Trabalhar com alunos do ensino médio exige uma criatividade do educador. Ao expor um conteúdo em sala de aula, o docente tem que ter cuidado em não explanar os conceitos de forma muito formalizada. Para que o conteúdo seja bem trabalhado, é necessário que o educador tenha em vista quais os reais interesses do discente, quais os temas que provocam interesse nesse público.
Pois bem: enquanto educador eu tento trazer exemplos para esclarecer os conteúdos expostos em sala de aula de acordo com os temas geralmente problematizados pelos alunos. Falar sobre questões referentes ao sexo, às relações conjugais, além de trazer comparações com comportamentos ditos grotescos como defecar, mijar, trepar, tem provocado a atenção dos alunos.
Contudo, o que venho percebendo é que até o instante em que os temas abordados ficam no que classificamos como bobo, tudo vai bem, mas ao associar esse bobo às questões mais complexas, alguns alunos rapidamente voltam a ficar dispersos. Em outras palavras, os alunos se prendem ao bobo pelo bobo. Ao mostrar a complexidade do bobo, eles se negam a dar continuidade ao debate.
Quero discutir sobre o porquê da necessidade dos alunos optarem em se prender ao bobo pelo bobo negando as análises mais aprofundadas. Para isso, eu acho de grande importância fazer uma breve descrição acerca do que eu entendo como comprometimento, que vou associar ao que chamo de bobo provocativo, e o dês-comprometimento, o que denominarei de bobo idiotizado.
A partir disso, eu quero mostrar o quanto à aplicação da cultura de massa e da cultura de vanguarda são importantes para um re-questionamento acerca dessas definições, possibilitando os alunos perceberem que dentro do bobo idiotizado nós podemos provocar novas indagações, assim como dentro do bobo provocativo também podemos tornar o bobo alienante.
Ao falarmos sobre uma postura comprometida, geralmente temos a idéia de seriedade. Para uma pessoa que age dessa forma, os problemas da realidade tendem a ser sempre vistos como algo condenável. O comprometimento é tudo que seja engajado. O problema é quando levamos a idéia do comprometimento como algo que não abre espaço para o relaxamento, para o lúdico.
A excessiva seriedade das coisas, ao invés de provocar uma proximidade do indivíduo, termina por afastá-lo, pois nem sempre estamos com disponibilidade em encararmos as coisas de forma rígida, seca e calculada. O indivíduo, mesmo sabendo que a realidade é condenável em muitas questões, busca sublimar suas dores ao investir descargas de prazer em muitos momentos de sua vida
Em se tratando de dês-comprometimento, temos a idéia da falta de seriedade com as coisas. Uma pessoa que age de forma descomprometida tende a ser vista como uma pessoa que encara a realidade sempre de forma piadística. O problema do descompromisso é quando levamos o seu sentido meramente para a fuga, ou seja, de escapatória com os reais problemas da existência.
Olhar as coisas apenas de forma descomprometida faz com que o indivíduo se torne esvaziado de projetos capazes de alterar o rumo das coisas. Mesmo que o indivíduo busque substituir suas dores através do prazer, não significa que ele não esteja inserido em um contexto, e que por isso mesmo, tem um papel de grande importância para a realidade na qual está inserido.
Portanto, o fato de sermos comprometidos, não anula a possibilidade de levarmos a vida com mais prazer; assim como o fato de sermos descomprometidos não anula a possibilidade de levarmos a vida com maior seriedade. É por isso que eu acho que somos capazes de encontrar seriedades no “não-sério”, assim como podemos ser brincantes em nosso compromisso com a vida.
Como podemos detectar isso na cultura de massa e na vanguarda? Como os alunos e os docentes lidam com o bobo idiotizado e com o bobo provocativo? Como os educadores e os alunos têm se relacionado com a cultura de massa e com a vanguarda? Será que o trânsito entre o engajado e o lúdico tem sido trabalhado pelos alunos e pelos docentes? É o que vamos discutir a partir de agora.
A vanguarda, por trazer todo um projeto político de conscientização, tem a capacidade de brincar com a rigidez da realidade. O importante é provocar o olhar, é chamar atenção acerca das contingências que pairam em nosso dia a dia. Devido a isso ela tende a inverter as relações de valores classificatórios, provocando rupturas nos modelos tradicionalmente estabelecidos.
Com isso, a vanguarda tende a trazer em seus discursos a ironia, a piada, o pastiche, a paródia. Contudo, essa brincadeira tem uma finalidade: questionar a mediocridade de tudo aquilo que a sociedade concebe como verdade. A partir do patético, a vanguarda busca revelar o contraditório. Em outras palavras, o que a vanguarda quer é manifestar o bobo de forma provocativa.
Diferente da vanguarda, a cultura de massa não é definida como uma manifestação preocupada com um projeto político de conscientização. Com a finalidade de obter lucros e de não perder um público-consumidor cativo, a cultura de massa não tem o objetivo de provocar rupturas no sistema. Ao contrário. O que a cultura de massa busca é insistir na repetição de modelos morais.
A cultura de massa quando traz a ironia e a piada, não traz com o intuito de provocar um re-questionamento sobre a farsa das verdades, mas sim para manter o receptor em seu lugar. A paródia da cultura de massa, antes de desestabilizar os valores oficiais, serve para a evasão e para o mero entretenimento. É por isso que o bobo no discurso massivo se reduz ao bobo idiotizado.
Pelo fato dos alunos culturalmente viverem em meio ao modelo de cultura massiva, essa necessidade de se prender ao bobo idiotizado se faz bastante evidente. Como dito no inicio, ao se falar acerca do bobo pastelão em sala de aula, nós conseguimos a atenção do aluno, mas ao mostrarmos a relação desse bobo com problemáticas geradas pelos conteúdos expostos, novamente sentimos a dispersão.
Por outro lado, quando o educador traz a vanguarda para as salas de aula, ele tende a fazer dela uma verdade absoluta, recheada de obscurantismos, prolixidades e afirmações classistas. Quanto à cultura de massa, mesmo sabendo que eles não estando livres dela, insistem em trazer classificações pejorativas como mau gosto, lixo cultural, público alienado, cultura descartável, etc.
Resultado: nem os alunos fogem da leitura simplista dos modelos da cultura massiva,uma vez que o educador, ao invés de trazê-la de forma crítica, simplifica essa cultura de forma elitista e distanciada; nem estimulam os alunos a brincarem de se confrontar com os discursos da vanguarda por torná-la um mero enfeite descontextualizado da realidade do discente.
Dessa forma, tanto a cultura de massa se reduz a um discurso alienante, visto que a rejeição pela rejeição não faz com que o aluno faça uma leitura critica dela; assim como a vanguarda se torna uma manifestação alienante também pelo fato dos discentes não se verem capazes de interpretá-la por serem apresentados a ela de forma distanciada e alheia às suas reais necessidades.
Cabe ao educador propor um trânsito entre esses dois universos estéticos. Só havendo um reconhecimento e um exercício de se encarar essas duas manifestações sem segregações e sem elitismos, é que os alunos passarão a perceber que o bobo idiotizado da cultura de massa pode ser visto de forma provocativa, e que a aparente "loucura" da vanguarda respira lucidez.
Como podemos perceber, o comprometimento da vanguarda quando passa a ser posto de forma rígida, série e douta, tende a ser descomprometida por não ser capaz de provocar nenhum projeto útil que parta da ação dos alunos. Se a cultura de massa passa a ser questionada e relida, o seu descompromisso pode se revelar de forma comprometida com o mundo.
Por isso su contra a essas classificações que separam o que pode ser útil do que não pode ter utilidade alguma. Muitas vezes o dito discurso crítico pode se tornar alienante, assim como o discurso "não-crítico" pode ser emancipatório. Tudo isso depende da forma como os olhares passam a ser exercitados ao se depararem com certos tipos de discursos.
Para que o bobo idiotizado não se acomode na casa da intelectualização; nem que o bobo provocativo repudie a idéia de explorar a casa da alienação, é necessário que o educador faça um diálogo entre eles. Para isso, deve se deixar de lado a arrogância estética, como também o simplismo discursivo acerca da cultura de massa. Só assim a idiotização será provocativa.
( TEXTO POSTADO NO DIA 27 DE MAIO NO BLOG: www.pensandoaeducacao10.blogspot.com )
A EDUCAÇÃO TEM BOBO DE TODO TIPO.
ResponderExcluirPassar o conteúdo aos discípulos de acordo com o nicho, o mundo deles, tornando-se mais interessante, tornando a aula mais dinâmica é um artifício louvável e fundamental, porém, isso não quer dizer que o não vivenciado por eles não deve ser colocado em tela.
ResponderExcluirO mundo capitalista globalizado nos remete ao fútil, ao superficial, aos sentidos mecanizados, assim sendo, o bobo,qualquer que seja, pela comicidade e o imediatismo, se apresenta mais atrativo. Digo mais: essa predisposição de andarmos sempre a 320Km/h, arraigada aos valores sociais criados por esta sociedade excludente, a cada dia nos torna mais máquinas, mais...seres de sentido e realidades visuais e táteis, seres "PROFUNDAMENTE SUPERFICIAIS".
Para o aluno, o fato dele transpor a sua "realidade", personificar, ou vivenciar mundos paralelos, ser um camaleão sensitivo e elucidador de questionamentos mais profundos, é simplesmente irreal, não aprazível e inconsequente, diante desse mundo de correria interrupta.
Então o ser humano pode ser considerado uma máquina, um ser robotizado?
Certamente, existem ilhas que contrariam essa crença, mais estas são vistas como torpes, esquisitóides, e ultrapassadas. Assim, o estranho passa a ser ridicularizado, posto em xeque, e por eles bobotizados.
Como você diz: devemos ser provocativos, assim como sermos provocados, para quebrarmos barreiras, e encontrarmos um mundo paralelo, difusor do real, de discussão e diálogo sensitivo e ideológico. Afinal de contas, como já dizia Vanusa: "Ah, o mundo sempre foi um circo sem igual,onde todos representam bem ou mal, onde a farsa de um palhaço é natural."
Portanto, bobo por bobo, que sempre evoquemos o crítico e a autocrítica. Isso é o mais importante, não importa os mecanismos.