quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O neurótico Alado II

Durante a Missa dos Filhos Ausentes da pequena cidade de Pedantia, Agnasno Timódio acabou se efurecendo no curso do exercício de sua curta filosofia. Fitou o prefeito, o procurador e dois homens cujos cargos não saberia dizer com certeza a priori, pensou: “devem ser aquela viadagem de catedrático!”, eles formavam uma roda de fervente conversa em torno do homem que mais o enfurecia nos tempos de ginásio, Ui Babosa.

Mesmo portando um raciocínio proporcionado por sinapses neuronais tão velozes quanto uma internet discada em dias de chuva torrencial e uma quase metafísica sem querer, Agnasno chegou a uma conclusão que lhe parecia certeira; “este incubado deste prefeito, só me trata bem em época de eleição, porque sabe que minha imagem angaria votos da maioria!”.

De posse desta conclusão, partiu furiosamente em direção ao ex-colega de infância e aos demais daquela roda de densas e opacas ideias e desferiu contra Ui Babosa: “essa coisa que vocês estão falando aí, que quem não lê, não ouve sinfonias ou faz qualquer uma dessas viadagens do cotidiano de vocês é quadrado e blá blá blá é tudo coisa de viado! Um pedreiro é mais útil pra a sociedade que vocês, e se ele não pensar quadrado e não reproduzir de forma perfeitamente quadrada também os cômodos em que vocês vão deitar o cu pra dormir, comer e zombar da burrice dos próprios construtores, vocês são os primeiros a se queixarem!”

Numa cruel guerra interna para conter o riso, Ui Babosa lembrou-se dos tempos de infância em que Agnasno o humilhava no futebol e ele o humilhava nas notas, e, por comiseração inspirada por aquele doce tempo, resolveu responder: “Querido Asninho (seu apelido carinhoso de infância), não há problemas no pensar quadrado em si, o impasse reside em geralmente não se entender as coisas, desde o átomo até o próprio quadrado, como, inevitavelmente, um complexo. Como já dizia o pobre poeta “em vossa cova mental jazeis, e vossa primeiridade preferis”, e aí há espaço para o dogma, para o cego porque não quer ver e outros problemas que são pais de tantos outros problemas da convivência humana. Entendeu?”.

Agnasno coçou o queixo e respondeu: “eu entendi que você é um pseudo-intelectual!”

Ui Babosa, sem hesitar, lhe devolveu: “Muito obrigado e sinto muito”. A resposta nitidamente chocou os demais integrantes da roda e o próprio Timódio, e, percebendo a situação, Babosa resolveu explicá-la: “Ora, senhores, é agora moda entre os que não se dão ao luxo da argumentação elaborada tachar os seres cujos discursos lhes são ilegíveis de ‘pseudo-intelectuais’. Não se tocam eles que expõem facilmente suas frustrações quando aplicam o apelido. Pois, no fundo não tão fundo, o que se diz quase sem querer é, ‘olhe, eu reconheço a elaboração do seu discurso, a construção que está para além da minha pobre capacidade exegética, portanto você é intelectual. Mas, como você está contra mim, e eu aprendi nas aulas de ciências da oitava série que pseudo é falso, você é um pseudo-intelectual!’”.

Todos caíram na gargalhada, exceto Agnasno, que respondeu definitivamente: “Você é um viado!”.

Um garotinho, que observou todo o desenrolar da trama, fechou os olhos e pediu ao transcendental: “não quero ser nem um, nem outro, deixai-me ser um anjo torto!”.

4 comentários:

  1. Muito bom texto, Josua. Qualidade discursiva excelente. Quanto ao fato do pseudo-intelectual, acho que fora muito feliz na sua abordagem, já que o que vimos na realidade é verácito ao conto seu. Lembrou-me de certa forma uma passagem do Schopenhauer em relação a modéstia, onde ele diz que esta é um pedido de desculpas por sermos mais inteligentes que aquele que não vos entendeis. Parabéns. João Maldito

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  2. Um anjo torto! Perfeito, acho que não precisa dizer muita coisa não, só que creio que o sentimento que nos vêem é que não queremos ser cobrados pelo nosso canto, por o que falamos intelectual ou não, acho que o que queremos é falar e nos encantar com aquilo que nos é plausível. Afinal, o que guarda o olho que vejo dobrar a esquina? Como disse nosso caro Vina citando Fernando Pessoa: Como posso achar que penso alguma coisa se neste exato momento existem milhões de outras cabeças pensando. Perfeito!

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