domingo, 5 de dezembro de 2010

Liberdade? Abolição? (Por Lays Vanessa)

Meus senhores. Até quando viveremos com esse circo fictício chamado “Liberdade”? Até quando vamos viver embaixo das botas dos senhores de engenhos, brancos e arrogantes por sua ignorância e intolerância sem fim? Até quando, fingiremos que nada acontece? Hoje, deparei-me com mais uma notícia absurda de preconceito, violência e ignorância, da parte dos “herdeiros”; desses tais senhores que nos aterrorizavam no passado: “PM’s acusados de jogar sacerdotisa em formigueiro para ‘afastar satanás’”

Não somos nós que fazemos festa para celebrar o tal treze de maio que nos foi dado como tábua de salvação para os nossos lombos cansados e esvaídos de tanto sangrar? E agora, em pleno século XXI, o que fazemos com essas manchetes, que dizem:

“...Os policiais se sentiram desacatados com a insistência sobre a legalidade da operação e o comandante do grupo teria autorizado a prisão da sacerdotisa Bernadete Souza. “Neste momento o orixá Oxossi incorporou na sacerdotisa que, algemada, foi colocada e mantida num formigueiro onde foi atacada por milhares de formigas provocando graves lesões, enquanto os PMs gritavam que as formigas eram para “afastar satanás”, afirmou uma testemunha... Quando os membros da comunidade tentaram se aproximar para socorrê-la um dos policiais – de acordo com a versão de testemunhas – teria apontado a pistola para cabeça da sacerdotisa. Ainda na versão dos assentados, enquanto Bernadete, algemada, era arrastada pelos cabelos por quase 500 metros e em seguida jogada na viatura, os policiais, segundo eles, “numa clara demonstração de racismo e intolerância religiosa”, gritavam “fora satanás!”

Em plena a era da globalização e da inclusão em diversos setores sociais, nós, negros, praticantes de nossas religiões, fé e cultura, temos que temer mais uma vez o aço nas botas desses senhores que hoje vestem coturnos e fardas, que afirmam fazer-se cumprir a lei. Que lei é essa que proibe a diversidade religiosa e sua prática, dentro de um estado laico e democrático? Que tipo de ilegalidade há em cultuar deuses que foram massacrados pela colonização e dominação eurocêntrica? E ainda falamos em abolição?

Por afirmar a legalidade do culto as religiões de matrizes africanas, uma mulher, sacerdotiza dos orixás, foi brutalmente violentada moralmente e jogada num formigueiro por policiais, num dos berços das religiões de matrizes africanas no Brasil, a Bahia de “todos os Santos”, em ato explícito de preconceito e racismo. Se o poder policial, que é constituido para manter a oordem e a segurança dos cidadãos, nos violentam com o preconceito e o racismo, a quem iremos recorrer? Como sobreviver se a sociedade, com suas “ferramentas” nos colocam à margem? Será que teremos que fugir para os quilombos em plenos dias de hoje para dar continuidade as nossas manifestações religio-cultural? Cuidado meus irmãos, pois a liberdade condicional é assistida pelos coronéis, e hoje, foi a filha de Oxósssi, em Ilhéus. E amanhã, pode ser eu, ou você. E de onde o socorro virá?

5 comentários:

  1. Nada justifica a atitude bizarra dos policiais, mas como começa essa história? Ou seja, quando e como os policiais chegaram ao encontro da mãe de santo?

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  2. Lays,

    O grande problema da sociedade, é que em geral ela se acomoda no ideal hipócrita de seus discursos. Como você falou, encontramo-nos diante de um contexto caracterizado pela temática da inclusão, mas o que emperra essa inclusão, é a nossa inevitavel formação. Sem querer defender a postura dos policiais, uma vez que é obvia a estupidez deles diante da vitima, mas o que a sociedade precisa reconhecer, é que de nada vale se firmar em uma oratória da liberdade, se ela não se reconhecer como um processo histórico marcado por muito tempo pelo racismo, pela segregação racial. Enfim, ela tem que admitir pra si própria que apesar de reconhecer a importância de se romper o racismo, ela ainda é racista! Se nós "nos tocássemos" das nossas próprias ações, agiriamos com mais cautela diante do nosso preconceito, pois nossas ações virariam um exercicio de requestionar nossos preconceitos, e não uma ação que simplesmente busca se teatralizar no espetáculo moralista do ideal humano.

    A abolição enquanto prática cotidiana não acabou, o que acabou foi o sistema escravocrata enquanto sistema politico. Só enquanto sistema politico, pois o que nós percebemos é que infelizmente a sociedade é segregadora, classificatória ( e que isso sirva para os negros, brancos, gays, heterossexuais, etc).

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  3. Nada justifica a atitude dos policiais, nem a falta do onde, nem do como. Nenhuma pessoa em seu senso normal veria a cena de alguém invadindo um culto protestante ou católico e perguntaria: Qual foi o motivo? Essa imagem não pode ser imaginada pq dentro das pessoas estas são religiões legítimas. Assim podemos dizer que a expressão religiosa do negro não foi legitimada por nossa sociedade, e a cultura negra é um apêndice da cultura branca-é o branco quem diz: é cultura, não é cultura. Esta história é velha. A capoeira foi perseguida até a época de Getúlio. As macumbas foram e são perseguidas pelos próprios negros, uma vez que nossa sociedade astutamente conseguiu fazer o negro se diluir como café no ambiente branco e por isso se identificar com o branco e odiar todo beijo grosso que ele encontrar no caminho. Os negros ricos se casam com as loiras. E as negrinhas não dão bolas para os negrinhos. O modelo de beleza de nosso negro é o nosso branco de cada dia cuja a língua nós herdamos.

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  4. Partindo da premissa de que essas religiões citadas por você como contraponto às afro são, no geral, bastante previsíveis, principalmente quando são o centro de algum acontecimento hediondo, podemos especular mesmo que eu não me perguntaria sobre o Como e o Quando. Mas, tendo em vista que eu nunca vi essas religiões afro serem noticiadas como focos de corrupção ou por terem líderes envolvidos com casos pedofilia, é salutar saber o que pôde, além do rito de incorporação de entidades, ter despertado a maldade nos policiais. Enfim, acho importante sabermos do caso tal como ele aconteceu, uma vez que a sua gravidade exige isso.

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