quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Hotel

-Olhem o morto! Ali no primeiro andar!

-De onde surgiu essa pobre alma? Porque suicidou-se?

As pessoas começaram a se aglomerar na porta do hotel assim que a notícia havia se espalhado. Na capital do sertão sergipano havia passado um alemão, que estava à 2 meses antes de arrancar a própria vida.

Sempre viajante, se instalava em diversos lugares. Trabalhava como representante de uma marca de fármacos. O nome desse personagem era Matthias Goertz. Solteiro, 36 anos, não tinha filhos, Haltern am See, pequena cidade da Alemanha era o seu lugar de origem. Ele estava passando um período pelo interior de Sergipe, levara além do trabalho, sua solidão, as angustias e os questionamentos. Depois de um dia inteiro de transito entre os hospitais, farmácias e clinicas. Matt havia marcado com a ortopedista de uma pequena clinica para jantar, o nome dela era Cláudia. A “simpatia” era presente no primeiro momento de encontro entre os dois:

-Caro amigo, não vou adotar a porcaria da marca do seu remédio. Não confio nesse laboratório. Possuem vários efeitos colaterais, o preço é alto e será um prejuízo grande para os meus pacientes. Você não para de insistir em me fazer adotar esse produto. Não quero, mas aceito aquela proposta do jantar da semana passada.

- Claro, discutiremos melhor essa questão do remédio, apesar de vários gênios da Universidade de Berlim não te convencerem, falaremos outras coisas. Agora vou às cidades vizinhas, a noite estarei aqui para o jantar.

-Passar bem.

Não parecia, mas Matthias estava cheio, muitas coisas já não acreditava como relacionamentos, tinha poucos amigos, havia namorado com poucas garotas. Aquele era o único trabalho que sustentaria o seu resto de carne sobre a terra e vendo a paisagem no ônibus em direção a outra cidade, ele pensa:

- Já não suporto mais, vou para Munique trabalhar no escritório da STW no próximo ano. Sair com aquela arrogante pode não ser uma boa idéia. Terminando o expediente vou comprar uma cachaça brasileira para “encher a cara” como dizem eles. Há muito tempo venho ficando paranóico e impaciente com tudo isso. As poucas pessoas que me restam estão distantes. Não sei como esse pessoal da America latina se prende muito à Deus, ele morreu a muito tempo, ficam segurando suas ilusões numa vida fajuta de existência. Não existe mais céu ou inferno, quero dizer, nunca existiu. Se preparem para a vida ou se preparem para o nada! Vou comer aquela Cláudia, chegarei bêbado e cuspirei na cara daquela vadia.

12 horas após o encontro, Cláudia espera Matthias no restaurante, a médica solitária está aguardando o possível homem do qual imaginaria algo:

-7 e meia, aquele homem não chegou, está por ai vendendo aquela porcaria, mas é uma gracinha, imagino que ele tenha algo interessante para conversar, pelo menos vou exercitar meu pobre alemão. Ops!

-Desculpe a demora, Cláudia, você está bela hoje, mas seus olhos de cansaço não me enganam. Você quer ir logo para casa. Não?

-Senhor Goertz, errado. O que te faz ser assim? Um péssimo ator. Estou querendo conversar, queria Sab...


-Cláudia! Estou de saída, marquei com outra mulher, enjoei da sua cara!

....

- Seu Idiota de merda!

Assim, Matt sai do restaurante, bêbado e inconstante. Vendo sua cama rodar, percebe que tudo já carece de um propósito. Começa a perguntar-se do sentido ide suas ações.

-Pra que me entregar à volúpia conflituosa daquela mulher? Depois estarei tão solitário e vazio quanto ela. Amanhã será como aqueles velhos dias.

Logo cedo, levanta-se numa manhã nublada, ainda soprando uma brisa gelada, parecida com a de Haltern Am See. Decidiu não trabalhar. E durante a tarde, a camareira do hotel encontra seu corpo enforcado através da janela. O alemão que trazia sua dor, não viu mais nada que o sustentasse naquele quarto. Apostou a saída para algo desconhecido, o nada, o retorno ou quem sabe, o céu e o inferno.


http://www.hacasoseacasos.blogspot.com/

6 comentários:

  1. Perdoe-me o comentário tão simplório, mas você é um grande autor, meu caro.

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  2. Miguel,

    É isso: o que encontramos diante dessa vida exigente que nos empura para um futuro desconhecido e que nos faz esquecer do passado e náo reconhecer nosso papel e nosso lugar no presente, é apenas um obscuro caminho frio e desencantado. Somos apenas servientes aos nossos medos. Não acreditamos mais em nada.Tanto faz fé ou razão, ou céu ou inferno. É tudo uma merda só. E´tudo mera combinação signica. Tudo parece ter se esvaido. Não nos sentimos no chão. Faltam referências, faltam canones resignificados. Faltam desejos permanentes. Somos apenas feixes de luz que vemos tudo mas nada sentimos, ou se sentimos, tudo isso não passa de uma força vulnerável a incredulidade, ao desapego, a falta de impeto.

    Queria que você aproveitasse essa temática trazida em seu teto, e pensasse um pouco mais fazendo uma ligação com os textos que publiquei acerca de Daneil Peixoto, pois acredito que a banalização que Daniel traz, sem tirar as possiveis questões ja repetidas incansavelmente sobre o perigo da falta de propósito, diz respeito a um reflexo oriundo justamente dessa falta de sentido do homem contemporâneo. O alcool, as maluquices vaias não deixam de ser suicidios por carencia de cargas de valor que não damos mais as coisas. A diferença entre Daniel e o publico e o alemão, talvez seja a de apenas um lado não optar em meter o pescoço em uma corda e sumir dessa existência colorida de repugnantes lembranças e de cansativos desejos desesperadores.

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  3. Vina,


    O que eu poderia acrescentar em cima disso de forma breve. Seria essa falta de pilar da existência como colocado hoje: a ciência, religião e filosofia não sustentam a proposta da felicidade plena, ela não existe. A depressão, tristeza na nossa sociedade pós-moderna tornou-se algo “corriqueiro” desde a modernidade com a industrialização, o afrouxamento da religião cristã e gaiola da racionalização apontada por Weber.

    Quebrou-se um pouco dessa coisa de esperança pelo mundo de conto de fadas seja por deus ou pelo homem, a solução é seguir em frente. Ao mesmo tempo em que o individualismo afasta um pouco a responsabilidade da existencia do alheio para o próprio indivíduo, então, enxergo esse problema como um conjunto que consequentemente, trás a sensação de fluidez e de que tudo "não vale tanto a pena se agarrar" como racional ou religioso. Tembém possui outra tendencia de busca por soluções rápidas e vícios (talvez condicionamentos em casos específicos) para distrair e ocupar-se do vazio da existência seria, por exemplo a saída para o consumismo, o mergulho da cultura global ou defender uma posição contra, adentrar-se aos diversos grupos identitários e signos da sociedade em busca de respostas (aderindo um pouco do discurso da Márcia Tiburi hehehe).

    A mesma velocidade que se esvaem na busca de respostas rápidas é proporcional medida em que se absorve. Como o álcool, livros de auto-ajuda, antidepressivos, etc, etc, etc. O homem atual vai nessa tendência de buscar respostas ao mesmo tempo se esvaem no vácuo. Voltando um pouco para o sec. XIX, nosso querido Durkheim vai falar que o suicídio é uma tendência de Genesis de grandeza das sociedades modernas, trazendo dados europeus nesse caso, observo que além de território do palco da industrialização, de origem das ciências humanas e do renascimento, quebrou-se um parte daquela ética cristã que impõem o medo de ir p o inferno caso o mundo se mate.

    "Deus está morto, e quem matou ele fomos nós" surge o Nietzsche com idéia do eterno retorno do mesmo, que enxerga a existencia como o aqui e o agora, se repetindo infinitas vezes. A vida necessita ser criada a existencia nesse plano constante e eterna em torno dela mesma e somente nisso, pensamos todas as nossas ações repetidas infinitas vezes. Ao mesmo tempo em que o discurso dele vai contra a tendência do suicídio. Vejo como uma proposta de saída ou alívio para o sofrimento sem buscar a religião ou métodos imediatos, pois trata-se de algo ateístico e eterno em torno dela mesma. É um pensamento difícil de lidar, muitas coisas cristalizadas na sociedade moderna teriam que se reconfigurar. Imaginar que as coisas são assim tão maleáveis e que as questões metafísicas não irão desaparecer. São apenas suposições que buscam solucionar. Tanto a razão como o animalesco possuem seus questionamentos com posições passiveis ao erro, o equilíbrio também, o que o certo então? Já entramos numa questão ética em que nos massacra o homem a busca da perfeição ou felicidade.

    A muito tempo não assistia tantos filmes com hoje, já tinha até falado com o Reuel sobre esse assunto, nos filmes dos últimos 5 anos, pegando Hollywood, o cinema francês, alemão, europeu de modo geral me assombrou de cara pela quantidade de suicídios imediatos a dor, apesar da ficção, é um reflexo em parte de que os pilares estão bastante frouxos, mas mesmo assim, precisamos nos apoiar. Ao achar algo em que se deposita o peso e a gravidade do motivo em que se sustenta a felicidade, na quebra do mesmo, sente-se destruído e sem propósitos, deus morre novamente, o líder morre assim como toda uma justificativa de viver nesses personagens. Depois de uma Constancia nos filmes, percebo que já não ligo para os personagens morrendo. Surpreendi-me com o tempo devido minha normalização com as imagens, já não me incomodavam, por isso me incomodei. Então escolhi esse assunto por se tratar de um fato parcialmente real (no Texto), tbm remete a questão dos filmes, leituras breves e papos e casos constantes...

    abraços

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  4. Detalhe: Pelo tamanho deveria ser o texto principal!
    foi mal ai!xD

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  5. Ia esquecendo do marco do inicio do Romantismo e sua influencia com o Goethe, "Os sofrimentos do Jovem Werther(1774) causaram milhares de suicídios marcando diversas questões insuperadas da dor e da existencia. Fiz essa conexão da europa com sergipe pq justamente além do Romantismo, conseguimos identificar a influencia diretamente desse processo histórico em varios elementos. Acho que seja um pouco disso tbm...

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  6. Miguel meu querido,

    simplesmente: FANTÁSTICO.
    A passagem q mais me chamou a atenção
    "As poucas pessoas que me restam estão distantes. Não sei como esse pessoal da America latina se prende muito à Deus, ele morreu a muito tempo, ficam segurando suas ilusões numa vida fajuta de existência."
    Deus estaria morto apenas no niilismo do absurdo? Na falta de crença em q o próximo não nos faz mais sentido? em q as coisas se repetem? Incrível pq mesmo q haja em nós uma absurda vontade pela estabilidade e seguridade de amor ao próximo não conseguimos ser resoluto a isso.
    O suícidio estaria entre as alternativas onde n se tem mais alternativa para o nada.

    Muito bom. grandes reflexões!

    um beijao

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