segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Velha (Parte 1)

Segurando uma saia verde, a velha vai andando. Bêbada e molhada pelas lágrimas e pelo vômito, a velha vai se esfregando nas quinas das ruas como uma bucha. Apertando fumo com sua unha amarela, a velha vai liberando seu perfume pela rua. Com seus olhos de doidices, a velha vai falando. Marcando as costas dos moleques com seu coro forte dos dedos, a velha vai vivendo. Quebrando garrafas em carros de bacanas, a velha vai sorrindo. Juntando pacote, pão e sono, a velha vai fazendo seu travesseiro.

Enquanto fala, a velha arrota e escarra palavras ao mesmo tempo em que joga sua apercata velha em qualquer lugar mandando o mundo tomar no cu. A velha se senta na calçada do calçadão da João Pessoa, e em pleno centro da cidade, abarca o mundo com suas palavras descentralizadas e sai gritando:- gente safada é pica mal colocada! Gente se cala, pois gente é muda; gente transita, pois gente muda; gente morre e nasce porque é muda! Gente quebra tronco e quer tronquear o mundo!

Com seu andar vagaroso, a velha sai andando de encontro ao vento e deixando pelas ruas um lastro gonorrento e fedido de mijo. A velha exaustivamente pede que Deus abençoe qualquer alguém que lhe garantir algum resto miserável de centavo em suas mãos pretas da poeira da rua e gosmenta de tanto esfregar o priquito murcho, fudido e ultrapassado pelo tempo.

A velha range as gengivas papocadas de feridas e ausentes de dentes e se move em sensações desconfortáveis ao lembrar do tempo que vendia geladinhos na Rua México no Bairro América. De um instante para o outro, a velha joga água amarelada do corrego da rua para quem passa ao seu lado. Chora ao se lembrar do filho morto pela policia na Avenida Rio Branco, chora ao lembrar do caçula sumido e seco pelo vapor envenenado do crack.

Olhando com seus olhos perdidos a movimentação barulhenta e silenciosa das mentes preocupadas com o destino, a velha se deita e se lembra de tudo que nunca teve e de tudo que a vida a fez perder. Novamente passa a mão na xereca, coça, pega um pedaço de pão e leva à boca. Vira-se para a direita, levanta a saia, coça o buraco escuro, depois olha suas unhas amarelas de bosta, tenta esquecer do tempo e dorme.

E o pior é que a velha sabe que como todos os outros dias, vai levantar sua saia verde, fumar seu bagaço, e poucos, pra variar, irão perceber que sua cachoeira de pelancas morre pela idade, pela dor e pela fome.

6 comentários:

  1. Sem palavras! Sensacional! Muito boom mesmo... parece um quadro, uma pintura!

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  2. Vina,

    Excelente!
    Estória doida, heheh
    Vc viu alguma velha assim, ou saiu da sua cabeça? Vi problematicas importantes no seu texto como exclusão, pobreza, drogas, subversão, angustia, revolta com o mundo por ter tirado muitas coisas dela, ter uma familia "marginalizada" que arrastou todo mundo p o fundo do poço mesmo. Tem algo nessa velha que me inquietou, não sei ainda o que eh, deve ter uma viagem existencial bem mais profunda nisso... Se alguem desvendar por mim agradeço... xD

    Já que é a parte 1, tou esperando a continuação da saga dela...

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  3. Meu irmão muito bonito mesmo, um retrato do mundo.

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  4. puta merda!

    dos melhores! uma velha tão sábia quanto a esperiência do mundo (faço das minhas palavras a de roosevelt). Um ser q envelhece, e é maltratada pelas esquinas da nossa podre civilização.
    a vida nos rouba, nos tira, nos assalta aquilo q n temos.
    Somos amputados das nossas irreversiveis lacunas.
    Temos o desejo de viver, reviver momentos q esquecemos se ao menos passou...
    um personagem tão fiel a sua realidade, tão verdadeira quanto a virtude humana.
    Um alguém que é podre.
    Um alguém que está na podridão tão distante da MORAL ENVERNIZADA que ensurdece os nossos instintos levianos.

    bjao!

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  5. srsrsr vina vc ja andou pelo centro a pe ?
    rpa mas gostei viu do retrato que vc colocou dos excluidos do sistema atual .
    e uma pena que nao podemos ajudar todos eles
    Alan

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