terça-feira, 15 de maio de 2012

Um ensaio livre para uma futura tese de doutorado

É indiscutível que a maioria dos alunos possui um vinculo muito forte com a chamada cultura de massa. Infelizmente eu não vejo as instituições educacionais se preocuparem com a aplicação desse tipo de cultura em salas de aula. Contudo, é por eu acreditar que o papel do educador é levar o conhecimento de sua disciplina articulando-o com o cotidiano dos seus discentes, que acho de grande valia pensar na importância da cultura de massa nos ambientes escolares.

Por outro lado, trazer apenas a cultura de massa não completaria o processo do conhecimento. O educador também deve possibilitar ao aluno o encontro com uma diversidade de linguagens. É importante pensarmos a educação como formação do conhecimento crítico, e não haverá criticidade no conhecimento se o alunado não se deparar com a contradição, e a contradição só se revela a partir do instante em que ele se confronta com uma diversidade de informação.

É por isso que o educador tem que trazer a cultura de massa para a sala de aula como forma de levar o aluno à compreensão dos conceitos; mas ele deve também fazer com que esse alunado aprenda a re-questionar esses conceitos para que ele parta para uma ação crítica, fazendo-se assim, autônomo em suas opiniões. Para isso, faz-se necessário a utilização da vanguarda, uma vez que ela tem como finalidade provocar o estranhamento do receptor por buscar confrontar os modelos convencionais.

O objetivo deste ensaio é propor um diálogo entre a cultura de massa e a vanguarda como possibilidade da construção de um conhecimento crítico nas aulas de sociologia do ensino médio. Para isso, faz-se necessário entendermos o papel da sociologia nas escolas; assim como provocar algumas discussões acerca da cultura de massa e da vanguarda como forma de entendermos a importância da familiaridade e do estranhamento do conhecimento para a formação crítica da disciplina.

A sociologia é uma disciplina ainda muito pouco reconhecida pelos alunos e por toda uma conjuntura educacional. Basta pensarmos a oscilação pela qual passou nas grades curriculares do ensino médio ao longo da história da educação no Brasil. Mas isso tem um motivo muito visível: o papel da sociologia é provocar no alunado uma compreensão critica acerca de seu lugar na sociedade, propondo re-questionamentos acerca das “verdades” oficializadas pelo modelo social.

Antes de mostrar a importância da familiaridade e do estranhamento do aluno em relação ao conhecimento exposto em sala de aula, acredito que seja importante trazer alguns pontos acerca da cultura de massa e da vanguarda. Em primeiro lugar, o educador não pode negar o intenso contato que o alunado possui com a cultura massiva. Por outro lado, pelo fato do papel da educação ser o de levar o aluno a um contato com o questionamento, com as contradições e com a pluralidade de linguagens, é necessário trazer a vanguarda para o cotidiano educacional.

Para mim, a cultura de massa, antes de ser reduzida a um produto cultural voltado meramente para o consumo descartável, tendo um público apático sem qualquer capacidade interpretativa, ela deve ser vista como uma realidade entre os alunos, e antes de ser mero consumo imediatista, reflete toda uma relação de identificação com o seu público. Para mim, cabe ao educador trazer possibilidades que façam com que o alunado faça uso da cultura de massa de forma a estimular o potencial do seu conhecimento, ao invés de simplesmente excluí-la.

Porém, também visualizo aspectos negativos da cultura de massa como a sua natureza segregora a qual impossibilita o público em vivenciar uma gama maior de manifestações estéticas, repetindo sempre os mesmos modelos com intenções de provocar apenas a evasão em seu público por via do mero entretenimento. A cultura massiva, por ter como interesse o lucro com a venda de seus produtos culturais, “inova” seus modelos de forma tímida sem com isso alterar de forma mais profunda toda uma estrutura social.

Devido a esse mais do mesmo, o público massivo deixa de buscar, de desvendar, de contemplar o novo devido à mesmice estimulada pelo discurso da cultura de massa. Isso é muito notório com os alunos. Podemos perceber que eles, por se encontrarem imersos a essa superficialidade discursiva, negam-se a aceitar o diferente provocador, contraditório, aderindo apenas ao que a indústria da cultura impõe. Somando o fato da segregação da cultura de massa com a comodidade do público, teremos como resultado a indisposição dos alunos em buscar conhecer novos tipos de linguagens.

Porém, eu acredito na capacidade interpretativa e subjetiva desse público que consome a cultura de massa. Por mais que esse público se encontre em meio a um modelo de indústria da cultura que tem muitas vezes como finalidade a banalização, a evasão e a compensação da realidade através do mero entretenimento, mas é aí que ele se reconhece, e se reconhecendo nele, o educador deve buscar caminhos que façam com que o conhecimento exposto em sala de aula seja compreendido por esse público através da utilização dessa cultura massiva.

No que diz respeito à vanguarda, assim como a cultura de massa, tenho uma série de críticas acerca da forma como ela se encontra socialmente. Para começar, a vanguarda é um termo extremamente arrogante e de um elitismo sem tamanho. Esse elitismo da vanguarda provoca um afastamento dela com as necessidades cotidianas mais imediatas de uma sociedade, isso por que o excessivo intelectualismo germina uma série de prolixidades e obscurantismos incapazes de serem revelados enquanto códigos para a maioria das pessoas.

Esse abismo gerado pela vanguarda, antes de se manifestar enquanto o resultado de um estranhamento do ser com o mundo, termina por simplesmente anulá-lo do contexto histórico devido ao seu excesso de abstrações. A abstração termina sendo uma ferramenta serviente para a auto-afirmação de um setor intelectualizado da sociedade, pois em um país marcado pela falta de escolaridade, o reconhecimento de um poder detentor de informação é maior cada vez que se faz menos entendido.

Contudo, a vanguarda pensada a partir de situação histórica e determinada, termina por provocar uma infinidade de ações entre os indivíduos que vivem experiências em seus contextos, não sendo apenas resumida a um código vazio de sentidos. A vanguarda enquanto resultado de manifestações oriundas de práticas estabelecidas em contextos concretos, faz com que os indivíduos busquem encontrar sentidos para a sua existência seja ela individual ou social.

É devido a isso que eu acredito que trazer a vanguarda para a sala de aula é de grande valia, mas uma vanguarda que provoque re-questionamento, dúvida, equívoco, superação. Uma vanguarda que ao mesmo tempo em que mostra a inevitável contingência da vida, a grande farsa das verdades oficializadas, produza nos alunos um re-encontro com novos códigos selecionados por eles mesmos, para com isso mostrar a eles as infinitas capacidades de produzirem novos olhares e novas reconstruções.

Mas como articular a cultura de massa e a vanguarda nas salas de aula? Como dito anteriormente, a partir da utilização da cultura de massa nos ambientes escolares, o educador faz com que o aluno se familiarize com o conteúdo exposto por ele em sala de aula. Contudo, a compreensão do conhecimento ainda não significa todo um caminho percorrido. Faz-se necessário que o alunado, depois de ter compreendido o conceito, passe a questioná-lo em sua vida cotidiana.

O educador, depois de ter articulado a cultura de massa com os conceitos, pode propor questões como: até em que ponto a cultura que eu consumo é válida? Quais as conseqüências boas e nocivas que essa cultura gera na sociedade? Porém, essas questões vão ser realizadas a partir do instante em que as contradições começam a ser reveladas. Como fazer os alunos visualizarem essas contradições? Ora, através da cultura de vanguarda, especificamente através da collage surrealista.

A collage surrealista apresenta a realidade de forma recortada. Com isso, o indivíduo passa por um processo de estranhamento, mas com a liberdade de reelaborar sua própria realidade através das junções que ele faz do recorte, passa a se re-inserir de forma crítica no contexto. A partir da fragmentação, o indivíduo compõe sua própria perspectiva. Para construir seu próprio sentido, o indivíduo passa por uma espécie de tensão interpretativa para posteriormente articular seus próprios signos.

Como se pode notar, a collage, antes de ser parte apenas de um processo de criação, termina por funcionar como uma relação significativa que o indivíduo passa a ter com o mundo. A partir da fragmentação, ou seja, dos códigos alterados de sua função convencional, o indivíduo readquire o seu sensível no momento em que ele passa a articulá-los, reconhecendo assim, o próprio sentido de sua existência. Recolocando-se em seu contexto, o indivíduo passa a compor sua própria forma de interpretar o mundo.

Depois de ter exposto sobre a collage surrealista, resta a seguinte questão: como aplicar a collage na sala de aula como construção do conhecimento crítico? Ora, o educador a partir de um conteúdo exposto pede ao discente para trazer revistas e jornais. Com esses materiais em mãos, o educador propõe ao alunado fazer recortes de diversas imagens ou palavras. Com isso, ele pede aos discentes para estruturarem um texto acerca do conteúdo exposto a partir das fragmentações dos recortes.

O aluno já tendo familiaridade com o conteúdo passará a produzir um texto resultante das diversas imagens e palavras. Nesse momento os alunos passarão pelo estranhamento por se encontrarem em meio a diversos códigos “soltos”. Contudo, devido a essa fragmentação, os alunos terão que obrigatoriamente eleger seus próprios códigos provocando assim, infindáveis possibilidades de traduções e interpretações acerca dos conteúdos e da própria construção e composição de seus conhecimentos.

Como podemos notar, ao usar exemplos cotidianos através da cultura de massa, isto é, a cultura geralmente consumida pelo aluno, este passa a ter um clareamento acerca do conteúdo. A partir da vanguarda o educador termina por estimular o estranhamento do aluno consigo mesmo. Com a collage aplicada na sala de aula, o educador permite que o aluno se atente para o fato de que a verdade legitimada socialmente não é imutável, mas pode ser reinventada o tempo inteiro.

Além disso, através da collage, os alunos podem a partir dela, perceber o quanto eles são capazes de recriar seus próprios contextos, verificando com isso a possibilidade de poderem construir estratégias que venham não só a reivindicar as verdades oficializadas, mas também de provocar uma ruptura com a ordem estabelecida, visualizando assim constantes possibilidades de alterações em relação às práticas cotidianas estabelecidas entre eles na sociedade.

Podemos concluir que o educador tem que fazer da sociologia uma disciplina questionadora. Para isso, ao invés de negar a cultura de massa, ele tem que trazê-la para a sala de aula para fazer com que o aluno tenha uma compreensão do conteúdo, fazendo-o entender que ela pode ser usada mais do que um simples entretenimento. Também cabe ao educador trazer outras linguagens, utilizando-se da vanguarda, para fazer com que os alunos passem a se confrontar com as verdades sociais.

8 comentários:

  1. Seu texto está muito bom. O trânsito entre o familiar e o estranho é muito interessante. A collage surreal também. Depois doiscuta as questões estruturais onde o discurso acontece. Se você analisar em seu texto a educação enquanto discurso o uso do conhecimento smiológico será importante. abraços amanhã a gente publica algo que em muito contribuirá com suas meditações. abraços!

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    1. Roosevelt

      Pra variar, muito bons os seus apontamentos. Contudo, por eu não ter um domínio acerca da linguistica, se fosse possivel, eu queria pedir para a sua pessoa trazer essas pontuações evidenciadas em seu comentário em algum texto seu aqui no torto. Seria de grande valia para mim, uma vez que eu me familiarizaria um pouco mais com esses enfoques que você propôs e aperfeiçoaria mais ainda minha perspectiva enquanto o familiar e o estranho como construção de um conhecimento crítico. Abraços

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  2. Vina

    Gostei muito da parte em que você citou sobre a interação do educador com o aluno a respeito do meio social. Ao em vez de seguir simplesmente a cultura, deve por parte questionar.
    Sua conclusão ficou ótima e de fato muito satisfatória. Porém é preciso que todo esse plano saia da teoria e seja posto em prática oque não será um objetivo fácil já que para este tema precisa-se de uma atenção maior do educador e uma atenção maior ainda do aluno já que de certa forma irá contrariar o seu conceito a respeito do meio social.

    acho que uma dica seria:
    Deixar de focar apenas o passado da disciplina que infelizmente em alguns colégios é mais estudado que o debate do mesmo na atualidade.


    "Reúno em mim mesmo a teoria e a prática."
    Machado de Assis.

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    1. Maxwell,

      Este comentário vindo de um aluno me deixa muito satisfeito. Concordo com você. É necessário se articular teoria e prática. A sociologia não pode ficar presa a modelos meramente teórico. É por vislumbrar assim como voce essas questões, que é o meu próximo projeto a ser aplicado com voces. Sim, trabalhar mais ainda os debates, provocar mais e mais discussões, e focalizar em resuluções de indagações que pretendo ir deixando em sala de aula para vocês responderem e discorrerem nas aulas posteriores. Olha, fiquei realmente muito satisfeito com suas posições. Espero que essa construção vá se fazendo ao longo do nosso projeto, e que você com todos os alunos da turma, sintam-se a vontade em construir o percurso de nossa disciplina.

      Um abração

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    2. Maxwell,

      Com relação à dificuldade que vai ser em confrontar esses novos modelos discursivos com a turma, eu novamente concordo com você, mas posso dizer que essa é a finalidade: provocar o estranhamento, fazer o aluno re-questionar as próprias verdades dos conceitos trazendo como estratégia a collage surrealista. Vamos mostrar os fragmentos, brincar de juntá-los e de darmos um novo sentido a eles, isso por que a gente precisa reconhecer de uma vez por todas que as verdades, sejam elas científicas, artísticas, religiosas, não são imutáveis. Na verdade elas são construções resultantes de partes, fragmentos, ou seja,de indivíduos, que se articulando com outros diversos, vão construindo novas idéias e novos valores, ou seja, a composição.

      abração novamente

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  3. Vina,

    Fico feliz que tenha gostado do comentário e mais uma vez digo que gostei muito do texto. Acho muito importante trabalharmos nesta nova experiência, pois irá proporcionar debates que nos ajudará a descobrir a visão que cada membro do(s) grupo(s) tem a respeito dos conceitos. E sim acho certíssimo trabalhar isso com jovens já que gostamos muito de criticar tanto de forma destrutiva quanto construtiva, pois a sociologia é uma ciência e como toda ciência temos complementos de algumas teses (conceitos) já existentes e a destruição de outras.

    "Mais cedo ou mais tarde, a teoria sempre acaba assassinada pela experiência"
    Albert Einstein

    Um grande abraço.

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  4. vina,

    se qualquer professor tentar inovar, ou qualquer aluno apresentar um argumento diferente, nao irao faltar criticas para ambos os lados. Somos contaminaos pela terrivel sensacao de que sem o quadro de giz e as ideias unipolares do mestre nao nos garante conhecimento, igualmente na mesma direcao, se nao ha argumentos pautados nos livros didaticos, nao ha aluno conhecedor desse tal conhecimento. Como vc bem apresentou o texto, tudo isso nao passa de exemplo de cultura de massa. Conhecimento ilhado, repartido por uma classe alienada, que cospe discursos em prol dos seus meros interesses. A ela nao ineressa alguem que nos faca pensar. o senso critico soa como um assombro que rui as paredes da ignorancia. Ele ha tempos, ou talvez sempre,esta em desuso. Pensar nos causa uma alergia, uma alergia em favor da vontade do saber que foi engolido pela bestialidade da preguica.

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    1. Mai

      Concordo plenamente com a sua pessoa. Qualquer intençao proposta irá provocar criticas e obstáculos, uma vez que a nossa cultura anda marcada pela rotina serializada da cultura industrial. Além disso, como voce bem expôs em seu comentário, os alunos se encontram viciados no método tradicional da cópia e da reprodução. Somando esse habito paternalista do conhecimento com o hábito da praticidade do contexto industrial, inevitavelmente essa proposta em aplicar a collage surrealista vai passar por uma série de resistências. Contudo, acredito que esse é o papel de cada educador que pelo menos sonha com uma possivel alteração das coisas, ou seja, enfrentar obstáculos para com isso, nem que seja em um tempo longo, tente ao menos mostrar que uma educação pode partir por outra ótica que não apenas a tempestade de teorias para a sala de aula.

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