segunda-feira, 29 de março de 2010

Olhar torto sobre os filmes pornôs

Já que o olhar torto transita entre os opostos, harmonizando-se e conflitando-se entre eles, eu não poderia deixar de travar uma relação entre o instinto e a cultura, associando estes dois universos aos chamados filmes pornôs. Se por um lado o sexo faz parte de uma necessidade inevitável de qualquer espécie animal, por outro lado, o humano enquanto animal produtor de significados, constrói formas de sentidos para o ato do coito.

O sexo enquanto instinto se limita à necessidade da própria natureza. Essa natureza inclui qualquer espécie animal, seja ela considerada humana ou não. Em outras palavras, quando o animal pratica o ato sexual, não existe uma relação de escolhas estéticas, e, portanto, não há opções do que e melhor ou pior para o parceiro. Enfim, o sexo enquanto instinto é o “fode no fode” e pronto.

Já o sexo enquanto cultura, manifesta toda uma relação de desejos e de tabus em relação ao ato. Na natureza existem formas de organização, e, portanto, de cultura, porém, quando me refiro à cultura, estou querendo associá-la às construções sociais convencionadas pelos humanos. O sexo enquanto cultura humana diz respeito aos símbolos que cada individuo constrói de acordo com a sua subjetividade.

No sentido cultural, o sexo se torna uma poética, ou seja, o sexo se encontra diretamente relacionado às preferências de cada um. Para esclarecer melhor o que estou querendo mostrar, eu vou utilizar alguns exemplos: determinadas pessoas gostam de fazer sexo anal, outras já não gostam de fazer sexo oral, outras adoram ejaculações faciais, outras adoram trepar em lugares exóticos e por ai vai.

É bom lembrarmos que o sexo enquanto cultura, para se concretizar entre os parceiros, necessita de tramas, de enredos. Mesmo quando se opta em estabelecer apenas uma noite de sexo com o parceiro ou parceiros, o individuo precisa utilizar todo um ato de conquista, de negociações, assim como de situações que o levem a atingir tal ato, dentre outras circunstâncias.

Em relação ao filme pornô, eu gostaria de observar que em geral eu não encontro enredos que justifiquem a cena sexual dos atores. Não se trabalha com a subjetividade do elenco, não se criam situações que provoquem construções de fantasias, não existem diálogos. Se existe alguma motivação, essa motivação é construída não pela criatividade desejante do público, mas sim pelo simples ato mecânico do sexo.

A partir disto eu posso afirmar o seguinte: se as produções pornográficas focam o sexo no coito pelo coito, é por que de certa forma a cultura se encontra predisposta a aceitar esse tipo de cena, pois a produção pornográfica enquanto indústria do sexo, não se estimularia em focar o sexo por um outro ângulo, se soubesse que esse ângulo não geraria consumo, e, portanto, lucros.

Diante de um contexto caracterizado pela mecanização, o automatismo entre os homens enterrados na vazia produtividade do sistema industrializado é algo evidente. No sistema capitalista, o individuo se torna uma máquina da ação e esquece a sua condição enquanto uma subjetividade reflexiva. É esse público rotinizado que serve como uma boa isca para a lucratividade das produções pornográficas.

Obviamente que a necessidade de trepar é oriunda dos nossos instintos naturais, porém, sem querer ser moralista, eu acredito que é importante pensarmos também o sexo enquanto um ato cultural que implica sociabilidade entre os agentes, identificações, desejos e fantasias. Tratando-se de nossa condição humana, o sexo é uma mescla entre instinto e cultura, ou seja, entre a mera necessidade e o nosso desejo oriundo de nossas escolhas.

Eu acredito que por um lado, é pertinente enxergarmos a relação sexual como instinto, como forma de quebrarmos determinadas restrições culturais que não conseguem compreender o sexo enquanto necessidade inevitável da natureza, mas por outro lado, é importante pensarmos o sexo também enquanto cultura como forma de não perdermos nossa condição humana dotada de subjetividades, de aceitações e de repulsas.

3 comentários:

  1. O texto do colega levanta uma questão muito importante: a pornografia tão censurada e tão desejada e consumida, os lucros dessa industria não nos deixa dúvidas. Para mim, a questão situa-se no meio do caminho de um homem que se conhece e se aceitou como é-natural. E aquele que ainda dorme no mundo das idéias fabricadas. O que o colega chama de cultura é uma construção idealista que o sexo precisa de justificativa para acontecer. E assim cumprimos nosso ritual de acasalação, o que depois pode tornar-se em um contrato chamado casamento, ou seja, há uma relação entre a idéia cultural e a propriedade privada. A vagina ainda é vendida, isso está nas entre linhas de todo o processo. Por outro lado o comércio de penis ainda engatinha, contuda haverá um dia que seremos vendidos a elas e eles por algumas bagatela...

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  2. Grande Vina!

    Confesso que esperava uma avacalhação de sua parte, mas fiquei um pouco perplexo com esta abordagem que valorizou, através da ordem estética, nosso lado pertencente à dimensão simbólica.
    Estruturalmente, aliás, este é um dos melhores textos seus que já li, sem dúvidas.

    Abração!

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