domingo, 10 de janeiro de 2010

Pequeno ensaio de amor e descoberta

Quando o amor por uma lasciva fêmea me amarrotava o coração, senti a necessidade de largar o meu feixe de palavras incendiárias a respeito do que julgo ser o homem, de para onde caminha a humanidade e de todo o esterco filosófico que em tantos anos de história fora produzido e levado a sério – tanta cara feia e barbuda para nada. Por esses dias andei paginando Hegel “a negação da negação, a dialética!”, adentrei num labirinto profundo conduzido pela sua tão verborrágica e ilegível filosofia. Palavra por palavra. Um poeta que preza por não ser entendido. Que sintetiza o absurdo do nada dizer num postulado de filosofia e deseja por isso atenção – poupai-nos! O amor era feérico por essa tão jovem moça, observar a decadência das palavras que me eram proferidas pelos “bípedes implumes” e achá-las insuportáveis acabara também deixando de ser coisa rotineira a mim. Admito, eu estava encantado. A observação de Bernardo Soares quando julga que “A terra é um poço mirando o infinito”, nalgumas noites me tira o sono. Mas logo acendo as luzes e vou ter com o brilho das estrelas deixando os meus braços apoiados no patamar da janela. Eu busco a fé e não a vejo, o infinito não me diz nada senão que eu, quando posto ao lado de suas dimensões, sou mais nulo e silencioso que as respostas de deus ao pobre teísta que passa a vida por adorá-lo. “Vem, Deus, vem!” ... E deus não vem, dorme tranqüilo sob efeito do tarja preta recomendado por sua sabedoria devido ao desgastante trabalho de elaborar o mundo. Bela arte, isso é inegável. A arte se torna bela ao passo que nela há o crime, o punhal que enxerta na carne e faz jorrar o sangue, que traz à luz do mundo visceral as vísceras, o acidente e o profundo mistério incoercível de todas as coisas. Ser tudo no crime, diz Pessoa. Sintetiza, com isso, o ideário principal, a sublimação, a catarse, o amor, o ódio, e o panteísmo em uma única frase. Ser tudo no crime, verso incólume da Ode Marítima, que ora vaga pelo que se vê ora pelo que se sente, e abrevia na máxima força dessas poucas palavras o que deve ser a criação artística que subleva. Mas havia o amor e os meus sonos eram tranqüilos, tudo acontecia por dentro como se nada acontecesse por fora; chega a ser constrangedor expurgar essas palavras, mas aqui não omito de expor o que julgo ser a minha verdade: é um exame de auto-consciência pela vergonha própria. Há no mundo milhões de “Srs.K”, que, diferentes dele, dardo d’O Processo, livro de Kafka, sabem o porquê de suas sentenças e permanecem inócuos em relação a isso, como se não houvesse nada, como se a busca pelo pão e pela ejaculação diária lhes vendasse os olhos e lhes impossibilitasse de desejar algo além. Compreendamos: para seres que há algum tempo andavam como macacos, até que evoluímos... corporalmente; a irracionalidade é a mesma e o instinto também. Devo me dizer humanista? Ora, quem cria a síntese e moldura a imagem difusa da verdade são os filósofos. A mim cabe dar-vos a encenação de minha queda na lama, afinal também desejo por ser ídolo. Eles só são amados, os ídolos, quando dão o show, quando dramatizam, à maneira Beckettiana, o espetáculo. A flor do amor fora pisada, amalgamei com poéticas e hediondas lágrimas pétala por pétala; de início, surgem a angústia e o ódio; depois, quando passado algum tempo, vem todo o ar de uma liberdade que não existe; e você se sente livre por não mais haver de se subjugar a nada, só à inutilidade de suas considerações reduzidas sobre a vida, ao arroubo de pensar, que por ter uma soma de pecúlio, é alguma coisa; e a masturbação diária ganha vida com o corpo de uma outra mulher. Sobreviver, eis máxima. Pela sobrevivência eu vivo; procrastinar-se é metafísica e está além dos homens.

2 comentários:

  1. Procrastinar-se? O que é isso?

    (REUEL)

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  2. Reuel, no contexto do meu ensaio, a palavra ganha uma conotação de "pensar em futuro, ter esperanças". No entanto, no seco, ou seja, na sua acepção convencional, significa "adiar".

    João Maldito

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