Antes de ser apenas uma alternativa para o entretenimento, o cinema é um meio instigador de uma das nossas atitudes mais peculiares: o prazer que temos em observar. Ver o que se estar nas telas parece incitar o olhar sobre o Outro (personagem) como objeto de desejo, onde o espectador encontra-se imerso no espaço propício para observar, como se estivesse espiando pelo buraco da fechadura, oculto na sala de exibição.
Logo, o Outro é tomado pela erotização do olhar do mero espectador que se torna um voyeur por constituir a percepção visual como principal via para aquisição do prazer, do desejo desse Outro que está sendo observado. Assim, como argumenta Machado (Pré- cinemas & pós- cinemas, Campinas, SP: Papirus, 1997), o “pecado original” do voyeurismo está na base do próprio dispositivo técnico do cinema, está nas máquinas de espiar através de buracos, fendas ou visores, está nas salas escuras, onde se pode refugiar para ver sem ser visto.
Desse modo, podemos perceber que aproximação da câmera como dispositivo de aumento se torna essencial para a ampliação visual na tela cinematográfica, atribuindo ao espectador um olhar refinado do detalhe no seu processo de observação. A partir dessa estratégia de esmiuçar o detalhe, pelas lentes de aumento da câmera, o espectador não se dá conta de que seu olhar está sendo conduzido pelo Outro (câmera) e sendo despertado pelo constante interesse em espiar devido às sensações de desejo que lhe é provocado por esse Outro que está sob foco.
Em termos psicanalíticos, o olhar tem uma significação sexual, pois o desejo do Outro é o desejo do corpo do Outro, do olho do Outro; é o olhar que o sujeito teria, um dia encontrado e, logo, perdido: o olhar da mãe. Como argumenta Bichara (O olho e o conto: as pulsões fazendo histórias, Barbacena, 2006), a ausência do olhar da mãe é a denúncia da falta do desejo. O bebê, antes mesmo de se ver no espelho, já é olhado pela mãe. Assim, o olhar é, então, apelo ao Outro, um apoio do desejo do Outro e, por estar perdido, será sempre procurado, o que o torna um veículo para o estabelecimento de laços entre os sujeitos. Mas, para atender sua função de objeto erótico, o olhar surge no olho. O Outro, o objeto, aquele que ele agarra, que não pode somente ver: é preciso que se olhe com uma conotação do desejo.
Diante dessa necessidade que o olhar apresenta, o voyeurismo se expande além das telas cinemáticas, sendo cada vez mais incentivado pela cultura contemplativa do visual. Como define Stam (Introdução à teoria do cinema, Campinas, SP: Papirus, 2003), a cultura visual centraliza a visão e o visual na produção de sentidos, na estruturação das relações de poder e na configuração da fantasia em um mundo contemporâneo na qual a cultura visual “não é apenas parte de seu cotidiano, ela é o seu cotidiano”- termo empregado por Mirzoeff (1998).
Logo, a cultura de massa explora essa condição do olhar erotizado, não apenas sobre um Outro, mas em objetos que são voltados para o consumo. Desse modo, o ato de consumir torna-se um principal sintoma da contemporaneidade, causado pelos excessos de estímulos visuais. A partir dessa concepção, Baudrillard (Sociedade de consumo, Lisboa : Edições 70, 1995) afirma que novos lugares se multiplicam e se fragmentam, anunciando que todas as formas de gozo estão permitidas, ao mesmo tempo em que oferecem e determinam em seus objetos descartáveis a promessa de uma felicidade contínua, embora fugaz e passageira.
Com o incentivo tecnológico, os objetos são produzidos para oferecer novas significações de prazer para o homem moderno de modo que esse possa ir além do campo de observação: apropriando-se do desejo no qual ao voyeur cinemático não foi concedido.
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