Segundo Pimenta (2005), diferente de outras correntes de vanguarda que buscaram tecer duras críticas aos objetos industrizados, o surrealismo não se negou a se apropriar dos elementos da cultura da massa. Como sinaliza a autora, “o Surrealismo não buscou diferenciar-se da cultura de massa, mas apropriou-se de seus clichês” (2005; p.119). No entanto, o Surrealismo, apropriando-se do mecanismo da colagem, influência legada pelo Dadaísmo, corrente anterior, buscava elaborar novas mensagens provocativas acerca do seu contexto.
Como observa Pimenta (2005), ao falar acerca do Dadaísmo, apesar da produção de imagens non-sense, as colagens serviam como mecanismo de denúncia, uma vez que por meio delas “também foram criadas colagens que foram convertidas em antipropaganda nazista. (2005; p.119). Na verdade, através desse procedimento, o que o Dadaísmo e Surrealismo buscavam era um meio de “denunciar o mecanismo de manipulação da informação mediante a montagem de textos e imagens” (2005; p.120).
O que essas correntes buscavam era uma forma de re-questionar todas as verdades. Através da combinação de múltiplos sentidos, o Dadaísmo e o Surrealismo buscavam atentar para a proliferação de sentidos, gerando assim, uma dissolução das Verdades na modernidade. Portanto, o que a autora salienta é que através dessas informações oriundas de diversas fontes, o que esses correntes objetivavam, era nada mais, nada menos que “uma manifestação da explosão dos sentidos, da quebra da Verdade (2005; p.121).
O que importava para essas correntes era que os espectadores se deparassem com as versões que deixavam de ser contadas em seus detalhes. As relações entre o verdadeiro e o falso eram detalhes menos importantes para essas correntes. O que eles propunham era fazer com que o espectador desafiasse as “Verdades” das imagens contidas nos discursos ideológicos. É por isso que “as imagens dadaístas, surrealistas e pós-modernas simplesmente aparecem e desaparecem, desafiando qualquer tentativa de aprisionamento teórico. (p.120)
Contudo, para Pimenta, essa lógica da colagem “logo foi vorazmente absorvida pelo próprio mercado de produtos industrializados mediante a elaboração de uma nova linguagem publicitária” (2005; p. 121). Segundo Pimenta, o mercado conseguiu a partir da proposta de deslocamentos sígnicos da colagem, criar um elaborado método de propaganda. Portanto, “as combinações de imagens dadaístas e surrealistas, baseadas em procedimentos de corte e colagem, foram as bases para a construção da nossa atual cortina de signos” (2005; p.121)
Através da proposta que objetivava provocar o espectador com rupturas constantes de sentidos, de deslocamentos de imagens acrescentadas a novos textos geradores de uma proliferação de novos sentidos, o mercado publicitário por via de aparelhos de diversos meios de comunicação, atingiu seu objetivo unicamente voltado ao lucro. Como observa Pimenta, “através de sofisticados aparelhos de captura e transmissão de imagens e sons, podemos considerar que vivemos imersos em um surrealismo integral” (2005; p.121)
O que podemos perceber é que os ideais terminaram por se adaptar ao contexto da reprodução técnica do sistema industrial. Para Pimenta (2005), atualmente podemos verificar o Surrealismo como um sintoma da impotência humana diante da aceleração tecnológica, incapaz de controlar a excessiva produção de textos, de imagens e de infindáveis informações. Como diz a autora, “vemos muito e imaginamos pouco, sonhamos acordados em uma desconexa sucessão de imagens” (2005; p.126).
Atualmente nos deparamos com o que a autora chama de um surrealismo do aqui e do agora através da internet. Em meio a essa rede, encontramos um espaço construído de forma interativa composta de infinitas possibilidades que constantemente se atualizam através de imagens, textos, vídeos, fotos, etc. É devido a isso que a autora observa que o surrealismo e o dadaísmo com seus procedimentos de colagens, foram bases para a nossa imensa rede de signos que hoje nos deparamos com os meios publicitários.
Como se nota, o legado das colagens deixado por essas correntes foi apropriado para servir a lógica do mercado. Contudo, para Pimenta (2005), de acordo com as palavras de Baudrillard, deve-se haver um pensamento que tenha um papel catastrófico e ao mesmo tempo humanista, e não preso aos signos-clichês pré-fabricados pelo mercado. Como diz a autora, “esse pensamento baudrillardiano costuma nos sacudir dentro dessa calmaria, quando nada de surpreendente parece poder acontecer num mundo que busca, pela eficácia tecnológica, tudo apurar” (2005; p.122).
FONTE:
PIMENTA, Beatriz. O surrealismo do aqui e agora: arte, cultura de massa e interatividade. Concinnitas, Ano 6, volume 1, número 8, julho 2005.
Vina,
ResponderExcluirA cultura de massa se apropriou muito bem dos movimentos de vanguarda. Ou quem sabe, esses movimentos enxergaram o obvio, onde a sociedade iria descarrilhar. Como postei essa semana, a atualidade encontra ainda tracos da modernidade e da pre-modernidade. Mas nem por isso ela se encontra presa aos movimentos iniciados na decada de 20. O Surrealismo, por exemplo,enfrenta o humano em sua complexidade, nao por ser um movimento autentico, mas por se apropriar da sua previa influencia. Por que nao usar a ordem em seu avesso?. Por que nao faze-lo uma distopia na consciencia coletiva? A massa e previsivel, mas nem por isso ela ignora os tracos da vanguarda. Vejo que houve uma influencia do surrealismo para as massas, pois nao podemos comparar as manifestacoes publicitarias atuais nos anos anteriores a decada de 20.
Nao vejo que a vanguarda, assim como voce, seja a parte do senso comum. Ela transita entre a marginalidade e os centros sociais.
Abraco
Mai,
ResponderExcluirEu não digo que a vanguarda esteja a parte do senso comum. O que eu vejo é que os ditos vanguardistas, ao invés de se utilizarem da vanguarda como uma ferramenta capaz de produzir a emancipação do humano, resume esta a uma mera decoração de vitrines para metidos a cults babarem e se autoafirmarem em seus cânones com a intenção unica e exclusiva de se conservarem em suas arrogantes posições sociais.
Portanto, os ditos vanguadistas, antes de possibilitarem ao humano um esclarecimento de si com o mundo, ou seja, antes de fazer com que ele se reconheça enquanto agente integrante e responsável pelas alterações históricas, se contentam em reduzir a vanguarda a um mero jogo de obscurantismo e prolixidades.
Ola Vina,
ResponderExcluirConcordo quanto a esse aspecto. Apenas nao estou convicente quanto ao argumento desta autora. Nao discordo totalmente, pois se nos dias de hoje a vanguarda, nascida na decada de 20, se intercruza com a massa, atraves da publicidade, arquitetura ou ate mesmo discurso, porque ela nao esta a parte do senso comum. Como afirmei anteriormente, acredito que a influencia tenha sido do surrealismo para o senso comum, nao que seja por completo unidirecional, mas muitos autores e artistas pertencentes ao tal estilo trouxeram uma forte influencia o qual nao desconhece o senso comum. Traz umestranhamento, pois fomos incutidos para pensarmos de modo alienante, desvinculado das nossas ideias inconscientes, atos falhos e do fluxo da consciencia.
abraco
Maíra,
ExcluirO que eu acho é que o surrealismo, mesmo se apropriando do discurso da cultura de massa, não significa dizer que ele se veja entendido pela massa. No caso do Brasil, a vanguarda se encontra a infindáveis anos luz do senso comum. Isso se deve ao fato dos setores empobrecidos da sociedade não terem acesso a ferramentas mais criticas, seja por via de contatos com informações mais complexas ou em relação aos ambientes educacionais. Esse estranhamento só será realizaável aos objetivos da vanguarda quando as pessoas estiverem disponíveis e capacitadas em interpretar elementos que se encontrem além do óbvio cotidiano. Porém, desculpe-me pela visão pessimista, mas o que vejo são os desprestigiados e toda uma sociedade ser engolida pela praticidade da cultura de massa, preguiçosa em desvendar e se confrontar com as contradições. Quanto a vanguarda? Cada vez mais gueto.
Bom, particularmente eu não vi em nenhum momento a autora dizer que o surrealismo se encontre a parte do senso comum. Ao contrário. O que vejo é ela observar a apropiação dos objetos industrializados pelo surrealismo e a re-apropriação distorcida voltada ao lucro pelo mercado das colagens surrealistas.