceitos, pois inevitavelmente incorporávamos muitos dos valores que foram sendo construídos pela sociedade da qual fazíamos parte, e que isso fazia parte da formação social.
Como se posiciona a minha concepção do Torto diante disso tudo? O Torto vai questionar: apesar de saber que devemos repensar o nosso preconceito, por que eu tenho que me ver obrigado a negá-lo por completo se eu enquanto um ser social, passo por um processo de socialização na qual incorporo valores que são legados socialmente? Por outro lado, por que aceitar de forma naturalizada o preconceito que a sociedade me ensina, se eu também sou capaz de mudar essa realidade por eu ser um sujeito dotado de desejos?
Devido a minha leitura sobre a psicanálise, o Torto vai aceitar o lado subjetivo do humano, ou seja, seus desejos, percebendo que o humano é uma constante busca de si mesmo, e que devido a isso, ele é capaz de ultrapassar os limites dados pelas convenções sociais. Com as Ciências Sociais, compreendi que o Torto também vai admitir que apesar da subjetividade humana, inevitavelmente somos produtos de um meio, e que por sermos produtos, somos obrigados a aceitar as limitações dadas pela sociedade, assim como muitas vezes cobramos essas próprias limitações em nosso dia a dia, principalmente quando as coisas vão de encontro aos nossos interesses.
Depois de me embriagar com o grotesco, com a psicanálise e com as ciências sociais, passei também a querer usar o nome Torto para perceber até que limite os ditos “alternativos” eram capazes de pronunciar o nome torto de forma espontânea. O que constatei, é que eles, apesar de se dizerem tão livres das garras do controle social e amantes da subversão, sentiam-se extremamente desconfortáveis ao se referirem ao nome torto. Isso me serviu para confirmar que eles também eram seres tão controlados e fechados em seus mundinhos moralistas quanto eu e qualquer outro ser da espécie humana.
Portanto, é isso que eu entendo como Torto: um ser livre, porém, limitado, isto é, um ser que grita por liberdade, mas admite que não quer deixar seus escudos e suas quatro paredes; um ser capaz de criticar a realidade, de refutar a ordem das coisas, mas ao mesmo tempo um ser que aceita à mesma ordem a qual ele condena. O Torto é uma espécie de libertário classificatório, enfim, um confrontador adaptado aos regimentos sociais.
O fato e a caverna
Digamos que isso pareça como um verdadeiro “circo de tragédia”, termo elucidado pela revista IstoÉ, ou reality show em estado in natura. Antes ser fabricado por dispositivos técnicos colossais, o cenário foi construído pelo lamentável acidente causado em parte por falta de estrutura governamental. Acima deles estão os especialistas especulando como eles viveram nesse ambiente extremado de clima quente, úmido e pouco iluminado. Sem ajuda desses “deuses” onde o céu estaria acima de 700 metros, o que restaria para os mineiros seria a alucinação causada pelo rompimento dos imensuráveis estímulos encontrados na nossa realidade.
Um mito que recebeu contornos verossímeis na atualidade, é o que poderíamos ver, a caverna de Platão em seu estado de concretude. Lá estão os homens que almejavam ver a luz solar, que nesse caso, eles não relutam transcender para ir ao encontro dos homens "ideais", pois o que os impedem são as diversas camadas espessas de terra acima deles.
Quando sairem do grande buraco, provavelmente esses homens lhes ensinarão a enxergar o mundo como ele realmente é, em estado absoluto, em que tudo que está fora disso é uma mera reprodutibilidade.
A virtualidade é o império dos sentidos supra-sensíveis a deriva de nós em que a imprensa, o grande poder infalível, pertecente a uma das suas sub-categorias, serve para apurar os dados fora de nosso alcance. Tudo isso graças a eles, aos especialistas, que estão acima que muitos na terra celeste. Um deles até enviou recado para um dos mineiros que duas mulheres aguardam pela seu retorno.
Uma experiência traumática, longe do idealismo platônico, onde ali os homens estão sem luz se consolando com reprodutibilidade das sombras projetadas na caverna.
sábado, 11 de setembro de 2010
O VENTO
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Rosto de Mulher
Olhei para um espelho velho, quebrado, e vi um rosto de mulher.
A chuva caía mansamente com timidez feminina.
A imagem do horizonte se escondia por trás da poeira do vidro de uma janela.
O morro não parecia o mesmo naquele dia.
Os homens haviam voltado da labuta.
Mas cá, do lado triste da selva gigante, só tiro se escuta.
Os homens não aprenderam a tricotar de tardinha.
Por isso a paz ninguém garante.
Uma bela mulher gorda sai do mercado com seu carrinho esbarrotado.
Todo cheio, do tamanho de sua ganância.
E ainda não saciou sua ânsia.
Uma figura fina anda por toda a casa,
Veste saia à moda antiga,
Parece crente, protestante, de todos amiga.
Seu cabelo caído sobre os ombros esconde o rosto de quem prepara o pão.
Um jeitinho aqui outro ali e está preparada a refeição.
Vejo seu homem se queixar da intriga.
Tudo é culpa da vida, cruel inimiga.
Um beco sem saída.
Uma vida de rapariga de pé no chão.
Para a chuva.
Cessa o gotejar.
Um zumbido de além cruza o morro até ferir alguém.
Cai, o pobre rosto, ao pé de seu espelho e lá se agita em seu próprio sangue.
E se despede de sua breve vida.
O que foi?
Uma bala perdida, sem dono, sem destino encontrou um rosto no espelho.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
A luz do dormir acordando e acordar dormindo
Como um universo vazio do concreto
E sua matéria com a quimera acordada
Que a alma sobe e o corpo vai ao fundo direto
Um cometa que o arrasta em sua calda amarrada
E o clarão da manhã que nos olhos bate
Dopando também de uma luz drogada
Quer acordar, mesmo preso ao combate
Assim como a sombra se amplia no fim da declividade do ângulo do sol
E sua luz choca e espanta o sentir do corpo
Ver sonhar de uma morte profunda não sendo causa o etanol
A estranheza que se aparenta com um semimorto
Imagina um zumbi que não é mais humano, um vegetal
Que o corpo levanta e o leito vai junto
O cinza mistura o ciclo homogeneíza anormal
Perdeu a idéia do escuro e do claro, seria o se sentir defunto?
É o primeiro, o segundo, o terceiro, até o quarto ao quadrado
Quer deitar-se e levantar do túmulo, viver ou morrer
Quer dormir e acordar e sentir-se levantado
Expulsar o dia da noite e a noite do amanhecer
Positivismo Jurídico (A sinfonia soberana das convenções) I
A distinção aristotélica ainda não se apropria do termo “positivo”, sendo este chamado de direito legal, caracterizado por ser posto através de convenções humanas, enquanto o natural seria ubíquo e alheio a juízos subjetivos.
Havia, no pensamento romano, a diferenciação entre jus gentium e jus civile, que se diferencia do direito natural no sentido de ser particularizado, enquanto este seria onipresente, e, enquanto aquele seria mutável, este permaneceria perpetuamente o mesmo.
O eminente intelectual da Alta Idade Média, Pedro Abelardo, foi o responsável pelo primeiro uso da fórmula jus positivum (strictu sensu). É conservada, de certa forma, a concepção do direito positivo enquanto emanado das convenções humanas, mas o direito natural ganha agora o atributo de ter sido posto por algo que está além dos homens. Santo Tomás de Aquino, em sua Summa theologica, também se preocupará com semelhante distinção, diferenciando a lex humana da lex naturalis.
Séculos mais tarde, Grócio, o pai do Direito Internacional, formula uma distinção entre jus naturale e jus voluntarum, sendo que este emanaria do poder civil, o poder que compete ao Estado, entendendo-se por Estado a associação perpétua de homens livres. Com Glück há a seguinte elucubração: o direito natural tangeria ao que se demonstra a priori, uma vez que a razão deriva da natureza das coisas, enquanto o direito positivo derivaria de um ato volitivo do legislador.
Sumariamente, acerca da distinção entre direito natural e direito positivo tem-se que; o primeiro é universal e o segundo particular, o primeiro perpétuo e o segundo mutável, suas fontes são distintas, em termos de destinatário da lei, o primeiro é conhecido pela razão, enquanto o segundo é a institucionalização de um ato volitivo, o primeiro é neutro em termos de valores morais, enquanto o segundo não.
Já no início do século XX o jurista do Círculo de Viena, Hans Kelsen, empreende o que ficaria conhecido como positivismo jurídico. O jurista austríaco depura a “ciência” do Direito de todo sociologismo e do teor axiológico tais como empreendia Comte. O Direito deixa então de ser “refém” de fatores para além das letras da lei, restando ao jurista uma abordagem puramente lógica do que está posto. Se um fato social sofreu incidência da norma gerando um fato jurídico, e se esta norma é hierarquicamente coerente, tendo como ápice hierárquico a Constituição, que emanaria de uma obscura “norma hipotética fundamental”.
Este tipo de pensamento jurídico, despido de fatores morais, de considerações sociológicas etc, apesar de ser tratado como um paradigma superado por alguns juristas e de ter encontrado ao longo da história correntes que o combatessem, seja deslocando o substrato do Direito da mera vontade de um legislador competente (como pretendia Kelsen) para bases concretas e reais que implicavam valorações, seja deslocando o caráter da ciência do Direito do meramente lógico para o hermenêutico, ainda encontra apreciação entre muitos de nossos “homens da lei”.
Lembro-me de uma aula de Direito Penal em que o professor explicava o princípio da insignificância, que consiste basicamente em se alegar a materialidade desprezível do suposto crime, exemplo, um pai de família morto de fome furtar um pacote de feijão de um grande supermercado. Quando terminou a exposição perguntei ao professor, “se este princípio é doutrinário, vejo que dependerá muito da inclinação ideológica do juiz, estou certo?”. Ele me respondeu que em sua própria carreira já teve uma resposta negativa de um juiz ao alegar este princípío; “recusado por não condizer à letra da lei”.
Rssss.... É muito apreço às convenções, não acham?
Referências:
BOBBIO, Noberto. O positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1995.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2009.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
E essa massa ai...
Quando eu fui ao show, eu estava motivado em conhecer algumas produções do Dado, mas o que percebi foi que Dado estava muito mais para Russo do que para Lobos. Caramba, o repertorio da Legião Urbana, apesar de ser excelente para mim, já conquistou tamanha popularidade que eu não vi a necessidade de Dado repetir tantas musicas! Eu sei que infelizmente Dado terminou por se tornar uma sombra de Renato Russo, mas uma coisa é a Legião Urbana, outra coisa é Dado. Não podemos misturar as coisas.
Mas essa tamanha repetição de repertório não foi sem justificativas. Ao chegar mais próximo ao palco, ouvi várias pessoas gritando pelas músicas da Legião Urbana. Quando Dado acabava de apresentar uma música, ouvia-se os gritos pedindo “Pais e filhos”, “Faroeste Caboclo”, “Tempo perdido”, dentre outras. A partir disso eu pensei: será que só eu que vim para o show para conhecer as músicas de autoria de Dado?
Mas essa verificação em relação ao público, ajudou-me a perceber o seguinte: qual foi o público que em sua grande maioria se encontrava naquele show de Dado? Para quem não estava lá, eu respondo sem medo de errar que claramente foi o público de perfil universitário, até por que a própria Legião Urbana marcou e marca nitidamente a memória desse setor.
Apesar de sabermos que muitos alunos que hoje freqüentam a UFS também sejam de realidades menos favorecidas socialmente devido ao sistema de cotas, é obvio que ainda insistimos no discurso de que as produções musicais geralmente mais consumidas e oriundas do povo sejam as musicas de massa, e o próprio público desse tipo de produção seja alienado e massivo. Mas eu pergunto: quem é a massa?
Para mim, a massa não significa apenas um grande contingente de público consumindo uma determinada música. A meu ver, massa diz respeito não só a um público que seja uma maioria dentro de uma determinada realidade sócio-cultural, assim como a todos os indivíduos que veneram muitas vezes de forma espetacularizada um determinado tipo de música ou mesmo um artista.
Vamos esclarecer: Legião Urbana se tornou uma banda ícone dos guetos universitários e por ser ícone, atende não só a veneração, fenômeno tão adorado pela cultura de massa, assim como agrega um numero grandioso de fãs em cima dela, o que podemos constatar estar extremamente de acordo com a expectativa da cultura de massa, uma vez que a aceitação muitas vezes não passa de espetáculos. Ou seja, o artista deixa de se fazer representado pela sua linguagem estética e pela sua contribuição na história da música, para se tornar um mero fetiche de tietes.
O espetáculo é algo tão claro entre os setores ditos intelectualizados que eu utilizo o exemplo também da Semana do Folclore ocorrida no município de Laranjeiras. A dita intelectualidade fala tanto em prezar o folclore, mas mesmo a Semana sendo divulgada nos meios midiáticos, não havia quase ninguém por lá, isso por que a intelectualidade só comparece aos eventos que ela já legitimou como espetáculo. Se fosse o tal do Lambe Sujo eles não perderiam, pois já virou badalação, diferente da Semana do Folclore.
Mas voltando ao show de Dado, eu queria trazer outro ponto: dizemos que o público consumidor da dita cultura de massa se comporta de forma mecanizada, padronizada, homogênea e rotineira, mas quem disse que no caso do show de Dado Vila Lobos o público não possuía também esse perfil? Para mim, um público que vai a um show com o intuito de apenas pedir as mesmas velhas e conhecidas músicas, prova ser um público educado para as linhas de montagem repetitivas e industrializadas da era capitalista.
Enfim, acho que as universidades não podem mais ficar se auto-afirmando como o único espaço de seres críticos e diferentes do dito público massivo que ouve arrocha ou Calcinha Preta. A intelectualidade também adora seus fetiches, assim como adora viver de repetição. Ou seja, a intelectualidade não suporta o diferente que ela diz prezar para se diferenciar dos demais setores. Como eu disse, não que Dado não devesse cantar músicas da Legião Urbana, principalmente em uma cidadela como Aracaju que muito raro recebe um artista de projeção, mas daí aceitar que os fãs pedissem e aclamassem só para as produções da Legião também é demais.
Mesmo sabendo que os meninos universitários são formadores de opinião por compreenderem a complexidade da realidade, eu pergunto: essa massa ai é boa??
N u v e n s
a rosa, o cogumelo e as cinzas
os corpos, os desejos e a solidão
o gás, o vento, a pólvora e os gritos
os homens, as crianças e as mulheres
as cinzas, o cogumelo e a rosa
os pés, a pressa e os velhos
a lágrima, a dor e o perdão
a guerra e a fome
horror
I
r
O
s
H
I
M
A
domingo, 5 de setembro de 2010
Drummond e a perspectiva de esperança ( Por Edson Costa)
“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. Com estas palavras – que iniciam o poema Sentimento do Mundo –, Carlos Drummond de Andrade expressa sua sensação de impotência diante da dureza da realidade mundial. Neste poema, Drummond apresenta um caráter pessimista e pinta uma visão de futuro bem negativa.
Diante dos episódios que têm marcado o mundo hodierno – os atentados terroristas e suas conseqüentes mortes de centenas (por vezes, milhares) de inocentes, a intolerância dos governantes, a intolerância religiosa, os preconceitos de gênero e de raça, a crise internacional envolvendo a Coréia do Norte com testes nucleares, os escândalos na política brasileira, a descrença no Estado e nas instituições democráticas, bem como na política como um todo, entre outros –, a população tem entrado em estado letárgico, ou seja, tem deixado a apatia e a inércia se sobreporem à esperança – até então viva – de um mundo melhor. É a mesma sensação de impotência sentida por Drummond em 1940, quando publicou Sentimento do Mundo, cuja data coincide com o período da Segunda Guerra Mundial, ápice das tensões ideológicas em todo o planeta. Ou seja, diante de tal barbárie, restar-nos-ia apenas “duas mãos e o sentimento do mundo”.
Essa sensação de impotência não nos pode deixar abater. Não pode, em nome do nosso limitado poder de resposta – apenas duas mãos –, nos colocar ao lado do conformismo com a sensação do “nada pode ser feito” e do “deixa como está”, pois o caos estaria consolidado e o mundo seria, por natureza, mau. Essa tese é falsa. Nossa impotência apenas sobreviverá se encararmos o mundo de forma individual, com a ótica do personalismo e acreditando de fato que só existem duas mãos. Nossas duas mãos precisam estar dadas às duas de outrem. Como aponta o próprio Drummond, em seu poema Mãos Dadas, “Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças (...) O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”. Às angústias das inquietas indagações que o poeta faz a si próprio, em “E agora, José?”, respondemos de acordo com uma velha e conhecida canção popular: “Depende de nós”!
É preciso mudar tal cenário. Urge que tomemos fôlego e reacendamos a chama da esperança. A mudança no quadro político brasileiro depende de ações efetivas do próprio povo. A barbárie do terrorismo e a intolerância dos governos dependem também da mobilização social. Vale destacar que foi devido ao silêncio e à passividade da população que o então presidente norte-americano Richard Nixon afirmou que a “maioria silenciosa” estava a favor dos bombardeios e da matança de populações civis na guerra do Vietnã, verificando-se depois que tal concordância não existia. Ao contrário, foi com a pressão popular que o governo norte-americano recuou da guerra do Vietnã.
É preciso, portanto, que não deixemos a barbárie do terrorismo internacional, todas as formas de intolerância e preconceitos atuais, e o grave quadro da política brasileira, apagar das nossas mentes e corações o sonho de um mundo melhor, mais justo, fraterno e igualitário. Reverter o atual cenário é uma difícil tarefa, mas depende única e exclusivamente da nossa iniciativa, da nossa mobilização e das nossas ações. Continuemos firmes e esperançosos, mas não nos tornemos passivos. Sejamos sujeitos ativos da transformação. Como disse o próprio Carlos Drummond de Andrade: “ – Ó vida futura! nós te criaremos”.
sábado, 4 de setembro de 2010
PARA QUE SERVE A DEMOCRACIA? EU TAMBÉM NÃO SEI.
Inclusive, quando soube da candidatura de Tiririca pensei logo em como Clodovil e como a eleição dele para deputado federal motivou outros artistas, humoristas e atletas aposentados a se candidatarem. Não que eles não possam se candidatar, afinal estamos numa democracia e eles preenchem os requisitos legais para se candidatarem a cargos públicos no Brasil, mas o que chama a atenção é o discurso e a apresentação. Mas voltando a Tiririca. Encarei, inicialmente, como um circo e ele como mais um dos candidatos que divertem o eleitorado durante o horário político. Mas será que os slogans da campanha de Tiririca não são um alerta num protesto trajado de ironia e comédia? Como as frases de Tiririca mexem com o imaginário social do eleitorado brasileiro?
Vamos a algumas frases do candidato retiradas do horário político: “- Você sabe para que serve um deputado?” Pergunta Tiririca em seu exíguo tempo no horário político. E ele mesmo responde: -“eu também não sei, mas vote em mim que eu te conto”. Ou em outro pronunciamento, “pior do que está não fica, vote em Tiririca”. O candidato mexe com a representação que o brasileiro faz dos políticos, trazendo o humorismo como instrumento de ironia e, por que não, a indignação da não compreensão do funcionamento da democracia, pois entendo a democracia não apenas como regime político, mas como prática cultural. Desse ponto de vista, a democracia é tomada como a hibridização de antigas práticas políticas como clientelismo, coronelismo e assistencialismo.
Por outro lado, podemos interpretar como um protesto velado que acompanha as transformações estruturais da política brasileira, que normalmente são comandadas pelas elites. Basta lembrar episódios como a revolta da vacina, as passagens de monarquia para república e o golpe militar, a população só participou do processo depois que tudo estava pronto e tiveram que se adaptar ao seu modo.
“...Estou aqui para pedir seu voto pus[sic] eu quero ser deputado federal para ajudar os mais necessitado[sic], inclusive minha família... se vocês não votarem eu vou morrer!” uma combinação de humor e ironia. Fugindo dos discursos pré-fabricados das assessorias de marketing e da postura de apresentação dos candidatos que se trajam de terno e gravata buscando atingir os valores do eleitorado, como a crença em deus, a luta contra a ditadura, a origem humilde, a emotividade ou mesmo a gozação. Dentre outras caracateristicas sobressae a nossa herança moral cristã galgada na oralidade. A democracia garante as liberdades individuais o direito de expressão, cobra, por outro lado, o domínio de algumas ferramentas básicas como a leitura e a escrita e o poder da argumentação para a escolha de qualquer candidato. No entanto, nossos critérios estão influenciados por outros fatores.
E como diz Tiririca: “você está cansado de quem trambica? Vote no tiririca para deputado federal ... pus que você votando em mim eu vou estar em Brasília e vou estar, na realidade, fazendo o coisa da vida de nosso Brasil, a nossa vida, o nosso momento, o nosso... tipo de coisa que nós temos...” Tá claro, né!?
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
O homo Sapiens
A razão humana é uma cadeia crescente de elos formando uma imensa corrente que se perde no infinito. Ela é humana, é natural. É uma ferramenta desenvolvida pelo homem ainda nos primórdios de sua ancestralidade. A razão se questiona, pergunta a si mesma sobre si, descobre seus mitos, suas fantasias, e depois retoma a autodisciplina para explicar as formas. Somente ela consegue perguntar: “Isto é racional?” (Pai Joaquim)
A história das ciências e da filosofia nos desvela o caminho da razão. Sabemos por onde ela passou até chegar aqui. Um Preto Velho sábio disse: “Assim é o homem, assim é sua razão”. Ela é inconstante, por vezes escura, outras tantas clara como a luz do sol. Ela sabe conviver com seus erros, pois ela consegue enxergá-los. A razão entende que o diálogo entre o erro e o acerto é enriquecedor. Para ela, a tensão entre o conhecimento e a ignorância produz mais conhecimento, e esta tensão nunca cessa no bicho homem. (Popper)
A razão atua na dimensão do consciente, entretanto, possui raízes no mais profundo do sujeito epistêmico. Se este não erotizar o objeto, o conhecimento não surge. O objeto a ser desvelado deve ter força para atrair o sujeito a si. Por esta causa, vejo uma relação erótica entre o sujeito da razão e o objeto epistêmico. (Freud)
Como tudo que é natural, esta é uma marca original na razão, pois ela não caiu do céu como fora dito no passado, a razão nos leva a falência, ou a riqueza, ao sucesso, e a glória, ou a desgraça e a pobreza. A razão cria alimentos, aparelhos que salvam vidas, e infelizmente ela mata, provoca guerras, bombas atômicas. A razão quando atua na lógica do caos e da desgraça humana é conhecida como desrazão.
A desrazão é o uso maléfico da razão. O homem usa a razão contra si, contra os outros e contra a natureza. O animal, homo sapiens desenvolveu a razão e a desrazão, sua irmã gêmea. Contudo aprendemos com o diálogo do louco. O discurso do louco, do alucinado também produz razão, pois este é construído historicamente. (Foucault*)
O mito e a razão nasceram na mesma caverna, são filhos da mesma mãe. “Um dia uma loba tentou comer meu filho mais novo. Eu não sabia o que fazer, só meus instintos respondiam, então tomei uma vara e afugentei a loba. Entendi que o animal temia a vara. Associei”. Vó Inã sempre me contou suas estórias. Depois as duas irmãs seguiram estradas diferentes. A razão foi pela via sistêmica e disciplinada, o mito seguiu a intuição, a imaginação, a fantasia dos homens. Um dia vi que as duas irmãs sempre se encontravam ao por do sol para conversarem. A razão também é sonhar, um sonhar acordado. (Bachelard)
O mito dialoga com os homens sobre seu inconsciente. A abordagem racional do mito destranca portas de bronze e mostra escombros antigos. Ali estavam o arco e flecha. A funda de Davi para matar o gigante foi encontrada nesse mesmo entulho. (Jung)
Sendo assim, estou com sono preciso voltar a dormir.
*Não sei se a escrita é essa.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Profano Livro
Desde que seu esposo desencarnou, assumia o esteriótipo tão cantando nas nossas mais diversas artes – a beata caridosa e intransigente. As lágrimas, porém, não deixavam de hidratar suas maçãs com água tão fria à pele e tão quente aos zigomáticos. Era assim quando se lembrava, por exemplo, da manhã em que seu eterno amante, Arthur, um entusiasmado pela mitologia grega, seguiu-a até à igreja, atraído por tão representativo nome.
O que se pode ouvir hoje são os ecos do espírito do Vovô Arthur sendo projetados num netinho que ele sequer conheceu, Salomão. Este lhe herdou com afinco um exacerbado gosto pela leitura e um notável Q.I..
É meia-noite agora, e num descuido atento, Vovó Hera ouve absurdos vindos do quarto do garoto de apenas sete anos:
“- O que está torto não pode se endireitar, e o que falta não se pode calcular...
No decurso de minha vã existência, vi tudo isso: há o justo que morre permanecendo justo e o ímpio que dura apesar de sua malícia. Não sejas justo excessivamente, nem sabio além da medida.
Por isso odiei esta vida, porque a obra que se faz debaixo do sol me era penosa; sim, tudo é vaidade e aflição de espírito.
Os mortos são mais felizes do que os vivos e os que não nasceram são mais felizes do que os mortos.”
Pressionada por tamanhas barbaridades que mais pareciam os livros daqueles incrédulos que seu falecido homem venerava, correu para o quarto do menino a fim de arrancar-lhe defnitivamente a leitura da mão.
Quando chegou ebulitiva ao quarto, tomou o maior e mais cômodo susto de sua existência: seu netinho tinha nas mãos uma bíblia e tirava aquelas barbaridades do Livro de Eclesiastes.
Adormeceu perplexa e serena.