quinta-feira, 17 de maio de 2012
EDUCAÇÃO E DISCURSOS – UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA
Estudar o homem sem considerar sua dimensão linguística é um equívoco imperdoável. Pois, o que mais pode ser esse animal senão um bicho que ao longo do tempo desenvolveu a capacidade de produção e recepção de signos? O homem é a natureza que se expressa semioticamente e nessa semiose está a língua, seja na forma falada, ou na forma escrita. O homo loquens é sobre tudo um produtor de discursos e de estruturas semióticas – dentre elas, a mais importante é a língua. O estudo do discurso pode muito cooperar no processo de elucidação das transformações sociais, na criação das identidades sociais, os modelos de vida, as crenças, as políticas, e os interesses de um povo em um determinado recorte da realidade.
A linguística de base dialética marxista considera que a relação do discurso e sociedade é uma relação dialética. A sociedade é construída e constituída de discursos e os discursos se modificam em função das mudanças sociais. A linguística marxista dialética considera os papéis sociais, as identidades, as classes sociais, e a ordem do discurso como produtos de discursos emanados do veio social. Fairclough nos diz:
“O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta como indiretamente, o modelam e restringem: suas próprias normas e convenções e também as relações, as identidades e as instituições que são subjacentes”. (Fairclough, p.7. 2001)
Assim, nenhuma ciência humana pode prescindir da análise do discurso. O estudo da educação brasileira como de suas teorias, de suas leis, de sua estrutura e história precisa da análise dos diversos discursos que a constitui. O autor de “Discurso e Mudança Social” - Norman Fairclough, entende que as mudanças no uso linguístico – os discursos - estão relacionadas com mudanças sociais e culturais – então, estudar o discurso é importante para entender as mudanças sociais, entre elas coloco, as mudanças na educação brasileira.
Mas afinal o que é discurso? Discurso é uma amostra ampliada da linguagem falada ou escrita; pode se manifestar em diferentes tipos de linguagens como jornal, leis, textos acadêmicos, textos jurídicos, linguagem publicitária, sala de aula, consultas médicas, pintura, teatro etc. Desta forma podemos considerar as LDBs discursos de nossa educação. Podemos também considerar os textos teóricos pedagógicos como discursos, e termos a certeza que eles foram marcantemente influenciados pelas mudanças sociais, pois, ninguém escapa da coerção da mesma. Aqui ficou bem claro a importância da análise do discurso para termos uma compreensão maior da nossa educação.
A análise do discurso deve ser tridimensional. São três dimensões: A dimensão texto, A dimensão pratica discursiva, A dimensão pratica social. A primeira cuida da análise linguística do texto. A segunda especifica a natureza dos processos de produção e interpretação textual e a última estuda as circunstâncias institucionais e organizacionais do evento discursivo e como elas moldam a natureza e pratica discursiva e os efeitos constitutivos e construtivos do discurso ou discursos.
Nenhum discurso parte do momento zero. Todo discurso contém marcas discursivas de outros discursos. Assim o discurso tem natureza hibrida. Se estamos falando de educação em uma sociedade pós-colonial com certeza o que falarmos dela ou sobre ela trará marcas dos discursos coloniais. O que mais chama a atenção na educação é a repetição do discurso colonial. Ouvimos o enunciado abaixo com muita frequência. Geralmente o interlocutor atribui sua existência ao momento presente sendo ele um discurso do passado.
“Infelizmente não existem recursos para a educação no momento”.
“O prefeito do município tal afirma que a prefeitura não tem caixa para pagar o piso dos professores”.
Esses discursos são antigos, tão antigos quanto a forma que nosso país tem tratado a pasta educação. Não precisará de muito esforço para se provar que os discursos atuais sobre educação trazem marcas profundas dos discursos do passado.
O marco pioneiro da educação institucional no Brasil só ocorreu quase cinquenta anos após o Descobrimento. O Brasil ficou sob o regime de Capitanias Hereditárias de 1532 até 1549, quando então D. João III criou o Governo Geral e, na primeira administração deste, com Tomé de Souza, aportaram aqui o padre Manoel da Nóbrega e dois outros jesuítas que iniciaram a instrução e a catequese dos indígenas. Mais tarde, outras levas de jesuítas vieram ajudar e complementar os esforços de Nóbrega. Tendo também de encontrar meios de formar outros padres, esses jesuítas pioneiros desenvolveram as escolas de ordenação e, então, como subproduto delas, levaram a instrução aos filhos dos colonos brancos e aos mestiços, é claro que tudo isto de um modo bem restrito e sob dificuldades imensas. (Ghiraldelli, p. 13. 2001)
A dificuldade para se fazer educação nesse País começou em 1532. O discurso de parcos recursos e educação com sacrifício e dedicação messiânica do professor. Nos primeiros anos de nossa educação ensinar era uma vocação. Dar a educação parecia não ser dever do estado, pois, desde o início que este divide a responsabilidade com os seus vocacionados – os professores que trabalharam quase no sistema de doação de sua força de trabalho.
A análise dos diversos discursos que envolvem a educação em muito contribuirá para identificarmos a matriz discursiva de muitas de nossas formas mentais, e crenças sobre a educação. Posso garantir que a forma mental atávica que nos diz que a educação é um subproduto veio com as caravelas e está presente em nossas mentes e textos sobre a educação. Ghiraldelli nos diz no início de seu livro:
A educação brasileira escolar, como a vejo, pode ser exposta em dois grande campos: o da política educacional e o das idéias pedagógicas. No primeiro campo, cabe falar das ações e intenções de governos, partidos, sindicatos e instituições semelhantes. Em geral, estudamos tais ações e intenções nos atendo aos textos da legislação educacional de determinados períodos e às opiniões contra e a favor de tal legislação. No segundo campo, cabe falar do debate entre ideários referentes à educação. Em geral, apreendemos tal debate nos atendo às diversas narrativas (livros, revistas, manifestos, filmes, músicas, fotos etc.) que nos mostram o que marcou posição e o que não marcou posição no âmbito do que, em um sentido bem ampliado, poderíamos chamar de filosofia da educação e (...). (Ghiraldelli, p.10. 2001)
REFERÊNCIAS
Fairclough, Norman. Discurso e mudança Social. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2001.
Jr, Paulo Ghiraldelli. Introdução à Educação Escolar Brasileira:
História, Política e Filosofia da Educação. (sem editora), 2001
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A tendência academica hoje em dia é fazer isso. Vlw professor!
ResponderExcluirRoosevelt
ResponderExcluirSe existe algo evidente em nossa conjuntura educacional é a unilateralidade que o nosso discurso assume em salas de aula. Acredito que realmente essa característica decorra de todo um passado histórico. Como você bem afirmou, a catequização que pairou no brasil ainda paira hoje em dia. Somos incapazes de assumirmos uma postura de horizontalidade, de trocas. Em nosso modelo educacional, não existe espaço para o experimento das hibridações discursivas. A incapacidade de pluralizarmos esses contatos decorre tanto por parte dos educadores que já são vitimas e produtos dessa unilateralidade, como por parte dos alunos por também terem através do professor, essa atitude impositiva.
Aceitar o trânsito entre duas correntes estéticas como a cultura de massa e a vanguarda como eu ando falando, é uma tarefa exaustiva e implica em um exercicio de ruptura tanto por parte dos docentes, como por parte dos discentes. Apesar de você trazer de forma bastante elucidativa a natureza do discurso enquanto resultante de infinitas combinações oriundas dos valores que são construidos entre as redes e as organizações de vários meios sociais, o educador, mesmo tentando muitas vezes horizontalizar o conhecimento, ou seja, buscando aplicá-lo à realidade sócio-cultural do alunado, ainda se vê diante de sua própria dificuldade em aceitar os ditos que nos circundam e que se articulam em nossas experiências cotidianas.
A educação é importante quando ela se compromete a não só externar, mas tambem reconhecer a inevitável confluência de diversos saberes. O problema disso tudo, aí eu volto ao ponto inicial do comentário, é que essa confluência não é vista, nem aceita, afinal, para um país que vive marcado por uma alta dosagem de autoritarismo e que traz o legado em seu imaginário de que a educação é catequização, infelizmente se vê obstruido em levar adiante esse reconhecimento espontâneo do fluxo, das contradições, das diversidades.
Chegamos então ao ponto que Freire tenta despertar em nós: O DIÁLOGO. Embora o teórico brasileiro não cite Bakthin em sua obra, sabemos que o âmago de seu pensamento é o dialogismo - a educação que propões o diálogo entre docente e dicente, entre oprimido e opressor, entre a estética virgente e as marginais, e entre os mais diversos saberes. A questão é: Como fazer educação dialogista em uma realidade monológica - onde o saber é patrimônio do docente e o não saber a condição do dicente? Primeiro entendo que a condição monológica de nossa realidade exige uma ruptura rumo ao dialogismo. Basta de autiritarismo, de receitas epistemológicas importadas do primeiro mundo. Segundo nossas escolas não comportam mais o monológo - seus alunos não vêem nela atrativo algum. Terceiro, o implementar a nova educação exige uma preparação dos educadores na perpectiva dialogista de educação. é preciso reeducar a classe!
ResponderExcluirRoosevelt,
ExcluirPara fazer a educação dialogista ganhar terreno em relação a educação monológica, fico com a sua terceira opção. Obviamente que para que essa terceira opção conquiste espaços, nós devemos ter consciência de que esse processo será longo. Existe uma complexidade muito grande, pois um erro é reflexo de outro.
Em outras palavras: para haver diálogo o educador tem que de inicio romper a visão classista que ele tem em relação ao aluno. Para romper esse classismo, o educador tem que admitir que as experiências do alunado são válidas também. Não é só o conhecimento trazido por ele em sala de aula que valida um conhecimento. Por outro lado, os alunos precisam quebrar a idéia de que o educador é o unico agente responsável pela transmissão de saber. Para isso, cabe ao educador e a familia dos alunos romperem com a organização hierarquica e tradicionalista do saber. Como se nota, esse caminho não muda da noite para o dia. O processo é longo e exige toda uma reformulação de nossas ideias que faça com que todos nós passemos a quebrar a ideia da educação enquanto catequização e domesticação dos sujeitos. No entanto, esse rompimento se faz através de toda uma alteração da familia, do aluno, do educador e também da midia, visto que esta insiste em perpetuar os modelos paternalistas de nossa educação. Só abrindo caminhos para essa capacidade de trocas que talvez atingiremos uma educação menos monótona.