segunda-feira, 8 de março de 2010

Negando eu me afirmo; afirmando eu me nego

Para mim, o humano é um jogo de disputas e de negociações de si próprio. Quando me refiro às disputas, quero dizer que o humano se confronta a todo instante com os seus valores; quando me refiro às negociações, quero dizer que o humano também é capaz de pelo menos em alguns momentos, harmonizar-se com os seus valores. No entanto, se o humano fosse uma coisa OU outra em cada momento, eu acredito que as coisas poderiam ser mais fáceis de serem resolvidas; porém, para mim, ser humano significa transitar entre as disputas e as negociações o tempo inteiro e ao mesmo tempo.

Muitas coisas as quais condenamos, não passam muitas vezes, de uma necessidade de tamponarmos nossas “verdadeiras verdades”; muitas coisas as quais aprovamos, não passam muitas vezes, de uma necessidade de preservamos as nossas mentiras que tanto nos interessam, como forma de evitarmos nos confrontar com os nossos medos. A dinâmica do nosso jogo é essa: conflitar-se harmonicamente e harmonizar-se conflitivamente. Vivemos entre a disputa harmônica e o confronto negociador em uma brincadeirinha chamada “te empurro pra frente, te puxo pra trás; te empurro pra trás, te puxo pra frente”.

Quando a dita esquerda radical condena o Movimento Torto dizendo que ele quer confundir as coisas, tentando com isso, evitar encontrar caminhos viáveis para a sociedade, e quando a direita radical condena o Movimento Torto por dizer que ele quer bagunçar as estruturas como forma de liquidar qualquer forma de ordem social, eu posso dizer tranqüilamente que não tiro a razão de nenhum dos dois, mas também posso dizer tranqüilamente que não aceito nenhuma dessas posições.

Se por um lado aceito a visão da esquerda radical, é por que admito que, a partir do momento em que o Movimento conflita os valores ditos “Verdadeiros”, inevitavelmente ele não vai propor UM caminho para as resoluções do mundo, uma vez que ele vai se deparar com um emaranhado de olhares, não chegando a nenhuma decisão concreta; por outro lado, acredito que o fato de exercitar se aventurar por vários olhares nos leva a uma concepção menos hierárquica e menos desigual diante das diferenças, possibilitando com isso, encontrar novos caminhos, quem sabe mais viáveis, para a sociedade.

Se por um lado aceito a visão da direita radical, é por que admito que, a partir do momento em que o Movimento propõe desnaturalizar as “Verdades”, inevitavelmente ele vai provocar nas pessoas uma relação de estranhamento diante da realidade que as cerca, desestabilizando a ordem; por outro lado, acredito que, a partir do momento em que as pessoas passam a compreender a dinâmica da contradição das coisas, elas vão aceitar a necessidade da ordem, visto que, ao admitir que o humano é contradição e indefinição, elas perceberão que a ordem é importante para o entendimento de suas relações com os outros.

São por essas opiniões que prefiro ficar na centralidade móvel das coisas, termo que eu adorei e que foi usado por Reuel em seu último texto publicado no Movimento. Eu prefiro trepar com a ordem e com a crítica a essa ordem, ao mesmo tempo aceitando repulsivamente e repudiando de forma aceitável a ordem caótica e o caos ordenado. Eu quero a paz E a guerra. A guerra a todo instante, estressa, e por isso mesmo, busco a ordem. A paz a todo instante é mentira, e por isso mesmo, busco modificar o que eu não aceito.

Quero tentar conhecer tudo, sabendo que ao buscar conhecer tudo, não atingirei a verdade plena; quero sentir o nada, sabendo que ao me hospedar no vazio, deparo-me com a necessidade de encontrar novas respostas para a realidade. Quero reprovar o que eu aceito; quero aprovar o que eu nego. Negando eu me afirmo e afirmando eu me nego. Quem quiser que me entenda, também se não entender, eu posso dizer com toda a sinceridade que não estamos em caminhos tão contrários...

Um comentário:

  1. Esses textos produtos do seu conhecimento de psicanálise e sociologia são excelentes! Eu não entendo pq tem tanta gente que quer criar confusão com o movimento. Acho que eles pensam que nessa onda de "não aceito, mas também não condeno" vcs pregam o comodismo, o que fere diretamente o povo da esquerda. É como se vocês estivessem pregando uma nova ordem política ou algo do tipo, quando na verdade, a idéia é aceitar a subjetividade de cada indivíduo, para "tirar proveito", digamos, de todos os lados, transitando pelos entremeios, como diria Lucas. Ao menos é isso que eu vejo no movimento.

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