terça-feira, 22 de maio de 2012

A arte de vanguarda nas salas de aula

Acredito que a vanguarda, antes de continuar existindo enquanto uma manifestação alienígena aos olhos dos discentes, pode se vincular aos seus contextos. Contudo, essa contextualização deve se tornar vulnerável às perspectivas do alunado. Ela deve fazer o aluno se situar em relação ao seu contexto, mas sempre desestabilizando os códigos impostos como legítimos, fazendo com que os alunos se descontextualizem para com isso se re-situarem em seus espaços. Sei que esse processo não se fará sem obstáculos.

Neste ensaio quero mostrar por que o uso da vanguarda provocará essas possíveis barreiras. Para isso, vou fazer uma breve discussão de como a arte é concebida pela nossa cultura; verificar como as verdades são construídas pela ótica da vanguarda e a forma como os alunos socialmente entendem a construção dessas verdades; mostrar qual a perspectiva de vanguarda poderemos usar na sala de aula, observar o quanto é possível aplicar a vanguarda nas aulas de sociologia; além de expor a idéia da arte enquanto produção de sentido.

Acredito que os alunos, por se encontrarem diretamente vinculados às produções artísticas de massa, isto é, a produções que trazem como características a previsibilidade do discurso, ou seja, a preservação e reprodução das formas discursivas, sentirão grandes repulsas e resistências em aceitar de prontidão os discursos temáticos e harmônicos da vanguarda. Em outras palavras, a mesmice da cultura massiva se colidirá com a imprevisibilidade da vanguarda.

É por isso que a apropriação espontânea dos alunos com a vanguarda não se fará de forma imediata. Ao contrário, pois junto a esse hábito com a mesmice, encontramos ainda uma concepção de que para se haver arte, devemos ter uma forma pronta. Para a nossa cultura, a arte deve ser estruturalmente construída para trazer o significado acabado que tende a ser entregue ao receptor, cabendo a este, apenas reproduzir o sentido dela.

Se pensarmos essas características pelas quais estamos acostumados a conceber o que seja arte, a vanguarda anda na contramão disso tudo. Vejamos: a vanguarda, devido a sua necessidade constante de experimentar, quebra os modelos compartilhados como “normais”. Essa quebra termina por provocar uma desestabilidade em nosso conceito por revelar o estranho, provocando assim, questionamentos acerca da forma, isto é, da organização da obra como geralmente compreendemos.

Outra dificuldade se refere à relação que o aluno estabelece com o que ele concebe como verdade. Além de cotidianamente se deparar com o mais do mesmo estimulado pela cultura de massa, o aluno vive em meio a um contexto produtivista que se reflete inclusive no ambiente escolar. A produtividade não permite com que o indivíduo passe a desenvolver seu próprio conhecimento, pois como a intenção é provocar resultados, o indivíduo apenas busca esse resultado, perdendo o hábito com a contemplação.

Essa carência em contemplar, refletir, sentir, poetizar a realidade, faz com que o indivíduo passe a não mais visualizar o jogo das contradições que permeiam a sua vida. A rotinização do dia a dia faz com que o indivíduo passe a lidar com sua vida de forma mecanizada, reificada. As verdades as quais eles se submetem passam a não ser questionadas, uma vez que por não terem tempo nem disponibilidade de enxergarem as contradições, eles passam a encarar essas verdades como naturais.

Nesse sentido, novamente a vanguarda anda na contramão. Na perspectiva da vanguarda, as verdades são questionáveis. Antes de serem resultados de uma decisão fora das práticas concretas, são reflexos das experiências cotidianas estabelecidas entre os indivíduos em seus contextos. Em outras palavras, as verdades não passam de interesses e negociações, além de refletirem muitas vezes as ideologias de classe, portanto, elas devem ser questionadas e devem passar por constantes rupturas.

Depois de eu ter abordado quais pontos que possivelmente provocarão obstáculos no educador ao propor a aplicação da vanguarda na sala de aula, mostrando paralelo a isso algumas características da vanguarda, cabe uma pergunta: será que todas essas características de fato são vistas e utilizadas pelo público-consumidor da vanguarda? Como a arte de vanguarda tem se posicionado geralmente diante da sociedade? Será que essa vanguarda se quer histórica e emancipadora?

Infelizmente a vanguarda tem sido uma espécie de alienígena para a maioria da população. Enquanto a cultura de massa tem encontrado infinitos adeptos justamente por se adaptar aos modelos rotineiros da sociedade industrial, a vanguarda cada vez mais se isola em seus micro-guetos. O motivo disso se refere ao seu alto teor intelectualizado. O problema disso tudo não diz respeito apenas à intelectualização, mas ao elitismo. Um elitismo responsável por um imenso divórcio com a sociedade em geral.

O que o público e os artistas da vanguarda devem ter em mente é que o fato da vanguarda prezar pela descodificação, não anula a sua intenção de re-construir novos sentidos sociais. Retirar o código de sua função original, não significa apenas bagunçar o discurso, e sim, fazer com que através dessa desestabilização, o público-consumidor passe a se sentir capaz de recriar os seus próprios sentidos, produzindo assim, sempre novas concepções acerca das coisas.

Pensar que vanguarda se resume apenas a desestruturação discursiva é querer diminuí-la a um mero obscurantismo desvinculado de qualquer contexto social. Devemos entender de uma vez por todas que mesmo que o nosso contexto atual seja marcado por intensas trocas, por carências de referências precisas e inesperadas transmutações identitárias, não significa dizer que não existem questões, problemáticas e valores que se sustentam em estruturas sociais, sejam elas morais ou jurídicas.

Devemos reconhecer que apesar das contingências vividas em nosso cotidiano, encontramo-nos diante de toda uma organização social. Para aplicarmos a vanguarda na educação, devemos entender que o caos vive em meio à ordem, e que por isso mesmo, a ordem não é imutável, assim como o caos não significa a mera destruição da realidade, e sim, uma re-elaboração dessa realidade. Antes de se resumir à mera destruição, a vanguarda deve ser vista como responsável pela constante revisão das verdades sociais.

Ao invés de brincar de ser estranha e vazia de intelectualismo, a vanguarda ao ser aplicada nos ambientes escolares deve ser histórica, possibilitando com que o aluno se situe em seu contexto justamente por questionar esse contexto. Um aluno que se compreenda justamente por se dar o direito de se perder nele próprio, por se ver capaz de re-questionar sua própria verdade e as verdades que o cerca. Não devemos mais insistir em uma vanguarda feita de exotismos prolixos e supérfluos.

O importante é fazermos da vanguarda uma manifestação estética que abra caminhos para que o homem se reconheça enquanto um agente responsável pela recriação constante da realidade. Uma vanguarda viva, ativa, atuante que faça o indivíduo perceber a sua capacidade em produzir novas idéias ao invés de se encontrar submetido aos valores impostos pela sociedade vistos como independentes de sua vontade. A vanguarda na educação deve partir em busca da formação de um pensamento crítico.

Aplicando uma vanguarda transformadora que não se reduz apenas à falta de códigos, os conteúdos da sociologia referentes à sociedade e cultura, por exemplo, pronunciarão um olhar crítico dos alunos, por eles perceberem que a sociedade, antes de se resumir aos padrões de condutas, normas, regras, ou seja, à estrutura social, passa por longos processos de conflitos que possibilitam o questionamento, e, portanto, a alteração dessa estrutura ao longo da história.

Os alunos poderão reconhecer que os aspectos culturais de uma sociedade dizem respeito a todo um processo de transformação provocado pelas trocas constantes e nem sempre harmônicas entre os indivíduos em meio à sociedade. Essa perspectiva termina por romper com uma outra de que a cultura se refere apenas aos aspectos ligados aos valores de uma elite. Através da vanguarda aberta às contradições, os discentes se depararão com uma cultura marcada por trocas e relações de poder.

A partir dessa criticidade, o aluno poderá perceber que a arte e a realidade, antes de serem dotadas de significados prontos, são resultados de sentidos dados por cada um. A partir do reconhecimento dos sentidos, o aluno quebrará com a noção rígida das classificações como bom e mau gosto por perceber que elas, antes de serem verdades definitivas, são resultantes de interesses de classe e que variam de acordo com o olhar de cada um em cada contexto sócio-cultural.

Reconhecendo que as verdades ditas oficiais não passam de jogos de interesses, relativizando assim às classificações, os alunos não cairão em um relativismo barato por também enxergarem as relações de poder existentes na sociedade. Além disso, os alunos terão a capacidade de re-questionar os prós e os contras de cada arte, evitando cair em extremismos por não encarar a arte ou apenas com o olhar elitista ou se submetendo a um modelo estético imposto pela tirania da cultura de massa.

Admito que a vanguarda para ser aplicada em sala de aula passará por muitos obstáculos, visto que os alunos se encontram submetidos aos modelos rotineiros da cultura de massa, além de enxergarem a arte enquanto forma de significados prontos. Acredito ser de profunda urgência trazer a vanguarda para as experiências concretas, para provocar no aluno uma emancipação, ou seja, uma consciência de si com a realidade. A vanguarda não pode ser reduzida a uma estética elitista, obscura e descontextualizada.

3 comentários:

  1. Caro Vina, estou lendo agora um livro que diz sabiamente "Todo entender é um mal-entendido". Ora, a sua proposta da vanguarda enquanto uma nova possibilidade de se ler os signos e as implicações individuais e sociais desta nova leitura é extremamente válida. Cutucar este pretenso significado fechado da obra é sempre legítimo. Quem dera ter tido a sério este contato desde o início de meu segundo grau.

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    1. Josua,

      É isso mesmo meu caro. Todo o entender não se entende por completo, até mesmo por que o fato de se entender alguma coisa implica em buscar desvendar o que se entende. Os discursos, antes de serem prontos, eles pedem interpretações constantes. Diante dessas interpretações, os leitores passam por deslizes, afinal, o que compreendemos é fruto do que queremos encontrar e o que nao encontramos fica para outra ocasiao, seja lendo novamente o mesmo discurso, seja se deparando com novas experiências cotidianas. As palavras vagueiam e os sentidos que damos a elas, apesar de parecerem definidos, não passam de novas armadilhas responsáveis por novas elaboraçoes que faremos ao longo de nossa vida. Dentro do óbvio transita o esquisito e como o esquisito é óbvio pelo fato da obviedade não passar de fugas, deslizes, recorte, clivagens de nossos egos carregados de faltas e sedentos sempre por novas surpresas.

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