O pensamento, ao ser transmitido pelo discurso informal, projeta-se à realidade como uma pretensa verdade em relação ao que é pensado. Seu conteúdo resguarda da alteridade uma identidade pessoal que o faz único ao mesmo tempo em que, na afirmação de sua própria singularidade, reconhece na diversidade identidades também autênticas: emitidos através de agentes distintos, os juízos constituem-se de uma substância existencial cujo princípio é, na medida do possível, idêntico de um para o outro. Em um plano restrito, uma singularidade que se contrapõe em termos parciais à outra pode requestar para si mais validade, não sendo lícito que também o cobre frente à totalidade. Porque a totalidade não é a transmissão discursiva do pensamento projetado à realidade como uma verdade sobre si mesma e nem concede a planos isolados a permissão de transcendê-la: a totalidade é uma projeção contínua e pura dos fatos. Somente em relação a ela, e não a circunstâncias desencadeadas restritivamente, a verdade se desnuda e a justiça é feita. Portanto, ao passo em que o sujeito ambiciona formalizar o seu discurso sem correr o risco de promover perjúrios valorativos, seu referencial de análise tem de se deslocar do restrito ao total – isto é, do informal ao filosófico.
Reconhecida a gravidade inerente ao uso do discurso, haja vista o campo de interesse que demarca a sua autenticidade específica ou o seu compromisso mais geral, queremos acreditar que atividade filosófica não pode, sob hipótese alguma, desencadear-se descompromissadamente, livre do crivo indispensável da totalidade e desvinculada de um diálogo contínuo e crítico com a tradição. Se os primeiros passos na filosofia não são dados com o estimável auxílio do instrumental-teórico adquirido através da leitura de obras que versem sobre os mais variados assuntos, e se a cobrança ininterrupta de quem começa a filosofar em relação a si mesmo não existe, a tarefa reflexiva reduz-se ao pedante compromisso da opinião fundada sobre um plano restritivo e ainda grudada ao senso-comum, não havendo aí uma guinada emancipatória no processo de aprendizagem. Desse modo, as exigências rigorosas da atividade filosófica se mostram aos iniciandos logo quando estes começam a tomar consciência de que a boa articulação da forma escrita tem de estar associada ao fomento de questões problemáticas, representadas sob a face de argumentos fortes, e sempre com vistas à abordagem de novas perspectivas a respeito de questões importantes e urgentes. Nesse ponto, em específico, as especificidades da filosofia afastam-na do exercício lírico-poético cuja articulação, seja através de rimas encadeadas ao longo dos versos ou não, concentrando um sentido mais evidente que a mera pretensão formal ou não, pode já cumprir com a tarefa de promover rupturas. O curso até a argumentação filosófica é mais ardiloso: na medida em que o iniciando enxerga atrás de si um contingente heterogêneo de intelectuais, e percebe nessa circunstância pouco abrasadora o esgotamento de possibilidades para que possa salientar suas próprias reflexões, a razão específica da filosofia torna-se evidente, uma vez que o empecilho à progressão do conhecimento reverte-se em horizonte da superação a ser efetuada: ao interagir com o já pensado, como que num exercício hermenêutico afiançado pela vontade de suscitar questões autênticas, os desvios onde rupturas podem ser promovidas aparecem, emergindo daí um discurso singular que não prescinde da totalidade, mas que, no seu processamento dialógico, sempre a teve presente.
Em resumo, a escrita filosófica não dista em nada do que foi preconizado como regras gerais de ação a quem está se iniciando nas tarefas reflexivas, residindo no devir do conhecimento as etapas fundamentais à busca concreta da verdade. Há muito endossada ao vocabulário filosófico como principal meta do amigo da sabedoria, essa busca constantemente joga quem se aventura pela estrada escura do conhecimento sobre o paredão da ignorância. Comprimido a ele, impotente diante de seu incomensurável tamanho, a angústia de saber que, na verdade, pouco sabe vem à tona como certeza irredutível que, nos seus desdobramentos, atua geralmente de duas formas: frustrando-nos o ânimo para a busca de novas perspectivas e estratégias de atuação ou servindo-nos de mola propulsora na superação dos estorvos surgidos ao longo do caminho cujo marco final é a verdade.
Posto isso, fica claro que a filosofia é por si mesma uma disciplina emancipadora, que alarga as certezas do indivíduo a possibilidades infinitas de redefinição, restringindo-lhe a pretensão de acomodar-se com o que já conhece. No fundo, a atividade do filósofo, sendo reforçada continuamente pela autocrítica, resume-se a uma vontade perpétua de superação da indigência, uma vez que as suas ideias, tão sujeitas ao devir quanto tudo o que elas abraçam, encontram-se sempre a um ou mais passos da totalidade que perfaz o seu tempo. Este, como bem postula Heráclito, por morrer a cada dia a fim de viver sua própria morte, restabelece-se ao centro da investigação filosófica repleto de significados inéditos, confirmando a validade da mais famigerada máxima socrática - “Só sei que nada sei” - como condição incontornável de quem se põe a pensar. O discurso filosófico escrito é, então, a locução final dessa dialética permanente do des-embrutecimento e, ao surgir para o público assentindo em torno dele os mais variados tipos de crítica, conflui com o corpo morto das opiniões estáveis, transparecendo, ainda que limitadamente, os traços mais verossímeis ao que seu locutor é e pretendeu ao tê-lo engendrado. E, sempre quando aliado ao rigor de uma formação cultural exemplar, pode proporcionar a descoberta de um modo de expressão particular no qual, além de teorizações aleatórias, o próprio ser se apresenta exigindo o seu espaço em meio a tudo o que já foi produzido e, ao inclinar-se sobre o seu tempo, leva a termo final a empreitada da autoconstrução individual, estabelecendo-se gradualmente como peça autônoma e singular, capaz de produzir discursos voltados à totalidade sem macular a originalidade do seu processo criativo.
Sair do verbal para legitimar o escrito atraves das palavras. Para que assim se possa validar varias verdades cheia de formalidades para que a partir dai um conjunto de significantes se converta em um significado palpavel nas nossas representacoes sociais. Devido a escrita, comportamentos serao autenticados em nome do dircuso de uma ordem ideologica.
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