quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A Cabeça Transplantada

Sergipe e Poxim: ei-las aorta e femoral deste lugar de epopeias ainda não captadas. Onde o sangue, nervoso, trouxe os mais estranhos corpos, e para um deles fora construída a Ponte do Imperador. Hoje, entrar por este portal que morreu na praia, é dar de cara com os poderes. Eis que emerge pontiagudo o mais proeminente entre eles, a catedral metropolitana. A chaga indelével de uma moralidade, de um padrão estético, de um plano não-laicizado.

Tudo isto introduzido na cabeça de um irmão não tão novo, mas além de o menor, o mais influenciável de uma família hipocritamente unida chamada Brasil. Esta cabeça, porém, já foi transplantada, e a ideia de fazê-lo talvez tenha surgido nas idas e vindas dionisíacas entre os doutores João Gomes de Melo e Inácio Barbosa.

Na verdade, a cabeça rolou Colina do Santo Antônio abaixo e veio a se espatifar mais precisamente no local em que se erigiram os supracitados poderes. Sebastião Pirro, homem de retidão, projetou quadrado por quadrado deste lugar feito para que o açúcar melhor fosse escoado. Talvez uma insinuação de que toda metrificação rígida faça o que há de mais doce se esvair? Vá lá! Talvez a Europa, um território que àquelas alturas por vezes já tinha passado borrachas e usado corretivos em seus quadrados precisasse de algo menos acre e mais tropical para continuar resignificando.

Não obstante haver, em tempos hodiernos, conterrâneos que ainda guardem uma genética fidedigna ao nosso projeto (só concebem suas quadradices), devemos detectar neste nosso tabuleiro algumas lacunas entre reis e peões, cavalos e torres.

Sim, Aracaju padece de imensas lacunas, mas estas podem ser vistas por um lado extremamente salutar: pedem significação, pedem participação ativa de seus usuários/leitores. E é por ser a cidade que não coube em tantas quantas figuras geométricas se pretendia que nos convida à mesa enquanto sujeitos modificadores, ao invés de meras estátuas contemplativas. E é por isso que talvez não estejamos ainda autorizados a decretar "acabou-se o que era doce".

5 comentários:

  1. LEITORES,

    Para quem leu este texto, para complemento, recomendo a leitura do texto de Reuel chamado "Para além o nosso quintal moderno" que trouxe mais ou menos a mesma discussão de forma linda e poética.

    http://www.movimentotorto.com/2010/11/para-alem-do-nosso-quintal-moderno.html#comments

    abraços

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  2. Não sabia que tinhas trilhado por este caminho tão bonito da sensibilidade, amigo Josué. Sua narrativa é fluente, sua percepção avançada. Me instigou a topar o desafio de olhar Aracaju pelo lado das lacunas a serem preenchidas.

    Continue no caminho

    Um grande abraço do amigo Rodrigo Lopes

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  3. Caro Rodrigo, na realidade se trata de um texto que abrirá uma série de contos nos quais pretendo trazer os lugares que mais me marcam em Aracaju, fazendo reflexões a partir de cada um deles. Aliás,pretendo publicá-los neste blog:

    www.poeticspasm.blogspot.com

    É de dois amigos que gentilmente me cederam espaço por lá.

    Obrigado pela doce surpresa do seu comentário.

    Abração!

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  4. Grande Josué! Você é bom, cara. Bom mesmo! É bom também em dar uma bofetada no leitor sem perder a classe, claro. hahaha =D

    Segue em frente, rapaz. Segue em frente que você tem talento pra isso. Sei que pareceu um comentário meio clichê, mas foi de coração. =)

    Abração.

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  5. Tá muito bom! A história local retratada de maneira poética e, se a conhecesse mais do que devo, diria que até irônica. No final, um convite aos que ainda estão cegos pela falsa propaganda do "açúcar", que até hoje o povo teima sobrevalorizar, a sair da condição de contemplação (corrija-me se me equivoco).

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