quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O ensino do latim e o tradicionalismo

Tive o indefinível desprazer de ter como professor de português um reprodutor do senso comum masoquista. Por sorte isto foi por cerca de apenas um mês, numa instituição católica de ensino básico de Aracaju.

O infeliz, além de disseminar o preconceito para com o curso em que ele mesmo (infelizmente) se formou, com piadas do tipo “ninguém daqui fará vestibular para Letras, pois não quer ser pobre”, ainda reforçava a discriminação com vitupérios a disciplinas cruciais; quando questionado sobre o porquê de uma articulação a que não soube responder, preferiu denegrir as matérias “não sei, só estudando filologia e latim, que, aliás, não servem pra nada!”.

O que mais me doeu não fora simplesmente ver alguém de dentro do curso corroborar a insuportável discriminação às Letras, mas saber que este cidadão fora porta-voz de muitos professores da área, e que adere a sua voz até mesmo a “nova grade” do curso (de Letras), que cada vez mais apaga as disciplinas clássicas e filosóficas, transformando a formação acadêmica numa escolinha de robôs acríticos.

Como torto, não estou propondo a volta do velho e mecânico ensino de latim, nem que os alunos tenham que dominar fluentemente a língua, afim de interpretar as palavras única e exclusivamente do ponto de vista etimológico. Proponho apenas, como humilde entusiasta do estudo dos idiomas, a proposta “pancrônica” dos estudos feita pelo professor da UFS Dr. José Raimundo Galvão, que busca sempre a atualidade dos mitos e a “conversa” que as palavras articulam entre si, levando em conta, logicamente, a importância de se considerar o que se convenciona chamar de passado.

Observemos, para uma pequena experiência, a palavra latina umbra, que equivale a sombra em português (aliás, parecidíssimas, não?). Eu que me aventuro no inglês e no francês consigo perceber que a palavra inglesa umbrella, levando-se em consideração o latim, significaria, ao pé da letra “sombrinha” em nosso português. E não é que significa guarda-chuva? Passo ao francês e consigo facilmente, dentro de um contexto, com posse do conhecimento do vocábulo latino, perceber que ombre (l’ombre) equivale a umbra, sombra (parecidíssimas também, não?). Mas vamos aplicar mais especificamente este conhecimento, afim de não corrermos o risco da leviandade; sabendo que o prefixo latino pen (que vem de paene) equivale a “quase”, começo a prestar atenção em palavras como penumbra e tenho a “quase sombra” (não é isto que significa?). Aliás, isto me dá uma grande dica na geografia: “península” não seria uma quase ilha? Bravo! Agora já não me perco mais quando o professor de história se referir, por exemplo, à Grécia insular, uma vez que insula equivale a ilha. Posso até imaginar que quando o professor acusa certo autor de ser insular, ele pode estar se referindo ao fato de o tal tender a se ater ao mundo britânico (território insular, não?). Aliás, falando em pen, este é o penúltimo (quase último) parágrafo.

Este foi um exemplo de milhares que poderia dar. E o cerne do que quero dizer é que não sou nenhum estudioso do latim, pelo contrário, meu latim é básico. Porém, quando conseguimos não parar no julgamento a priori acerca das coisas, conseguimos, inclusive, descobrir que o estudo do latim pode ser extremamente aplicável, que ele pode nos conduzir a uma visão textual do mundo muito mais sagaz e, de quebra, podemos mostrar à sociedade mais uma de nossas contribuições práticas (que nos são tão cobradas). Portanto, nem tanto, nem tão pouco, busquemos o olhar torto.

"Verba mollia et efficacia"

3 comentários:

  1. Essa coisa de colocarmos o passado como algo inutil, e o presente como a verdade do momento, é de uma idiotice sem tamanho.

    Pensar dessa forma é não ser capaz de perceber que a vida é um processo. Vivemos o presente pensando em projetos para um futuro melhor, buscando compreender os erros do nosso passado. Somos atemporalidades inseridas em um momento histórico convencionado.

    Como você bem explanou em seu texto, o latim, apesaer de ser uma lingua não mais utilizada comumente, traz toda uma responsabilidade para todas as derivações de nossa lingua atual.

    O que percebo é que existem professores que tecnicamente podem estar muito preparados para exercer sua cátedra; mas nem todos os professores estão dispostos e com competência para sentir a vida e entendê-la criticamente.

    Criticam, aceitam, afirmam, negam, mas não entortam!

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  2. Meu caro Josué, li algumas críticas feitas pelo amigo Anderson sobre o movimento torto. Em parte não discordo e em parte contesto tudo o que foi dito. Primeiro porque a filosofia de nosso movimento não é criar um academicismo como o existente nas instituições de ensino superior. Entendo o torto como um rebelde nessa área. Para nós o segundismo é prejudicial á nossa saúde intelectual, pois pode indicar uma dependência muito forte às ideologias e uma atrofia do pensamento. O Brasil acadêmico é um viciado degenerado nesse sentido, e isso pode explicar o espírito insípido de nossos alunos dos cursos de graduação. Quando aos poucos temas levantados pelo site, temos que considerar que o movimento torto é recente e que apesar de termos uma quantidade significativa de visualizações, as pessoas resistem à tentação de postar alguma coisa. Meu caro, o amigo Anderson precisa postar suas idéias no movimento, se de fato, ele admira este grupo de tortos que entendem que o Brasil precisa pensar.

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  3. Querido Roosevelt,

    Sem querer aqui me referir a Anderson, antes que esse meu comentário seja mal interpretado, mas infelizmente é como eu te disse: critica-se o Movimento, porém, neguinho não se vê capaz de admitir que o Movimento, dito tão frágil no seu discurso, seja capaz de crescer e pôr em situações desconfortáveis suas oratórias que se dizem tão repulsivas ao poder, mas que jogam com picuinhas ideológicas, preservando e ao mesmo idolatrando, aquilo tudo que se condena: a disputa e a busca pelo prestigio.

    Se não for por isso, é por que essas pessoas tão críticas ao Movimento, não se enxergam como agentes importantes e responsáveis pela mudança histórica da realidade, assim como cospem os seus discursos. Se elas percebessem a parcela de importância de suas idéias como algo capaz de gerar novos questionamentos, elas publicariam suas críticas no site do Movimento.

    Apesar dessas duas hipóteses, sinceramente eu opto pelas duas, ou seja: ganância pelo poder e limitação crítica.

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