quarta-feira, 23 de maio de 2012

2001 de Kubrick, Trabalho e Tecnologia

*Caros amigos, vou tentar voltar a postar regularmente por aqui. Vejamos como me sairei.*

 A alegoria proposta por Kubrick no início de sua célebre obra 2001, Uma Odisseia no Espaço permite-nos, por excelência, refletir acerca de como trabalho e tecnologia possibilitaram o percurso do desenvolvimento humano.

Vê-se, logo nas primeiras passagens, a sugestão de Kubrick no que se refere à pulsão pelo conhecer, partilhado já entre os nossos ascendentes, ainda que não de forma simbólica ou reflexiva, por se tratar de uma espécie de estágio “pré-cognitivo” dos hominídeos. Mais à frente é desenvolvida a sugestão-chave da alegoria, qual seja, a cena em que um hominídeo começa a doar sentido à posse de polegares opositores. 

Munido então de uma ferramenta, inicia seu processo de domínio sobre a natureza, isto muito bem representado pela imagem da queda de alguns outros animais. No êxtase da descoberta, nosso hominídeo lança a simbólica ferramenta ao ar e esta logo se transforma, através da sequência da decupagem cinematográfica, numa nave exploratória no espaço.

Tal experiência alegórica instiga o perquirimento acerca desta relação entre os empreendimentos da dominação humana sobre a natureza e seu consequente desenvolvimento. Em seu artigo sobre a concepção do trabalho em Marx, Oliveira (2010) afirma ser “no trabalho que se manifesta a superioridade humana ante os demais seres vivos. Ele seria a realização do próprio homem, a fonte de toda riqueza e bem material”. 

Ora, admite-se, com base neste raciocínio, que o homem age pela necessidade de transformar o espaço em que vive a fim de não só viabilizar como, igualmente, afirmar a sua própria existência. Tal capacidade o distingue dos demais animais que atendem à mera necessidade de reprodução calcada em suas programações genéticas.

De fato, o que nos interessa no que diz respeito a este texto especificamente é a dimensão criativa do trabalho. Para viabilizar e otimizar este fenômeno é necessária uma aliança com a tecnologia. Esta é gerada pelo próprio trabalho e, processualmente, atualiza-o. É plausível pensarmos o desenvolvimento da humanidade, abstendo-nos, por ora, de juízo de valor acerca de tal desenvolvimento, como o resultado desta dimensão criativa do trabalho amplificada pela tecnologia a fim de modificar a natureza em função do homem.

Entretanto, como nos sugere a própria evolução do filme em questão, há uma dimensão perigosa da tecnologia. Diz respeito àquela que poderia colocar o homem em função da tecnologia, dependente dela. Ou, como nas palavras de Trigueiro (2008), “É a humanidade subjugada à sua criatura. Nesse cenário, como diz Heidegger: “Só um Deus poderia nos salvar”. Esta observação nos leva a compartilhar a preocupação de Heidegger, no sentido de que se, já numa altura de desenvolvimento tecnológico em que o homem é dependente desse, haveria a possibilidade de tomarmos novamente frente de nossa própria história.

Seja para incrementar processual e equilibradamente o trabalho ou submetê-lo e substituí-lo, fato inegável é o de que os dois elementos são, definitivamente, indissociáveis. Isto não o é só em relação à modernidade como em qualquer etapa da história humana em que tais fenômenos concorreram para o desenvolvimento da humanidade, desde que, evocando novamente a alegoria de Kubrick, o primeiro hominídeo utilizou-se de ferramentas para submeter a realidade que o desafiava.



Referências:


OLIVEIRA, R. A. A concepção de trabalho na filosofia do jovem Marx e suas implicações antropológicas. Ceará: Kínesis, Vol. II, n° 03, Abril-2010, p. 72 – 88
TRIGUEIRO, M. G. S. O conteúdo social da tecnologia. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2008.

2 comentários:

  1. Josua,

    Apesar de você deixar em sua observação algo ainda diante de uma experiência, mas já fiquei muitíssimo feliz em ter acesso às suas viagens. Você não faz idéia da falta que você faz aqui no torto meu caro. Vou torcer para que você continue no nosso blog O torto, nosso velho companheiro e cheios de memórias.

    Valeu pelas referências. A de Oliveira vai me servir bastante para eu tentar detectar algumas semelhanças entre os discursos da cultura massiva com a forma pela qal se organiza o trabalho em nossa sociedade industrial.

    Você trouxe um tema bastante instigante e preocupante. O trabalho possui uma face positiva quando ele é o responsável pelas novas criações sociais por ser resultante das necessidades sentidas por essa sociedade. A outra face do trabalho é preocupada quando ele nos submete a sua rotinização. Infelizmente eu tenho sentido isso de forma muito intensa, inclusive em profissionais que atuam em esferas que exigem criatividades.

    Vivendo a minha experiência no IFAL, noto claramente o quanto o educador se encontra reduzido a uma prática mecanizada de trabalho. A turbulenta burocratização e a enfadonha rotinização típica do contexto industrial tem provocado homens ausentes e desconhecedores da sua própria capacidade criativa. Vivemos na era do trabalho alienado, não refletimos sobre os nossos próprios sonhos e sobre os resultados concretos realizados por nossos sonhos. Pior que eu sentia iss quando estava envolvido com a música também.

    Diante de um contexto serializado, cronometrado, padronizado, burocratizado, como podemos estabelecer uma relação mais poética entre a produtividade e a ludicidade? Em outras palavras, como articularmos uma relação entre a capacidade de gerar resultados (produtividade), com a capacidade de exercitarmos e nos alimentarmos com a nossa criação (ludicidade)? Enfim, como dialogarmos nossa normatividade com a nossa performance? Será possivel que teremos que separar cada vez mais os resultados calculados de nossa veia estética, isto é, de nossa capacidade de brincarmos e de transitarmos entre o fazer e o sentir?

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  2. Josua,

    Kubrick aborda massivamente em seus filmes a questao entre vontade humana de ser deus e, simultaneamente, a sua bestialidade herdada pelos bichos. Em `2001, Odesseia do espaco` nao e diferente. O ano 2000 marcou expectativas , ha seculos atras. Nao so ele, refletiu o desejo humano de controlar o mundo, como o cineasta alemao, do filme mudo preto-branco ainda na decada de 20, Fritz Lang em `Metropolis`. Nesse filme ele aborda traficos de avioes, edificios que alcancam o ceu, super telefone que contatacta os personagens face a face atraves de uma tela e uma mulher- robo que controla os seus sentimentos. Tudo isso foi alcancado, claro que nao de forma literal. Inumeros cientistas tentam encontrar formulas de humanos perfeitos, telefone que virou ifone em que voce controla quem esta do outro lado da linha e arranha-ceus imensuraveis nas cidades cosmopolitas. Kubrick pareceu ainda mais agressivamente ambivalente, somos deus bestiais, Inteligentes para encontrar formulas incriveis, mas bestializados pelos instintos demoniacos, onde se perdem os nossos reais controles.

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