domingo, 17 de janeiro de 2010

Aurora das nevralgias

"um coachar de sapos que nutrem
amor pelo segredo é o que te desperta,
e junto com a manhã metálica e quente do sábado
alvorecem matinais todas as suas nevralgias."

Eu simplesmente não creio no homem. Haveria de crer se a este faltasse o excesso de utopia que empoleira os poros do pensamento, e acaso fôssemos condenados a um estado de consciência ilimitada, o que pressuporia que estaríamos desvencilhadas das retificações históricas e começaríamos a fazer dessas mesmas retificações um prenúncio do nosso próprio fim. Não venho aqui exortar-vos à geometria de um cálculo social mal fundamentado, venho sim pedir-vos, como forma de me auto-preservar, para que não creiais nestes números, pois é estúpido e mesquinho que condicionemos as nossas vidas ao rigor científico dos engenheiros que, de sociedade, nada entendem e, estupidificados com a complexidade da criação científica, desenvolvem as suas bestiais e despóticas máquinas a fim de que possamos progredir mesmo padecendo, em espírito, por ficarmos presos integralmente a tais objetos, representando para nós o nascimento de uma dúbia estrutura orgânica que falseia, em efeito, o que nos é deveras mister e substancial. É antes um panfleto que tem como fim a convergência do pensamento verbalista na crença do absurdo. Uma reiteração que objetiva por não costurar com idéias religiosas, de um mau gosto humanista tremendo, os pontos abertos da história das sociedades, é também uma chamada de atenção para que comecemos a enxergar o trágico. Resumem-se a nada as nossas contribuições diárias para que vá a frente o mundo, já que este, enquadrado que está sob uma forma de catre que parece não oferecer uma rota de fuga, tem demando sobre as nossas vidas a tragicomédia de um desespero e mau gosto imensurável, onde se vive pelo dinheiro e se morre pelo objeto. Tiveste crido por muito tempo numa política messiânica que endossou todas as suas expectativas na água-furtada do querer projetar-se-a-si-mesmo, inoculando com a barbárie da indiferença institucional as quimeras que ostentaste para si e para os teus, dando votos a quem deseja por angariar na história, galgando a passos rápidos um lugar confortável no dorso da ordem pública. Querem-te néscio e desprovido da consciência traumatizada, desenvolvendo linhas teóricas que chafurdam o espírito em transe na terapia psicológica, revolvendo das nossas obrigações o aprender-a-lidar-consigo-mesmo e, com isso, incutem-lhe no pensamento idéias clérigas de uma possível redenção e, enfim, vos libertam mercadologicamente do trágico que sempre andará contigo. És nada quando posto ao lado dos preceitos institucionais que subsidiam o ordenamento público, mero grão de areia ante as necessidades egoísticas dos homens que por vós dizem lutar. Não crer em nada e estar em alerta diante das tocais apocalípticas da vida, confabulando contra toda e qualquer coisa que te ofereça eminentes riscos à percepção sana. Julgar-te-ão de doido talvez, estarás à margem dos círculos por isso, chegarás a pensar que de nada vale este auto-proscrever-se dos lugares comuns, deter-se-á, quem sabe, diante dos primeiros gestos lascivos da vida e, como uma meretriz que precisa do orgasmo, entregar-te-á ao primeiro insolente por mero fetiche. Mas, creia, vale estar doido para todo mundo e são para si mesmo, pois é a ti que te conheces e a verdade se vivencia, apenas, dentro do âmbito do seu próprio eu; quando perpassas para o outro e tenta, com ortodoxia, evangelizá-lo com as tuas considerações, como faço agora, estarás a cutucar com vara curta uma fera de dentes afiados. Antes que acabe este excerto que vos ilumina o pensamento, deixo claro que o mesmo não tem como fim o convencimento à força de quem me é alheio, mas é uma simples proposta poética de falar sobre o inferno particular que, como todos, carrego. Psicanalista de mim, terapeuta das minhas próprias enfermidades, navegador dos meus mares íntimos: isto são capítulos da minha dramaturgia; é a comédia da qual sinto vergonha e rio.

8 comentários:

  1. Pode ser que o ser crédulo seja uma qualidade imanente no ser humano. Toda sociedade se apega (ou)(ará) as suas representações de mundo, umas niilistas, outras que advogam a vontade de potência. A medida convive com a desmedida, há sempre um atrito entre ambas. Em todos nós, existe algo de dionísio e de apolo. A desmedida sempre impaciente, busca contornar as medidas. Essas, diante das estratégias de fuga dos tortos, se refazem, tornam-se mais implícitas, mais coloridas, mais invisíveis. Quem sabe que o ser torto não seja mais uma vestimenta da medida para enganar a desmedida!

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  2. Ademais, muito bom o texto. João é o mais corrosivo do grupo!

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  3. *quem sabe se o ser torto não seja mais uma vestimenta da medida para enganar a desmedida!

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  4. João, fostes muito feliz neste texto. Contudo não acredito no teu ateísmo. O verdadeiro ateu o é e acabou. Assim,retomo a temática da volta ao Pai. Acredito que o amigo necessita superar estas questões edipianas.

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  5. Mais um texto no mundo fluído

    "As cláusulas pétreas e o mundo pós-moderno - Parte I"

    Confiram:

    http://mundodeespuma-coutocircuito.blogspot.com/

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  6. Agora meu velho,
    Esta temática religiosa, este questionamento sobre Deus já foi superado a muito tempo. A mágoa contra os religiosos também já foi superada. O olhar acadêmico para esta não é mais o de negar sua validade ou necessidade. O olhar dos que estudam movimentos religiosos é o de procurar entender este fenômeno e explicá-lo enquanto manifestação humana. Afinal, estamos na pós modernidade, e o positivismo científico já passou. Os que se inspiram nele, como os que se inspiram em Saussere para entender os fatos da língua estão presos ao passado. Vivemos no século do diálogo entre os mais diversos meios e mecânismos de explicação da realidade. Vivemos uma nova era para o pensamento, portanto cuidado com a areia movediça, pois o colega logo saberá que pode estar nela. É bom o teu texto,entretanto, ainda se encontra nos anais de discursos já superados.O teu édipo,este me parece aida continua bem real nas entre linhas do que escreves quando o tema é religião. Não consigo entender como uma mente tão fértil como a do colega torto ainda consegue se angustiar com um tema que as pessoas não mais necessitam livrar-se das garras. A inquisição já é ida.O estado é laico. Então, deixe cada um viver seu mundo, e escolha o seu. Cada ser humano tem todo direito de viver sua neurose como quiser. Viva a sua e sorria.

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  7. Compartilho de opinião similar. Menos caótica talvez.

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