Já que o olhar torto transita entre os opostos, harmonizando-se e conflitando-se entre eles, eu não poderia deixar de travar uma relação entre o instinto e a cultura, associando estes dois universos aos chamados filmes pornôs. Se por um lado o sexo faz parte de uma necessidade inevitável de qualquer espécie animal, por outro lado, o humano enquanto animal produtor de significados, constrói formas de sentidos para o ato do coito.
O sexo enquanto instinto se limita à necessidade da própria natureza. Essa natureza inclui qualquer espécie animal, seja ela considerada humana ou não. Em outras palavras, quando o animal pratica o ato sexual, não existe uma relação de escolhas estéticas, e, portanto, não há opções do que e melhor ou pior para o parceiro. Enfim, o sexo enquanto instinto é o “fode no fode” e pronto.
Já o sexo enquanto cultura, manifesta toda uma relação de desejos e de tabus em relação ao ato. Na natureza existem formas de organização, e, portanto, de cultura, porém, quando me refiro à cultura, estou querendo associá-la às construções sociais convencionadas pelos humanos. O sexo enquanto cultura humana diz respeito aos símbolos que cada individuo constrói de acordo com a sua subjetividade.
No sentido cultural, o sexo se torna uma poética, ou seja, o sexo se encontra diretamente relacionado às preferências de cada um. Para esclarecer melhor o que estou querendo mostrar, eu vou utilizar alguns exemplos: determinadas pessoas gostam de fazer sexo anal, outras já não gostam de fazer sexo oral, outras adoram ejaculações faciais, outras adoram trepar em lugares exóticos e por ai vai.
É bom lembrarmos que o sexo enquanto cultura, para se concretizar entre os parceiros, necessita de tramas, de enredos. Mesmo quando se opta em estabelecer apenas uma noite de sexo com o parceiro ou parceiros, o individuo precisa utilizar todo um ato de conquista, de negociações, assim como de situações que o levem a atingir tal ato, dentre outras circunstâncias.
Em relação ao filme pornô, eu gostaria de observar que em geral eu não encontro enredos que justifiquem a cena sexual dos atores. Não se trabalha com a subjetividade do elenco, não se criam situações que provoquem construções de fantasias, não existem diálogos. Se existe alguma motivação, essa motivação é construída não pela criatividade desejante do público, mas sim pelo simples ato mecânico do sexo.
A partir disto eu posso afirmar o seguinte: se as produções pornográficas focam o sexo no coito pelo coito, é por que de certa forma a cultura se encontra predisposta a aceitar esse tipo de cena, pois a produção pornográfica enquanto indústria do sexo, não se estimularia em focar o sexo por um outro ângulo, se soubesse que esse ângulo não geraria consumo, e, portanto, lucros.
Diante de um contexto caracterizado pela mecanização, o automatismo entre os homens enterrados na vazia produtividade do sistema industrializado é algo evidente. No sistema capitalista, o individuo se torna uma máquina da ação e esquece a sua condição enquanto uma subjetividade reflexiva. É esse público rotinizado que serve como uma boa isca para a lucratividade das produções pornográficas.
Obviamente que a necessidade de trepar é oriunda dos nossos instintos naturais, porém, sem querer ser moralista, eu acredito que é importante pensarmos também o sexo enquanto um ato cultural que implica sociabilidade entre os agentes, identificações, desejos e fantasias. Tratando-se de nossa condição humana, o sexo é uma mescla entre instinto e cultura, ou seja, entre a mera necessidade e o nosso desejo oriundo de nossas escolhas.
Eu acredito que por um lado, é pertinente enxergarmos a relação sexual como instinto, como forma de quebrarmos determinadas restrições culturais que não conseguem compreender o sexo enquanto necessidade inevitável da natureza, mas por outro lado, é importante pensarmos o sexo também enquanto cultura como forma de não perdermos nossa condição humana dotada de subjetividades, de aceitações e de repulsas.
O texto do colega levanta uma questão muito importante: a pornografia tão censurada e tão desejada e consumida, os lucros dessa industria não nos deixa dúvidas. Para mim, a questão situa-se no meio do caminho de um homem que se conhece e se aceitou como é-natural. E aquele que ainda dorme no mundo das idéias fabricadas. O que o colega chama de cultura é uma construção idealista que o sexo precisa de justificativa para acontecer. E assim cumprimos nosso ritual de acasalação, o que depois pode tornar-se em um contrato chamado casamento, ou seja, há uma relação entre a idéia cultural e a propriedade privada. A vagina ainda é vendida, isso está nas entre linhas de todo o processo. Por outro lado o comércio de penis ainda engatinha, contuda haverá um dia que seremos vendidos a elas e eles por algumas bagatela...
ResponderExcluirGrande Vina!
ResponderExcluirConfesso que esperava uma avacalhação de sua parte, mas fiquei um pouco perplexo com esta abordagem que valorizou, através da ordem estética, nosso lado pertencente à dimensão simbólica.
Estruturalmente, aliás, este é um dos melhores textos seus que já li, sem dúvidas.
Abração!
Realmente, Josué falou por mim!
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