quinta-feira, 11 de março de 2010

O Niilismo Cristão ensinado pelo Protestantismo Atual



O esvaziamento do homem pela teologia cristã é evidente. Não se encontra outra forma de pensá-lo a não ser por este caminho no sistema reformista. Mas não acredito que a natureza nos conceda este direito. Esta é uma manifestação de Deus, por isso constitui-se em uma forma de compreendê-lo. A bíblia é a revelação divina que nos foi dada por seus escritores e que é inteligível à luz da razão, à luz da natureza, pois a razão não é uma realidade artificial, ela é cem porcento humana, portanto, cem porcento natureza. A razão européia construiu uma teologia sacrificando a natureza da razão. O esvaziamento do homem é, num primeiro momento, um sacríficio de sua condição de ser pensante por isso co-participante da economia divina.



“A altivez do homem que se insurge contra a tese de sua ascendência animal e que estabelece entre a natureza e o homem um grande abismo — essa altivez provém de um preconceito sobre a natureza do espírito e este preconceito é relativamente recente.”

Nietzsche



A filosofia de Nietzsche denuncia a arrogância do teólogo em se rebelar contra a natureza do homem pensando um homem que não existe. Este homem de Lutero e Calvino é idealizado, nem se quer entende o bem que faz o olhar da alteridade. O desconhecimento antropológico dos reformadores forjou uma ortodoxia de negação. O homem é agente apenas do mal. Para produzir o bem ele deve se esvaziar, logo, o bem é fruto de uma ação divina dominadora. Nas entrelinhas entendemos que tudo que é natureza é mal. O prazer é um mau inquestionável. Não devo colocar toda a culpa na falta de uma imagem mais complexa do homem no pensamento teológico reformista. A crença exagerada que tudo se explica pelas as escrituras e a forma como ela foi tomada para construir este pensamento é também responsável por esta visão mutilada de nossa realidade.





“Os judeus, que consideravam a cólera de um modo diferente de nós, declararam-na sagrada: é por isso que colocaram a sombria majestade que a acompanhava num grau tão elevado que um europeu sequer poderia imaginar: eles conceberam a santidade de seu Javé colérico segundo a santidade de seus profetas coléricos.”

Nietzsche



Como não temer o Deus do Antigo Testamento? Ele se manifesta de forma muito cruel. Sua intransigência é intragável quando se procura Nele alguma semelhança com Cristo. Cristo, no Novo Testamento, afirma que Ele e o Pai são um. Esta unidade é impossível pelo abismo que separam os dois seres em termos de comportamento. A alegação da condição dispensasional como forma de explicar a incompatilidade de personalidade entre Jeová e Cristo não consegue convencer as mentes curiosas. Parece uma contradição provocada pela tradição judaica e a necessidade de relacionar as duas alianças como complementos teóricos. O filósofo alemão viu que a cólera de Deus era uma invenção de seus profetas. Então, para Nietzsche a bíblia era uma criação nossa e não podia explicar a divindade. Isso é conclusão lógica de qualquer um, contudo não podemos, meus amados, negar a experiência vivida com Senhor! Alguns dizem que isso é um tipo de neurose, outros afimam que chegamos até aos limites da insanidade. Porém, também, sabemos que contra fatos não há argumentos, somos o que somos porque vivemos algo, temos um sentido na existência! Assim como o profetismo bíblico não pode ser negado, a experiência pessoal com Cristo não pode ser contestada. O filósofo não tinha este material em mãos para poder produzir um juízo de valor. A forma como a bíblia é lida e seu pré-texto passado pela cultura religiosa explica nossa tendência a esvaziar o homem e exaltar tudo que o torne oco de sua natureza. Mas fazendo assim destruimos as provas de nossa passagem pelo mundo e criamos uma metafísica de delírios.



“Em toda parte onde reina a doutrina da espiritualidade pura, ela destruiu com seus excessos a força nervosa: ensinava a desprezar o corpo, a negligenciá-lo ou a atormentá-lo, a atormentar e desprezar o próprio homem, por causa de todos os seus instintos; produzia almas sombrias, tensas, oprimidas — que, além disso, acreditavam conhecer a causa de seu sentimento de miséria e esperavam poder suprimi-la! “É no corpo que ela se encontra! E sempre ainda demasiado viçoso!” — assim concluíam eles, enquanto na realidade o corpo, com suas dores, não cessava de se rebelar contra o contínuo desprezo que lhe mostravam. Um extremo nervosismo, que se tornou geral e crônico, acabava por ser o apanágio desses virtuosos espíritos puros: eles só conheciam o prazer sob a forma de êxtase e de outros fenômenos da loucura — e seu sistema atingia seu apogeu quando consideravam o êxtase como ponto culminante da vida e como critério para condenar tudo o que é terrestre.”

Nietzsche



O esvaziamento do homem além de não ser possível, pois é um procedimento contrário à natureza, causa problemas e conflitos insuportáveis ao nosso psiquismo. Não podemos aumentar ainda mais a carga de castração sob pena de acentuar a libido e não podermos depois equilibrar psicologicamente estas forças. A tensão entre o deveria ser e o que de fato é seria muito grande e provocaria problemas e sintomas variados. Essa é a conclusão obvia de uma mente fecunda. Entretanto, meus caros, isso não se verifica em meio à comunidade religiosa. Existe uma grande manifestação da libido no meio cristão. A capacidade de re-significação do crente é muito grande e logo um objeto de prazer é trocado por outro. Mas isso não justifica a negação do homem. Pois o próprio agente negador é o homem. Ninguém pode negar o homem exceto o mesmo, logo negá-lo é afirmá-lo uma segunda vez. Como nós gostamos de criar sistemas? Como somos vaidosos? Eu me nego a mim mesmo! Este é um delírio que serve de catarse para alguns e para outros serve de alimento a curiosidade. Precisamos pensar Deus a partir da realidade, sem negar o determinante explicativo natural e construir uma teologia mais coerente com o que chamamos Homem, um ser bem muito mais complexo do que aquele apresentado pelo pensamento reformado europeu.

9 comentários:

  1. O direito ocidental não foge a regra de procurar um discurso verdadeiro e se arrima na metafísica como também o faz a teologia. Até ponto a teoria jurídica possui contato com o cristianismo? É uma dúvida pertinente. A depender da resposta a essa pergunta, ela poderia contribuir para a verificação de um possível niilismo no campo jurídico sob a influência da metafísica, colocando a teoria do direito na berlinda. O existencialismo de diversos autores possibilitaria uma renovação nas linhas de interpretação do fenômeno jurídico.

    A idade média, durante a modernidade, sempre foi tratada com desprezo pelos teóricos do direito. Tudo leva a crer que a intenção era demonstrar uma espécie de ruptura entre o moderno laico e medievo religioso, quando na verdade há uma grande continuidade na incorporação de uma metafísica niilista na explicação de uma justiça ahistórica. Os direitos humanos consistem numa temática platônica ainda presente na cultura do ocidente e representa como plataforma ligações com diversas correntes da antiguidade.

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  2. Sim, o comentário do meu caro Anderson é pertinente. E ele fundamenta a necessidade de estudo do fenômeno religioso porque ele se embrenha por outros setores do saber humano. Ele é tão real aos olhos do atento, contudo, o desatento o reduz a um grupo de marocas de terço na mão. Ou como coloca Frued em o "O totem e Tabu" é uma neurose. Coisa muito simplista do meu mestre. Quero denunciá-lo: a culpa foi de Frazer em História das religiões. O velho psicanalista viveu sobre o niilismo judaico e pensou que o todo religioso se resume na busca de um pai que hoje amo e amanhã odeio. Mais uma fantasia do velho pensador. A religião é poder, é política, é teologia, é filosofia, é puro materialismo. Por isso Deus sempre se afastou dela... preferiu se vestir de samambáia e ficar entre o seus afins...

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  3. Concordo Roosevelt. Acredito que uma das grandes falhas que nos perseguem até os dias atuais, refere-se a velha insistência em separarmos o homem de sua condição inevitável de animal. A idade média fez o favor de expurgar o corpo, e o Iluminismo fez o favor de acreditar que a razão e instinto são duas esferas que não se complementam.
    Essa separação abrupta, faz com que a sociedade insista na imagem de um Super-Homem, esquecendo que o humano nada mais é que a sua própria afirmação submetida a um julgamento de sua própria negação e vice e versa.
    É por isso que as vezes acredito que Deus, principalmente nessas instituições religiosas anglo-saxônicas, não passa de um ser terrorista que ao invés de ensinar seus filhos como encontrar a paz, investe em seus filhos o medo. Porém, levando-se em conta que a religião é tão política quanto crença, eu acredito que esse deus do mal serve para evitar com que a sociedade questione sua própria existência e sua própria liberdade, mantendo-a conivente com as palavras dos homens "eleitos" por deus.
    Acreditem em Deus, mas fiquem caladinhos.

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  4. Meu caro Anderson,
    Muito me alegro em compartilhar com você sobre as causas religiosas numa visão mais ampla. Para questionarmos melhor esse fenômeno é preciso separarmos de forma clara dois pontos: Deus e as instituições religiosas. Deus é o ser absoluto que o homem inevitavelmente humaniza da mesma forma como coisificamos a realidade. isso, é claro, ocorre segundo a visão de nossa época. As instituições de fé seguem a mesma lógica das relações socias, prova disso é o gospel da atualidade que busca formas multiplas na prática de proselitismos. O intento de agaranhar fiéis evidencia o interesse capitalista e político. Isso ocorreu em todas as épocas e nos mostra a vulgarização do sagrado, uma negação na afirmação destas instituições. Deus permanece, como sempre digo a dar risadas do homem e de suas teses teológias escamoteadoras de sua dinvidade. O Deus que todos nós desejamos é aquele sem compromissos escusos com o que já foi dito acima. É o Deus que está muito distante do que chamamos de eclesia. Deus está na natureza e dela faz uso simples e puro para nos fascinar os olhos e dizermos: Esta revelação é inquestionável uma vez que materializa tudo que podemos dizer de uma forma muito maior do que nossas conjecturas, contudo está aí, bem diante de nossos olhos. Suas leis são as da natureza e sua razão é a que está implícita nela. Outro dia direi mais sobre meu olhar sobre Ele. O meu gato está miando vou atendê-lo. Abraços.

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  5. "Deus está na natureza e dela faz uso simples e puro para nos fascinar os olhos e dizermos: Esta revelação é inquestionável uma vez que materializa tudo que podemos dizer de uma forma muito maior do que nossas conjecturas, contudo está aí, bem diante de nossos olhos. Suas leis são as da natureza e sua razão é a que está implícita nela."

    Bem tomista esse argumento. Bem, é justamente essa continuidade que verifico na modernidade, especialmente no direito. Não a toa existe uma corrente neotomista nos direitos humanos bem forte na Europa. As leis da natureza existem? Na natureza existe leis ou a natureza é esse movimento desordenado de expansão? Não existe uma vontade humana de objetificação desse processo em constante intercâmbio com um inefável processo de micro-combates-afetivos- repulsivos de todos os seres do universo, sem rumo, sem fim, sem substância, sem forma, sem continuidade. É com esse aspecto que vejo uma possível brecha e mudança de enfoque na área jurídica. E creio que a democratização das relações jurídica passa pela expulsão do cristianismo das teorias jurídicas. Veja um exemplo: o povo é uno. Ele é uno, porque ele é uno? O povo não existe, é uma abstração metafísica. O que existe é uma multiplicidade de anseios, de grupos, de facções, etc. A norma hipotética fundamental, poder constituinte ...tudo isso é babozeira cristã incorporada no direito. E através do próprio Nietszche há uma possibilidade de críticas profundas ao direito, acaso sejam confirmadas as ligações com o cristianismo. É isso que penso!

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  6. A bem da verdade o tema cenral é expulsar apelos metafísicos dentro da teoria do direito. Creio que no direito não houve uma ruptura de abordagens. O direito permaneceu Platônico e Aristotélico na teoria. Não podemos negar, tirando alguns religiosos nominalistas, que a idade média foi exegeta desses renomados autores e influenciou alguns conceitos caros ao direito: como direito humanos, leis da razão, leis da natureza, soberania. O próprio direito canônico foi primeiro direito positivado por uma instituição, depois do esfacelamento do império romano. Autores como Punfendorf, Rousseau, Grotius, extremamente metafísicos, continuaram e ainda hoje o direito, em muitos aspectos, cheira metafísica.

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  7. O teólogo cristão olha para a natureza e não se sente parte dela. A natureza não pode ser tomada como um caos absoluto. A natureza o contém como parte das infinitas possibilidades. Não sou neoplatônico. Não retiro o homem da natureza considerando-o humano, sei que isto foi só uma invenção equivocada dos gregos. A relação direito canônico e direito secular foi muito bem posta pelo amigo. A visão de homem pronto forjada pelo cristianismo grego-judaico contaminou toda a razão humana, exceto os orientais que ainda se vêem como uma borboleta no casulo. O direito visto partindo do homem pronto não consegue enchegar as entrelinhas dos fatos jurídicos e previlegia as instituições em detrimento da pessoa, a única coisa real no processo. A natureza vista por mim não deve ser a mesma tomada pelos gregos. Pois estes não se sentiam parte fundamental da mesma. Os gregos construíram a humanidade, eu proponho a animalidade. Deus na natureza, são suas impressões, suas leis são reais, basta tentar saltar de seu prédio que ela será implacável. A desorganização aparente do micromundo quantico é uma lei de probabilidade, o grande laboratório das formas. Ela é sistóle e diástole, é um fluxo constante, algo vivo. Se decompõe e se reorganiza criando multiplas formas. Não existe uma descrição mais perfeita de Deus de que a que a natureza nos dá. Não me refiro a doxa de tales de mileto nem as reflexões da escola cosmológica que organiza a empiria em torno de uma razão, um logos, uma centelha de fogo organizadora de todas as formas. Não foi atoa que a patrística e a escolática tomaram estes fundamentos para construir uma antropologia da putabilidade e da culpa. Venho ao mundo devendo, sou putável desde o nascimento. A natureza nega isto veementemente: a vida está aqui por imposição da natureza, por leis naturais, criadas por Deus e que seguem o curso regido pelas leis implícitas na physis. E Deus, então? O que fazer com ele? Deus nada precisa fazer. Seu ato foi único. O que podemos dele apreender e de vera certeza está na teologia natural. O homem criou uma teologia partindo do objeto errado: Deus. Deus é icognocível, qualquer tentativa de falar dele será mera tentativa, assim, o que sabemos dele são fofocas mediévais e pos modernas que se completam no oceano de bobagens já colocadas.

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  8. "O direito visto partindo do homem pronto não consegue enchegar as entrelinhas dos fatos jurídicos e previlegia as instituições em detrimento da pessoa, a única coisa real no processo. "

    Já pegou o que quis (quero) dizer. É isso mesmo!

    Anderson Eduardo

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  9. E muito mais. Pena que não tenho tempo para compartilhar com o colega sobre um velho livro de filosofia do direito. Para falar a verdade sou de uma família de advogados a três gerações, minha irmã é auditora federal. Minha preocupação no momento é criar um novo olhar para a natureza em virtude das questões ambientais. Acredito que nossa relação com o meio ambiente foi muito influenciada pela escatologia calvinista e é claro pela filosofia grega. Precisamos resgatar o homem do conceito de humano enquanto parte dissociada da natureza, como se fosse uma natureza a parte. É preciso entermos que a urbs é a natureza construida pela natureza, pois o homem é natureza 100%. Depois eu te passo um pouco de minhas idéias. Abraços. Vou entrar em teu blog para conversarmos depois.

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