quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Pensando com Berkeley I

Olá, caros colegas de leitura! Gostaria de compartilhar aqui um texto sobre o trabalho de um filósofo do século XVII/XVIII que tenho lido nos últimos dias, George Berkeley era o nome dele.

Trouxe este texto por ter achado interessante sua necessidade de se entortar naquela época, pois uma vez cristão e vivendo um momento em que o materialismo ganhava espaço, o filósofo reuniu argumentos anti-materialistas no mínimo apreciáveis...

Locke, em seu Ensaio Sobre o Entendimento Humano, afirma ser a mais eminente distinção entre homem e demais animais a faculdade da abstração, ou, do uso de “ideias gerais”. Aponta, então, como evidência de sua asserção, a restrição ao uso de ideias particulares por parte dos animais, sendo então inexistente, no caso desses, a utilização de palavras ou de quaisquer sinais genéricos.

O filósofo britânico afirmará, ainda, que apesar de todas as coisas existentes serem particulares, as palavras partem de ideias gerais. Eis, pois, uma clara defesa da doutrina das ideias abstratas.

Por sua vez, George Berkeley, em seu Tratado Sobre o Conhecimento Humano, fará uma crítica a tal conclusão, argumentando que as ideias gerais originam-se de várias ideias particulares. A esta assertiva anexa alguns exemplos. Num deles alerta para o fato de que quando afirmamos “tudo que é extenso é divisível”, apesar de estarmos falando da extensão em geral, não conseguimos conceber tal ideia de extensão “sem ser linha, superfície ou volume, nem grande, nem pequena, nem branca, preta, vermelha ou de qualquer cor determinada”. A ideia de universalidade é então deslocada de uma “ideia geral abstrata” e reconhece-se como a relação entre particulares.

Berkeley lança também uma crítica à linguagem. Primeiro, corrigindo um equívoco que parece ser generalizado que é a crença em que cada nome tem um só significado definido e preciso, o que levaria o homem a pensar que só a partir de uma ideia abstrata poderia um nome geral significar uma coisa em particular. O filósofo então objeta esta assertiva, chamando a atenção para o fato de que quando se pensa em triângulo, por exemplo, apesar de sua definição constante “superfície limitada por três linhas”, não há uma especificação acerca da cor ou do tamanhod esta superfície, o que o leva a concluir que “uma coisa é manter constante definição de um nome, outra fazer que ele representesempre a mesma ideia; uma é necessária, outra inútil e impraticável”.

O filósofo segue sua crítica alertando que , tal como na álgebra, em que as letras não precisam sugerir ao pensamento uma quantidade particular representada para que se proceda corretamente, não necessariamente os nomes significativos de ideias despertam no espírito as ideias que deveriam representar. A isto soma-se o fato de que a comunicação de ideias por palavras não é o único fim da linguagem, como o pretende a opinião geral. Para combater esta afirmação o pensador nos alerta para os outros fins da linguagem; “exaltar uma paixão, excitar ou combater uma ação, dar ao espírito uma disposição particular”. Pois mesmo com a omissão de ideias num discurso é possível despertar paixões. Sugere-nos Berkeley; “Não podemos, por exemplo, ser afetados pela promessa de uma coisa boa, embora sem fazer ideia do que é?”. Não pode a ameaça de um perigo bastar para causar pavor, embora ignoremos o ma que nos ameace nem formemos ideia de perigo em abstrato?”.

Alerta-nos Berkeley, ainda na crítica ao fato de uma palavra não necessariamente comunicar a ideia original,ao perigo que surge quando, por exemplo, são empregados os argumentos de autoridade. ”Aristóteles disse isto” pode ser uma forma de afastar o interlocutor de uma discussão através da autoridade que o nome do filósofo antigo impõe, e não necessariamente por que se pensa na ideia da sua pessoa ou em sua obra.
Conclui então o filósofo que se deve afastar do pensamento os nomes ligados às ideias por uso longo e constante. Disto se tiraria vantagens como evitar controvérsias puramente verbais, aperceber-se do acordo ou desacordo entre as ideias etc.
Para o pensador há ideias tanto impressas “atualmente no espírito” quanto “percebidas considerando as paixões e operações do espírito” e ainda “formadas com o auxílio da memória e da imaginação”. O que efetua tais operações, como querer, imaginar etc, é algo distinto das ideias ou objetos do conhecimento (estes que são, por sua vez, coleções de ideias), e chama-se mente, espírito, alma ou eu.

O filósofo seguirá então com o que parece ser a conclusão central de sua teoria do conhecimento, qual seja, ser é ser percebido (esse est percipi). Ora, é apreciável chegar-se a tal conclusão, uma vez que os objetos do conhecimento são nada mais que junções de ideias impressas no sentido, e estas só se podem dar no espírito percipiente. Berkeley se convencerá, desta forma, de que não existe uma realidade fora da perceptibilidade do espírito. A única substância possível é o espírito, portanto.

5 comentários:

  1. Gostei do texto. Fica apenas a ressalva de que Locke é um empirista tanto quanto Berkeley. Em Locke as idéias gerais surgem da observação sensível e tais idéias ganham validade quando possuem correspondência nas relações particulares percebidas pelo sesciente. Todo conhecimento portanto é a posteriori. O conteúdo da consciência surge através do contato com o desenrrolar das coisas presentes no mundo. Há uma divisão da época bastante interessante. A divisão entre qualidades primárias e qualidades sencundárias. O que aconteceu com Locke foi uma contradição evidente entre suas idéias filosóficas empiristas e suas idéias políticas racionalistas. É por isso que nos seus livros políticos Locke se valeu do pseudônimo. Não utilizou Locke pseudônimo por causa do medo de represálias mas sim justamente porque sabia das contradições na sua obra. Por esse motivo foi chamado a explicar em algumas universidades o porquê dessas antinommias. O importante nesse momento é captar as preocupações dessa época. Nela abandona-se a ontologia e a filosfia centra-se na possibilidade do sujeito captar os objetos, se tal apreensão se dá a priori ou a posteriori. O empirismo, como citou, foi bastante cético. Todas as idéias gerais que eram a base da ontologia, por exemplo de Aristóteles, foram abolidas em nome do particular. O que existe é o particular percebido pelo sujeito e apenas ele. Sendo que ele não é uma substância, como dizia Aristóteles, mas somente um conjunto de qualidades. Se essas qualidades são formadas pelos aparelhos orgânicos, elas são relativas a um sujeito e não são representações de um objeto em si. Toda a realidade do ser não existe. O que existe é uma aparência de real produzida pelo espírito sensciente. Nesse ponto Berkeley procura não só destruir a teoria da substância Aristotelica como também a noção das categorias que na sua Metafísica eram proposições necessárias que definiam todo objeto. Aproveite essas leituras e também leia As investigações sobre o entendimento Humano de David Hume. Parabéns, leituras bastante Tortas. Sempre fiz a menção de que o movimento tinha muita relação com o empirismo.

    Anderson
    Abs

    ResponderExcluir
  2. Caro Anderson, muito obrigado pela apreciação e pelos esclarecimentos adicionais. Este tipod e participação vale ouro!

    Abraço!

    ResponderExcluir
  3. "A ordem tende para o caos!

    Mas se a ordem tende para o caos, o que é a ordem?
    O que há de caótico na ordem?
    E o que há de ordenado no caos?
    É possível separar um do outro ou tudo não passa de ilusões que impomos a nós mesmos para suportar nossa existência: "há uma ordem na minha vida, há um sentido no que faço, existe um objetivo por detrás de minhas ações" quando na verdade a minha vida é um caos, não há qualquer sentido no que faço e muito menos existe um objetivo guiando minhas ações?
    Ordem e caos, antônimos ou sinônimos?
    Ou nem um nem outro, talvez duas palavras que digladiam ao mesmo tempo em que fazem amor na fronteira entre o sano e o insano?
    Por que o caos é tão fascinante e a ordem tão tediosa, e apesar disso procuramos sem cessar um sentido, uma lógica, enfim, uma ordem nas coisas?
    Que paradoxais nós somos! Ou quiçá idiotas mesmo?
    (eu entenderia isso como uma mensagem de amor. Sem ofensas!)

    A ordem é a aranha que está sempre tecendo um emaranhado de teias que nos sufoca e nos cala. O caos é um ser disforme que está sempre parindo algo mutante e livre, preenche nossos sonhos, mesmo que vigiado pela tarântula que nos persegue. Nós não temos tempo para racionalizar tudo de novo e arrancamos nossos olhos para ver o que já fora visto. A ordem nos cala, o caos nos induz a falar. Nós somos vítimas do silêncio, por que o barulho nos incomoda. Evitamos a nós mesmos com medo que o façam da mesma forma. Paradoxais. Somos um, nenhum e todos. Somos o conflito. Somos juízes. Somos a chama que inflama em seu peito. Somos a bandeira que nos diminui o mundo. Tendemos ora para o caos, ora para a ordem, por que a matéria que nos constitui têm forma, ao contrário de nossos espíritos.

    Sonho...
    Sonho. Caos. Matéria. Forma. Ordem. Espírito.
    Percebe a relação necessária entre esses conceitos?
    É como se um implicasse o outro e o outro implicasse o um.
    Já tentou encontrar uma lógica no que você sonhou ontem a noite?
    Nós sonhamos o que somos, e o que somos nós senão matéria, forma e espírito? "Tendemos ora para o caos, ora para a ordem, porque a matéria que nos constitui tem forma, ao contrário dos nossos Espíritos." Então, seria nossos Espíritos o contraponto com a matéria e a forma, em suma a ordem seria, portanto, o caos?
    Não creio. Penso que o Espírito transcende os conceitos de ordem e caos.
    The Spirit within is beyond the Great Wall.
    Ele estava aqui antes de a matéria e a forma se constituírem.
    Ele estará aqui depois que a matéria e a forma perecerem...
    O Espírito precede o Verbo e a ele sucederá.
    O Espírito é.
    O Espírito é sendo. Uma imagem de difícil apreensão (ou seria compreensão? é possível capturar uma imagem numa jaula?).
    O Espírito está além da ordem.
    O Espírito está além do caos.
    Ele está além da forma.
    Está além da matéria.
    E nós, nós pobres coitados (ou podres afortunados?) famintos por matéria e não-matéria, somos Espírito.
    Estamos além da ordem?
    Estamos além do caos?
    Estamos além da matéria?
    Estamos além da forma?
    Se o Espírito está na nossa essência e o Espírito é inapreensível, incompreensível e indefinível, como compreender-nos, como apreender-nos, como definir-nos?
    “Ser ou não ser, eis a questão”

    ...
    Procuramos encontrar a resposta além de nós mesmos, e nos equivocamos ao confundir-nos com um nome, uma qualidade, um feito, uma posição social... Ou nos confundimos com a latência de nosso ser. Olhe para si mesmo e verá que tudo isso em conjunto é parte de algo delimitado para você e por você. Quem sou eu? Eu estou dentro de você.
    Eu.
    Sou.
    Eu."

    ResponderExcluir
  4. "É difícil acreditar que sou limitado.
    Todo ovo é aparentemente fechado, a princípio.
    Porém, o que não vemos é que dentro dele algo está inquieto.
    Uma vida está se formando.
    Um ser está surgindo.
    Um ser que não suportará o claustro e destruirá qualquer barreira que se interponha entre ele e o mundo.
    Esse ser não conhece limites.
    Do seu gênio, qualquer coisa pode surgir.
    Coisas que nem mesmo ele jamais previu.
    Coisas que só serão quando forem.
    Admitir-se que existem limites traçados para você é outra forma de admitir sua sujeição aos padrões, ao Ser Supremo, ao fascismo social.
    Admitir-se que seus limites são traçados por você mesmo é uma perspectiva um tanto conformista e absurda, diga-se.
    Como pode você traçar seus próprios limites se nem mesmo você sabe do que é capaz?
    Somente poderemos nos impor limites quando nos compreendermos, quando nos apreendermos, quando nos definirmos.
    Nós somos Espírito; e o Espírito está além da compreensão, da apreensão, da definição.
    É só uma questão de tempo até que ele rompa o claustro que o encerra e se manifeste.
    Tempo...

    Creio que você não entendeu a mensagem. Está claro como uma nuvem de dia quente. O que você fez foi sintetizar algo que estava subentendido, nas entrelinhas. Quando eu falo "confundimos", eu nego a certeza, nego a razão e deixo a ignorância e a arrogância em negrito. Por que todo conhecimento é conhecimento do homem, já o mundo, ele é infinito.

    Eu entendi muito bem o que você quis dizer, e com sua última fala você apenas reforçou o que eu não quis dizer: "Por que todo conhecimento é conhecimento do homem, já o mundo, ele é infinito”.
    É aqui que reside o problema: o homem é infinito, o mundo, finito. O homem é Espírito, o mundo, matéria.

    E aí nos inquieta essa dualidade. De um lado temos a certeza de que o homem é finito dentro de suas condições de cidadão universal, e do outro a certeza de que ele seja um ser de infinitas possibilidades. Imagine que o universo seja o seu corpo, você perde um braço, isso causará uma perda irreversível, mas, com o tempo seu corpo e sua mente terão que se adaptar às novas condições. O que nos faz pensar que somos infinitude, se fazemos parte do todo? O que seria infinito, nossa capacidade de questionar o mundo ou a capacidade do mundo de nos inquietar? O homem é parte do espírito universal ou o universo é parte do homem? Talvez esse mundo finito que vos fala, esteja dentro da concepção de mundo do homem, limitada por sua capacidade unilateral. Por que tudo que sabemos, foi sabido pelo homem. Nossa consciência nos prende a essa unilateralidade pensante, por que os pássaros e os elefantes, vivem em um mundo totalmente diferente do nosso, embora no mesmo. O mundo sim, ele é infinito. Concordo até certo ponto com sua teoria, mas ela se choca simplesmente por causa do ponto de partida."

    ResponderExcluir
  5. Não pude deixar de me recordar desse diálogo que tive com Pedro há uns tantos anos atrás (o que me incentivou a escrever posteriormente). "A única substância possível é o espírito, portanto."

    ResponderExcluir