quinta-feira, 3 de maio de 2012

A CAUSA

A causa Os homens observam as coisas, a natureza, e os outros homens. Não podemos negar o que está em nós desde os dias primeiros. A nossa capacidade de se espantar, ou, até se admirar com o que os sentidos excitam a razão é uma peça que nos pregou a mãe natureza. Nossos parentes primatas podem atestar o que digo. O movimento de pinça, um movimento sutil e de suma importância para o manuseio de instrumentos mais eficazes, e o crescimento do volume encefálico nos garantiu uma relação melhor com a natureza fazendo dela nossa aliada. O que nos era hostil e ameaçador tornou-se a fonte suprema de todo o nosso progresso. Nossos pais passaram a dormir mais e entraram em sono profundo. A capacidade de sonhar, portanto, reorganizar os signos criados pelos estímulos da matéria nos permitiu, no estado de vigília, uma ressignificação do mundo. O mundo acordado, assim, tem tudo a ver com o mundo onírico, e nele, o mundo desperto, estão os fragmentos do mundo do sono. O vidente viu no pátio de uma escola crianças adolescentes e pré-adolescentes brincando. Ele estava desperto, contudo, seus sonhos o acompanhavam. Eles estavam em suas palavras e sintagmas. Os arquivos semântico e sintagmático continham todos os fragmentos que nos remetem aos instintos e pulsões humanas. O vidente viu como pode ver. A violência enchia o pátio da pequena escola. A exibição do corpo por ambos os sexos também era perceptível. O erotismo e a violência nos enunciados. Uma mescla de vida e morte, de prazer e dor – o que muito reflete a realidade do povoado onde a escola estar. O vidente viu a escola, seus professores, seus programas e planejamentos. O vidente também viu que nada disso era suficiente para dar a aquelas crianças uma nova apreensão da realidade; ou pelo menos, uma centelha de inquietação, uma admiração, ou estranhamento sobre o que foi dito na sala de aula. Seus comportamentos eram reproduções da cultura local, o que muito, põe em xeque, os valores morais instituídos por aquela sociedade, pois, a sexualidade, tão reprimida e moralizada; no pátio da escola, nos atos falhos, podíamos vê-la tão viva quanto o coração que batia no peito de cada infante. Freire diria: É a falta de temas geradores, de palavra-mundo, de biblioteca do povo, de circulo de saber. O vidente, no entanto, perguntou ao vento que descia a serra do Canine: Será isso mesmo? Nenhum conteúdo da história Universal, nenhum assunto da Ciência Humana, tão evoluída, tão bonita? O mesmo penso da geografia, da matemática, etc. Nada produziu aquilo que é necessário para aprender: O desejo. O comportamento enquanto força coercitiva do corpo social acontece com a mesma naturalidade do comportamento linguístico. Ele, quase sempre, não demanda muita racionalidade. A educação informal é mais poderosa que a formal. Em se tratando de comunidade de baixo capital simbólico e intelectual ela se acentua mais ainda. A relação com o meio, poderíamos dizer é umbilical. O que mais estranhou o vidente foi o insucesso da escola. Sua incapacidade de dialogar e transformar a realidade daquela pequena sociedade que diz a mesma coisa há duzentos anos. Qual é a causa desse fracasso?

3 comentários:

  1. Roosevelt,

    A causa talvez decorra da excessiva arrogância que o humano passou a dar a sua razão. Uma razão que passou a ser tão racional, que ao invés de produzir sentidos, decobertas, encantos mágicos, tornou-se meramente um pacote funcional, burocrático e meramente racionalizado em seu sentido mais weberiano possivel, ou seja, esquematizada, calculada, formalizada, presa no mundo da burocratização da existência.

    Além dessa redução da razão a um mero mecanismo frio de logicidades, acredito que o outro ponto é o tão discutido modelo descontextualizado que o nosso brasil insiste em aplicar a sua realidade. Modelos copiados que entram em profunda contradição com as realidades culturais e sociais de cada localidade. O que se percebe é uma educação alienígena aplicando conteúdos que se encontram extremamente distantes das práticas recorrentes de seus alunos.

    Ora, juntando racionalizações submetidas ao frio tecnicismo com a descontextualização do conhecimento, o que teremos como resultado são alunos aplicando técnicas incapazes de aplicá-las. São alunos que, apesar de terem e de viverem povoados de signos, sentidos, paixões, nao conseguem compreender a realidade na qual ele se encontra, afinal, a técnica enquanto tecnicismo, assim como é o nosso conhecimento, não produz significações, e sim aplicações robotizadas, sem vida, sem rumo, sem desejos, sem carne, sem sangue, sem duvidas, sem anseios.

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  2. Sim, é fato que essa abordagem mecânica da educação acompanhada da famosa fragmentação dos saberes deixa o aluno sem sentido. O pior ainda é perceber que cérebros tão jovens, e certamente robustos, não reagem ao conteúdo, que embora, descontextualizado conserva muito sua beleza. Podemos usar como exemplo outras pessoas que foram educadas nas mesmas instituições e foram atingidos pelo estranhamento e pela fascinação. É, tem muito chão para percorrer e entender esse processo melhor.

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  3. roosevelt,

    essa e a velha historia entre os principios de realidade e desejo. A realidade e totalmente destoada das nossas vontades para que assim haja uma producao. Mas se ha uma insatisfacao geral no prazer impossivel haver producao, e sim producao de sintomas. Onde se manifesta em um ato que nao sabemos explicar de acordo a ordem racional. Matematica nao e carne, e sim numeros legitimados por uma abstracao cientifica.

    bjo

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