quarta-feira, 31 de março de 2010

Humor, sintomático humor

Se buscarmos as causas primeiras do riso, podemos esboçar conclusões como “uma resposta à quebra lógica de uma cena”. Isto pode ser comprovado nas risadas que muitos não conseguem conter (e que eu não estou aconselhando que as contenha) perante as cenas das vídeo-cassetadas e congêneres, muito embora haja a possibilidade de um fator sádico que proporcione gozo ao assistir à desgraça alheia.

Ontem assistia a uma cena do programa de humor Chaves e pude constatar algo interessante. A cena era mais ou menos assim:
Questionado, em sala de aula, por não ter respondido bem à prova, Chaves tenta convencer o professor Girafales de que a causa do seu fracasso foi a fome, que não o deixara pensar em qualquer outra coisa que não comida. O professor argumenta que certo presidente mexicano passou fome quando tinha a mesma idade de Chaves e, no entanto, conseguira lograr êxito. Finalmente, Chaves dá a resposta que fecha a cena: “e na sua idade ele era presidente”.

Confesso que ri desta cena, mas ciente de que o meu riso viera da demolição do narcisismo que se fez obstáculo ao professor no sentido de tê-lo compelido a agir por senso comum, fazendo uma comparação de que ele mesmo não teria dado conta. Ou seja, meu riso, e o de todos que riram desta cena, foi do fracasso.

Outras cenas que muito fazem rir em Chaves são aquelas em que a personagem principal, sobretudo, não consegue simbolizar um enunciado, precisando, de forma um tanto psicótica, ir ao real, levar a mensagem “ao pé da letra”, não a decodificando. O engraçado é que até os mais adeptos do absurdo têm no mínimo um estranhamento com o desfecho de tais cenas, dos que riem aos que não, há um reconhecimento de algo contrário à ordem estabelecida pela nossa razão. Rir destas cenas é, novamente, reconhecer a quebra da lógica no que nos é sintomático.

Até mesmo as letras mais apelativas do forró duplo sentido revelam a face não tão obscura do humor sintomático; o riso vem por serem profanados os tabus, por se mexer com a ordem, mesmo que se pense em uma banalização da imoralidade. Temos um riso causado pela publicação do que por nós é diariamente recalcado. O que nos gera mal-estar, o que nos é, mais uma vez, sintomático.

Futuramente estenderei esta observação. Por ora, fica um conselho: leve o seu riso ao divã (hahahaha).

10 comentários:

  1. Poderia ter ficado mais interessante seu texto se você fizesse uma comparação do riso com o metacomico discutido por mim e por Maldito. Enriqueceria as alicerces flutuantes do movimento.

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  2. Obrigado pela sugestão, meu caro!
    Mas, por ora, minha intenção não é a de articular com o metacômico, até pq, muito sinceramente, esta visão de que "a natureza não me pede isso, portanto no fundo é ridículo que eu o faça" não é uma visão de que compartilho muito, e já discutimos sobre isto.

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  3. Realmente me parece que você não está muito lembrado de meu texto. Eu não quis dizer nele que necessariamente a natureza não me pede isso, tanto é que eu publiquei o "sobre o metacômico" revisado.
    E eu acho que não é pq você não compartilhe de algo que vc necessariamente não possa travar dialogos e críticas. Ao contrário. O fato de você não concordar, possibilita um enriquecimento maior de debates, pois você irá conflitar as opiniões.
    Pelo menos para isso eu acho que serve a discussão e a construção de novas idéias.
    Mas te lembro novamente: seria legal que você relesse meu texto sobre o metacômico
    abraços

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  4. O eterno retorno…
    Em primeiro lugar, eu li e reli seu único texto sobre o metacômico postado neste site.
    Mas vamos a uma frase sua no texto:
    “Na minha concepção, o metacômico é o riso rindo e questionando o próprio riso”
    Meu escopo, portanto, já começou a ser dissidente a partir daí. Afinal, como você mesmo explica com ares etimológicos, meu objetivo não foi rir do riso, e sim observá-lo enquanto partindo das percepções sintomáticas.
    Mais adiante você afirma o que digo:
    “O metacômico acredita que, apesar da nossa prisão parecer tão ridícula diante das convenções construídas por meras fantasias, é justamente por via dessas fantasias que o indivíduo encontra motivos para a realização de seus projetos no mundo.”
    Aí aqui você irá insistir “Mas eu assumo que mesmo sendo a realidade convencional ridícula aos olhos do metacômico (que, aliás, eu não entendi no seu textos se o metacômico é o sujeito ou o riso) ele assume que essas convenções dão sentido à vida”.
    E eu responderei que não condeno sua visão, mas que desde seu começo, por não achar a realidade convencional ridícula, eu discordo de sua colocação.
    No mais, é como eu disse: POR ORA, meu escopo não é esse. Não disse que não poderei discutir o metacômico, mas que este texto só porque fala de riso não deve necessariamente se reportar a um conceito de que não compartilho. Restando a sugestão da releitura a você.

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  5. Querido,

    eu só propus uma idéia. Eu não estou querendo travar uma luta infernal sobre isso. So achei que você poderia se utlizar do metacômico exposto por mim e por Maldito como forma de "complicar" o debate e enriquecê-lo.
    Bom, eu não quis dizer que a realidade convencional e ridicula, e sim, que as convenções o são, o que é bem diferente.
    Não sou dado a concepções que encaram a realidade como um vazio, ausente de sentidos, porém, esses sentidos são "bobos" a partir do instante em que nós, mesmo admitindo que eles são apenas construções, inevitavelmente lidamos com eles como "verdades".
    Quando você falou sobre a quebra da lógica, eu me lembrei do metacômico por perceber o quanto as construções humanas vivem encrostradas de forma tão sincera entre nós, e que por isso mesmo, qualquer desvio, implica uma repulsa disfarçada que se externa com o riso.
    A partir disso eu lembrei da relação lei (convenções) e prazer (expectativas). Por isso que eu achei que você construir um debate com o metacômico seria interessante, no entanto, volto a dizer: não quis em nenhum momento estimular reações em sua pessoa. Enfim, só quis estabelecer debates. Foi mal ai se meu comentário o incomodou.

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  6. Ah, VIna, por favor, não me venha com a retórica de sempre.
    Você deu pontos e sugeriu releitura. Eu respondi a estes pontos e sugeri o mesmo em relação ao meu comentário. Cabe a superdimensão ou superinterpretação da "reação" a sua pessoa, meu caro.
    Volto a dizer que não vejo como articular com o metacômico a não ser mostrando no que minha abordagem é diferente (o que, aliás, nem um pouco me excita, pois o metacômico não foi um conceito com o qual me identifiquei).
    Quando você for sugerir algo a alguém, espere também uma resposta diferente, senão as reações que perpassem o esperado serão sempre "desesperadas, agressivas, equivocadas" ou congêneres que você queira elencar.

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  7. "eu só propus uma idéia. Eu não estou querendo travar uma luta infernal sobre isso"

    E você sabe que muito menos eu. Ando ocupado demais para guerras de ego ad infinitum.

    E por mais que você explane, como o fez, sobre o metacômico, continuarei não tendo como observar ponto de articulação. A nãos er que você mude o termo de "metacômico" para "observações sobre as causas primeiras do riso" o que já não poderia ser "meta" e sim uma pura observação sobre a origem da comicidade no cotidiano.

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  8. Calma rapaz kkkkkkkkkkkkk

    só estamos trocando idéias aqui. Será póssivel que não se pode provocar um murmurinho? Cuidado pois isso pode ser ja efeito da seriedade rustica do direito! (epa, antes saiba q estou brincando viu)
    Por sinal, ja leu o texto do amigo do Roosevelt? Seria importante, mesmo sabendo que vc anda ocupado, assim como eu tb, tecer comentarios, para não nos tornarmos ilhas solitárias e desestimulantes para aqueles que queiram participar e contribuir com suas idéias

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  9. Tenho trazido comigo uma palavra que, antes de analisar qualquer proposição de cunho filosófico, não me sai da cabeça: hipotético. Veja, ultimamente tenho perquerido os caminhos da retórica, e, sinceramente, tenho me abismado com a capacidade lógica e discursiva do Aristóteles. Já tinha lido a sua Poética numa outra ocasião; porém, confesso, foi uma leitura espontânea, que não pretendia nada senão ser só mais uma leitura. Mas lendo agora a sua Retórica, e alguns livros de autores contemporâneos que a comentam, percebo que mesmo o Aristóteles, àquela época, já tinha dado cabo do que, quase sem querer, chamei de metacômico. O referencial do retor aristotélico não se encerra no enunciador nem no enunciatário, pois, quando se pára para analisar ambos os partidos, percebemos que tanto um como outro terão como fim um elemento falseado, por ou agradar semente quem enuncia, ou somente agradar àqueles que recebem a mensagem - o público, no caso. Assim, o referencial aristotélico é aquele que se pauta no devir, nas sensações, que se posiciona no logos, logo, entre o etos e o patos. Quando pensamos um pouco a respeito dessa idéia do Aristóteles, como eu disse ao prof Pagotti, vimos que ele afirma, indiretamente, que não há verdade absoluta, pois as verdades são artifícios temporários e, por isso, fadados ao fim; com isso, Aristóteles se afasta daquela idéia de uno do Platão, que concebe uma espécie de moral sólida e única que se concebe através do uso da razão, e funda um conceito de dialética que se aproxima muito do que entendemos por esse termo nos nossos dias. Isso, todavia, não nos é importante; o importante é que, quando Aristóteles toma como referencial o devir e fada as verdades ao fim, ele, mesmo não propondo isso, parece nos dizer "Todas as nossas conclusões quanto aquilo que julgamos real merece o nosso riso - o último estágio são as metarrisadas". O mais interessante é que, - olha a Teoria da Conspiração aí - na sua Poética, falta justamente o capítulo onde ele fala a respeito da comédia. Não seria Aristóteles um cético? rsrs

    João Paulo dos Santos

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  10. Talvez ele seja um Doente Imaginário!

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