terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Apologia a Andrei Chikatilo

A que trágico fardo nos trouxe a história, tantas laudas de sangue e de glória se tumultuando entre nomes irrefutáveis, auscultando na nossa espécime o viscoso pensamento pútrido de um humanismo que não quer mais um dia, preenchendo com as mazelas insuportáveis excretadas pelo pensamento as lacunas irreparáveis da solidão que é estar em vida... e tudo isso para nada! Pena ser tão reduzida a expressão escrita ante a tudo que desejo por dirimir, exorcizar e dar de chutes. Lamentável ser tão desnecessárias as palavras que buscam a motivação do crime, o corte profundo com a navalha do verbo nas têmporas dos homens. É preciso o sangue e a imundice dos pontos finais cerrando os lábios, uma insurreição onde se conclame o afogamento do espírito burro na metafísca e a malhação da serviência nas asceses onde ela fora erigida. Isso tudo é ridículo e cansa, faz-me sentir um rebelde que luta pela concatenação impossível das duas classes, mas nada tem a ver o crime a que faço apologia com a farfalhada desses pelegos que, para não morrerem no trono seboso da burguesia e da pobreza verbalistas e cotidianas da qual se gabam e desdouram, sentem a necessidade de dizer que lutam por algo. Grande fosso onde já não cabem os espíritos devassos e cheios milites daqueles a quem Suetónio deflorara! Teatro de vacuidades da vida que já não mais me alegra e não estimula o gozo! Ter de ser gente e construir teorias fundamentadas num positivismo enfermo e leviano, levando à clínica dos eufemismos os que merecem o esporro e a absolvição com a morte à navalhadas! Calem-se, não perturbais o desassossego daqueles que não fazem decoro aos gritos que proferem, é desnecessário que se lute por qualquer coisa, assistamos da mais alta concentração do nosso egoísmo o espetáculo raivoso da vida. Abaixo Marx, Adam, Cioran, Hugo, Kant, Hegel, Hume, Hobbes, Platão, Eurípedes, Aristóteles e todo eruditismo! Cuspamos, de modo a não sobrar saliva nas nossas goelas, no bojo da “esquerda” que quer nos educar e na direita que chupa as nossas vísceras! Chega dessa mediocridade toda, passemos o rodo do absurdo nesses contraventores da visão e do alheamento, alvejando com cianureto o corpo nodoado da humanidade... que calhe cada um que diz tomar partido! Por uma negação do pensamento através do atrofiamento da razão! Por um altar à inércia prognosticando a política como loucura!

Observar a felicidade dos que dormitam e, por isso, agradecer-lhes com incontáveis gotas do meu suor por andarem a exibir um cômico que eu não vejo? Não, não, meus senhores, eu hoje estou lúcido como uma dúzia de lanternas recarregadas com baterias novas; sobre o descampado da minha alma os soldados se movimentam diabolicamente em direção aos corpos endossados de lama dos que vêm de encontro, e anseiam, todos eles, pelo choque cruel com as tropas inimigas... há fome de fígado alheio na minha cabeça!

Viver é angustiante porém, quando reflito, num momento de dispersão onde tenho a certeza de estar vendo deus e Maria em coito, penso ser pior o fardo da vida quando não a sinto em toda plenitude do seu mistério e vazio. Angustiar-se é estar vivo, não ter certezas é estar dentro da poesia. Eu sou poeta. Isso também é ridículo. Cuspo em todas estas palavras.

3 comentários:

  1. Seu texto é muito rico em palavras eruditas. O admirei muito. Sua estrura inconsciente denúncia o que no íntimo te possessa: Necessiade de afeto!
    Meu caro maldito, trilhas veredas incertas como todos nós. Mas uma pitadinha do perfume das rosas poderia muito te fazer sorrir, ou chorar, quem sabe. Um ou outro te tornaria um pouco menos azedo. Sorria, ainda tem cerveja!

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  2. Vocês falam de afeto com a boca cheia de saliva, como se isso fosse fator primordial na existência de uma pessoa. Como se aqueles que carregam abscessos tivessem de exprimi-los por ser um crime deixar com que eles estourem. Mais cerveja e menos psicanálse, por favor!

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  3. Caro Maldito,
    Sentir-se obrigado em acreditar que o afeto é o único fator primordial em nossas vidas, isso eu tenho que concordar com você. Não é!
    Porém, mesmo odiando o mundo, como de fato, temos todas as argumentações e justificativas para realmente odiá-lo, não podemos anular a possibilidade inevitável de sempre criarmos expectativas para os afetos que queremos receber do outro, esse outro que nada mais é do que nossa própria projeção.
    Não venha me dizer que existe alguém nesse mundo convencionado de humano que não necessite do afeto. Até a sua forma irritada, ácida e muitas vezes arrogante de expressar sua posição sobre a realidade, advém de uma necessidade de afeto, seja por uma necessidade se ver reconhecido e aplaudido pelo outro, seja simplesmente pela própria necessidade de obter esse afeto.
    Ai é onde eu faço minhas sinceras criticas: sem desconsiderar a sua necessidade de mandar o mundo tomar no cu, eu acredito que também você sente a necessidade de ser amado, como também se sente magoado quando o outro se volta contra a você, e quando você não se sente amado, nem respeitado.
    Por isso que acredito que, apesar de termos o dever de requestionarmos o que achamos que deve ser modificado, devemos pelo menos tentar saber nos utilizar de recursos em nosso discurso que não venham como navalhas cortando as opiniões que se fazem diferentes das nossas, pois, se exigimos direitos, devemos saber também exercitar o respeito ao direito dos outros.
    Mais exercicio de sensatez e menos intolerância, por favor!

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