segunda-feira, 22 de março de 2010

Descaso com a música sergipana (revisado)

Artigo publicado no Cinform Online no dia 02 de setembro de 2008

Um tripé pode ser o responsável pelo descaso com a música sergipana. No entanto, cada universo que compõe esse tripé, tende costumeiramente a jogar a culpa no outro. Esses universos são: a sociedade em geral, os órgãos públicos e os artistas. O que há na verdade, é toda uma estrutura viciada e sem auto-estima que ronda o ar da produção musical local. Acredito que seja preciso construirmos um olhar torto para com isso, quebrarmos a covardia que cada uma categoria tem em empurrar a culpa para a outra. Devemos estabelecer uma perspectiva fluida capaz de comprrender e denunciar os acertos e as falhas de cada um desses universos.

A sociedade, se por um lado constrói um discurso apaixonante a favor da valorização da música “local”, por outro, não manifesta qualquer interesse em catalogar os trabalhos musicais produzidos pelos seus artistas, condenando a ausência de conhecimento a falta de divulgação dos órgãos fomentadores da cultura. No entanto, a Internet hoje em dia é um veículo que aproxima tudo de todos. Se houvesse realmente um interesse em se agregar um repertório da música sergipana, espontaneamente a sociedade catalogaria esse acervo.

Mas essa mesma sociedade que insiste no valor à música “local”, é a mesma que muitas vezes junta dinheiro por meses para ir a São Paulo ou a um Abril Pró Rock assistir ao show de algum artista internacionalmente reconhecido. Quero deixar claro que não sou adepto a um bairrismo a ponto de querer excluir outras produções que não sejam sergipanas. Todas as produções culturais, independentes do universo que elas se manifestem, são importantes e devem ser respeitadas. Minha crítica diz respeito a um super investimento valorativo para as produções de outros lugares e o descaso com a música sergipana.

Parece que como uma forma de deixar escondida a falta da valorização que tanto pregam, essa mesma sociedade atribui a culpa aos órgãos públicos que lidam diretamente com as produções culturais. E pra falar a verdade, em parte esses órgãos também são culpados, pois quando os artistas vão à busca de apoio, esses representantes pela divulgação da cultura, antecipam-se com uma retórica de escassez de orçamento, ao passo que os próprios artistas e a sociedade em geral, se esbaldam por entre as alegrias das multidões nas festas dos Cajus da vida, que, diga-se de passagem: investem pesadíssimo em artistas de fora.

Agora, entre as grandes contradições de discursos e práticas, o pior posicionamento é o dos próprios artistas. O grande problema é a falta de conhecimento dos artistas sobre a própria produção musical. Lembro-me que teve um período que comecei a catalogar dados com o intuito de constituir um painel extenso sobre a vida dos artistas sergipanos, assim como suas produções, anos de lançamentos de seus trabalhos, e uma das perguntas que eu fazia era: quais são suas influências musicais? Dos cinqüenta artistas que apliquei esse questionário, apenas quatro tinham algum artista sergipano influente em seu repertório musical. O artista não pode criticar a sociedade por não consumir a música sergipana, se o próprio artista não conhece o universo musical sergipano. Diante dessa condição, que direito tem o artista de condenar a sociedade por se distanciar da música que eles tanto pedem pra ser valorizada?

O que eu acho é que antes de ficarmos disparando erros para todos os lados, faz-se necessário abdicarmos dessa posição de vítimas e reconhecermos que se a música sergipana não consegue se projetar é por que todos esses lados têm sua parcela de culpa. Eu compreendo que os órgãos públicos só vão investir com vontade no cenário, se a sociedade e os artistas demonstrarem espontaneamente vontade de conhecer e consumir a produção cultural sergipana. Se os artistas ficam pedindo união com cada um em seu mundinho preocupado apenas em se projetar solitariamente diante da máquina competitiva do sistema, e a sociedade refinando o seu discurso de valorizar a nossa cultura, entusiasmando-se apenas em ir a shows de artistas fora do cenário sergipano, o resultado vai ser sempre esse: a música passando marginalmente pelo conhecimento de todos.

Um comentário:

  1. Já tinha lido este texto e foi um prazer lê-lo novamente. Enfim, uma análise com ar científico e filosófico no que diz respeito à autocrítica. Um grande serviço à melhora da percepção dos artistas sergipanos em relação a seus insistentes problemas.

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