Setton (2004) busca compreender os usos que a população faz das mensagens midiáticas. Ela atenta para a transformação que a educação tem passado diante da emergência da cultura de massa. De acordo com ela, a família, a escola tem perdido o monopólio enquanto responsáveis “pela transmissão e produção de um saber” (2004; p. 60). É por essa influência que Setton (2004) acredita que não adianta se falar em educação popular no Brasil se não se analisar a educação diante do fenômeno da cultura de massa, e é devido a isso que ela observa que “seria necessário desconstruir sociologicamente nossas resistências sobre ele” (2004; p.75).
É como forma de tentar reavaliar a construção que foi feita em relação à cultura de massa que Setton (2004) vai fazer uma análise sobre as noções de cultura, cultura popular e cultura de elite. Segunda a autora, todas essas noções “expressam um conflito, uma tensão de ordem política no interior do campo intelectual (2004; p.61), ou seja, “expressam uma tomada de posição de alguns segmentos em relação a um saber que valorizam ou desprestigiam” (2004; p.61). A cultura é um campo de luta entre diversas classes, mas também um espaço de criação, de “contaminação/hibridização com a cultura hegemônica e/ou dominante” (2004: p.72).
Para Setton (2004), ao invés de se pensar a cultura de massa enquanto esses processos contínuos de mesclas nós passamos a considerá-la de forma reduzida. Para ela, isso tem dificultado a compreensão de como os vários segmentos sociais fazem uso dela. Por isso que Setton “dedica-se a pensar o que as pessoas fazem com esses conteúdos” (2004; p.60), passando a “investigar as formas de articulação e apropriação dessas mensagens pelos diferentes públicos” (2004; p.63), ao invés de pensar a cultura de massa apenas enquanto conteúdos ideológicos que reforçam apenas as relações de dominação através da mera passividade de seu público.
Sua discussão busca privilegiar o processo criativo da produção e da recepção cultural das mensagens. O que a autora ressalta são as “novas possibilidades de interação a partir da difusão e troca de signos, valores e saberes sociais” (2004; p.61). Para Setton (2004), o receptor da mensagem, antes de se reduzir a uma mera condição de passividade, é também responsável pela produção de novos sentidos, pois cada receptor também é capaz de apreender os sentidos das mensagens de forma autônoma, visto que “a etapa da interiorização é essencialmente particular e singular, derivada sobretudo da trajetória anterior de cada um” (2004; p. 62).
Mas o que se nota é que os educadores tendem a não aceitar “a predominância da cultura de massa em relação à cultura escolar” (2004; p.62). Contudo Setton ressalta que “antes que a escola se universalizasse, antes que o saber formal se tornasse referência educativa para grande parte de nossa população, antes que a língua escrita estivesse generalizada em todo o território nacional, o rádio, a TV e o cinema já eram velhos conhecidos da população” (2004; p.62). Segundo dados do Censo Demográfico 2000 “53% da população brasileira freqüentou menos de 7 anos a escola (...) 87,7% possuem televisão, 87,4% possuem rádio” (2004: p. 63).
Porém, para a autora entre os educadores e pesquisadores sempre “houve uma incompreensão e/ou desconhecimento das elites intelectuais em relação ao lazer dos segmentos populares” (2004; p.66). Ela atenta que tudo que foge de algo visto como sério e elevado, é visto com inferioridade. Segundo a autora, isso acontece por que a idéia de cultura é carregada por um forte viés etnocêntrico, terminando por diferenciar “a cultura hegemônica, burguesa e letrada e a cultura popular de massa” (2004; p.66), ou seja, a partir de uma ótica acadêmica e privilegiada, “desenvolvemos uma certa arrogância ao analisar a cultura midiática” (2004; p.75).
Apropriando-se da teoria de Bourdieu, Setton (2004), acredita que os educadores se apropriam do capital cultural, ou seja, de uma ferramenta que serve como um recurso social de distinção. O capital cultural se refere a “um conjunto de símbolos e práticas promovido pelas instâncias culturais legitimadas, família, escola” (2004; p.73). Vale notar que inserido em um ambiente educacional, esse capital serve como um valor de troca que é convertido em novas formas de poder e prestígios sociais, isto é, serve como “símbolos de distinção, signos de diferenciação, elementos que hierarquizam e criam barreiras entre os indivíduos” (2004; p.73).
Com isso o ambiente educacional contribui para a reprodução das diferenças sociais, assim como a manutenção das hierarquias e de privilégio construídos pelo capitalismo. Os educadores ao negarem a cultura de massa, terminam por reforçar a distinção da informação nos ambientes escolares separando “aqueles que a detêm – os escolarizados – e os “outros”, os iletrados” (2004; p.73). É por contribuir com a reprodução que os modos de saber mais populares tendem a ser desclassificados e desvalorizados fazendo com que “qualquer diferença cultural em relação à cultura hegemônica seria expressão de um atraso” (2004; p.74).
O problema disso tudo é que, ao mesmo tempo em que os educadores insistem no discurso etnocêntrico acerca da cultura de massa, essa mesma cultura faz parte da realidade do alunado. Como observa Setton, “a ação pedagógico-informativa das novelas, seriados, shows de variedades e filmes parece estar mais presente do que a ação escolar” (2004; p.63). Para Setton (2004), a cultura de massa deve ser encarada como uma ferramenta útil para a educação, visto que ela vive no imaginário social. Como afirma a autora, a “cultura de massa, acabou por servir como espaço de produção de um conhecimento e de uma leitura sobre o Brasil e seu povo (2004; p.66).
Por isso que Setton (2004) acredita na possibilidade de se trazer a cultura de massa para os ambientes escolares, ao invés de se insistir no discurso distintivo entre cultura “elevada” e cultura “vulgar”. Por se encontrar diante da cultura de massa, a autora acredita que “o estudante moderno não age e não se estimula com os mesmos processos didáticos e educativos tradicionais” (2004; p. 60), pois se por um lado a educação exige o “silêncio, destreza em um único tipo de linguagem (...) hoje a informação e o saber estão pulverizados em várias linguagens (2004; p.60). Daí a necessidade de um saber fora dos eixos tradicionais.
Segundo Setton (2004), diante da cultura de massa, o estudante termina por adquirir conhecimentos sem qualquer espécie de cobrança a partir da diversão. Através de programas que a autora chama de paradidáticos, a ação pedagógico-informativa das novelas, seriados, filmes, encontra-se mais presente em sua realidade sócio-cultural e expressa “uma demanda que há muito a escola e demais agentes tradicionais da educação deixaram de promover” (2004; p.64). Para isso, faz-se necessário a desconstrução do “julgamento elitista que a academia e nós, professores, temos em relação a uma variedade de produtos da mídia” (2004; p.61).
Portanto, cabe aos educadores promoverem outro olhar acerca da cultura de massa, deixando de lado a postura muitas vezes maniqueísta e excludente. Não podemos mais valorizar na escola os valores e as escolhas de forma diferenciadora. Como o “imaginário ficcional das mídias há muito mais tempo vem colonizando os nossos espíritos” (2004; p.75), os educadores devem admitir que “os espaços educativos já não são mais os mesmos” (2004; p.60). E que por isso a cultura de massa “pode servir como complemento ou ampliação de um saber e uma cultura a que tradicionalmente poucos no Brasil tiveram acesso. (2004; p.75)
FONTE:
SETTON, Maria da Graça Jacintho. A educação popular no Brasil: a cultura de massa. Revista USP, São Paulo, n.61, março/ maio 2004, pp. 58-77.
Em um país onde a escola é desprestigiada como o brasil o jeito que dá jeito é a televisão e radio fazer o papel que cabe a nós. Entendo perfeitamente onde Setton quer nos levar. Não resta dúvida que a cultura de massa é muito mais rica em diversidades de que a acadêmica, digamos. E que podemos usar toda essa riqueza para dialogarmos com nossos aprendentes.
ResponderExcluirVina,
ResponderExcluirDesde que eu trabalhei numa escola publica, eu percebi o quanto a educacao brasileira e extremamente ineficiente. Somos direcionados para memorizar datas, decorar verbos e efetuar operacoes automaticas. Somos treinados para sermos automatizados, sendo que, como felizmente pontuou o autor, a complexidade social exigir que esses aspectos sejam drasticamente mudados. Nao adianta engolirmos conhecimento como se ele fosse facil de digestao. Precisamos usar a sala de aula como um espaco para debates e oportunidade para reformular os nossos conceitos. Ja nao somos mais massa, somos seres em constante falta de referencia, pois a morte do pai ja se efetou em nosso cotidiano, escolas e igrejas ja nao pertence a locus de instituicao suprema. Essa crise afeta automaticamente a esfera educacional, pois o aprendizado unidirecional e inoperante em nossos dias. Insistir nessa estrutura so aumenta em numeros absurdos a estupidez intelectual brasileira.
bjos.
muito bom texto.